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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Viciados na bondade de estranhos MARIA BETHÂNIA


Veja - 28/03/2011

Ou, mais precisamente, na caridade do contribuinte: os artistas consagrados que pedem

dinheiro público estão dentro da lei, mas fora dos limites da ética

Maria Bethânia e Gal Costa são duas das maiores intérpretes brasileiras. Nando Reis,

Ex-integrante do grupo de rock Titãs, teve suas composições-solo gravadas por cantoras

como Marisa Monte e Cássia Eller. O grupo Tchakabum não tem esse tipo de prestígio

(Kleber Bambam, vencedor do primeiro Big Brother, era louco por suas canções), mas

vende discos e lota shows. Nas últimas semanas, entretanto, esses artistas estiveram em

evidência não por suas eventuais qualidades, e sim pela indignação que provocaram quando

veio a público que estão entre os vários contemplados pelo Ministério da Cultura com

autorização para captar verbas acima de 1 milhão de reais por meio dos benefícios fiscais

previstos na Lei Rouanet (veja o quadro abaixo). Do pomo de vista legal. nada impede

que artistas consagrados busquem esse recurso. Nem que o Minc aprove seus projetos;

todos os processos citados correram dentro do escopo da lei. A questão que se apresenta é outra se é ético que os artistas peçam o que na prática não passa de subsídio estatal para sua carreira, e legítimo que o Minc acolha propostas como a que beneficia Maria Bethânia, para um blog em que a cada dia será postado um novo vídeo com ela declamando poesia. Até prova em contrário, a única coisa que o pÚblico de Bethânia espera dela é que cante. E esse público, aliás, é apenas uma fração de um conjunto bem maior, o dos contribuintes que a financiarão compulsória e involuntariam ente – muitos dos quais não têm interesse em ouvi-Ia cantar, muito menos declamar. Isso é, como bem definiu o músico Zé Rodrix, "usar o dinheiro de muitos para financiar a aventura pessoal de poucos".

A Lei Rouanet foi criada em dezembro de 1991 para estimular as empresas do país a

investir na área cultural e retirar parte desse ônus do estado. Como contrapartida, ela

permite abater até 4% do imposto devido. Ou seja, o dinheiro não sai dos cofres do

Ministério da Cultura - mas é, sim, dinheiro público que poderia ser aplicado tanto em

projetos culturais merecedores como em saúde, educação ou qualquer outro setor. Os

nomes mais conhecidos costumam sair ganhando com a Lei Rouanet porque, além do

desconto no Fisco, a vantagem para as empresas está em associar sua marca a um artista

que lhes dê projeção. Muito mais dificuldade encontram os projetos de música erudita e de

artistas iniciantes ou experimentais. De instrumento para movimentar a cultura, então, a Lei

Rouanet muitas vezes é brandida como ferramenta para o assistencialismo de privilegiados.

Poderia ser pior: certas correntes usam essas distorções na aplicação da lei como argumento

para pregar sua reformulação - segundo a qual o Minc seria empossado como distribuidor

de verbas, o que transformaria a pasta naquele vergonhoso balcão de negócios que era, por

exemplo, a extinta Embrafilme.

VEJA teve acesso aos requerimentos dos quatro artistas citados, bem como aos de Erasmo

Carlos, Zizi Possi e da filha de Elis Regina. São de causar espanto os valores pedidos por

alguns deles. Maria Bethânia, por exemplo, achou que merecia ganhar 600 000 reais para

ser diretora artística de seu próprio projeto, e pretendia remunerar o moderador do blog

com rendimentos finais de 120000 reais. Ga1 Costa, que vai realizar 25 ensaios e oito

shows para um tributo ao compositor Tom Jobim (já revisitado por ela em um passado

não tão distante), classificou como "populares" ingressos no valor de 50 a 100 reais. Já o

Tchakabum, em sua cruzada para divulgar o gênero neopagode, vai gastar 162000 reais em

cada um de seus dez shows gratuitos nas praias do Rio. Se não barraram essa festa toda,

os avaliadores do MinC ao menos corrigiram alguns valores. Os 600000 reais de Maria

Bethânia viraram 302500 e os 120000 do moderador do blog, 72000. Os ingressos de Gal

Costa baixaram para a faixa de 30 a 60 reais - que continua nada tendo de popular.

Em países como os Estados Unidos, é comum que os artistas retribuam um pouco do

carinho recebido nos primeiros anos de carreira. O ator Brad Pitt e o saxofonista Branford

Marsalis ajudam na construção de casas para os desabrigados em Nova Orleans. O ator

Jack Black, famoso por suas comédias escatológicas, contribui financeiramente com a

Filarmônica de Los Angeles. Tony Bennett, talvez o último grande cantor de jazz, criou

programas musicais em sete escolas de Nova York e fundou a Escola de Artes Frank

Sinarta na mesma cidade. Parti LuPone, artista que reina nos palcos da Broadway mas está

longe de ser milionária, é uma das principais colaboradoras da Juilliard School, emérita

formadora de músicos e atores do primeiro time. O artista brasileiro, por sua vez, sempre

dependeu da bondade de estranhos. Foi mimado nos tempos gordos da indústria fonográfica, ganhou fama e dinheiro com shows e ocasionais vendas de discos. E hoje, quando as transformações no mercado não o favorecem, acha que o estado lhe deve o favor de bancar seus sonhos. Mesmo que a cortesia seja feita com chapéu alheio - o de seu público. Em meio a essa guerra de vaidades e vontades, o Tchakabum até que faz menos feio: seus shows pelo menos serão gratuitos. O prejuízo do contribuinte, no caso, se concentrará mais no aparelho auditivo que no bolso. •

DINHEIRO DE GRAÇA

Alguns dos últimos contemplados pelas leis de incentivo fiscal


Projeto: O Mundo Precisa de Poesia, um blog com 365 vídeos de poemas declamados pela

cantora baiana, que hoje lança seus discos pelo selo independente Biscoito Fino Quanto foi

autorizado a captar: 1,35 milhão de reais







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