[Valid Atom 1.0]

sexta-feira, 1 de abril de 2011




Crime impossível

Justiça solta homem que tentou furtar um alicate; veja decisão

Wilson da Silva Bento, acusado de tentar furtar um alicate, vai ser colocado em liberdade. A decisão foi do juiz Rogério Montai de Lima, que responde pela 3ª Vara Criminal da comarca de Porto Velho (RO). Segundo o magistrado, a doutrina e a jurisprudência orientam que ficando evidenciado que o ofendido não sofreu dano relevante ao seu patrimônio é de se aplicar o princípio da insignificância evitando-se, com isso, a banalização do litígio.

Consta na denúncia (peça acusatória oferecida pelo MP/RO), que no dia 11 de março de 2011, em um supermercado da capital, Wilson da Silva Bento tentou furtar um alicate de corte. O furto não foi concluído devido a intervenção dos funcionários do estabelecimento comercial. De acordo com os sistema de segurança, ele teria colocado o alicate dentro da roupa e saído do local sem efetuar o pagamento.

Para o magistrado toda consequência poderia ter sido evitada se o operador das câmeras de segurança da empresa "vítima" acionasse um funcionário para, imediatamente, questionar o acusado sobre os motivos que este teria guardado o objeto na roupa. "Ficou evidente o crime impossível, pois preferiu-se aguardar a saída do supermercado para só depois, abordar o acusado", explicou.

Ainda segundo Rogério Montai, o caso do denunciado Wilson da Silva Bento não é de polícia ou de justiça, é de política social é de inclusão, pois quando interrogado, disse que é viciado em crack há nove anos e que, confessando a prática, disse que gostaria de ser submetido a tratamento de desintoxicação. "Portanto, entendo que ele não pode, receber em troca, um processo, principalmente da forma que foi narrada na peça acusatória. Por esta razão rejeito a denúncia e ordeno o arquivamento destes autos e expeça-se imediatamente o alvará de soltura". Veja a decisão:


V i s t o s,

Informa a denúncia oferecida que no dia 11/3/2011, por volta das 20h00min, no estabelecimento comercial denominado Supermercado Gonçalves, localizado nesta cidade, o denunciado tentou subtrair um alicate de corte, cor vermelha, marca Facazil, pertencente a vítima, e que somente não consumou seu intento por circunstancias alheias a sua vontade, consistente na intervenção dos funcionários do estabelecimento comercial.
Narra a peça acusatória que o denunciado entrou no supermercado, subtraiu o alicate e o escondeu dentro de suas vestes, conduta delituosa percebida pelo funcionário/testemunha por meio das câmeras de segurança. Complementa a Denúncia que o acusado, após sair do supermercado sem efetuar o pagamento, foi abordado pelo respectivo funcionário que o convidou a dirigir-se até o interior do supermercado a fim de ser revistado quando então se constatou que a res estava dentro da cueca do denunciado. Aduz que foi acionada a Polícia Militar, que compareceu no local e deu voz de prisão em flagrante delito ao denunciado.
Por esta razão, o acusado foi denunciado como incurso no art. 155, c.c art. 14, inciso II do Código Penal Brasileiro.
Relatados.
Decido.

Verifica-se que estamos diante de uma acusação de Furto Tentado de um Alicate de Corte, avaliado em R$19,68 (conforme declaração do fiscal da loja), cuja vítima é um Supermercado de grande porte local.O fato ocorreu em 11/3/11 e o acusado encontra-se preso até a presente data por este mesmo motivo. São vinte dias de prisão até hoje. Vinte dias da realidade carcerária dos presídios brasileiros.Confesso que pensei em decidir em poucas linhas a presente questão. Procurei por certo não me indignar com o -sistema- processual e penal brasileiro. Que motivos ou fundamentos eu poderia me utilizar para, primeiro determinar a imediata soltura do denunciado, e/ou não receber a presente denúncia
Obviamente que motivações jurídicas para não receber a presente denúncia não faltam.
A começar pelo início dos fatos, noto que toda conseqüência poderia ter sido evitada se o operador das câmeras de segurança da empresa vítima acionasse um funcionário para, imediatamente, questionar o acusado sobre os motivos que este teria guardado o tal alicate em suas vestes. Preferiu-se aguardar a saída do Supermercado para só depois, abordar o acusado. Há crime (im)possível nesse caso?Poderia parar por aí a fundamentação se não fossem outras questões periféricas também importantes que prefiro enfrentar.
Nos últimos tempos, temos notado uma avalanche de situações que preocupam o Brasil e o mundo. Saindo da esfera jurídica e adentrando no campo social e político, algumas trágicas notícias nos assolam e mais dia menos dia, também serão levadas de algum modo ao crivo do Poder Judiciário aqui ou em qualquer canto do Mundo.
Em escala global importa mencionar os massacres e a ditadura na Líbia; os milhares de mortos na tragédia dos nossos irmãos japoneses em seu maior terremoto da história, 900 vezes mais intenso do que o que devastou o Haiti, onde especialistas já começam avaliar os impactos sobre a economia mundial; o problema das ditaduras vizinhas e o reflexo em nosso País. Em terras brasileiras, não menos graves, a exorbitante carga tributária nos imposta sem uma contraprestação razoável (arrecada-se no Brasil 35% do PIB); a precária saúde pública; o frágil sistema de segurança pública; o número de casos de dengue no Brasil triplicou em comparação a 2009; o engajamento do governo para a volta da CPMF; os escândalos da política e da vida pública de nossos representantes; a devastação das drogas; o reajuste no Bolsa Família que tendeu a se concentrar nas crianças e nos jovens, diminuindo repasses para adultos e pessoas mais idosas; o fato de nenhuma universidade brasileira ter sido incluída no ranking das 100 melhores do mundo da Times Higher Education; estudos apontam que os homicídios cresceram em quatro das cinco regiões brasileiras; os problemas de compatibilização entre desenvolvimento e preservação ambiental.
Se estes fatos são importantes e nos chamam atenção (deveriam chamar), inclusive, certamente em virtude de seus reflexos e, num futuro não distante, acabarão batendo às portas do Judiciário, ao contrário, a conduta perpetrada pelo denunciado não pode ser considerada relevante, especialmente para o direito penal.
A caracterização da atipicidade, que permite o sobrestamento da persecução penal, em face da aplicação do princípio da insignificância, tem lugar quando se puder verificar, em relação à conduta perpetrada pelo agente, uma ofensividade mínima, em que a ação, apesar de encontrar tipificação no ordenamento pátrio, além de não representar periculosidade social, também conte com grau de reprovabilidade irrisório, mercê de o ataque ou a omissão levados a efeito pelo investigado não implicarem lesão expressiva ao bem jurídico penalmente tutelado, o que permite, como nos caso, o reconhecimento do chamado crime de bagatela que se caracteriza por não deter caráter penal relevante.Ainda assim, sem levar em conta os limites da pretensão punitiva, estamos discutindo aqui uma acusação de furto tentado (crime impossível) de um alicate contra um grande supermercado que tudo acompanhou pelas câmeras de vigilância.Temos no momento nesta Vara Criminal 1121 processos e uma média de 4 audiências todos os dias. O sistema carcerário estadual é superlotado (como em todo Brasil) e mundialmente conhecido pelo seu lado negro (existe outro?) e precário.
O judiciário não pode (e nem vai conseguir) ser considerado, em todos os casos, como o salvador de todos os males, o –chancelador- de todas as pretensões. O caso do denunciado não é de polícia ou de justiça, é de política social é de inclusão (sim, ela existe e pode ser implantada, basta boa vontade). O acusado, quando interrogado, disse que é viciado em crack há nove anos e que, confessando a prática, disse que gostaria de ser submetido a tratamento de desintoxicação. Não pode, receber em troca, um processo, sobretudo, quando tudo aconteceu da forma como narrado na denúncia.Farei outra duas perguntas:
O presente caso é de tratamento policial e judicial? Justifica-se movimentar toda máquina estatal para (não) solucionar questão?
Observe-se que o caso iniciou movimentando a polícia militar. Posteriormente, dias e dias foram dedicadas pela estrutural policial civil para concluir o inquérito. Após remessa, mais dias dedicados pelo Ministério Público que entendeu ser o caso de apresentar denúncia. E cá está a função jurisdicional debruçada sobre o tal furto tentado do alicate.
Processo e prisão resolvem o presente caso? Quem espera (e acredita) isso?Hei de fundamentar o quê? Não sei se já começo com o princípio da insignificância ou primeiro alego a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não sei se argumento sob o prisma do furto de bagatela ou sobre valores constitucionais, princípio da não culpabilidade, intervenção mínima, falência do sistema carcerário. Talvez seja interessante fundamentar que prisão cautelar no Brasil é completa exceção e que a mesma exceção tem virado regra.

Se o papel aceita tudo (deveria recusar as vezes), só tenho me policiado para não me tornar insensível aos fatos que tenho julgado.Sei perfeitamente que o princípio da insignificância, a ensejar o conseqüente reconhecimento da atipicidade de conduta ilícita, não pode se limitar à verificação do valor econômico do bem jurídico protegido. Por isso nem estou a mencionar por vezes os irrisórios R$ 19,68 aos olhos da vítima Supermercado. Tem-se, a par do valor do objeto, considerar, também, outros elementos a retratarem a insignificância jurídica da conduta do agente. A conduta do acusado é materialmente típica? Há justa causa para deflagração de uma ação penal? Sinceramente, entendo que não.

O valor dos bens furtados é irrisório, uma ninharia para uma pessoa jurídica do porte da vítima, e, além disso, o –crime- sequer chegou a ser consumado.É caso de atipia material ou conglobante, dada a insignificância da lesão ao bem jurídico penalmente protegido.Orientam doutrina e jurisprudência que ficando evidenciado que o ofendido não sofreu dano relevante ao seu patrimônio é de se aplicar o princípio da insignificância evitando-se, com isso, a banalização do litígio.Anote-se que não caminho sozinho na tese, estando em sintonia com a Corte Superior de uniformização. Confira-se a orientação da 6ª Turma do E. STJ:PROCESSO PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. VALOR IRRISÓRIO. MATERIAL. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DO ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO III, DO CPP. ORDEM CONCEDIDA.

A material - que faz parte do conceito de - consiste em averiguar se uma conduta formalmente típica causou ofensa intolerável ao objeto jurídico penalmente protegido; A conduta de subtrair um carregador e uma capa de celular do Supermercado Carrefour, no valor total de R$ 56,40, não constitui crime de furto, pois inexistente a material; Na aplicação do leva-se em conta, tão só, o valor coisa subtraída e nunca a utilidade que propicia ao proprietário ou possuidor, à vista do bem jurídico que se tutela, o patrimônio; Ordem CONCEDIDA para ABSOLVER o Paciente com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal (HC41638/MS; Hábeas Corpus 2005/0019248-7, Rel Paulo Medina, 6ª Turma, DJ 17.04.2006 p. 209).Furto (pequeno valor). (inexistência). 1. A melhor compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas coisas quase sem préstimo ou valor. 2. Antes, falou-se, a propósito, do adequação social; hoje, fala-se, a propósito, do Já foi escrito: Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se. 3. É insignificante, dúvida não há, a lesão ao patrimônio de um clube em decorrência subtração de vinte quilos de fios de cobre. 4. A é claro, mexe com a donde a conclusão de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem crime. 5. Recurso especial conhecido e provido. REsp 663912/MG;Recurso Especial 2004/0078383-7; Rel Nilson Naves, 6ª Turma, DJ 05.06.2006 p. 325).Também na via local, o mesmo pensamento foi o da Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça deste Estado:Tentativa de furto. Valor ínfimo. Princípio da insignificância. Aplicação. Antecedentes. Indiferença. O sistema judiciário deve se preocupar com as infrações de potencialidade lesiva relevante, portando o réu acusado da tentativa de furto de três CDs, de valor ínfimo, deve ser absolvido dessa imputação, em atenção ao princípio da insignificância, não obstante registrar antecedentes, pois deve se levar em consideração apenas os aspectos objetivos do delito (Ap. Crim. Nº 100.007. Rel. Des. Cássio. Julgado em 09/11/05).

Todavia nem são estes os fundamentos (jurídicos) que prefiro invocar. Para o presente caso, fico com as considerações iniciais e no sonho da razoável e verdadeira justiça. Nessas condições, melhor reconhecer, desde logo, a insignificância da lesão ao patrimônio da vítima e, por conseqüência, a atipicidade material dos fatos, rejeitando-se a inicial.

PELO EXPOSTO, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, rejeito a denuncia e ordeno o arquivamento destes autos, com as anotações e baixas pertinentes. Expeça-se IMEDIATAMENTE Alvará de Soltura em favor do acusado, de por outro motivo não estiver preso. Porto Velho - RO , quinta-feira, 31 de março de 2011 . Rogério Montai de Lima Juiz de Direito Substituto




LAST

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: