'Eu vou dar um jantar para quem resgatá-la', acrescenta, bem humorado.
Vinhos são considerados obra de arte por enólogos e conhecedores.
Isabel Clark Especial para o G1, no Rio
Um morador de rua, que estava descalço e de camiseta regata, segundo mostram as imagens das câmeras de segurança, roubou uma garrafa vazia do vinho tinto francês
Romanée Conti, safra de 1997, na madrugada desta quinta-feira (8) no restaurante Osteria Dell'Angolo, em Ipanema, Zona sul do Rio. A informação é do empresário Luciano Pessina.
A garrafa estava exposta porque foi servida num jantar de comemoração em 2002, ano em que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições e se tornou presidente da República.
O polêmico “mimo” foi dado a Lula pelo publicitário da campanha, Duda Mendonça. No restaurante, naquela noite de 2002, foi celebrado o aniversário do então coordenador da campanha presidencial, Antonio Palocci, que se tornaria ministro da Fazenda do novo governo..
Não era ladrão profissional, diz Pessina
Segundo o dono do restaurante, o italiano Luciano Pessina, um morador de rua quebrou a janela e entrou no local, por volta das 3h da madrugada, levando, além da garrafa vazia, outras sete garrafas - vinho, uísque e licor.
“Ele estava descalço, usava bermuda e camiseta regata, era magro, tinha o cabelo raspado e a barba por fazer. Nitidamente não era um ladrão profissional.”, afirma Pessina, que tem as imagens feitas pelas câmeras de segurança do local.
Pessina ficou aliviado porque o visitante indesejado não chegou perto da adega cheia de rótulos e nem do escritório.
Sobre a garrafa do famoso vinho, Luciano Pessina disse: “A gente usava como lembrança. Afinal, não é todo dia que um presidente come aqui. Era uma marca nossa. Tinha um valor sentimental, simbólico”. Veja, abaixo, um infográfico sobre a região onde é produzido o vinho.
“Eu estou pensando em oferecer um jantar para quem conseguir resgatar essa garrafa. Se estivesse cheia, aí sim seria um prejuízo para nós”, disse bem humorado o dono da Osteria Dell'Angolo.
O furto foi registrado na 14ª Delegacia de Polícia (Leblon).
Sobre o vinho
Para os conhecedores, o Romanée-Conti é um vinho que teria ultrapassado a sua natureza e se transformado em obra de obra de arte. Elaborado com a uva pinot noir, e procedente da região da Borgonha, na França, o vinho, produzido pela Domaine de la Romanée-Conti (DRC), é disputado por enófilos, poderosos e milionários do mundo todo. São fabricadas, por ano, apenas 5.500 garrafas. Um exemplar da safra de 2004 custa, em média, R$ 11 mil.
A AUDÁCIA
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Quem o Lula pensa que é, tomando Romanée-Conti? Gente! O que é isso? Onde é que estamos? Romanée- iiiiiiiiiiiiiii Conti não é pro teu bico não, ó retirante. Vê se te enxerga, ó pau-de-arara. O teu negócio é cachaça. O teu negócio é prato-feito, cerveja e olhe lá. A audácia do Lula!
Hoje tomam Romanée-Conti, amanhã vão querer o quê? No mínimo se achar iguais a nós. Pedir os mesmos direitos. Viver como a gente, que tem berço, que tem classe, que tem bom gosto e portanto merece o melhor. E nós sabemos como isso acaba. Logo, logo vão estar querendo subir pelo elevador social.
O Lula tomando Romanée-Conti... Ora faça-me o favor. Que coisa grotesca. Que coisa ridícula. Que acinte. Que escândalo. E que desperdício. Vai ver ele não sabe nem pronunciar o nome, quanto mais apreciar o sabor. Vai ver derramou um pouco pro santo, na toalha. Romanée-Conti não é pra gentinha, não, Lula. As coisas boas da vida são para as pessoas finas do mundo, não pra pé-rapado que bota gravata e acha que é doutor. Muito menos pra pé-rapado brasileiro.
Está bom, foi só um gole. Mas é assim que começa. Hoje tomam um gole de Romanée-Conti, amanhã estão com delírio de grandeza, pedindo saneamento básico, habitação decente, oportunidade de trabalho e até — gentinha metida a grande coisa não sabe quando parar — mais saúde pública, mais igualdade e caviar. Enfim, essas coisas que intelectual comunista põe na cabeça deles. Sim, porque a índole natural da nossa gentinha, em geral, é boa. Se pudessem escolher, escolheriam angu aguado e vinho Boca Negra, coisas autênticas, às vezes mortais, mas pitorescas. Como eles, que até hoje nunca tinham incomodado ninguém, que até hoje conheciam o seu lugar. Agora, depois da gentinha provar Romanée-Conti, ninguém sabe o que pode acontecer neste país. Deram álcool para os índios! Nenhum branco está mais seguro.
O Lula tomando Romanée-Conti... É o cúmulo. É uma inversão completa dos valores sob os quais nos criamos, segundo os quais se Deus quisesse que os pobres tomassem vinho de rico daria uma ajuda de custo. É o fim de qualquer hierarquia social, portanto o caos. Ainda bem que ainda existem patriotas alertas para denunciar o ridículo, o acinte, o escândalo, e chamar o Lula de volta à humildade. Para mandar o Lula se enxergar.
Sim, porque hoje é Romanée-Conti e amanhã pode ser até a Presidência da República. Gentinha que não conhece o seu lugar é capaz de tudo.
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Surpreendente não foi, apenas, a quantidade de pessoas que levaram a sério as palavras de Veríssimo. Mais surpreendente foi o apoio que Veríssimo recebeu de alguns, concordando com o que foi escrito.
Agora, passados alguns anos, entende-se melhor.
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"Quando o leitor não entende o que o jornalista escreveu, a culpa é sempre do jornalista. Peço desculpa a quem não entendeu a intenção da coluna. O alvo era o preconceito social implícito na reação desmedida ao fato do Lula ter tomado um bom vinho. Talvez tenha faltado o aviso "Atenção: ironia". De qualquer jeito, culpa minha."
A crônica foi publicada no GLOBO em 15/10/2002
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