Em São Paulo
Acolhendo pedido do Ministério Público de São Paulo, o juiz da 1ª Vara de Itapecerica da Serra, Antonio Augusto Galvão Hristov, determinou o adiamento do júri de Marcos Roberto Bispo dos Santos, um dos acusados da morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André. O júri, que estava marcado para 3 de outubro, deve ser realizado em 18 de novembro, logo após o segundo turno das eleições.
O julgamento dos outros seis acusados ainda não tem data prevista. Cinco deles ingressaram com recurso contra a sentença que os leva a júri. A Justiça entende que pesa contra eles indícios suficientes de autoria para que sejam submetidos ao conselho de sentença.
O MP paulista publicou designação para que o promotor de justiça Francisco Cembranelli, que atua no 2º Tribunal do Júri da Capital, atue no julgamento de todos os réus no caso. Cembranelli se notabilizou depois da condenação do casal Nardoni pela morte da menina Isabella.
A Procuradoria-Geral de Justiça trata o julgamento do caso Celso Daniel como um dos mais importantes na esfera criminal. Por causa disso indicou uma “tropa de choque” que, além de Cembranelli, terá na tribuna de acusação outros promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do ABC paulista. A tese a ser sustentada é a de que o crime nada tem a ver com latrocínio (roubo seguido de morte) ou extorsão, mas que foi planejado e executado por motivação política.
Entenda o julgamento
O MP denunciou oito pessoas por envolvimento no crime –mas apenas sete vão a júri. Para a promotoria, o assassinato do prefeito foi encomendado por motivo torpe (por promessa de recompensa) e o juiz reconheceu que houve essa motivação.
Estarão no banco dos réus Ivan Rodrigues da Silva, José Edson da Silva, Itamar Messias dos Silva Santos, Marcos Roberto Bispo dos Santos, Rodolfo Rodrigues dos Santos Oliveira e Elcyd Oliveira Brito.
O júri será comandado pelo juiz Antonio da França. Os acusados serão julgados pelo crime de extorsão seguido de homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa da vítima). A pena máxima é de 30 anos.
No entanto, o principal suspeito apontado pelo Ministério Público como mandante do crime, Sérgio Gomes da Silva, não irá a julgamento. O processo contra ele foi desmembrado e o andamento da acusação depende da entrega de provas solicitadas pela defesa. Sérgio Gomes nega participação no crime.
O caso
O ex-prefeito foi entrado morto em 2002, numa estrada de terra de Juquitiba (SP), com marcas de tortura e alvejado por oito tiros. Ele estava sequestrado havia dois dias. Celso Daniel e Sérgio Gomes da Silva haviam jantado em um restaurante em São Paulo e voltavam para Santo André em uma Pajero blindada.
No caminho, o carro foi interceptado e o prefeito foi levado por sete homens armados. Para o Ministério Público, o sequestro foi simulado pelo empresário, que encomendou a morte do amigo. Gomes da Silva, que responde em liberdade, nega com veemência a acusação e afirma também ter sido vítima no caso.
Celso Daniel
Celso Augusto Daniel (Santo André, 16 de abril de 1951 — Juquitiba, 18 de janeiro de 2002) foi um político brasileiro. Prefeito da cidade paulista de Santo André pelo Partido dos Trabalhadores, foi assassinado em 2002. Entre os suspeitos encontram-se criminosos comuns e políticos. Após o início das investigações, sete testemunhas morreram, todas em circunstâncias misteriosas. A Faculdade de Engenharia do Centro Universitário Fundação Santo André leva seu nome.
Índice[esconder] |
[editar] Assassinato
Celso Daniel, aos cinqüenta anos de idade, quando ocupava o cargo de prefeito de Santo André pela terceira vez, foi seqüestrado na noite de 18 de janeiro de 2002, quando saía de uma churrascaria localizada na região dos Jardins, em São Paulo.
Segundo as informações divulgadas pela imprensa, o prefeito estava dentro de um carro Mitsubishi Pajero blindado, na companhia do empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido também como o "Sombra". O carro teria sido perseguido por outros três veículos: um Santana, um Tempra e uma Blazer.
Na Rua Antônio Bezerra, perto do número 393, no bairro do Sacomã, Zona Sul da Capital, os criminosos fecharam o carro do prefeito. Tiros foram disparados contra os pneus e vidros traseiro e dianteiro de seu carro. Gomes da Silva, que era o motorista, disse que na hora a trava e o câmbio da Pajero não funcionaram. Os bandidos armados então abriram a porta do carro, arrancaram o prefeito de lá e o levaram embora. Sérgio Gomes da Silva ficou no local e nada aconteceu com ele.
Na manhã do dia 20 de janeiro de 2002, domingo, o corpo do prefeito Celso Daniel, com onze tiros, foi encontrado na Estrada das Cachoeiras, no Bairro do Carmo, na altura do quilômetro 328 da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), em Juquitiba.
[editar] Inquérito policial
A polícia de São Paulo concluiu o inquérito sobre a morte de Celso Daniel no dia 1 de abril de 2002. Segundo o relatório final da polícia, apresentado pelo delegado Armando de Oliveira Costa Filho, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), seis pessoas de uma quadrilha da favela Pantanal, da Zona Sul de São Paulo, cometeram o crime. Entre elas estava um menor de idade, que confessou ter sido o autor dos disparos que atingiram o prefeito. O inquérito policial concluiu que os criminosos seqüestraram Celso Daniel por engano, e que confundiram-no com uma outra pessoa, um comerciante cuja identidade não foi revelada, e que seria o verdadeiro alvo do seqüestro.
Os integrantes da quadrilha seriam: Rodolfo Rodrigo de Souza Oliveira (“Bozinho”), José Édson da Silva (“Édson”), Itamar Messias Silva dos Santos (“Itamar”), Marcos Roberto Bispo dos Santos (“Marquinhos”), e Elcyd Oliveira Brito (“John”). O líder da quadrilha seria Ivan Rodrigues da Silva, também conhecido como “Monstro”. O local do cativeiro foi escolhido por Édson, que alugou um sítio em Juquitiba para essa finalidade. Dois carros foram roubados para a realização do seqüestro: uma Chevrolet Blazer e um Volkswagen Santana. A quadrilha se reuniu no dia 17 de janeiro de 2002 e ficou definido que o seqüestro ocorreria no dia seguinte.
No dia 18 de Janeiro, à tarde, teve início a operação. Monstro e Marquinhos saíram no Santana e os outros criminosos foram na Blazer. Através de um telefone celular o Monstro coordenava toda a ação. Os meliantes na Blazer começaram a perseguir o comerciante que pretendiam deter, contudo perderam-no de vista. O líder do bando, Monstro, ordenou então que o grupo abortasse a ação e que atacasse o passageiro do primeiro carro importado que fosse encontrado no caminho. Os bandidos começaram a trafegar pelas ruas da região e Monstro escolheu como novo alvo a Pajero onde viajava o prefeito Celso Daniel e o empresário Sérgio Gomes. O bando começou a perseguir a Pajero do prefeito, e a Blazer a bater nele. Itamar e Bonzinho saíram da Blazer, atiraram na direção da Pajero e tiraram o prefeito Celso Daniel do carro, rendido à força. Ele foi levado até a favela Pantanal, na região de divisa entre Diadema e São Paulo. Na favela, os bandidos retiraram Celso Daniel da Blazer, colocaram-no no Santana e levaram-no até o cativeiro em Juquitiba.
No dia 19 de Janeiro, os criminosos souberam pelos jornais que tinham seqüestrado o prefeito de Santo André. Eles ficaram com medo e resolveram desistir. Monstro, ordenou a Edson que a vítima fosse “dispensada”. Segundo os outros integrantes da quadrilha, Monstro quis dizer com isso que Celso Daniel deveria ser libertado. Contudo, Edson entendeu que deveria matar o prefeito. Edson contratou um menor conhecido como "Lalo" para matar a vítima. Edson, Lalo e Celso Daniel foram até a estrada da Cachoeira, em Juquitiba e Edson deu a ordem para Lalo matar o prefeito. Dois dias depois, o corpo de Celso Daniel foi encontrado, com oito perfurações a bala. [1]
A família de Celso Daniel não ficou satisfeita com o resultado do primeiro inquérito policial que disse que o prefeito foi vítima de crime comum, assassinado por engano por uma quadrilha de seqüestradores. Para a família do prefeito o crime teve motivação política.
O empresário Sérgio Gomes da Silva, que era o motorista da Pajero onde viajava o prefeito Celso Daniel, disse que na hora quando foi fechado pelos bandidos, a trava e o câmbio do veículo não funcionaram, o que impossibilitou a fuga e permitiu aos bandidos abrirem a porta do carro e levarem o prefeito. Uma análise pericial foi feita na Pajero e a conclusão dos peritos é que o carro não tinha nenhum defeito elétrico ou mecânico que justificasse uma falha. Segundo os peritos, se houve falha na hora, ela foi humana.
Após a morte de Celso Daniel foram ainda assassinadas sete outras pessoas, todas em situações misteriosas:
- Dionísio Aquino Severo - Seqüestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso. Uma facção rival à dele o matou três meses após o crime.
- Sergio ‘Orelha’ - Escondeu Dionísio em casa após o seqüestro. Fuzilado em novembro de 2002.
- Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil. Telefonou para Dionisio na véspera da morte de Daniel. Morto a tiros em sua casa.
- Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime pouco antes do seqüestro. Em fevereiro de 2003.
- Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom. Levou um tiro, 20 dias depois.
- Iran Moraes Redua - O agente funerário que reconheceu o corpo do prefeito jogado na estrada e que chamou a polícia em Juquitiba, morreu com 2 tiros em novembro de 2004.
- Carlos Delmonte Printes - Legista que atestou marcas de tortura no cadáver de Celso Daniel, foi encontrado morto em seu escritório em São Paulo, em 12 de outubro de 2005.
Um dos promotores do caso mostrou ao menor que alegou ter atirado no prefeito, uma foto de Celso Daniel. Este não conseguiu reconhecer a pessoa na foto, sendo posta em dúvida a hipótese de ele ter sido o autor dos disparos que vitimaram Celso Daniel.
A família pressionou as autoridades para que o caso da morte do prefeito fosse reaberto. Em 5 de Agosto de 2002 o Ministério Público de São Paulo solicitou a reabertura das investigações sobre o sequestro e assassinato do prefeito.
[editar] Hipótese de crime político
Muitos integrantes da família do prefeito morto acreditam na hipótese de crime político. Segundo o irmão de Celso Daniel, o oftalmologista João Francisco Daniel, a, o prefeito morreu porque detinha um dossiê sobre corrupção na prefeitura de Santo André. Tal hipótese é questionada por muitos, uma vez que João Francisco, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fazia oposição a seu irmão, com quem era rompido pessoal e politicamente.
João alega que seu irmão Celso Daniel, quando era prefeito de Santo André, sabia e era conivente de um esquema de corrupção na prefeitura, que servia para desviar dinheiro para o Partido dos Trabalhadores (PT). O suposto esquema de corrupção envolvia integrantes do governo municipal e empresários do setor de transportes e contava ainda com a participação de José Dirceu. Empresários de ônibus da região do ABC Paulista, como a família Gabrilli, controladora da Viação São José/Expresso Guarará, confirmou que Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, coletava mensalmente uma propina das empresas, com valores que variavam entre R$ 40 mil a R$ 120 mil. Ainda de acordo com estas denúncias, as empresas que participavam do suposto esquema seriam beneficiadas em Santo André. Para se ter uma idéia das denúncias, a filha do dono da Viação São José/Expresso Guarará, Ângela Gabrilli, contou em depoimento ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público de Santo André, e à CPI da Câmara Municipal de Santo André, realizada logo após a morte de Celso Daniel, que a Viação Padroeira, que supostamente participava do apontado esquema, ganhou a concessão de uma linha, a B 47 R (Jardim Santo André/Terminal Santo André Oeste), prejudicando a Viação São José que mantinha uma linha com itinerário semelhante. A linha da Viação Padroeira acabou fazendo com que a São José extinguisse a linha mais antiga, a T 45 (Vila Suíça/Estação de Santo André) e entrasse em prejuízo. Até então, a Viação São José não participava do suposto esquema.
Os acusados negam as denúncias e vêm se defendendo nos fóruns apropriados.
Ainda segundo depoimento do irmão de Celso, João Francisco Daniel, algumas pessoas começaram a desviar para suas contas pessoais o dinheiro, que por sua vez já era desviado ilegalmente para o PT. Celso Daniel descobriu isso e preparou um dossiê, que teria desaparecido após seu assassinato.
O presidiário José Felício, conhecido como "Geleião", disse à polícia ter ouvido falar sobre o suposto dossiê de Celso Daniel e de uma suposta ameaça de morte. O empresário Sérgio Gomes da Silva (o "Sombra"), que dirigia o carro em que viajava o prefeito na noite do seqüestro, foi indiciado pelo Ministério Público de São Paulo, acusado de ser o mandante do assassinato do prefeito. De acordo com o Ministério Público foi Sombra quem ordenou a morte do prefeito para que um suposto esquema de corrupção na prefeitura de Santo André não fosse descoberto. Sombra está preso e nega qualquer participação na morte do prefeito.
Os promotores Roberto Wider Filho e Amaro José Tomé, do Gaeco do Ministério Público de Santo André, pediram em 2005, a reabertura das investigações policiais. Por ordem do Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, o caso foi encaminhado para a delegada Elisabete Sato, então titular do Distrito Policial de número 78, nos Jardins. Os promotores pediram que o caso não fosse encaminhado novamente ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil paulista, que já havia concluído pela tese de crime comum. Mesmo após a reabertura das investigações, o delegado-geral da época, Marco Antônio Desgualdo, declarou acreditar na tese de crime comum, o que é negado veementemente pelos promotores e pelos familiares de Celso Daniel.
Um segundo inquérito, conduzido novamente por Elizabete Sato, indicada pelo então secretário Saulo de Abreu, aberto no segundo semestre de 2005, novamente levou à tese de crime comum. O inquérito, com data de 26 de Setembro de 2006, é anterior ao primeiro turno das eleições presidenciais. Sua repercussão na mídia só se deu no final de novembro de 2006.
Em 2006, familiares de Celso Daniel saíram do Brasil e buscaram asilo na França, alegando que vinham sendo vítimas de ameaças de morte por insistirem na resolução do crime.
Sete anos depois, a Justiça ainda não havia concluído as oitivas de testemunhas de defesa dos oito denunciados pelo homicídio. Quando essa fase for concluída, se a Justiça reconhecer que há indícios suficientes de serem os réus os autores, irá submeter o processo ao julgamento final no tribunal do júri. Caso contrário, o Poder Judiciário poderá arquivar o processo. [2]
Médico legista do Caso Celso Daniel é encontrado morto em São Paulo
Origem: Wikinotícias, a fonte de notícias livre.
13 de outubro de 2005
Brasil — A Polícia Civil de São Paulo encontrou por volta das 14 horas de quarta-feira (12) o corpo de Carlos Delmonte Printes, 55 anos, médico-legista que examinou o corpo do prefeito de Santo André, Celso Daniel (Partido dos Trabalhadores- São Paulo) assassinado em 2002.
Delmonte dizia que o prefeito foi brutalmente torturado antes de ter sido executado. O médico também dizia que a hipótese de a morte de Celso Daniel ter tido origem num crime comum não era plausível.
Durante uma entrevista para o Programa do Jô, em setembro, Delmonte disse que recebeu pressão de políticos, entre os quais o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (Partido dos Trabalhadores- São Paulo), para que concordasse com a hipótese de crime comum. Na ocasião, Delmonte disse: "Eu fui proibido de falar pelo diretor do Instituto Médico Legal. Bem mais tarde, depois que eu comuniquei o fato ao Ministério Público, eles alegaram que era para a minha proteção e em seguida foi decretado segredo de Justiça".
Com a morte do doutor Carlos Delmonte, agora são sete o número de pessoas que morreram e que tinham alguma relação com o caso do assassinato do prefeito de Santo André.
As principais testemunhas que morreram até agora foram:
- Dionísio Aquino Severo: morto dentro prisão, em 2002. Para os promotores, ele teria informações sobre o suposto autor intelectual do crime.
- Sérgio “Orelha”: forneceu abrigo para Dionísio Aquino Severo. Foi morto a tiros em 2002.
- Otávio Mercier: investigador da Polícia Civil. Morreu depois que sua casa foi invadida.
- Antonio Palácio de Oliveira: garçom que serviu o prefeito na noite do crime. Ao fugir de uma perseguição sua motocicleta bateu num poste e ele morreu.
- Paulo Henrique Brito: a única testemunha da morte do garçom. Foi assassinado 20 dias depois.
- Iran Moraes Redua: agente funerário que reconheceu o corpo do prefeito no local do crime. Assassinado com dois tiros.
- Carlos Delmonte Printes: médico-legista que examinou Celso Daniel, encontrado morto na sua casa, na Vila Clementino, zona sul, em 11 de outubro de 2005.
Ver também
Fontes
- . As outras seis mortes Jornal do Brasil, 13 de outubro de 2005
- . Legista do caso Celso Daniel morre em SP O Estado de S. Paulo, 12 de outubro de 2005
- . Polícia encontra corpo de legista do caso Celso Daniel Folha de S. Paulo, 12 de outubro de 2005
- . Legista do caso Celso Daniel é encontrado morto em SP Último Segundo, 12 de outubro de 2005
- Clarissa Mangueira. Há um clima de terror em Santo André, diz irmão de Celso Daniel O Estado de S. Paulo, 20 de setembro de 2005
02/11/2009
às 9:59 \ O País quer SaberO caso insepulto assombra o PT
Se fosse só prefeito, Celso Daniel já teria brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Uma das maiores cidades do país, Santo André é a primeira letra do ABC, berço político de Lula e do partido. Mas em janeiro de 2002 ele já cruzara as fronteiras da administração municipal para coordenar a montagem do programa de governo do candidato à Presidência. Ocupava o mesmo cargo que transformaria Antônio Palocci em ministro da Fazenda quando foi seqüestrado numa esquina de São Paulo, torturado e assassinado a tiros.
Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiro já no momento em que o corpo foi encontrado numa estrada de terra perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Aloízio Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no visual. O olhar colérico, os trajes de quem não tivera tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, o choro dos inconsoláveis, os cabelos cuidadosamente desalinhados -- todos os detalhes da paisagem endossavam a discurseira.
Até ali, sabia-se apenas o que tinha contado o empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel. Segundo o relato, os dois voltavam do jantar no restaurante em São Paulo quando o carro (blindado) foi interceptado numa esquina por bandidos que, por motivos misteriosos, levaram só o prefeito e permitiram que a testemunha sobrevivesse. O depoimento de Sombra, que merecia ficar sob suspeição só pelo apelido, pareceu tão verossímil quando uma nevasca no Nordeste. Mas a comissão de frente não estava interessada em enxergar contradições no samba-enredo. Queria entrar logo na avenida e levantar a arquibancada no gogó.
A letra decorada pelo PT garantia que Celso Daniel fora assassinado por motivos políticos. Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes petistas. Greenhalgh informou que o presidente Fernando Henrique Cardoso não tomara as devidas providências. Animados com a indiferença do governo, como recitou o trio, os carrascos resolveram agir. Celso Daniel foi o primeiro.
Em pouco tempo, a polícia paulista prendeu alguns prontuários ambulantes, que assumiram a autoria do assassinato. O governo tucano de Geraldo Alckmin deu o caso por encerrado. Estranhamente, o PT gostou do desfecho e passou a endossar a tese do crime comum. A família de Celso Daniel não concordou. O Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando o caso. Logo emergiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim. Só que os bandidos eram ligados ao próprio PT.
Empresários da área de transportes e pelo menos um secretário municipal haviam forjado o embrião do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com as investigações em torno do mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Precisamente por isso, a turma que trocou preces por imprecações improcedentes no dia do enterro do prefeito tratou de impedir que as investigações avançassem.
Acusado de mandante do crime, Sombra ficou preso entre dezembro de 2003 e junho de 2004. Em nenhum momento os chefes do PT se interessaram por apurar seu envolvimento no episódio. Ao contrário: todos trabalharam para enterrar a história o quanto antes, como comprovam conversas telefônicas entre figurões do partido e amigos arrolados no grupo de suspeitos.
Numa das gravações, Gilberto Carvalho, que pouco antes do crime fora escalado pelo PT para instalar-se na prefeitura de Santo André como uma espécie de interventor, conversa com Sombra. Já promovido a número 1 na relação dos possíveis mandantes, Sombra andava inquieto. Carvalho, hoje secretário do presidente da República, procura tranqüilizá-lo.
“Marcamos às três horas na casa do José Dirceu”, informa. “Vamos conversar um pouco sobre nossa tática da semana, né? Porque nós temos que ir para a contra-ofensiva”. A voz de Sombra avisa que o suspeito gostou de saber da movimentação fraternal. “Vou falar com meus advogados amanhã”, diz. “Nossa idéia é colocar essa investigação sob suspeição”. Carvalho concorda com a manobra: “Acho que é um bom caminho”.
Em outra conversa, a inquietação de Sombra foi berrada ao parceiro Klinger Oliveira Souza, secretário de Assuntos Municipais de Santo André. “Fala com o Gilberto aí, tem que armar alguma coisa!”, exalta-se. “Calma, calma”, recomenda Klinger. “Estou indo praí pra gente conversar”. Sombra continua irritado: “Eu tô calmo! Eu tô calmo! Só quero que as coisas sejam resolvidas”!
Além do nervosismo de Sombra, causava preocupação à equipe de resgate o comportamento do médico João Francisco Daniel, irmão do assassinado. Ele estava convencido de que Celso se condenara à morte ao resolver desmontar a máquina de fazer dinheiro instalada nos porões da prefeitura. Extorquidas de empresas concessionárias de serviços públicos ou subtraídas de contratos superfaturados, as boladas financiavam campanhas eleitorais do PT paulista (e, como descobriria Celso, também a boa vida dos monitores do esquema corrupto).
É provável que Celso tenha aprovado a institucionalização da gatunagem. Ao notar que fora longe demais, decidiu encerrar as patifarias, documentadas no dossiê que pretendia entregar a dirigentes do PT. Ele contara a história toda ao irmão. E João Francisco se transformou em testemunha de alto risco para os padrinhos de Sombra. Como neutralizar o homem-bomba?
A interrogação anima a conversa entre Gilberto Carvalho e Greenhalgh. “Está chegando a hora de o João Francisco ir depor”, adverte o advogado do PT. “Antes do depoimento preciso falar com você para ele não destilar ressentimentos lá”. Gilberto se alarma com o perigo iminente. “Pelo amor de Deus, isso vai ser fundamental. Tem que preparar bem isso aí, cara, porque esse cara vai… Tudo bem”.
Passados sete anos, Sombra continua por aí, os Altos Companheiros continuam bem de vida. Bruno José Daniel Filho, um dos irmãos de Celso Daniel, e sua mulher, Marilena Nakano, sobrevivem no exílio como refugiados políticos reconhecidos pelo governo francês, como mostra a reportagem publicada no dia 17 de outubro no jornal Zero Hora. Resolveram fugir depois da morte de oito testemunhas, todas em circunstâncias suspeitas.
Uma das vítimas foi o legista que comprovou a inexistência de crime comum apoiado nas torturas evidentes sofridas pelo prefeito. “Lidamos com duas mortes. Uma foi a do Celso. A outra foi a morte simbólica de companheiros do PT”, disse Marilena ao repórter Gabriel Brust. Os familiares de Celso Daniel “foram usados em depoimentos na CPI dos Bingos”, escreve Luiz Eduardo Greenhalgh no segundo parágrafo da carta enviada à coluna como resposta ao texto “O primeiro andor da Interminável procissão de escândalos”. Submetido a mortes sucessivas por declarações desse gênero, Celso Daniel foi enterrado pelo PT há quase oito anos.
O caso segue insepulto.
17.4.2010
|7h38m
Carta-aberta sobre a morte de Celso Daniel
Se vivo fosse, o ex-prefeito Celso Daniel (PT), de Sandré, assassinado em 2002, teria completado, ontem, 59 anos de idade.
Bruno Daniel, irmão dele, e sua mulher, Marilena Nakano, refugiados na França, escreveram a carta-aberta abaixo.
Depois de denunciar que ele e sua família eram seguidos e ameaçados, Bruno, a mulher e os três filhos saíram do Brasil para a França em 2006.
No final de março deste ano, o governo francês concedeu oficialmente a condição de asilados políticos a todos eles.
Bruno e Marilena publicaram no Diário de São Paulo a carta-aberta que segue aqui:
"Neste dia em que Celso Daniel completaria 59 anos, nossa maneira de homenageá-lo é seguir no nosso combate na busca da elucidação de seu assassinato e punição de culpados, porque mesmo que novos acontecimentos nos animem, sabemos que eles ainda não são suficientes e que há um longo caminho a percorrer.
O desvendamento das razões do assassinato de Celso poderá nos levar ao questionamento dos fundamentos a partir dos quais é feita a política em nosso país. E quem sabe poderemos caminhar para um outro jeito de fazê-la pautada pela utopia de uma sociedade mais justa e solidária, cujo alicerce é o respeito aos direitos humanos, dentre eles o direito à vida, coisa que Celso não teve.
Neste momento podemos dizer que vemos uma luz no fim do túnel. No dia 25 de março o juiz de Itapecerica da Serra mandou a júri popular 6 dos acusados do assassinato de Celso. Essa decisão reforça a nossa crença nas possibilidades de avanços de nossas instituições.
Há no entanto que manter a vigilância e continuar a agir, e é a isto que conclamamos a todos os que consideram que na base de sua morte encontram-se elementos emblemáticos de um jeito de fazer política que achamos que pode e deve ser mudado para que episódios como esse não se repitam mais.
Entre esses elementos estão a independência entre os poderes e sua eficácia, os mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais, a manutenção das atuais prerrogativas do Ministério Publico (MP), a redução das desigualdades, a independência dos meios de comunicação de massa etc.
1. Por que tanta demora no caso de Celso?
Ora, como aceitar que inúmeros outros assassinatos já tenham ido a júri popular e resultado em condenações, enquanto que o de Celso tenha ocorrido em janeiro de 2002 e até hoje não está solucionado? O que explica essa lentidão? Como ela favorece a impunidade de sequestradores, executores de assassinatos e mandantes?
O processo de Sérgio Gomes da Silva foi separado daquele dos demais indiciados, hoje caminha de forma ainda mais lenta e ainda não há decisão se vai a júri popular. Por que há uma lentidão ainda maior para julgar este que é considerado mandante do assassinato de Celso?
2. Qual é o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) em crimes como o de Celso?
O STF concedeu habeas corpus a três dos acusados de assassinato de Celso Daniel, réus confessos, quando o encaminhamento deles a júri popular inviabilizaria sua soltura. É bom lembrar que os três já tentaram fuga de sua reclusão.
Se é injusto ficar detido sem julgamento, a argumentação do STF está longe da unanimidade: como discute o Ministério Público (MP), a partir de Lei de 2007, réus confessos desse tipo de crime só poderiam sair do regime fechado de reclusão se não houvesse julgamento, após cumprimento de 3/5 da pena, isto é, 18 anos! Mas por que o STF tomou essa decisão a apenas uma semana antes da data que o Juiz de Itapecerica comunicou sua decisão de encaminhá-los a júri popular?
Dos três réus confessos que receberam habeas corpus do STF, um está solto, enquanto os outros dois continuam presos por responderem a outros processos. Sobre este que foi solto, a vigilância se refere a adotar todos os meios para preservar sua vida até que ocorra o júri popular, marcado para 3 de agosto deste ano e para que ele esteja lá presente.
Esperamos que assim seu julgamento ocorra e se reavivem, junto à sociedade, as circunstâncias e as causas mais remotas e mais imediatas do assassinato de Celso, de tal modo que mudanças essenciais de nossas instituições sejam de fato colocadas na agenda nacional, sem o que tememos que nossa frágil democracia pouco avance. Teria o STF levado isso em conta?
Outro elemento que requer ação e vigilância refere-se ao questionamento do Dr. Podval, advogado de Sérgio Gomes da Silva, da inconstitucionalidade das atuais prerrogativas do MP. Se o mesmo STF aceitar tal questionamento, todas as provas por ele colhidas (materiais, testemunhais etc) e que provam que o crime foi planejado, que Celso foi torturado antes de ser assassinado e que há mandantes, serão consideradas ilegais e não poderão ser utilizadas no julgamento dos indiciados.
Reafirmamos o teor de nossa Carta, que foi enviada em 2007 ao STF por Hélio Bicudo, lutador incansável pelos Direitos Humanos : não é apenas a punição dos culpados da morte de Celso que estará em jogo. Se tais prerrogativas forem reduzidas, haverá enorme retrocesso institucional, uma vez que o mesmo ocorrerá com todas as provas de inúmeros outros indiciamentos e no futuro haverá menos independência para se realizarem investigações, principalmente daqueles que detêm poder político e/ou econômico.
O STF já se posicionou , por unanimidade, sobre habeas corpus impetrado por policial condenado por crime de tortura, que pediu a anulação do processo desde seu início sob a alegação de que ele foi baseado exclusivamente em investigação criminal do MP, reconhecendo, no dia 20 de outubro de 2009, o poder de investigação do MP nesse caso.
Quando o STF decidirá sobre o questionamento do Dr. Podval em nome de Sergio Gomes da Silva? Às vésperas do pronunciamento de sentença do juiz se vai encaminhar ou não este acusado a juri popular, como o fez ao conceder habeas corpus a 3 dos acusados de assassinato?
Que razões movem o STF para a tomada de suas decisões no caso do assassinato de Celso? Que forças atuam sobre ele? Haveria alguma relação com certos políticos e empresários que defendem a tese de que Celso foi vitima de crime comum? Como esperar que com essas decisões e essa lentidão da Justiça se reduza o sentimento de impunidade que impera no Brasil?
3. Qual é o papel da Polícia no caso da investigação do assassinato de Celso?
Conforme denunciamos já em 2002, a investigação realizada pelo Departamento de Homicídios e Proteçao à Pessoa (DHPP), que afirma que Celso foi vítima de crime comum, estava repleta de lacunas, contradições e falta de documentos, o que conduziu o MP a pedir a reabertura das investigações.
Que relação há entre tal tipo prática e o interesse de certos grupos do crime organizado que têm estreita relação com certos políticos e empresários, chegando inclusive a se instalar no aparelho do estado? Ou ainda, que relação tudo isso tem com os financiamentos irregulares de campanhas eleitorais, que ao fugirem da legalidade proporcionam a alguns enriquecimento ilícito?
4. Qual o papel da imprensa e do executivo com relaçao ao assassinato do Celso?
Está longe de haver um posicionamento único sobre o caso de Celso da parte da imprensa. Isso faz parte do jogo democrático.
No entanto, em livro lançado em 2008 no Brasil por Larry Rohter, do jornal New York Times, o jornalista escreve que viveu tentativa tumultuada de expulsão do nosso país, acionada pelo governo federal em 2004, em função de investigações que fazia sobre o assassinato de Celso e artigo publicado em seu jornal sobre tal fato. Em sendo isso verdade, pode-se perguntar: o executivo federal exerce alguma pressão sobre o trabalho de cobertura da imprensa quanto ao assassinato do Celso?
5. Qual o papel do legislativo no caso de Celso?
Também temos que ficar vigilantes com relação à Câmara Federal e ao Senado. Está em curso no Senado, já aprovada pelos deputados, uma lei que vem sendo chamada de « lei da mordaça » pela imprensa, para criar empecilhos à manifestaçao de promotores e juízes. No caso do Ministério Publico, reconhecido como « advogado do povo », não seria o mesmo que impedir que nós brasileiros pudéssemos nos manifestar.
Por que e em nome de quem agem os legisladores favoráveis à « lei da mordaça »?
Diante de tantas questões a enfrentar e ações a serem reforçadas e/ou desencadeadas, nos resta a luta para vermos esclarecidas as razões do assassinato do Celso e quem sabe com isso trabalhar para enriquecer a agenda Política brasileira de forma a contribuir para que assassinatos desta natureza não ocorram mais em nosso país."