Guarda de criança trazida pela mãe ao País ganha a mídia nos EUA e está na pauta de encontro de Lula com Obama
Patrícia Campos Mello, WASHINGTON; Fabiana Cimieri e Marcelo Auler, RIO
A batalha do americano David Goldman para recuperar seu filho - que vive com o padrasto brasileiro, no Rio - ganhou grande repercussão nos Estados Unidos e se transformou em saia-justa diplomática para o Brasil. O caso já foi tema de reportagem no programa Dateline, da NBC, de reportagem no The New York Times e vai ao ar em breve na CNN, que esteve com Goldman na quinta-feira.
Ao se reunir com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, na quarta-feira, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, fez questão de falar do caso. E, demonstrando o peso que a Casa Branca está dando ao assunto, deve entrar na pauta do encontro dos presidentes Lula e Barack Obama, no dia 17 , em Washington. Um protesto de pessoas solidárias a Goldman está marcado para a data e promete fazer barulho e tentar ofuscar o evento.
Com a repercussão internacional da disputa, a família da mãe do pequeno S.G. avalia que está perdendo a disputa junto à opinião pública e resolveu romper o silêncio. O tio do garoto por parte de mãe, Luca Bianchi, de 30 anos, falou com exclusividade ao Estado. Ele acusa o ex-cunhado de montar um circo. "Ele mostra um vídeo com o filho na piscina e acha que isso basta para dizer que podem ter uma vida feliz." Bianchi, que morou nos EUA próximo da irmã e do cunhado, diz desconhecer as três mulheres que aparecem como amigas de Bruna em reportagem na NBC. "Até amigas compradas eles arrumaram", afirma.
Até seis meses atrás, S. G. vivia como um garoto da zona sul do Rio, com a mãe, a empresária Bruna Bianchi, e o padrasto, o advogado João Paulo Lins e Silva, de 34 anos, na Lagoa. Os três estavam juntos havia quatro anos e esperavam a chegada da irmã caçula, Chiara. Goldman permanecia em New Jersey e, inconformado com a vinda do filho para o Brasil, brigava na Justiça dos dois países, sem sucesso, pela guarda. No dia 21 de agosto de 2008, Bruna morreu ao dar à luz. Sua morte reacendeu a disputa pela guarda de S. G..
O pai biológico, além das ações judiciais que move desde 2004 para levar o menino de volta aos EUA, conta com uma rede de amigos que criou uma campanha na internet batizada de Bring S.G. Home. Com respaldo dos americanos, após a perda da guarda do filho, Goldman acusa a Justiça do Rio de beneficiar o padrasto, ao lhe permitir ficar com o menino, mesmo sem ter laço de sangue. Lins e Silva é filho e sócio do advogado Paulo Lins e Silva no maior escritório de Direito de Família do Rio.
Desde a morte da mãe, S.G. mora em um condomínio na Barra da Tijuca, na zona oeste, com a irmã, Chiara, o padrasto e os avós maternos. "A perda da Bruna foi violenta. Unidos temos mais força para ajudar o S. a suprir a perda", diz Bianchi. "O pai veio seis dias depois que a Bruna morreu, pedindo para levar o garoto. Não tinha nem missa de sétimo dia", reclama. E estranha o interesse "repentino" pela criança. "Esse cara visa ao dinheiro. Queria sempre se dar bem em toda situação. Tem uma família desestruturada."
Segundo Bianchi, sua família decidiu não contar para S.G. que ele pode ter de ir morar nos Estados Unidos, caso a Justiça assim decida. Em fevereiro, depois de quatro anos, S.G. reencontrou o pai biológico durante dois dias, por decisão judicial. "Ele sabe que o pai quer uma aproximação, mas não falamos que o David vende caneca com a cara dele e que ele pode perder as pessoas que ama, depois de já ter perdido a mãe."
Bianchi também acusa o ex-cunhado de estelionato. Diz que Goldman falsificou a assinatura de Bruna em cheques e descontou US$ 4 mil da conta dela, depois de sua volta ao Brasil. Com base no que viu ao morar nos EUA, classifica a relação do casal como uma "farsa". Eles dormiam há três anos em quartos separados. Enquanto S.G. ficava com o pai em casa, a mãe trabalhava dando aulas de italiano. "Meu sobrinho começou a apresentar um comportamento esquisito, dizendo que a mãe não o amava por ficar menos tempo em casa", disse Bianchi. Segundo ele, as poucas cenas de que o menino se lembra da vida americana são de brigas violentas.
DEFESA
As acusações da família de Bruna foram rebatidas pelo advogado Ricardo Zamariola, que tenta na Justiça brasileira a repatriação. Com documentos do processo e uma carta da advogada americana Patrícia Apy, Zamariola demonstra que Goldman já gastou US$ 230 mil na Justiça americana, cerca de US$ 100 mil nos processos do Brasil e US$ 40 mil nas vindas ao País. "Iria gastar tanto assim para compensar como?"
Foi para conseguir pagar essas despesas que Goldman, segundo seu advogado, fechou um acordo na Justiça americana retirando do processo os ex-sogros, Silvana Bianchi e Raimundo Ribeiro, em troca de US$ 150 mil. Rebate também a acusação de que o americano sacou dinheiro da conta da ex-mulher, lembrando que foi ele quem pediu o bloqueio das contas. Zamariola contesta as acusações de que Goldman não procurava o filho. Acusa a família de Bruna de impedir os encontros dos dois.
Goldman falou algumas vezes por telefone com o filho. Mas, ao ingressar com ação nos EUA, passou a ter barradas as ligações. "O pai de Bruna, no juízo americano, admitiu que rejeitava as ligações e explicou que seus advogados disseram que ele não era obrigado a atender quem o processava."
Goldman, segundo seu advogado, guarda peças que provam a dedicação ao filho. São mais de 200 cartões eletrônicos enviados por e-mail. Há fotos dos presentes que mandava e o correio devolvia, com o carimbo de "recusado". Lembra que em nenhum processo movido por Bruna (separação e guarda) "há qualquer acusação dela contra o ex-marido ou mesmo dele contra ela". A defesa do americano tem gravações das conversas telefônicas com o filho e a ex-mulher, quando os dois já estavam no Brasil. Em uma, Bruna agradece "por você ser o pai do meu filho e você ser o melhor pai que meu filho poderia ter".
CRONOLOGIA
2000
Nasce nos Estados Unidos S.G., filho da brasileira Bruna Bianchi e do americano David Goldman
16 de junho de 2004
Com autorização de Goldman, Bruna e o menino viajam ao Rio de férias. Mas a mulher liga
dizendo que não voltará e ele só poderá ver o filho se aceitar o divórcio, na Justiça brasileira
Julho de 2004
Bruna entra com ação na 2.ª Vara de Família do Rio, pedindo a guarda do filho. O pedido é concedido. Goldman não se manifesta para não descaracterizar o "sequestro"
Setembro de 2004
Goldman entra com ação em New Jersey contra Bruna e seus pais pelo "sequestro" da criança. Ela é intimada a apresentar o filho, mas não cumpre. Goldman recebe US$ 150 mil e, em troca, retira a ação contra os ex-sogros
Novembro de 2004
Goldman pede o cumprimento da Convenção de Haia, que manda que a criança seja levada ao país onde vivia para a guarda ser discutida. Mas está prevista uma exceção - quando a criança estiver integrada ao meio -, e o pedido é rejeitado em três instâncias
Julho de 2006
A Justiça dá a guarda à mãe. Goldman recorre, mas o TJ diz que a criança está adaptada e feliz
Julho de 2006
Bruna ingressa com ação de divórcio litigioso. Goldman nada faz
Julho de 2007
O caso divide o STJ, mas a permanência de S. é de novo aprovada
21 de agosto de 2008
Já casada com o advogado João Paulo, Bruna dá à luz uma menina, mas morre no parto
28 de agosto de 2008
João Paulo obtém na 2.ª Vara de Família a guarda do enteado. Goldman entra com recurso, negado
Setembro de 2008
A 2.ª Vara da Família nega pedido de Goldman para visitar o filho. O Ministério Público afirma a necessidade de resguardar a criança
Outubro de 2008
É concedido a Goldman o direito de visitar o filho. Sua vinda é anunciada ao advogado do padrasto. Uma forte chuva levou o juiz a mandar que a visita só começasse no dia seguinte. Mas o menino não foi encontrado. Estava em Búzios com o padrasto, que disse desconhecer a vinda do americano
30 de janeiro
Após campanha, Goldman vai à TV. O caso estoura nos EUA
6 de fevereiro
Na audiência de conciliação e julgamento foi concedido a Goldman direito de ver o filho sempre que vier ao Brasil. As primeiras visitas ocorreram nos dias 9 e 10
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