Empresário lutava contra o câncer há 13 anos e morreu no Hospital Sírio-Libanês de falência múltipla de órgãos
O ex-vice-presidente da República, José Alencar, morreu às 14h41 desta terça-feira, aos 79 anos, no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, de câncer e falência de múltiplos órgãos. Alencar lutava contra o câncer havia 13 anos. Nos últimos quatro, desde que descobriu um novo tumor, enfrentou 13 cirurgias com confiança ("estou acostumado a montar em cavalo bravo"), bom humor ("estamos espantando o câncer no tiro") e serenidade ("vamos ao jogo da vida"). Mais do que as realizações políticas ou profissionais, foram grande perseverança e a vontade de viver que comoveram o país e transformaram José Alencar num exemplo para o país.
O médico Paulo Hoff, oncologista que cuidava de Alencar, disse que a equipe médica esteve ao lado do ex-vice-presidente até o último momento. “É algo que você espera, mas não deixa de ser uma notícia muito triste", afirmou. "A família esteve forte junto com ele." Hoff explicou a decisão por sedá-lo no momento em que chegou ao hospital na tarde de segunda-feira. "A utilização desses medicamentos foi uma opção da junta médica para o tratamento da dor", explicou Hoff. "Ele chegou ao hospital dessa última vez já em estado crítico.”
Empresário bem-sucedido do ramo têxtil, José Alencar Gomes da Silva nasceu em Muriaé (MG), em 17 de outubro de 1931. Foi um autêntico self-made man. Décimo primeiro filho de uma família humilde de quinze irmãos, saiu cedo de casa e começou a trabalhar aos 14 anos como balconista numa loja de tecidos, na Zona da Mata mineira. Nessa época, o dinheiro era tão curto que Alencar não tinha como pagar um quarto de pensão - alugava, então, uma cama no corredor do pensionato. Nas décadas seguintes, construiria um império têxtil, com fábricas em vários estados brasileiros e no exterior.
Só assumiu um cargo público aos 67 anos, em 1999, eleito senador por Minas. Bancou quase 100% das despesas de campanha: foram 3,8 milhões de reais. O grande salto político viria em 2002, quando, por um acordo inusitado, compôs chapa à Presidência com o PT de Luiz Inácio Lula da Silva. O recado pretendido era claro: a união entre o empresário e o ex-operário, o capital e o trabalho. O acordo assegurou ao PT mais um minuto e 24 segundos de propaganda eleitoral na TV - além do apoio posterior de uma bancada de 22 deputados federais e um senador.
Cruzada - No posto de segundo homem da República, a atuação de Alencar variou entre a discrição e ataques ao próprio governo. Logo após assumir seu mandato de vice, iniciou críticas à política econômica de seu próprio governo. Dizia que os juros altos eram um desserviço ao país e prejudicavam a população mais pobre, chegando a propor que políticos tomassem o lugar dos técnicos do Banco Central. Disse que os juros do BC não são uma forma de controlar a inflação, mas um despropósito e um “assalto”.
Apesar de não assinar formalmente, endossou um “manifesto” de seu partido à época, o PL, que afirmava que por causa dos juros altos “a estabilidade social está comprometida e, caso essa situação não seja revertida no curto prazo, a própria estabilidade política corre risco”. O documento culpava claramente a política econômica e pregava a “redução do superávit” das contas públicas, “aumentando o dispêndio público sem aumentar a carga tributária”.
‘Caixa três’ - Em 2005, o nome do então vice-presidente foi envolvido no episódio das camisetas vendidas ao PT. Reportagens revelaram que a empresa Coteminas - gigante têxtil de propriedade de Alencar - recebera do Partido dos Trabalhadores, em dinheiro vivo, 1 milhão de reais. O montante seria parte do pagamento de uma dívida de 12,2 milhões de reais, contraída nas eleições municipais de 2004 para a confecção de 2,7 milhões de camisetas.
Inicialmente, o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, disse que o pagamento constava da contabilidade oficial do PT. Depois, afirmou que o dinheiro veio dos empréstimos que o lobista Marcos Valério, notabilizado no escândalo do mensalão, avalizara para o partido. Mais tarde, Valério divulgaria uma lista dos repasses que ele teria feito em nome do PT. O dinheiro pago à Coteminas não constou da relação. “Ou Valério omitiu o nome de José Alencar ou estamos diante de um caixa três do PT”, acusou o então deputado federal Gustavo Fruet (PSDB-PR), da CPI dos Correios.
Sobraram dúvidas também do lado da Coteminas. O preço das camisetas estava acima do mercado e, embora a dívida nunca tenha sido integralmente paga pelo PT, a Coteminas não entrou na Justiça para cobrá-la.
Defesa - Entre novembro de 2004 e março de 2006, Alencar ocupou o Ministério da Defesa. Sua atuação à frente da pasta rendeu dissabores. Nacionalista empedernido, o vice-presidente não tirava da cabeça a idéia de salvar a combalida Varig, ainda que às custas dos cofres públicos. Comandou uma atrapalhada ação de lobby em benefício da companhia aérea – que, desde 1996, movia um processo contra o governo em que pedia 4,6 bilhões de reais por perdas provocadas, conforme a alegação, por planos econômicos que vigoraram entre 1985 e 1992.
Em 2007, o caso chegou à esfera do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em março de 2008, Alencar, por sua conta e risco, decidiu procurar o presidente do STJ, Edson Vidigal, para defender um acordo extrajudicial por meio do qual o governo desistiria de recorrer contra a Varig no processo.
Polêmica – Em 24 de setembro de 2009, no dia em que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovava uma resolução para conter a disseminação das armas nucleares no mundo, Alencar defendeu que o Brasil precisaria dos artefatos para ter “mais respeitabilidade”. Justificou-se dizendo que uma bomba atômica seria de grande importância para defender o patrimônio do Brasil, a extensa fronteira e o recém-descoberto pré-sal.
Em sua declaração, disse que um exemplo de como pode ser vantajoso dominar a tecnologia nucelar seria o Paquistão, que, apesar de ser um país pobre, tem assento em muitos organismos internacionais. Alencar ainda chegou a criticar os brasileiros, dizendo que “às vezes somos muito tranquilos” e que precisávamos avançar na tecnologia nuclear.
Império têxtil - Os primeiros passos do megaempresário José Alencar foram dados atrás de um balcão, em uma loja de tecidos na cidade natal de Muriaé, em 1946. Ele tinha então 14 anos e, com o apelido de “Zé Kaquim”, fez fama como vendedor. Aos 18 anos, com um empréstimo do irmão Geraldo Gomes da Silva, abriu seu primeiro negócio, um pequeno armarinho em Caratinga, na zona da mata. Começava aí sua história de sucesso.
Em 1960, assumiu em Ubá a direção da tecelagem União dos Cometas. Não demorou para tornar-se presidente da Associação Comercial local, posição em que apoiou o golpe militar de 1964. A fortuna viria na década seguinte. Conseguiu, nessa ocasião, seu primeiro financiamento da Superintendência para o Desenvolvimento do Sudeste (Sudene), para instalar uma fábrica de tecidos no norte de Minas. A Coteminas foi classificada na faixa de prioridade “A”: a categoria obrigava o órgão a investir no negócio três vezes mais do que os seus donos.
Após a eleição, em 2002, o comando da empresa trocou de mãos. No lugar do self-made man José Alencar, assumiu a presidência seu filho, Josué Christiano Gomes da Silva, então com 38 anos. Homem de educação refinada, Josué foi um aluno brilhante: concluiu entre os primeiros da classe os cursos de direito e engenharia, além do MBA da Universidade Vanderbilt, no Tennessee.
A Coteminas é dona de marcas como Artex, Santista, Calfat e Garcia. Em outubro de 2005, anunciou uma associação com a Springs, com sede nos Estados Unidos, a maior indústria americana no setor de cama, mesa e banho. A união resultou na formação da maior companhia do setor no mundo, batizada de Springs Global, com 25.000 funcionários, 36 fábricas e faturamento de 2,4 bilhões de dólares.
Família - Alencar deixa a mulher, Mariza, os filhos Josué Christiano, Patrícia e Maria da Graça, além de netos. Conforme decisão da Justiça – de primeira instância -, deixa também Rosemary de Morais, professora aposentada de 55 anos, que em 2001 entrou em 2001 com um pedido de reconhecimento de paternidade. Alencar se negou a fazer o teste de DNA, mas teve a paternidade presumida em 2010, de acordo com uma lei promulgada pelo próprio governo do qual foi vice-presidente.
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