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terça-feira, 29 de março de 2011

Alencar passou de 'patrão' a vice bem-humorado


29 de março de 2011 | 15h 19
LEONENCIO NOSSA - Agência Estado

Nascido no Distrito de Itamuri, em Muriaé, na Zona da Mata de Minas Gerais, em 17 de outubro de 1931, o empresário José Alencar ficou conhecido nacionalmente na eleição presidencial de 2002, quando o PT o apresentou como candidato na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Alencar faleceu no início desta tarde, em São Paulo, segundo confirmou o oncologista Paulo Hoff, do Hospital Sírio-Libanês.

Rico e bem-humorado, o "patrão" que avalizava a candidatura do ex-líder sindical doou, oficialmente, R$ 3 milhões para a campanha, deixou as empresas definitivamente sob a chefia do filho Josué Gomes da Silva e percorreu cidades e grotões ao lado de Lula, compartilhando gritos e palmas de multidões, nos comícios animados pela dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano.

O gosto musical de Alencar sempre foi outro. Na primeira viagem do ex-presidente ao exterior, em janeiro de 2003, o ex-vice-presidente assumiu a interinidade com estilo, abrindo o Salão Leste do Palácio do Planalto para festejar o ídolo, o compositor Ary Barroso. Cantou trechos de "Aquarela do Brasil". Também gostava das músicas do "cantor das multidões", Orlando Silva, e do sambista Noel Rosa.

O homem que iniciou a carreira política só aos 63 anos, quando concorreu sem sucesso ao governo do Estado, nunca precisou esperar uma viagem de Lula para assegurar espaço na imprensa. Com discursos que expressam as opiniões da classe empresarial, Alencar fez do cargo uma função de destaque na mídia em plena Era Lula, uma época marcada pela grande exposição da figura do presidente, com discursos carregados de metáforas facilmente compreendidas pela população.





Ao assumir o poder, em 2003, Lula decorou o gabinete do terceiro andar do Planalto com uma cadeira vermelha ortopédica. Fotos do "trono vermelho" foram divulgadas com estardalhaço por jornais e revistas. "O Lula comprou uma igual para mim", disse o ex-vice-presidente, rindo, numa das primeiras entrevistas na função a uma equipe da "Agência Estado", naquele ano, apontando para o assento com humor, no escritório no prédio anexo do Palácio.

Em 2 de janeiro, a sala do vice era uma das poucas com as luzes acesas na área central de Brasília, que abrange a Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios. Enquanto boa parte das autoridades prolongava a folga de ano-novo, Alencar despachava com assessores. Naquele dia, recebeu, novamente, a Agência Estado para falar das expectativas do ano que começava. Falou sobre o tratamento do câncer.

"Você sabe que é aquela história. Eu, por exemplo, neste tratamento meu, tenho muita fé em Deus. Tem uma verdadeira corrente no Brasil inteiro, que tem me ajudado muito. As pessoas me mandam cartas, novenas, remédios, orientações, orações", disse. "Eu não tenho medo da morte, de forma alguma. O homem tem de ter medo é de perder a honorabilidade, especialmente na vida pública", completou. "O homem que não perde a honorabilidade não morre. Não morre para os filhos, os ancestrais, os amigos, os patrícios, porque todos têm orgulho de dizer: ''Esse foi um grande amigo meu.'' Agora, quando o camarada faz coisa errada, aí, meu filho, ele em vida pode se considerar morto porque ninguém quer saber de se aproximar dele (risos). E a morte faz parte."

Alencar disse que atendia às recomendações dos médicos. "Quando Deus quer levar, leva, independentemente do câncer", ressaltou. "O câncer é um problema terrível, e nós estamos obedecendo a orientações médicas, estamos fazendo tratamento, estamos em tratamento", afirmou. Avaliou que o trabalho faz parte do tratamento. "Não parei de trabalhar, pois, talvez, seja essa outra razão pela qual eu esteja suportando tudo isso. O trabalho é motivação também. Se você não trabalha, perde a motivação. Já houve quem dissesse que a maior recompensa pelo trabalho é o trabalho. Eu sempre tive o que fazer na vida e continuo tendo."

Em tratamento desde 1997 contra a doença, Alencar disse que não considerava correto omitir informações sobre a saúde, um comportamento raro na política brasileira, marcada por dramas como o internamento repentino do presidente eleito Tancredo Neves à véspera da posse, pela situação clínica do governador de São Paulo, Mário Covas, e, mais distante no tempo, pela agonia do presidente Costa e Silva durante mais de cem dias de internação.

"Nunca omiti nada, mesmo porque o homem público não é dono de si. Ele tem de ser transparente mesmo, inclusive nisso", afirmou. "Exerço função pública, eletiva, com a maior responsabilidade. As pessoas têm de estar informadas. Provavelmente, isso tenha criado esse mito de força. Eu não sou mais forte do que ninguém. Sou uma pessoa absolutamente normal."

Bandeira

Mesmo em momentos mais críticos da enfermidade, o ex-vice não deixava de fazer comentários sobre a taxa de juros determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), e de reclamar dela. Quando dava entrada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para mais uma cirurgia de retirada de tumor, Alencar reclamou com assessores do corte de um ponto porcentual da Selic (taxa básica de juros) aprovado pelo Copom. A diminuição surpreendeu o mercado, mas não contentou Alencar. "Só isso?", disse a auxiliares. O ex-vice defendia um câmbio especial para as exportações, mas nunca deu detalhes dessa proposta e da viabilidade dela.

A figura de um empresário bem-sucedido, senador de primeiro mandato pelo PMDB de Minas Gerais e de origem pobre, encaixou-se em 2002 ao projeto do PT de dar um vice a Lula que agregasse votos e transmitisse segurança a setores financeiro e econômico. Em fevereiro de 2001, depois de entrevista com o então senador José Alencar para a revista petista "Teoria e Debate", a jornalista Myrian Luiz Alves telefonou para o presidente. "Se você procura um vice, já achou." Lula riu e pediu a gravação bruta da conversa.


Nessa entrevista à revista, Alencar, também cortejado pelos tucanos, que queriam fazer dele ministro ou qualquer outra coisa que o afastasse do PT, mandou um recado claro para o presidente de que estava aberto ao diálogo. Alencar defendeu alternância de poder como caminho para acabar com a corrupção. Disse que era preciso "acabar com a impunidade, como o roubo, porque, de outra forma, os meios para acabar com isso poderão ser não democráticos". Era tudo o que Lula queria ouvir.

O senador já pedia, na reportagem, a redução da taxa Selic, que se tornaria a principal bandeira política dele durante os seis anos de governo. As reclamações ganharam força em fevereiro de 2003, quando o juro chegou a 26,5%, o ápice no mandato de Lula. Nos dois primeiros anos de gestão, as entrevistas e discursos de Alencar contra os juros elevados incomodavam o Poder Executivo - que à época não enfrentava denúncias de corrupção e Lula ainda demonstrava receios e insegurança diante de qualquer informação sobre a política econômica. A interlocutores, o vice reclamou que a escolha do então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, um ex-banqueiro internacional que se elegeu deputado pelo PSDB de Goiás em 2002, nunca foi tratada nas conversas que o aproximaram do presidente.

Em 2003, o então influente ministro da Fazenda Antonio Palocci foi ao gabinete de Alencar, no edifício anexo do palácio, para explicar decisões do Copom de manter a Selic em taxas consideradas "abusivas" por Alencar e demonstrar que a postura dele não significava uma crise política. Um batalhão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estava no escritório, convidados com antecedência pelo vice, para ouvir as explicações. O lema da taxa de juros deu um destaque que o cargo de vice-presidente não tinha, especialmente depois de oito anos em que o pernambucano Marco Maciel, hoje no DEM, avesso a entrevistas, ocupou o Palácio do Jaburu, residência oficial, durante a administração Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Alencar, que em conversas íntimas, reclamava da postura de Lula de neutralizá-lo e afastá-lo de grandes decisões, conquistou um espaço próprio na mídia, sem vínculo com ações do conjunto do Executivo e a imagem do presidente.

Fábrica

Foi na festa de 50 anos de vida empresarial, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, em 2000, que o então senador José Alencar conheceu o "eterno" candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em fevereiro de 2001, mais pragmático que nas três eleições anteriores, Lula decidiu que valia a pena lançar o "patrão" como vice ao visitar fábricas da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), de propriedade de Alencar, em Montes Claros, no norte de Minas, e Natal.


A empresa foi fundada por Alencar em 1967 na região do Estado beneficiada pelos incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e empregava, durante a visita de Lula, 16 mil trabalhadores em 12 unidades, uma delas na Argentina. Durante as visitas, o então candidato pôde perceber também que Alencar fazia questão de preservar costumes simples do interior mineiro. Enquanto comiam linguiça com arroz, citaram "causos" e falaram das linhas de produção.

Pessoas próximas de Lula costumam dizer que o ex-presidente sempre enxergou em Alencar um outro Lula. A trajetória de alguém que venceu os obstáculos com integridade foi outro fator que definiu a escolha do mineiro para ocupar o posto de vice. Décimo primeiro dos 15 filhos de um casal humilde do interior de Minas, Alencar saiu de casa aos 14 anos para trabalhar como balconista. Nos poucos discursos sobre a vida pessoal, ele contou ter dormido em praça pública e criado aos 18 anos "A Queimadeira", uma lojinha de armarinhos e sombrinhas. Diferentemente de Lula, Alencar nunca usou o discurso do menino pobre. Autodidata, não fez curso superior. Já empresário de sucesso, viajou para Londres, onde cursou por um mês um curso de inglês. "Falo inglês para não passar fome no exterior", dizia.

Filha

A imagem de um homem público sereno e afável, que Alencar imprimiu durante sua atuação como vice-presidente, ameaçou ser arranhada no último ano da gestão de Lula à frente do Palácio do Planalto. Em junho, o juiz José Antônio de Oliveira Cordeiro, da Vara Cível de Caratinga (MG), reconheceu que a professora aposentada Rosemary de Morais, de 55 anos, era filha do ex-vice-presidente.





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