Gabriela Sylos
Do UOL Notícias
Em São Paulo
As informações estão todas guardadas em uma pasta de plástico. Qualquer recorte de jornal sobre a possível ampliação do aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, recheia o arquivo da Associação dos Moradores do Entorno do Aeroporto de Congonhas (AMEA).
O grupo, que reúne cerca de 400 moradores da região do Jabaquara - especificamente dos bairros Parque Jabaquara e Jardim Oriental - existe há cerca de quatro meses. Eles resolveram se organizar após uma
reunião entre o prefeito Gilberto Kassab (DEM), o governador José Serra (PSDB) e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, no começo de novembro do ano passado. Na época, foi anunciada a possível ampliação das pistas de Congonhas em aproximadamente 1.100 metros no sentido Jabaquara, o que resultaria na desapropriação de cerca de 2.000 imóveis na região.
"Não recebemos nenhuma informação oficial, nenhum documento oficial", afirma o presidente da AMEA, Rene Pimentel, 42, que mora no bairro há 15 anos. "Teve gente que sofreu infarto [com a notícia], colocou ponte de safena. São pessoas mais velhas que só têm essa propriedade aqui", conta o comerciante Luiz Carlos Dall, 47, que nasceu no bairro e mantém uma loja com "vista" para o aeroporto há 25 anos.
O que foi noticiado pela imprensa virou boato entre os moradores. Segundo a associação, eles tentam, sem sucesso, marcar um encontro com o prefeito para esclarecer a questão. "Eles não respondem, não querem saber. Dizem que não tem nada definido. Eles têm que vir a público e mostrar a real intenção sobre a ampliação", reclama Pimentel.
À reportagem do
UOL Notícias,
o Ministério da Defesa, o governo estadual e a prefeitura disseram ainda não ter informações sobre a ampliação.
Segundo votação informal que a AMEA fez na região, menos de 1% dos moradores são favoráveis à desapropriação. "Os que são favoráveis são inquilinos, ou seja, para eles tanto faz", segundo Dall. Já foram reunidas mais de 2.000 assinaturas contrárias à ampliação de Congonhas. "Estamos nos mobilizando, não vamos esperar um oficial [com a notificação de desapropriação]", afirma Pimentel.
Desde o início deste ano, duas audiências públicas já foram realizadas na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir as desapropriações. "Vamos entrar com ações na Justiça contra as desapropriações. Também fizemos um ofício pedindo ao prefeito que receba uma comissão de moradores do bairro. Não tivemos resposta", afirma o deputado estadual da oposição e organizador das audiências, Carlos Gianazzi (PSOL). A reportagem procurou a assessoria de imprensa do gabinete do prefeito, que informou não haver registro de nenhum pedido de reunião para tratar do assunto.
Em protesto, os moradores vão promover no começo de abril uma passeata do local do acidente da TAM, que
matou 199 pessoas em julho de 2007, até o hall de entrada de Congonhas. Seis mil panfletos já foram impressos e a AMEA espera que cerca de 500 pessoas participem do ato.
Os números da ampliação do aeroporto de Congonhas
1.100 m
a mais de pistas
2.000
imóveis seriam desapropriados
75%*
do Parque Jabaquara desapareceria
15%*
do Jardim Oriental desapareceria
1%*
é favorável à desapropriação
*Estimativas da AMEA Um aeroporto polêmicoCongonhas estava bem distante do centro urbano da capital quando foi planejado, em 1936. O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim lembra que o entorno, na época, era um grande descampado. "Não tínhamos um Plano Diretor quando ele foi feito. Depois, a região foi sendo ocupada sem planejamento", afirma. O Plano Diretor só foi elaborado na década de 60. "As pessoas se mudavam para lá em busca dos benefícios de infraestrutura", diz Wilheim.
A dona-de-casa Eliana Barbarisi, 53, mora no Jabaquara desde que nasceu. Ela não acha que houve crescimento desordenado do bairro em volta de Congonhas. "Foi o aeroporto que cresceu. Antes a distância era grande, entre o bairro e o aeroporto tinham dois morros e um espaço equivalente a um campo de futebol", lembra. "Quem está ilegal aqui é o aeroporto, não quem sempre pagou impostos", afirma Barbarisi. A moradora se refere à falta de licença de Congonhas desde a década de 30.
A Infraero encomendou recentemente um
Relatório de Impacto Ambiental (Rima) para permitir o licenciamento do aeroporto. Em janeiro deste ano, o relatório apontou que Congonhas emite ruído em excesso. "Aqui no bairro todo mundo tem problema auditivo. Eu só tenho 60% da minha audição. Vamos entrar com uma ação conjunta contra a Infraero pedindo indenização por causa desses problemas", afirma Barbarisi.
Todos os moradores ouvidos pela reportagem se mostram céticos em relação a uma possível desativação do aeroporto. "Desativação é impossível, mas queremos voltar à década de 50, quando havia limite para o tamanho das aeronaves", diz Barbarisi. "É uma utopia desativar", concorda o também morador Damagoy Ante Mário, 48, comerciante.
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Os comerciantes Luiz Carlos Dall (esq.) e Damagoy Ante Mário fazem parte da Associação dos Moradores do Entorno do Aeroporto de Congonhas
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A moradora Eliana Barbarisi mostra a faixa contrária à ampliação em frente a sua casa. São cerca de 480 faixas espalhadas pelo bairro
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Uma pasta da associação reúne diversas reportagens que já foram feitas sobre a possível ampliação
Sobre a declaração do ministro Nelson Jobim, de que as desapropriações são um
"ônus do desenvolvimento", o morador Carlos Menin, 64, engenheiro, afirma que a opinião só seria válida se o projeto fosse "viável". "Esse aeroporto não tem futuro", diz Menin. O morador Luiz Carlos Dall concorda: "se fosse seguro eu apoiaria, mas não é. Vai fazer, mas os acidentes vão continuar, vai ser problemático", resume.
Em novembro último, Jobim disse que a ampliação visava apenas a segurança, e não o aumento da capacidade do aeroporto (o limite de Congonhas é de 15 milhões de passageiros). "O que importa é o interesse político e econômico, eles não têm interesse na segurança, nem na população", alfineta Barbarisi.
Bairro residencialOs moradores do Jabaquara não comentam valores para chegar a um possível acordo com o governo. "Nem cogitamos a possibilidade de chegar a um preço [para os imóveis]", afirma o presidente da associação de moradores.
Para eles, a desapropriação não compensa em nenhum aspecto. "Eles vão querer o valor mais barato e vão demorar para pagar", afirma Eliana Barbarisi. "Uma moradora daqui já tinha sofrido desapropriação na [avenida] Águas Espraiadas. Até hoje ela só recebeu duas parcelas de um total de dez que deveria receber", diz.
O morador Luiz Carlos Dall afirma que sua casa, com 480 m² de área construída, está avaliada em R$ 750 mil, mas acredita que receberia apenas cerca de R$ 180 mil - o valor venal calculado pela prefeitura. O valor venal da casa de Damagoy Ante Mário é cerca de R$ 300 mil, mas "só com a última reforma aqui gastei R$ 400 mil", ele ressalta.
A respeito do comentário do prefeito Gilberto Kassab, feito em novembro de 2008, de que "ninguém quer morar do lado do aeroporto", os moradores são enfáticos: "ele nunca veio aqui perguntar", respondem. O barulho ensurdecedor do sobe e desce de aviões - pela contabilidade deles, é um a cada cerca de 3 minutos - parece não ser problema. "Estamos acostumados", diz Mário.
Em resposta, os moradores enaltecem os pontos positivos da região: a boa localização, o metrô próximo e os serviços locais, como a sede do laboratório Fleury e o hospital Nossa Senhora de Lourdes. "Aqui todo mundo se conhece, é um bairro antigo", diz Barbarisi. "O melhor daqui é a gente", brinca Mário.
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