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terça-feira, 27 de maio de 2014

O ex-ministro José Dirceu, preso em Brasília pelo mensalão, seria o homem por trás de negócios bilionários suspeitos na Petrobras. A acusação é de um empresário do setor petroquímico que se diz vítima do esquema. O empresário garante que tem provas das irregularidades nas compras das petroquímicas




O ex-ministro José Dirceu, preso em Brasília pelo mensalão, seria o homem por trás de negócios bilionários suspeitos na Petrobras. A acusação é de um empresário do setor petroquímico que se diz vítima do esquema.

Caio Gorentzvaig já foi um dos grandes empresários do setor petroquímico no Brasil. Ele e a família eram sócios da Petroquímica Triunfo, no Rio Grande do Sul, junto com a Petrobras. Por causa dos negócios, ele ia semanalmente a Brasília e teve uma visão privilegiada de como se desenrolou um dos mais polêmicos negócios da Petrobras no país: a compra da petroquímica Suzano.

A empresa, da família Feffer, era avaliada em bolsa em R$ 1,2 bilhão e ainda tinha uma dívida de R$ 1,4 bilhão. Mesmo assim, a Petrobras resolveu comprar a empresa por R$ 2,7 bilhões e assumiu a dívida. O total da transação foi de mais de R$ 4 bilhões.

Para convencer a Petrobras a comprar a petroquímica Suzano, um de seus donos, o empresário David Feffer, contou com o apoio de pessoas de peso.

José Dirceu está preso, condenado como um dos líderes do mensalão. Mesmo longe do governo, o ex-ministro tinha trânsito livre no Planalto. Já Paulo Roberto Costa era diretor de abastecimento da Petrobras e homem de confiança do ex-presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli. Paulo Roberto ficou dois meses preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, acusado de desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro. Ele foi solto por determinação do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.

Com o apoio de Dirceu e Paulo Roberto, David Feffer conseguiu fazer o negócio de pai para filho. Já a sócia da Petrobras na petroquímica Triunfo, a família de Caiu passou a ter problemas com a estatal, que teria impedido investimentos e o crescimento da companhia. Diante do impasse, Caio e o pai tentaram comprar a parte do governo. Mas os diretores da Petrobras foram agressivos e ameaçaram os sócios.

Caio e a família foram à Justiça para comprar a parte da Petrobras na Triunfo e o juiz chegou a propor um acordo. Uma contraproposta de R$ 355 cinco milhões. Mesmo assim, a Petrobras não fechou negócio. Até hoje, Caio briga na Justiça para ter o controle da petroquímica Triunfo.

O empresário garante que tem provas das irregularidades nas compras das petroquímicas Suzano e Triunfo. A procuradoria da República deve ouvi-lo nos próximos dias. 

Dirceu estaria envolvido em negócios na Petrobras
O ex-ministro José Dirceu, preso em Brasília pelo mensalão, seria o homem por trás de negócios bilionários suspeitos na Petrobras. A acusação é de um empresário do setor petroquímico que se diz vítima do esquema. O empresário garante que tem provas das irregularidades nas compras das petroquímicas Suzano e Triunfo. A procuradoria da República deve ouvi-lo nos próximos dias. 


zéchefidel

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 Mídia Sem Máscara republica hoje artigo do historiador Carlos Azambujasobre a trajetória de José Dirceu, um dos delinqüentes maiores da máfia petista, que posa de vítima no caso do Mensalão, do qual foi o grande operador (tendo Lula como chefão) e que agora tem a cara de pau de afirmar que o Caso Rosemary Noronha, no qual seu nome já está envolvido, não é nada mais que uma nova armação de setores conservadores. Enfim, a velha inversão revolucionária de sempre.
Uma análise de “O Último Comboio”, capítulo do livro “A Revolução Impossível”, onde o papel de José Dirceu no terrorismo financiado por Cuba é abordado.
José Dirceu, em setembro de 1988, afirmou: “Nunca fui foquista. Participei da luta armada, apoiei, achava que era necessária, mas na verdade nunca acreditei nela como forma de luta” (página 110 do livro “Abaixo a Ditadura”, escrito por ele e por Vladimir Palmeira).
José Dirceu, em um seminário do Partido dos Trabalhadores, realizado dias 15 e 16 Abr 89, às vésperas da eleição presidencial, já vislumbrando uma provável vitória de LULA, e recordando-se do treinamento militar que recebeu em Cuba, com o nome de “Cmt Daniel”, disse: “Em vez de comandar uma coluna guerrilheira, o grande sonho de minha vida, vou ter que comandar uma coluna de carros oficiais em Brasília”.
No capítulo “O Último Comboio” do livro “A Revolução Impossível”, de autoria de Luis Mir, editado em 1994 pela Editora Best-Seller, 755 páginas, há as seguintes referências a José Dirceu de Oliveira e Silva, o kamarada “Daniel”, que foi militante do PCB, depois da Ala Marighela, depois da Ação Libertadora Nacional, depois do Molipo, e hoje do Partido dos Trabalhadores.
Na página 613: “Se radicara em Cuba depois de sua saída da prisão na lista dos 15 presos libertados em troca do embaixador norte-americano. Amargou um veto logo na chegada quando pediu o ingresso no treinamento militar e na ALN. O responsável pela organização em Havana, Agostinho Fiordelísio, lhe disse que deveria se integrar ao processo com vagar e não de imediato. Havia restrições de parte da ALN à sua figura desde seu tempo como presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo e candidato a presidente da União Nacional de Estudantes: carreirista e pouco confiável politicamente. Era, o que se chamava na época, de um quadro adormecido, ou seja, à espera do que fazer. Quando foi escolhido para a tarefa, estava inscrito no treinamento militar em Pinar Del Río, num grupo de militantes de várias organizações. É isolado para se dedicar exclusivamente a isso. Apresentado por Alfredo Guevara ao ministro da Defesa, Raúl Castro durante uma solenidade, os dois conversaram muito e marcaram um novo encontro. Começou a relação política e militar entre os dois. José Dirceu teve o acesso franqueado por Raúl Castro a documentos importantes sobre estratégia militar, informação e contra-informação, segurança militar. Finalmente, faz um curso e se torna especialista em questões militares. É essa especialização (e mais o treinamento militar) que o torna habilitado, segundo os internacionalistas cubanos, a viabilizar a entrada do contingente guerrilheiro que retomaria a luta. A transformação em quadro político-militar no aparelho internacionalista cubano surpreende a todos. Nos encontros políticos dos brasileiros, na capital cubana, para discutir a realidade brasileira e a caminhada revolucionária, suas opiniões eram vistas com desdém e as propostas que fazia, todas, eram invariavelmente derrotadas”.
Na página 615, um depoimento do também banido, militante da ALN, Agonalto Pacheco:
“O planejador do novo dispositivo político-militar dentro do Brasil foi José Dirceu, que fez tudo sem a menor base na realidade e a partir de Havana. A organização não tinha condições de receber ninguém, não havia a menor segurança. Tentamos discutir isso com Piñero, Valdes, Herrera (obs: respectivamente, chefe e membros da Inteligência cubana). Não pude falar com Dirceu, que vivia isolado. Todos nós que participamos, cubanos e brasileiros, temos que ter uma visão crítica desse processo, humildade revolucionária para assumir nosso papel e nossos erros”.
Na página 617, prossegue Luis Mir:
“O Grupo dos 28” (obs: ou Grupo Primavera ou Molipo-Movimento de Libertação Popular) “como ficou conhecido, eram 32. Destes, morreram 18 (...). Os sobreviventes são Itobi Alves Corrêa, que segundo Agostinho Fiordelísio estava em pânico quando lhe pede para livrá-lo da viagem ao Brasil (vai para o Chile e depois do golpe militar naquele país se radica em Paris);Vinicius Medeiros Caldevilla, que se recusa a embarcar e consegue permanecer em Cuba trabalhando na Rádio Havana; Luiz Araújo, que inicia a viagem de regresso mas deserta em Argel; Ana Corbisier, que entrou no Brasil e com o massacre que se dá, se refugia num convento de Freiras em Salvador, Bahia, trabalhando num revista católica e submergida na mais absoluta clandestinidade por cinco anos; José Dirceu, que retornou para Cuba, onde viveria longos anos trabalhando como quadro internacionalista para o governo cubano; um camponês conhecido como Brechu e Natanael de Moura Giraldi”.
Na página 618:
“Agostinho Fiordelísio confirma que o grupo de estudantes paulistas despertou nos dirigentes cubanos algo próximo da euforia: ‘O contingente militar do PCB era, efetivamente, o melhor que a ALN tinha trazido para Cuba. O esquema foi preparado por José Dirceu em menos de seis meses. O planejamento: o grupo entraria no Brasil e começaria a agir imediatamente. Resgataria os quadros que estavam detidos, se necessário com um grande seqüestro e, com a unidade revolucionária consolidada, se iria para o campo’. O Chile de Allende, o primeiro presidente socialista do continente, eleito em setembro de 70, daria a retaguarda política do novo projeto (...)”.
Prossegue Luis Mir: “José Dirceu desembarca no Rio no final de abril de 1971, no exato momento em que o fuzilamento de Marcio Leite Toledo demole a estrutura da ALN” (obs: Marcio Leite Toledo, um quadro da ALN, cursado em Cuba, foi “justiçado” na rua, em São Paulo, em 23 de março de 1971, por seus companh eiros).Aproveita a crise pessoal e política dos contrários à execução para convencê-los de que uma retomada, com novos dirigentes e práticas, estava em curso. Hiroaki Torigoi e Silvia Peroba Carneiro Pontes engajam-se na nova travessia. A primeira tarefa encomendada por Dirceu: assaltar um cartório para conseguirem certidões de nascimento e casamento para os militantes que estavam voltando. O assalto, num cartório de Santo André, periferia de São Paulo, foi bem sucedido. José Dirceu retorna a Cuba depois de diversas viagens pelo Brasil para verificar o que sobrara depois da morte de Câmara Ferreira” (obs: dirigente da ALN, morto em dezembro de 1970): “algumas poucas pessoas, aterrorizadas, e um pequeno núcleo de dez militantes comandados por Carlos Eugênio”(Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, um dos matadores de Marcio Leite Toledo, o último dos comandantes da ALN, que logo depois, em dezembro de 1972, abandonou seus comandados e viajou para Cuba, onde recebeu treinamento armado e, na hora de voltar para o Brasil, desertou, indo viver em Paris até a Anistia), “isolados e sem capacidade militar ou operacional. Apesar disso, seu relatório, feito em Havana, é otimista: a entrada do grupo teria boas condições de segurança. O momento em que os encarregados de reorganizar o movimento revolucionário voltam ao Brasil era o pior possível, segundo Carlos Eugênio: ‘Vivíamos acesos 24 horas por dia. Não tínhamos tempo de pensar em nada mais que não fosse a sobrevivência. Os militantes da ALN descobriram que havia uma nova organização revolucionária durante o assalto à Ericsson. Numa ação conjunta do GTA (Grupo Tático Armado) e do grupo Frente de Massas, dois grupos chegam quase que simultaneamente. Todos velhos conhecidos. Os “outros” eram os recém-chegados do Molipo”.
“Lídia Guerlanda rememora o espanto com os recém-chegados e seus planos: ‘O Molipo chegou como se nada tivesse acontecido. Já tinha acontecido, sim, a tragédia. Estávamos assaltando para comer, para sobreviver’”.
“No Presídio Tiradentes, a criação do Molipo provoca reações desencontradas e uma certeza sinistra: seria um grande massacre em curtíssimo prazo (...) De fevereiro a julho de 1971, forma-se um corredor de entrada dos militantes do Molipo através do Chile (...) Outro objetivo: o recrutamento de novos quadros entre os quatro mil exilados brasileiros no Chile, um grande celeiro de quadros (...) Em julho de 1971 Reinaldo Morano faz um balanço estatístico de tempo de sobrevivência na clandestinidade: seis meses”.
Por tudo isso, pode ser dito que o kamarada “Daniel”, embora tenha recebido treinamento armado em Pinar Del Rio e acesso a documentos importantes sobre estratégia militar, informação e contra-informação e segurança militar – facilitados por Raúl Castro -, o que, teoricamente, - contrariamente ao julgamento de seus próprios companheiros - o transformou em um especialista em questões militares, foi o grande responsável pela morte de todos os seus companheiros do Molipo que, seguindo suas ordens, voltaram clandestinamente ao Brasil.
Finalmente, (página 629) “Em 18 de agosto de 1971, viria à luz, em Milão, redigido por Ricardo Zaratini e Rolando Frati, a segunda parte do documento ‘Por uma Autocrítica Necessária’. Uma análise crítica devastadora sobre a luta armada, guevarismo, debraysmo, guerrilha rural e a derrota. Esse debate duraria cerca de dois anos, a partir de uma premissa básica: retornar ao PCB ou formar um novo partido comunista”.
Muitos retornaram ao PCB e outros tantos, como o kamarada “Daniel”, formaram – ou ajudaram a formar – um novo partido: o Partido dos Trabalhadores.
Recordemos que quando de sua posse como ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu depois de elogiar o ditador de Cuba, Fidel Castro, agradeceu seu apoio nos anos 70, quando o comandante o abrigou.Dirceu dedicou parte de seu pronunciamento para lembrar episódios da sua geração. Em tom nostálgico, disse que suas primeiras palavras seriam para aqueles que lutaram com ele e não puderam ver a posse de Lula.
No início de Abril de 2003, José Dirceu voltaria ao assunto, declarando que a geração que chegou ao poder com o presidente Lula deve muito a Cuba. Lembrou que nos anos do regime militar a esquerda teve a solidariedade de Cuba com “sua mão amiga e seu braço forte”. “A geração que chegou ao poder com Lula é devedora de Cuba. E me considero um brasileiro-cubano e um cubano-brasileiro”.

Carlos I. S. Azambuja é historiador.

Publicado no Mídia Sem Máscara em 21 de dezembro de 2005.



O homem que faz
a cabeça de Lula

Voz moderada do PT, o ex-líder
estudantil José Dirceu 
foi preso
pelo regime militar, treinou guerrilha
em Cuba 
e fez até plástica no rosto
para despistar a polícia


João Gabriel de Lima e Thaís Oyama

Rafael Falavigna
Cristiano Mascaro
34 ANOS DEPOIS
O deputado hoje e na �poca das passeatas hist�ricas: discurso radical, jeito de gal� e status de �dolo pop

 Veja também
Nesta edição
Tudo pelo segundo turno
Crist�os-novos do capitalismo
Na internet
Notici�rio di�rio no site Elei��es 2002
Se Luís Inácio Lula da Silva vencer as eleições de outubro, o deputado federal José Dirceu de Oliveira e Silva, 56 anos, presidente do Partido dos Trabalhadores, se transformará no segundo homem mais poderoso do Brasil, entre os integrantes do governo. Homem de confiança de Lula, José Dirceu, que já presidia o partido desde 1995, tomou as rédeas de um PT em crise de identidade depois da derrota para FHC em 1998. Conquistou o leme com uma plataforma clara e uma intenção oculta. A plataforma assumida era fazer uma política de alianças que tirasse do partido a pecha de intransigente – viabilizando, assim, a eleição de Lula em 2002. A intenção escondida era afastar as correntes radicais do centro de decisões do partido. Teve sucesso nas duas empreitadas. Um ano antes da coligação do PT com o PL, José Dirceu já dizia, em conversas reservadas com capitães de indústrias, que o vice de Lula seria um empresário, ato que simbolizaria a união capital-trabalho. Na campanha petista à Presidência não se toma uma decisão sem o aval de José Dirceu, que controla tudo com mão de ferro. Num eventual governo petista, sabe-se que ele teria uma posição de destaque. Imagina-se que seria alguma coisa como ministro do Planejamento, pasta considerada a mais importante por Lula, ou chefe da Casa Civil, articulando nos bastidores. Um terceiro caminho, se reeleito deputado, é se transformar no líder superpoderoso do PT no Congresso Nacional.
Já é clichê falar que, caso Lula vença as eleições, o que por enquanto é apenas uma forte possibilidade aritmética, será a primeira vez que um operário chega à Presidência do Brasil. Examinada de perto, no entanto, a biografia de José Dirceu é muito mais surpreendente que a de Lula, a começar pelo fato de que é pouco conhecida. Primeiro, pela comparação entre o moderado de hoje e o mito radical dos anos 60 e 70. José Dirceu está para o maio de 68 no Brasil como Daniel Cohn-Bendit, o Dany le Rouge, para o maio de 68 francês. Ele tinha o status de um ídolo pop para os jovens universitários paulistas da época, e não apenas pela militância numa organização de esquerda, a Dissidência, que comandou várias passeatas históricas. Cabeludo, rebelde, namorador, bonitão e bem-falante, José Dirceu era também uma das referências dos estudantes da geração que ouvia rock'n'roll e falava em amor livre. Preso em outubro de 1968, durante o famoso congresso estudantil de Ibiúna, em que era candidato a presidente da União Nacional dos Estudantes, e libertado em 1969, juntamente com outros políticos, em troca do embaixador americano Charles Elbrick, José Dirceu se refugiou em Cuba, país em que recebeu treinamento para guerrilheiro. O mito tomou corpo nos anos 70, década que atravessou desaparecido. Entre seus ex-colegas de militância, muitos deles na luta armada, circulavam lendas a seu respeito – de que estaria sobrevivendo como músico em Paris, como modelo fotográfico na "swinging London" da época, ou até que teria se casado com uma condessa italiana em Milão. Entre os militares que combatiam a guerrilha, era dada como certa a sua volta para chefiar algum dos grupos armados que atuavam naquele tempo.
Muitas dessas lendas do José Dirceu radical são apenas isso – lendas. Histórias de uma época que, vista a distância e com os olhos do país democrático que o Brasil a muito custo se tornou, soa como um tempo exótico em que nos matávamos por razões políticas como se fôssemos talibãs. A vida real de José Dirceu é ainda mais espantosa do que as histórias que se criaram a respeito dele, e é possível reconhecer no radical do passado muitos dos traços do moderado de hoje. Sobre o José Dirceu guerrilheiro, pode-se dizer que ele o foi sem nunca ter sido. Falava-se em luta armada na esquerda brasileira praticamente desde o golpe de 1964. No auge da agitação, entre 1967 e 1968, o hoje deputado do PT participava de uma das duas tendências mais fortes daquele período, a Dissidência, que se desprendera do Partido Comunista Brasileiro por achar que este havia se tornado "excessivamente burguês". "Não era só isso. Éramos também modernos para a época, porque criticávamos o stalinismo e o estatismo", relembra hoje José Dirceu. Aos marxistas-leninistas da Dissidência se opunha a Ação Popular, oriunda da esquerda católica – a mesma na qual o hoje candidato José Serra, também líder estudantil, militara antes de 1964. Por volta de 1966, integrantes de várias tendências do movimento estudantil resolveram levar a teoria da luta armada à prática – e começaram a formar os primeiros grupos de treinamento. "Eu era contra essa clandestinidade forçada, era contra o movimento estudantil mandar quadros para a guerrilha", diz hoje José Dirceu. "Nem sabia sobre esses grupos, tanto que minha primeira prisão foi um espanto para mim."


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ABERTURA NO PT
Da esquerda para a direita: o sindicalista Jair Meneguelli, o hoje prefeito Marcelo D�da, o governador Ol�vio Dutra, o deputado Paulo Delgado, Lula, Vladimir Palmeira e Jos� Dirceu, em encontro do PT realizado em 1987, ano em que o partido come�ou a discutir poss�veis alian�as com outras agremia��es
Ele se refere a um episódio ocorrido no fim de 1966. José Dirceu militava no movimento estudantil, cursava direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e trabalhava num escritório. Pela primeira vez na vida, aos 20 anos, morava em seu próprio apartamento. Localizado na Rua Barão de Tatuí, no centro de São Paulo, o lugar podia ser designado pelo termo machista de "abatedouro". José Dirceu tinha uma namorada fixa, Iara Iavelberg, musa da esquerda dos anos 60 que mais tarde seria a companheira de Carlos Lamarca. Mas, seguindo a cartilha liberal da época, ele praticava o "amor livre" com quem aparecesse pela frente – contam-se aí várias estudantes e uma bailarina espanhola chamada Ivone, famosa também pelas habilidades na cozinha. Bom garfo, José Dirceu freqüentava o apartamento vizinho, ocupado por dois italianos que praticavam com maestria a culinária de seu país. Um dia, a polícia apareceu na sua casa e o prendeu. José Dirceu achou estranho. Estudava, trabalhava e tinha endereço fixo. Em pouco tempo a verdade apareceu. Os dois italianos do apartamento ao lado eram da Ação Libertadora Nacional, grupo clandestino militarizado que estava ainda em seu início, e os dois italianos figuravam entre seus organizadores. A polícia estava atrás deles. Ambos foram deportados. Os depoimentos dados em favor de José Dirceu diziam que ele era apenas um boêmio inofensivo e namorador.
Era mesmo. Ele não se satisfazia com as colegas da PUC. Vivia também na famosa Faculdade de Filosofia da USP, na Rua Maria Antônia, onde organizava o movimento estudantil e aumentava seu catálogo de namoradas. Tinha várias ao mesmo tempo e, na época em que a polícia o procurava, se escondia na casa delas. "Às vezes ele estava morando com uma, brigava e tinha de ir embora, deixando as roupas lá", conta o advogado e empresário Percival Maricato, amigo de José Dirceu até hoje. "Mandava, então, que algum amigo fosse enfrentar a fera e recuperar as roupas." Na época, a dramaturga Consuelo de Castro, então estudante da Maria Antônia, escreveu uma peça, Prova de Fogo, em larga medida baseada na vida de José Dirceu. A escritora se inspirou nele para criar o personagem Zé Freitas, um líder estudantil que é um conquistador inveterado, e que se envolve com a líder de uma facção adversária. Na época, José Dirceu, que tinha menos senso de humor do que hoje, leu a peça – que acabaria censurada – e ficou bravo. Ele achava que o texto prestava um desserviço ao movimento estudantil, ao folclorizar seu líder, chamado na peça de "Ronnie Von da esquerda", numa alusão ao cantor que mais fazia sucesso entre as jovens da época. Mas fez as pazes com Consuelo logo depois. O fraco de José Dirceu pelas mulheres era folclórico. Uma noite, enquanto tirava a roupa para dormir com uma estonteante morena de 19 anos chamada Heloísa, colocou o revólver prateado calibre 22 que sempre carregava consigo na cabeceira da cama. Heloísa o pegou e, como que examinando uma peça interessante, desarmou-o. José Dirceu desconfiou e comentou o fato com amigos, que foram investigar a vida da moça. Ela era funcionária da Secretaria de Segurança, de onde deduziram que se tratava de uma espiã do Dops. Apelidada de "Maçã Dourada" pelos companheiros de José Dirceu, por ter sido uma tentação colocada no caminho do líder estudantil, Heloísa sempre negou que tivesse qualquer segunda intenção – além, é claro, de namorar o jovem radical que atravessara seu caminho.


Arquivo Edgard Leuenroth
Arquivo pessoal
ANOS DE MILITÂNCIA
os anos 70, Jos� Dirceu com o l�der esquerdista Greg�rio Bezerra e o militante estudantil Lu�s Travassos, recebidos por Fidel Castro, em Cuba. À direita, brandindo a camisa ensang�entada do estudante Jos� Guimar�es, morto pela pol�cia em 1968, em S�o Paulo
Em 1969, depois de ser solto no episódio da troca de presos esquerdistas pelo embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado no Rio de Janeiro, José Dirceu exilou-se na Cuba de Fidel Castro. "Quando fala do passado, José Dirceu cita muito o período de militância estudantil, mas conversa pouco sobre a época em que morou em Cuba", diz o advogado Márcio Thomaz Bastos, amigo pessoal do deputado. É compreensível. O seu exílio cubano não foi nada dourado. Nas raras conversas que teve com amigos sobre o assunto, expressou seu desconforto com os métodos utilizados no treinamento militar a que foi submetido – Cuba, na época, dava apoio logístico a movimentos de luta armada na América Latina e na África. Os aprendizes de guerrilheiros eram acordados com tiros de morteiro. Os instrutores cubanos entravam no alojamento com violência, para que os "recrutas" aprendessem a nunca deixar ninguém abrir a porta sem escorá-la com o pé ou com um cabo de vassoura. Nem os momentos de folga eram tranqüilos. Se alguém se acomodava num bar de costas para a rua, o instrutor aparecia e derrubava a cadeira com o pé – para mostrar que só se deve sentar de costas para a parede. As divisões dentro da própria esquerda também o incomodaram. "Em Havana, o José Dirceu fez a política do serviço secreto cubano", diz Carlos Eugênio Paz, ex-comandante militar da Ação Libertadora Nacional. "Quando perceberam que não poderiam tomar a ALN, os cubanos fundaram outra organização, o Movimento de Libertação Popular, o Molipo. O José Dirceu não era o chefe dessa organização, mas era uma das pessoas que a apoiavam."
José Dirceu entrou clandestinamente no Brasil em 1971, para participar do Molipo. Mas não deu certo como guerrilheiro. "Treinei guerrilha, sim, mas não gostava daquilo, não me envolvi, não era a minha", relembra hoje José Dirceu. Poucos meses depois, voltou para Cuba. Em 1975, desgastado com o exílio e os cubanos, decidiu deixar em Havana o passado, a identidade e o rosto original e foi morar em uma cidade do interior do Paraná, Cruzeiro do Oeste. Por quatro anos, viveu sob a pele de uma ficção: o empresário Carlos Henrique Gouveia de Melo, paulista de origem judia, natural de Guaratinguetá, sujeito pacato e torcedor fanático do Corinthians. Durante esse período, não revelou a verdadeira identidade nem mesmo para a mulher com quem se casou e teve o primeiro filho. Clara Becker só veio a saber que o marido era um ex-preso político, libertado em troca de um embaixador seqüestrado, no quarto ano de casamento (veja quadro).
Carlos Henrique nasceu na mesa de operações de um hospital cubano. Em 1970, José Dirceu submeteu-se a uma cirurgia plástica que lhe transformou as feições. Dois cortes feitos na altura das orelhas permitiram que os médicos levantassem as maçãs de seu rosto, e um terceiro, logo acima do lábio superior, serviu para que lhe implantassem uma prótese no nariz. Originalmente reto, tornou-se ligeiramente adunco. O resultado, se prejudicou sua aparência, ajudou-o a preservar o pescoço – desafio que poucos de seus pares venceram. Dos 28 brasileiros com quem morou em Havana, em 1969, no sobrado que seria depois citado como a "Casa dos 28", nada menos que dezessete morreram nas mãos de policiais brasileiros.



Reprodução Liane Neves
Reprodução Liane Neves
CLANDESTINO
Com o filho Jos� Carlos em Cruzeiro do Oeste, no Paran�, onde viveu por quatro anos sob a falsa identidade do empres�rio Carlos Henrique Gouv�a de Melo: o disfarce, ensaiado por mais de um ano, incluiu at� uma pr�tese no nariz, que, originalmente reto, ficou ligeiramente adunco

A escolha de Cruzeiro do Oeste se deu por três motivos: a esquerda possuía pelo menos um contato lá, a cidade era pequena (tinha menos de 30.000 habitantes) e ficava no Paraná – então uma espécie de Eldorado brasileiro, onde forasteiros chamavam tanta atenção quanto os milhões de pés de café que fizeram a riqueza do lugar. Dirceu chegou em meados de 1975. À plástica feita em Cuba, havia acrescentado um bigode espesso, um par de óculos de aros grossos e uma história muito bem ensaiada. Dedicara todo o ano anterior à montagem de seu personagem. Criou em detalhes a biografia de seus "antepassados" – judeus que emigraram da Argentina para o Brasil – e, com a ajuda de um amigo brasileiro, esquadrinhou cada quarteirão da suposta cidade natal. "Sabia tudo sobre Guaratinguetá: da sua fundação até o nome do padre", conta. Espalhou que queria entrar no negócio de confinamento de gado, o que lhe permitia rodar as fazendas e sondar os eventuais riscos que a região oferecia. Meses depois, arrumou uma família. Conheceu Clara, dona de uma loja de roupas femininas na cidade, a Clara Confecções. "Ela era uma loiraça", lembra. Em decorrência do namoro e da atividade da mulher, ganhou o apelido do qual até hoje não se livrou: virou o Pedro Caroço – aquele que, na música de Genival Lacerda, sucesso nas rádios da época, vivia "de olho na butique dela". Passaram a morar juntos no fim de 1975. Clara, empreendedora e despachada, ajudou o marido a montar uma alfaiataria, rapidamente substituída por uma loja de roupas masculinas – a Magazine do Homem – e uma pequena fábrica de calças.

A distância que então existia entre a vida do empresário Carlos Henrique e a do ex-líder estudantil José Dirceu era tão grande quanto a que separava Cruzeiro do Oeste da ilha de Fidel. Passeatas, confrontos, prisões faziam parte de um passado enterrado. Carlos morava ao lado da sogra, ajudava a mulher a enxugar a louça do jantar, não gostava de farra e ia do serviço para casa – com uma única e obrigatória parada no bar Central, onde encontrava sua turma. Nas conversas, só trabalho e futebol. "Ele dizia que tinha duas coisas que não discutia: política e religião", lembra Teodorico Picinatto, o Kiko. O advogado Ivo Sooma, ligado à esquerda, foi quem recebeu José Dirceu no Paraná, num encontro marcado à noite em um trevo da estrada entre Cruzeiro do Oeste e Umuarama. "A primeira impressão que tive quando o vi foi de estar diante de um homem apreensivo. Os olhos dele não paravam quietos", lembra o advogado. Nos primeiros meses de clandestinidade, Sooma abastecia José Dirceu com informações frescas vindas de São Paulo – sempre em encontros que, a exemplo do primeiro, eram cercados de cuidados. "Quando queria conversar com ele, passava de chapéu em frente à sua alfaiataria. Era a senha para que nos encontrássemos em um restaurante fora da cidade", conta o advogado.
José Dirceu era cuidadoso. Quando pegava um jornal, preocupava-se em mostrar aos amigos que lia primeiro o caderno de esportes – e só por último o de política. Nas rodas de bar, não tomava mais do que dois copos de cerveja e jamais era visto em aglomerações. Tanta precaução quase foi por água abaixo. Uma pessoa desconfiou de sua história. Aristófanes Hatum, o Tofinho, prefeito da cidade, estranhou aquele forasteiro bigodudo e calado assim que ele desembarcou na cidade. Um dia, chamou Clara ao seu gabinete: "Você sabe que está cheio de terrorista por aí, e esse namorado que você arrumou é muito estranho. Se quiser, mando o Aymoré [delegado da cidade] levantar a ficha dele". Clara improvisou uma resposta: "O senhor deve estar louco. Conheço o Carlos há muito tempo, e ele inclusive é meio parente meu. Não quero ninguém fuxicando a vida dele". Dirceu se emociona quando lembra o episódio. "A Clara mentiu por intuição e salvou a minha vida", diz. Quando ela soube da verdadeira identidade do marido, o filho do casal já tinha 1 ano. José Carlos Becker de Oliveira e Silva, o Zeca, hoje candidato a deputado federal pelo PT, foi registrado com o sobrenome falso do pai. "Depois da anistia, tivemos de mudar todos os documentos dele. O Zeca tinha duas certidões de nascimento, tudo duplo", lembra Clara. À exceção de uma irmã, ela não contou a ninguém o segredo do marido, nem mesmo depois que se separaram, em 1980. José Dirceu havia voltado a São Paulo um ano antes – já de nariz reto, resultado de uma segunda plástica feita também em Cuba, logo após a anistia.
No movimento estudantil, José Dirceu era conhecido pela capacidade de organização e pela obsessão em controlar tudo. No PT essas características persistem, segundo seus correligionários atuais. Quando concorreu a presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, fez um cálculo de quantos votos teria – e acertou quase na mosca. "Ele era obcecado com essas coisas. Sabia quais faculdades estavam com ele e quais não estavam e, dentro de cada uma, era capaz até de dizer em quais salas de aula tinha maioria e em quais não tinha", lembra a amiga Consuelo de Castro. Como estrategista da campanha de Lula ele é exatamente assim. É um leitor voraz de pesquisas, e planeja os eventos da campanha em função dos nichos em que o candidato ainda não tem tantos votos quanto o esperado. Nos anos 60, era José Dirceu quem confeccionava os mapas com os itinerários das passeatas – sempre um falso, para ser divulgado pela imprensa, e um verdadeiro, que era efetivamente usado. Hoje em dia, traça organogramas e se gaba de administrar o PT como uma empresa. "Eu sempre fui da iniciativa privada, então só sei trabalhar assim. Estabeleço metas, cobro resultados obsessivamente e, acima de tudo, me preocupo com as finanças do partido", prega. "Hoje o PT tem crédito em qualquer banco." Nos anos 80, época em que era apenas um dos integrantes da executiva do PT, teve a idéia de contratar um consultor para avaliar as administrações do partido do ponto de vista empresarial. Da sua experiência na clandestinidade, ele aprendeu a agir nas sombras. Principal articulador do PT, tem uma agenda repleta de encontros secretos com lideranças de diversos partidos e diversos setores da sociedade. Quando alguém lhe pergunta sobre sua agenda, ouve inevitavelmente a expressão: "Sobre isso não posso falar. É tudo encontro 'clandeca'". É a gíria do tempo de movimento estudantil aplicada a um novo contexto político.
José Dirceu, claro, não é uma unanimidade dentro do PT. Seus adversários o acusam de jogar pesado, mas as alas radicais do partido, escanteadas por ele, preferem calar num período pré-eleitoral. Já o economista Paulo de Tarso Venceslau, que saiu do PT em 1997, por ter denunciado um esquema de tráfico de influência capitaneado por um amigo de Lula, o empresário Roberto Teixeira, solta a língua quando fala de José Dirceu. "Ele tem fome de poder, e seu estilo é jogar uns contra os outros para se manter por cima", acusa o economista, que participou do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em troca do qual José Dirceu foi libertado. "Quando alguém se opõe à sua hegemonia dentro do partido, ele envia um preposto para fazer o jogo sujo. Depois, fica dizendo que não foi ele." Venceslau, que conhece José Dirceu desde os tempos de movimento estudantil, considera o ex-amigo um ingrato. "Ele, na verdade, não tem amigos. Apenas usa as pessoas enquanto elas servem. Depois cospe fora, sem nenhuma culpa."
Nascido em Santa Rita do Passa Quatro, interior de Minas Gerais, José Dirceu cultiva cuidadosamente o sotaque caipira até hoje. A conselho do falecido jornalista Claudio Abramo, com quem conviveu nos tempos de estudante, lê bastante para aprimorar o vocabulário. Não esconde seu gosto pelo emprego correto das palavras. Só tem problema com o vocábulo "problema", que sempre sai "pobrema" – motivo pelo qual, quando tem que usá-lo em um discurso, prefere trocar por "questão". Examinando-se a trajetória que vai de Santa Rita do Passa Quatro à presidência do PT, pode-se dizer que José Dirceu chegou aonde chegou porque fez as escolhas mais oportunas – e, quando não conseguiu, o destino fez isso por ele. Se tivesse aderido à luta armada nos anos 60, poderia ter morrido como quase todos os seus companheiros que fizeram essa opção. No período em que ficou detido, nunca foi torturado, e o único dissabor que sofreu foi o corte da cabeleira, "para economizar sabão do Exército", no dizer do coronel Erasmo Dias, que na época ocupava a trincheira oposta. Se, quando voltou ao Brasil em 1971, houvesse aderido à guerrilha, teria sido provavelmente massacrado. Por fim, se não tivesse feito sua conversão a um esquerdismo menos ortodoxo, não seria o líder de um partido que agora disputa a Presidência da República. José Dirceu tem orgulho de sua trajetória. Tanto que colecionou documentos e fotos ao longo da vida e acabou doando esse material ao Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de Campinas. José Dirceu é uma das poucas pessoas que podem dizer, sem exagero, que a própria vida daria um filme.

"SE TIVESSE ENVIUVADO, SERIA MAIS FÁCIL ESQUECER"

Liane Neves
A MULHER
Clara Becker s� veio a saber da real identidade de Jos� Dirceu no quarto ano de casamento

"Quando o Dirceu chegou aqui, começou logo a me rodear. Eu tinha uma lojinha de uma porta só e ele vivia passando em frente. Perguntava para as pessoas: 'Quem é aquela polaca?'. Achei-o bonitão e começamos a namorar. Ele dizia que se chamava Carlos, vinha de São Paulo e os pais haviam morrido. Desde o começo, percebi que tinha alguma coisa torta com ele, mas ele falava: 'Não posso dizer quem sou, só digo que não sou bandido'. Eu pensava: 'Bom, se não matou ninguém e não tem problema com outra mulher, deixa para lá'. Não podia perguntar muito porque ele tinha raiva que desconfiassem dele. Uma vez, quando estávamos namorando, fomos a um casamento chique, cheio de políticos de Curitiba. Ele começou a olhar pra cá e pra lá e eu falei: 'Ô, Carlos, o que é isso? Você está paquerando? Está me fazendo passar vergonha'. Sabe o que ele fez? Levantou e me largou sozinha na mesa. Ficava irritado quando a gente desconfiava. Então, eu ficava quieta – achava que, se começasse a encher a sua paciência, ele iria embora. E eu gostava demais do Carlos. Casamos no fim de 1975 e foi muito bom. Ele não andava atrás de mulher, não bebia e não gostava de farra. Nunca me deixou esperando em casa, com o jantar esfriando. Chegávamos juntos do trabalho, eu lavava a louça e ele enxugava. Era o homem que eu pedi a Deus. Tanto que minhas amigas viviam querendo tomá-lo de mim: 'O Carlos não joga baralho?'. Eu, que não era boba, respondia: 'Não joga, não. Ele não joga nada'.

Um dia, em 1979, estava fazendo o almoço e ele me chamou no escritório: 'Você está sabendo do negócio da anistia? Saiu. Agora estou livre'. Mostrou a foto dele, com os outros banidos: 'Eu sou esse aqui'. Eu pensei: 'Meu Deus do Céu!'. Não entendia nada de política, mas, quando morava em Curitiba, vi a cavalaria subindo em cima dos estudantes e achei aquilo uma loucura. Na época, diziam que a polícia matava mesmo. Fiquei apavorada. Mas não senti só medo. É muito difícil você, de repente, receber a notícia de que o nome do seu marido vai mudar, o nome do seu filho vai mudar. Disse para ele: 'Quer dizer que eu tive um filho de um pai que não existe?'. Aquilo me revoltou. Preferia que não tivesse acontecido nada. Preferia que ele continuasse sendo fabricante de calças. Mas, depois da anistia, ele foi ficando naquela loucura de querer ir embora de Cruzeiro do Oeste para fazer política em São Paulo.
Assisti pela televisão à sua chegada no aeroporto. Vi o meu marido abraçando uma família que eu não conhecia, beijando uma irmã que eu nem sabia que existia. Eu chorava, chorava, chorava. Se tivesse enviuvado, seria mais fácil esquecer. Mas o Carlos não tinha morrido. Estava vivo, só que não era mais o Carlos. Ficamos juntos um tempo ainda, mas não deu certo. Hoje, vejo o Dirceu na TV, gritando ao microfone, defendendo o Brasil... Todo mundo diz que ele tem um valor extraordinário. Mas eu olho para ele e não vejo o homem com quem vivi – é outra pessoa. Eu gosto é do Carlos que mora no meu coração."
LAST







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