Escrevo com a última edição, histórica, da revista "Caras" em mãos. Com tarjas pretas da censura judicial na capa e nas páginas internas para impedir a publicação do nome do cavaleiro (posso escrever, seu juiz?) Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda.
Diz tudo de nosso tempo "Caras", entre tantos veículos, ser a grande vítima dos censores no país hoje. A reportagem trata da morte da atriz Cibele Dorsa, ex-mulher do cavaleiro, que, para usar o eufemismo prevalente, "caiu" do sétimo andar, mas antes deixou carta para "Caras" cujo conteúdo Doda não quer que seus filhos (e o público) leiam.
Reprodução | ||
Reprodução da capa da revista "Caras" com tarja preta na chamada principal |
Mas o que diz mais ainda de nosso tempo é que, momentos antes de se suicidar, Cibele postou para o mundo o seguinte twitter (texto literal postado no site): "LMENTO, EU NÃO CONSEGUI SUPORTAE A MORTENOS MEUS BRAÇOS MAS, LUREI...ATE ONDE EU PUDE".
Pode ser mais dramático? Qualquer diálogo de Bergman perde em intensidade e profundidade para esse hiper-realismo contemporâneo em caixa alta. Já vivemos no mundo Big Brother previsto por George Orwell em seu livro "1984", publicado no longínquo ano de 1949. Mas o oráculo inglês não errou só o ano da realização da profecia, mas algo ainda mais fundamental: a Bigbrotherização do mundo não se implantou "topdown", por ordem de uma ditadura. Ele surgiu democrática e voluntariamente.
No final do ano passado os usuários do Facebook já tinham postado 15 bilhões de fotos no site, e elas naquela época estavam chegando em levas de 100 milhões por dia. Sim, 100 milhões por dia. Pessoas voluntariamente acionam dispositivos que indicam para o público onde elas estão. E estamos sempre com câmeras e computadores nas mãos, registrando e exibindo tudo para todos.
O drama de Cibele coincidiu com o final da 11ª edição do Big Brother Brasil, aquela reunião de pessoas postiças que agem de forma ainda mais postiça do que os atores da novela postiça que vem antes deles. Não se engane. O BBB não é o verdadeiro BBB. O verdadeiro BBB está a poucos cliques do seu dedo, 24/7, para sempre em expansão.
Estamos todos no paredão.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.
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