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terça-feira, 3 de junho de 2008

Os presídios que funcionam

Na última reportagem da série especial sobre o Apagão Carcerário, você vai conhecer a penitenciária onde nunca foi encontrado um só celular. E presos em regime fechado que trabalham em obras públicas do lado de fora e nunca fogem.

Nos últimos quatro dias você assistiu no Jornal da Globo a uma série especial sobre o Apagão Carcerário uma viagem ao horror, brutalidade, abandono e condições sub-humanas atrás das grades de prisões brasileiras.

Mas nossa última reportagem traz exemplos de como o sistema prisional pode funcionar e é capaz de recuperar detentos.

Prisão de segurança máxima. Limpa. Organizada. O modelo ideal existe no Brasil.

O alerta dá início a uma rotina rígida. Com um agente na galeria, o preso é obrigado a ir para o fundo da cela.

Estamos na Penitenciária Federal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Capacidade: 208 presos. Atualmente abriga 154, todos muito perigosos. Guardados por 250 agentes e mais de 200 câmeras.

Somos a primeira equipe de televisão a entrar nessa fortaleza. Nenhum celular jamais foi encontrado no local, nunca houve fuga ou rebelião.

Ele é revistado, passa por um detetor de metais e deixa toda a roupa e objetos pessoais guardados. Depois ele recebe um kit que vai usar durante o tempo que ficar aqui: cobertor, toalha, sapato, chinelo, objetos de higiene pessoal e roupas.

Esse tempo que é de isolamento dura 20 dias. É o tempo para o preso conhecer as regras da penitenciária e para uma equipe técnica conhecer o preso e decidir, por exemplo, com quem ele vai poder conviver aqui dentro.

"Cada ala tem 13 celas. Então, o preso ele vai conviver com o grupo máximo de 13 pessoas", diz Arcelino Vieira, diretor da Penitenciária.

Jussivan Alves dos Santos. No mundo do crime, Alemão, um dos assaltantes do Banco Central de Fortaleza. Por mau comportamento, ele caminha sozinho durante o banho de sol e existem punições mais rigorosas.

Na ala do isolamento da penitenciária, a cela de número 10 é ocupada pelo traficante Fernandinho Beira-mar. Ele tem um banheiro, a cama, uma pequena mesa com alguns livros e um pátio com grades e barras onde ele toma banho de sol diário.

Ele não tem contato com outros presos, porque desde dezembro do ano passado está no regime disciplinar diferenciado. Só tivemos acesso a cela porque Fernandinho Beira-mar havia saído para audiência.

As celas não têm tomadas nem interruptores. Lâmpada e chuveiro ficam a cinco metros do chão.

Nesta penitenciária, cada preso custa R$4 mil por mês. Mais do dobro do que é gasto em outras prisões. É o preço que a sociedade paga para conter os criminosos mais perigosos do país.

Além dos dois presídios federais, só o estado de São Paulo tem uma instituição nesses moldes, em Presidente Bernardes. A regra é o descumprimento da lei com a mistura de presos de alta e baixa periculosidade.

"Quando eu separo os presos e conheço, sei com que estou lidando, o que eu posso fazer? Tentar recuperar quem é recuperável, e dar o tratamento de segregação adequado pra quem eu identificar como irrecuperável. E existe muito isso, tem que parar com discurso romântico", diz Gilmar Bortolotto, promotor de Justiça do Rio Grande do Sul.

O diretor da defensoria pública de São Paulo concorda que existam presos irrecuperáveis, mas defende que quem comete crimes menos graves não deve ficar na cadeia aumentando a superpopulação carcerária.

"Enquanto os operadores de direito, aí incluindo promotores, juízes e muitas vezes as autoridades policiais não se conscientizarem que a prisão deve ser reservada, sim para casos extremos, nós não vamos solucionar esse problema, ele vai se acentuar", diz Renato de Vitto, 1º defensor público de São Paulo.

Guarabira. Agreste da Paraíba, a 98 quilômetros de João Pessoa. Em uma pequena cidade, estão sendo testadas alternativas à pena de prisão.

Dona Giselda sempre encontra com condenados ao regime fechado no caminho de casa. Presos no meio da rua, sem algemas nem escolta policial.

Na maioria das cidades brasileiras, essa situação causaria medo, mas em Guarabira, esse grupo faz parte de um projeto que pode incentivar aprogressão de pena e aumentar a segurança da sociedade.

"Nós apenas cumprimos o que está previsto no Código Penal. O Código Penal possibilita a saída dos presos do regime fechado para o trabalho e serviços em obras públicas.", diz Bruno Azevedo, juiz.

"Quem está aqui fica muito bom, a mente fica mais livre, fica tomando esse ar natural aqui", diz Cleginaldo Alves, Severiano, preso.

Em três anos de projeto, nenhuma fuga, nenhum ato de violência.

"Eles não vem sozinho, eles tão acompanhados, estão orientados, então com certeza está fazendo bem pra eles e pra comunidade e a cidade está ficando limpinha”, diz Giselda Maria Coelho da Silva, aposentada.

Três desses presos testam uma tornozeleira eletrônica. Se o equipamento for retirado, um alarme dispara numa central.

"Isso traz uma segurança muito grande ao juiz da execução penal em garantir a progressividade do preso.", diz Bruno Azevedo, juiz.

De olho no fim da pena, Genivaldo não se importa com o calor de quase 40 graus nem com o controle 24h por dia.

"Isso aqui é uma prova que a gente não está se dirigindo do local do trabalho pra outra área que não deve", diz Cleginaldo Severiano, preso.

Darci pode ir para aonde quiser e todas as manhãs, vai para o trabalho. "Pra mim foi uma alegria de eu ter a carteira assinada e estar trabalhando pra sustentar minha família", diz Darci Caldas de Abreu, auxiliar mecânica industrial.

De condenado a trabalhador. A transformação foi feita numa fábrica de bons exemplos: a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná.

A rotina começa cedo. Às seis da manhã os presos vão para a fábrica de calçados, dentro da penitenciária. Trabalho remunerado. Setenta e cinco por cento do salário mínimo por mês.

"Passamos oito horas trabalhando, tem várias atividades. Então, aqui, o interno se sente mais livre do que fechado", diz José Odiar de Almeida, preso.

Estudar é obrigatório. Computação é opcional, mas o curso está sempre cheio. Manter os presos aqui não custa um centavo a mais do que a média das outras penitenciárias do Brasil.

"Não dá vontade de fugir. Aqui o objetivo aqui é só pagar o que a gente deve e sair livre pra liberdade sem dever nada pra Justiça", diz João dos Santos Viana, 31 anos.

A reincidência no Brasil está entre 60 e 70%. Em Guarapuava, não passa de 6%, graças a um programa que encaminha o ex-detento para um emprego.

"Aqui em Guarapuava a gente ta divulgando bastante o trabalho, a reinsserção deles, entrando em contato com as empresas. Conscientização da sociedade. Qualquer ser humano pode errar, mas ele tem que ter a chance de se recuperar porque sozinho não vai conseguir. Se a sociedade não abrir as mãos para a recuperação dele”, diz Nina Leschuk, coordenadora pró-egresso

Os barcos da sociedade estão fechados para a mioria dos 422 mil brasileiros que cumprem pena nas prisões visitadas por essa série de reportagens e em tantas outras de vários estados que preferiram trancar as portas na tentativa de esconder o apagão carcerário. Uma crise que Pedro dos Santros conheceu de perto.

Ele passou nove anos na cadeia, conheceu o inferno, mas teve mais sorte que a maioria. Depois de ser transferido para Guarapuava, Pedro recebeu ajuda. Voltou a acreditar no futuro e é de novo um homem livre.

"Aconteceu umas coisas erradas, graças a Deus eu paguei, Estou saindo liberado, sossegado pra continuar meu serviço. Começar a vida de novo, se Deus quiser", diz Pedro.

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