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quinta-feira, 5 de junho de 2008

''Somos muito violentos''


Pesquisa indica que ocorrem, em média, quatro linchamentos por semana no Brasil

MATUITI MAYEZO/FOLHA IMAGEM
HISTÓRICO Martins estuda o fenômeno há mais de 30 anos

Há algumas semanas, a polícia, o Ministério Público e o sistema judiciário têm demonstrado preocupação com a segurança de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados de terem assassinado a menina Isabella, em março. Apesar de estarem atualmente presos, há o medo de que eles sejam agredidos caso caiam nas mãos da população, que grita ordens de linchamento a cada aparição pública do casal. O temor é justificável. O Brasil é um dos países onde esse tipo de crime mais ocorre, ao lado de alguns territórios da África. Essa é uma das conclusões do sociólogo José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo, que pesquisou cerca de 20 mil casos no País.

ISTOÉ – Acontecem muitos linchamentos no Brasil?
José de Souza Martins –
Ocorrem, em média, quatro por semana. E pode-se dizer que pelo menos 500 mil pessoas já participaram de linchamentos no País nos últimos 50 anos.

ISTOÉ – Em que regiões ocorrem mais linchamentos?
Martins –
Na cidade de São Paulo, seguida por Salvador e pelo Rio de Janeiro. Aqui no Brasil, o linchamento é urbano, ocorre normalmente nas periferias de grandes cidades. E em locais que foram povoados recentemente, onde há muitos imigrantes, que ainda não formaram suas “leis e regras” locais.

ISTOÉ – O sr. acha que o casal Nardoni corre riscos?
Martins –
Sim. Muito por causa da mídia e também da polícia, que montou um espetáculo durante os interrogatórios e a reconstituição do crime, por exemplo. O pior é que essa situação coloca em risco a família dos dois, porque a fúria da multidão não faz distinção.

“50% dos brasileiros apóiam linchamentos. Não somos cordiais”

ISTOÉ – Por que toda essa comoção?
Martins –
Nessa situação, a sociedade se sente co-responsável. Criança é filha de todos. A população se sente atingida diretamente.

ISTOÉ – Por quanto tempo uma pessoa corre riscos?
Martins –
Estabeleci um Índice de Durabilidade de Ódio e constatei que a indignação que mais dura é a de estupro e assassinato de crianças e jovens virgens. Há casos de ódio que duram anos. Há revoltas que duram apenas minutos.

ISTOÉ – Pode-se dizer que quem participa de linchamento tem uma formação falha?
Martins –
Não, linchamento não tem relação com civilidade. Quando a violência social alcança as pessoas, um ser subumano se manifesta. É o medo e a sensação de insegurança que fazem uma multidão linchar.

ISTOÉ – É possível traçar um perfil de quem lincha?
Martins –
Não, o linchador não tem cara. Nem dá para dizer que são só homens, pois muitas mulheres também participam. E há crianças e velhos atacando.

ISTOÉ – Há um padrão nos linchamentos?
Martins –
A população normalmente faz o jogo de gato e rato. No início, ninguém toca no alvo. Apenas joga pedras, paus. Depois vêm os socos e pontapés. A idéia não é executar, mas causar sofrimento.

ISTOÉ – Quando a crueldade é maior?
Martins –
Se o caso é muito grave, pode haver castração sexual, no caso de estupradores, ou desfiguração do corpo. Em situações extremas, a pessoa pode ser queimada viva.

ISTOÉ – O sr. tem conhecimento de pessoas que foram linchadas e eram inocentes?
Martins –
De todos os casos que cataloguei, apenas 2% ou 3% eram inocentes.

ISTOÉ – Já houve caso de alguém condenado por linchamento ?
Martins –
Que eu tenha conhecimento, apenas um, em Santa Catarina. A vítima sobreviveu ao ataque por algumas semanas e reconheceu 23 pessoas. Apenas um foi condenado, o mais pobre.

ISTOÉ – Por que isso acontece?
Martins –
Como o linchamento é um crime autodefensivo, as elites não vão considerar criminoso aquele que o pratica. Pesquisas indicam que 50% da população brasileira é favorável ao linchamento. Não somos um povo cordial, somos muito violentos.

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