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quinta-feira, 5 de junho de 2008

Os últimos subversivos

ISTOÉ revela manobras que impedem indenizações a militares

FRANCISCO ALVES FILHO

Criada pelo Ministério da Justiça para julgar os pedidos de reparação às arbitrariedades cometidas pela ditadura militar, a Comissão de Anistia, em sete anos, já concedeu R$ 2,5 bilhões a milhares de jornalistas, sindicalistas, petroleiros e outros perseguidos políticos. Apenas uma categoria não recuperou integralmente os direitos usurpados: os militares contrários ao golpe de 1964. Alguns recebem proventos mensais, mas muitos não conseguiram as devidas promoções e benefícios. É o caso do brigadeiro da reserva Ruy Moreira Lima, 88 anos, um dos três últimos heróis da FAB na Segunda Guerra ainda vivos. Quando o golpe militar ocorreu, ele foi exonerado do comando da Base Aérea de Santa Cruz e preso. “Fiquei tanto tempo na prisão que não me lembro exatamente quanto”, diz. Posteriormente, os militares o impediram de trabalhar como piloto na aviação civil. Agora, a Comissão de Anistia indeferiu seu pedido de indenização por essa injustiça.

“É como se tivessem nos carimbado para sempre como subversivos”, diz o capitão-demar- e-guerra da reserva Fernando de Santa Rosa, que, em 1964, era assessor do governo João Goulart. Julgamentos que deveriam ser técnicos muitas vezes são influenciados por injunções políticas. O caso mais grave talvez seja o dos 3.612 cabos da Aeronáutica cujos pleitos seriam deferidos em 2003. Uma gravação e documentos a que ISTOÉ teve acesso comprovam que Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça, mudou o veredicto favorável da comissão por pressão do Comando da Aeronáutica. Os processos estão sem solução até hoje.

ALEXANDRE SANT’ANNA/AG. ISTOÉ
HERÓI BANIDO O brigadeiro Moreira Lima, 88 anos

Esses cabos foram expulsos da FAB com base na portaria 1.104, de novembro de 1964. Desquitado e pai de quatro filhos, Océlio Ferreira, 58 anos, de análise da comissão, explica que, em 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a orientação era conceder a anistia em todos aqueles processos, mas que o posicionamento mudou em 2003, depois da posse de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça. Janaína relata que 495 processos antes deferidos tiveram a decisão suspensa e outros 3.117 que seriam deferidos foram negados. Na gravação obtida por ISTOÉ, ela afirma que a anulação foi feita dentro do gabinete de Bastos. Ela diz que a decisão não foi publicada para evitar repercussão negativa na opinião pública. “Falaram o seguinte: vamos indeferir e não vamos publicar (...) Estamos no primeiro semestre dessa gestão e não podemos, como Comissão de Anistia, apresentar três mil indeferimentos.”

A estranha intervenção de Bastos para mudar a decisão favorável aos cabos pode ser explicada por um ofício que ele recebeu do então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, datado de 31 de janeiro de 2003. No documento, Bueno fala da “necessidade” de anulação dessa decisão e relata a “preocupação” do comando caso a anistia seja mantida: “Tal circunstância, a par de carretar prejuízos ao erário público, provocará a instabilidade das relações jurídicas já consolidadas na pacífica jurisprudência de nossos tribunais e na legislação militar.” Oito meses depois, Bastos enviou ofício ao então ministro da Defesa, José Viegas: “Informo, por oportuno, que os referidos requerimentos poderão ter seus atos administrativos anulados.” Foi o que realmente aconteceu. “É como se nós estivéssemos sendo perseguidos novamente”, diz o cabo Ferreira.

Abrão Júnior disse à ISTOÉ que a decisão sobre o processo dos cabos foi modificada após consulta à Advocacia- Geral da União. Mas os documentos aos quais a reportagem teve acesso comprovam que essa mudança foi arquitetada em 2003, data do ofício do comandante Bueno. Abrão Junior diz que uma decisão final depende do Tribunal de Contas da União. Procurado por ISTOÉ, Thomaz Bastos respondeu, através de sua assessoria, que “não se lembra da questão específica” e que não se recorda de ter feito qualquer intervenção à época.

Colaborou Hugo Marques


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Céu de brasileiro

Volta ao país, depois de mais de 20 anos, o acervo de 300 fotos que registram a ação dos pilotos da FAB nos campos de batalha italianos


Ignorado pela imensa maioria dos brasileiros, um importante momento da História começa, mais de meio século depois, a sair da penumbra. Na semana passada chegaram ao acervo do Museu Aero-Espacial, no Rio de Janeiro, 300 fotos que mostram a participação de pilotos da Força Aérea Brasileira em combates contra o Exército nazista na Itália - entre 8 de outubro de 1944 e 26 de junho de 1945. São imagens de aviões com brasileiros no comando em pleno bombardeio, depósitos nazistas de armas e munições indo pelos ares atingidos pela mira de nossos aviadores e ainda cenas corriqueiras do dia-a-dia dos pilotos da FAB no front europeu.

O tesouro foi doado à Aeronáutica pelo major John Buyers, à época oficial de ligação entre a FAB e as tropas aliadas. Buyers, cidadão americano nascido no Brasil, é casado com uma alagoana e hoje, aos 79 anos de idade, vive em Maceió. "Tirei essas fotos justamente para a posteridade. Quando voltei da guerra, levei ao Museu do Rio, mas elas se estragaram", conta Buyers. A Força Aérea Americana chegou a restaurar o material, que novamente se deteriorou. Só agora, após 20 anos e um novo trabalho de restauração, feito pelo Museu do Rio, essa história volta a ter registro.

A recuperação do acervo atingiu a emoção de quem participou da campanha ou conhece o valor dos que participaram. "O único país sul-americano que mandou homens para as áreas de bombardeio chama-se Brasil", diz, sem disfarçar o orgulho, o brigadeiro Araguaryno Cabrero dos Reis, 70 anos, diretor do Museu Aero-Espacial. Sob o comando da Força Aérea Americana, que havia sofrido muitas baixas e carecia de novos pilotos treinados para seus aviões P-47, os quase 500 homens da FAB que integravam o 1st Brazilian Fighter Squadron representavam apenas 5% de toda a Força Aérea aliada na Itália. Mesmo assim, foram eles que, proporcionalmente, alcançaram o melhor desempenho durante a campanha.

"Apesar de estarmos em menor número, fomos nós que bombardeamos 15% do total de veículos terrestres destruídos, inclusive tanques, 28% das pontes, 36% dos depósitos de combustível e 85% dos depósitos de munição. Foi um número fantástico", recorda o brigadeiro Rui Moreira Lima, de 80 anos, um dos pilotos que participaram da campanha e voltaram ao Brasil cobertos de glórias - uma delas, aliás, a mais importante comenda oferecida pelas Forças Armadas Americanas: a Medalha Presidencial do Governo dos Estados Unidos, criada para homenagear os oficiais que estiveram em Pearl Harbour durante o bombardeio japonês que pôs os EUAna guerra, em 1942. Além dos americanos, só os homens da FAB e dois esquadrões australianos receberam a comenda.

No Brasil não há nenhum monumento a seus heróis do ar, que se instalaram em duas bases na Itália - Pisa e Tarqüínia. Mas há homenagens no exterior. A gratidão dos aliados está expressa em Dayton, Ohio, nos EUA, na forma de um monumento de mármore negro que enfeita um salão do museu aeroespacial americano.

"Eu me ufano do meu país", suspira o brigadeiro Moreira Lima. O efetivo brasileiro era de 199 praças, 168 sargentos, nove suboficiais, seis enfermeiras e 75 oficiais, entre eles 41 pilotos, todos exibindo no brasão da FAB a inscrição "Senta a púa" - assim mesmo, com acento -, pintada nos aviões americanos e até hoje lema da aviação de caça nacional.

A maioria dos aviadores que foram à Itália não está mais viva para relembrar os feitos de suas 445 missões, 2.456 decolagens ofensivas e 5.465 horas de vôo em combate. Dos céus italianos os pilotos brasileiros lançaram 4.442 bombas, 850 foguetes e dispararam 1.180.200 cartuchos de metralhadora calibre 50. Destruíram completamente ou danificaram 1.990 jipes e caminhões inimigos, 1.085 tanques, 21 carros blindados e 105 locomotivas. Explodiram ainda 412 estradas de ferro e de rodagem, mandaram pelos ares 144 edifícios ocupados por nazistas, danificaram outros 94, puseram no chão os prédios de seis indústrias, atingiram outras cinco e aniquilaram três refinarias e 31 depósitos de combustível e munição. Voando sobre o mar, afundaram 19 embarcações alemãs e deixaram em chamas, à deriva, mais 52. O objetivo era destruir alvos na superfície, mas eles ainda abateram dois aviões inimigos e danificaram outros nove. Algumas fotos mostram os pilotos brasileiros posando ao lado das aeronaves alemãs.

Dos 41 pilotos que colecionaram essas façanhas na Itália - reforçados ou substituídos no fim por outros 23 voluntários -, nove morreram, cinco foram abatidos, feitos prisioneiros pelos nazistas e libertados depois da rendição dos alemães, e seis derrubados, mas conseguiram escapar.

Os brasileiros não eram tão experientes como seu desempenho pode sugerir. A FAB só havia nascido três anos antes, criada por decreto assinado pelo então presidente, Getúlio Vargas, em 20 de janeiro de 1941. No dia 22 de agosto de 1942 o Brasil declarou guerra ao eixo e em 1944 os aviadores já estavam em combate. A experiência era pouca, mas ainda assim os brasileiros tinham mais horas de vôo do que a média dos pilotos americanos. Como precisavam de um contingente grande no front, os americanos treinavam 250 horas e já entravam na guerra. Daí surgiu a necessidade de ajuda.

Os primeiros 32 voluntários da FAB que embarcaram seguiram para Orlando, na Flórida, onde inicialmente aprenderam a usar os aviões P-40, precursores dos P-47. Não tinham sequer uniformes para o frio. "O fardamento usado foi o americano", conta o brigadeiro Araguaryno. De Orlando, os pilotos brasileiros foram para a Base Aérea de Aguadulce, no Panamá, e, depois de uma sucessão de paradas em bases americanas para treinamento nos P-47, top de linha da aviação de caça da época que voavam a 700 quilômetros por hora, desembarcaram em Livorno. "Acreditando que a guerra fosse acabar mais cedo, só no fim mandaram substitutos. Muitas vezes tomamos remédio para não dormir", diz o brigadeiro Moreira Lima. A lembrança do desembarque no Brasil ainda é fresca na memória de quem sobreviveu. "Nunca vou esquecer", emociona-se Moreira Lima. Agora, com as fotos, espera-se que o Brasil também não.


clique aqui para voltar ao título da matéria Marceu Vieira, do Rio


VÔO ALTO

Um ano e sete meses para combater os alemães

Treinamento
Os primeiros pilotos brasileiros vão para os Estados Unidos aprender a usar os P-47 em janeiro de 1944.

Guerra
Em setembro de 1944, embarcam no navio US Colombie com destino à Itália, aonde chegam em outubro.

Volta
Em julho de 1945 metade da tropa desembarca no Rio. A outra metade chegara de avião pouco antes.


ENTREVISTA
Sem tempo para o medo


Brigadeiro participou de 94 missões na Itália

Época: O senhor se considera um herói nacional?
Brigadeiro Rui Moreira Lima: Acho que fui um cumpridor das minhas obrigações. Os colegas costumam eleger como herói aquele que vai à guerra e volta com a missão cumprida. Mas não me considero herói.

Época: Qual foi a missão mais perigosa que realizou?
Moreira Lima: Participei de 94 ataques contra os nazistas. Em todos voei bem perto da morte. Ainda me recordo especialmente de um. Havia três tanques nazistas atrapalhando o avanço de uma coluna aliada. Dei um rasante e disse aos colegas pelo rádio: "Não me sigam, não desçam porque vão atrapalhar". Não fiz isso porque era o melhor, mas por ser o mais bem colocado e ter visto o inimigo primeiro. Na guerra é assim. Meu avião foi atingido por 57 tiros, mas consegui destruir os três e aterrissar.

Época: O senhor teve medo?
Moreira Lima: O medo é inerente ao homem. Todos os dias eu pensava: "Ganhei mais um dia de vida". A morte estava ali, sempre. Mas não há tempo para medo num rasante.

Época: Houve momentos de muita tristeza, de depressão?
Moreira Lima: De tristeza, sim. Lembro-me do dia 26 de abril de 1945, quando perdemos um colega em sua 89a missão. E também do dia 13 daquele mês, quando perdemos um jovem de 20 anos.

Época: Vocês estavam mais bem preparados do que os alemães?
Moreira Lima: Os alemães também eram muito bem preparados. Quando mergulhávamos, eles continuavam atirando. Muitas vezes vi o traçante das balas no céu e, nessas horas, sentia um frio na coluna. Mas estávamos concentrados em acertar.

Época: O senhor foi atingido muitas vezes? Chegou a cair?
Moreira Lima: Em 94 missões, fui atingido nove vezes. Três foram graves. Vi a morte de perto. As balas não acertaram em mim, só no avião. Numa, pousei sem uma roda porque não enxergava nada. Um colega atrás de mim, em outro avião, ia dizendo o que eu devia fazer: "Reduza agora porque tem uma pista na sua frente". Jorravam óleo e fumaça do avião. Tive queimadura nos olhos. Mas sobrevivi para continuar na guerra.

Época: Em algum momento o senhor teve vontade de desistir?
Moreira Lima: Nunca, embora soubesse que podia não retornar com vida. Quando saí, deixei minha mulher grávida e, quando voltei, minha filha já estava com 7 meses. Foi uma emoção muito grande. Entre treinamento e combate, passei ao todo um ano e quatro meses fora de casa sem saber se voltaria.

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