Documentos mostram que ministros usam jatos da FAB para ir e voltar de suas casas e ainda dão carona para parentes e assessores A companhia aérea preferida por parte dos ministros do governo Lula tem três letras, melhorou recentemente a frota e seus pilotos são muito bem treinados. Mas esses ministros não viajam nem de TAM nem de Gol. Usam e abusam das viagens a bordo de aeronaves do Grupo de Transporte Especial (GTE) da Força Aérea Brasileira (FAB). É isso o que revelam documentos confidenciais obtidos por ISTOÉ sobre a movimentação de autoridades do primeiro escalão nos anos de 2006 e 2007. Os relatórios mostram que, no mesmo período em que a população enfrentava o caos aéreo e testava a paciência em intermináveis filas nos aeroportos brasileiros, ministros de Estado se valeram da mordomia não apenas a serviço ou em missões especiais, mas para ir e voltar de casa durante os fins de semana. Na linguagem empregada nos papéis da Aeronáutica, são os chamados “deslocamentos para residência permanente”, que deviam se constituir numa exceção, não numa regra, como se constata no levantamento. Os planos de vôos dos seis tipos de avião da FAB disponíveis para as autoridades – Learjet, Learjet Vip, Brasília, Legacy, Embraer 145 e Xingu – também contemplaram viagens em feriados e datas comemorativas, dias em que não costuma haver expediente em Brasília. Isso ocorreu durante as celebrações do Natal, Ano- Novo e Carnaval. Há ainda registros de verdadeiros vôos charters, com assessores, parentes, amigos e parlamentares do mesmo Estado do ministro pegando carona na sexta-feira para voltar para casa, retornando a Brasília no início da semana. Um dos exemplos do uso indiscriminado dos aviões da FAB pelo primeiro escalão do governo, cujos trajetos, ao custo médio de R$ 25 mil, dependendo do modelo do jato, são pagos com o dinheiro do contribuinte, foi a ida dos ministros para a posse presidencial em 1º de janeiro de 2007 em Brasília. O escrutínio das urnas já apontava, em outubro de 2006, a renovação por mais quatro anos do mandato de Lula. Todos os ministros e candidatos a integrantes da futura equipe de governo já tinham conhecimento da data da posse pelo menos com dois meses de antecedência. Mesmo assim, ministros como Tarso Genro, então das Relações Institucionais, Dilma Rousseff, da Casa Civil, Paulo Bernardo, do Planejamento, Orlando Silva, do Esporte, Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e Hélio Costa, das Comunicações, preferiram se deslocar para Brasília desfrutando do conforto e da comodidade dos jatos da FAB a reservar com antecedência seus respectivos assentos nos aviões de carreira. Os ministros Thomaz Bastos e Orlando Silva foram de São Paulo a Brasília no mesmo avião, um Learjet VIP que também acomodou numa de suas aconchegantes poltronas o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta. A aeronave saiu da base aérea paulista às 9h25. A bordo de outro jatinho, Tarso Genro embarcou de Porto Alegre para Brasília às 8h50. Hélio Costa saiu de Barbacena, sua terra natal. Enquanto Dilma e Paulo Bernardo partiram de Salvador, onde passaram o Réveillon, com destino à capital federal a bordo do Legacy da FAB. Em todos os casos, o motivo alegado para o uso dos jatinhos da FAB foi o de que os ministros estavam “a serviço”. Gilberto Gil, ministro da Cultura, deu a mesma justificativa quando se valeu da mordomia dos jatos Learjet, Brasília e Embraer 145 para voar sem preocupação com filas e atrasos pelo circuito Rio de Janeiro e Salvador entre os dias 15 e 19 de fevereiro do ano passado. Ou seja, Gil recorreu aos serviços da FAB em pleno Carnaval, festa da qual é notório protagonista ao subir em seu trio elétrico – o chamado Expresso 2222 – e inflamar a multidão pelas ruas de Salvador. Ele fez o trecho Brasília–Salvador em 15 de fevereiro e, três dias depois, seguiu para o Rio, levando de carona o então ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, e o governador da Bahia, Jaques Wagner, e suas respectivas mulheres, Sheila dos Mares Guia e Fátima Mendonça. Procurado por ISTOÉ, ele disse que faz uso desse transporte apenas em viagens oficiais, em geral, em três tipos de situação: 1) quando viaja para locais de difícil acesso; 2) quando é convocado para reuniões pela Presidência ou Casa Civil; 3) quando sua agenda exige deslocamentos mais ágeis e emergenciais que não se ajustem aos vôos das companhias áreas. Transportar no mesmo avião autoridades, assessores, parentes e até amigos é comum entre os usuários das aeronaves da Força Aérea Brasileira. É a união do útil ao agradável. Em suas viagens para Porto Alegre, no fim de semana, a bordo dos jatos da Aeronáutica, a ministra Dilma já transportou o deputado gaúcho e dileto amigo, hoje líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Gil, por exemplo, levou para o Rio, no dia 2 de janeiro de 2007, o compositor Jorge Mautner, que também trabalha no programa Pontos de Cultura do governo federal. No dia 8 de março de 2007, o então ministro Walfrido fez uma viagem pluripartidária a Minas Gerais, ao dar carona para os conterrâneos, o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) e o peemedebista Hélio Costa. O ministro da Educação, Fernando Haddad, por sua vez, preferiu transportar a família – a esposa, Ana Estela, e a filha, Carolina – num Learjet VIP para São Paulo, no dia 10 de dezembro de 2006. O maior caronaço, no entanto, ocorreu no dia 5 de abril de 2007. Um dos mais antigos aviões da frota da Força Aérea Brasileira, o “Brasília”, partiu da capital da República com destino a Belo Horizonte levando os ministros Walfrido, Nelson Jobim, da Defesa, os governadores do Piauí, Wellington Dias, e de Sergipe, Marcelo Deda, e esposas, e os três filhos de Wellington. A julgar pelo plano de vôo, os passageiros passaram o fim de semana na capital mineira. O avião retornou para Brasília num domingo, dia 8 de abril, com as mesmas autoridades e seus parentes.
Por SÉRGIO PARDELLAS
VÔOS DA ALEGRIA Hélio Costa, Dilma, Tarso, Orlando Silva, Marta e Patrus estão entre os que voltam para casa nos jatos da Força Aérea Brasileira
O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, não esteve nesse vôo rumo à terra do pão de queijo, mas é o recordista em viagens para casa ou “deslocamento para residência permanente” em 2006 e 2007. Durante os 13 meses analisados pelos relatórios oficiais, Patrus utilizou os aviões da FAB em 42 fins de semana para ir e voltar para Belo Horizonte, o que corresponde a uma média de mais de três fins de semana por mês. Na maioria das vezes, voou acompanhado da mulher, Vera Ananias, como no dia 12 de janeiro de 2007, quando partiu de Brasília para Belo Horizonte às 15h20 a bordo de um Learjet VIP. O ex-ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia, por pouco não igualou a marca. Utilizou os aviões da FAB para ir e voltar para Belo Horizonte em 40 fins de semana dos 52 analisados. A ministra do Turismo, Marta Suplicy, que, no apogeu da crise, cunhou a infeliz frase do “relaxa e goza”, também chegou perto do índice do colega de Ministério. Registrou uma média de exatos três fins de semana por mês. Em três meses, chegou a ir e voltar para São Paulo nove vezes, sempre na sexta- feira, com retorno no domingo ou na segunda. Uma das idas de Marta para São Paulo ocorreu no dia 4 de maio de 2007, uma sexta-feira, às 13h40. A assessoria da ministra diz que ela cumpre suas agendas voando em aeronaves da FAB e em aviões comerciais, dependendo do compromisso a ser cumprido e da disponibilidade de aeronaves. E que Marta está amparada pelo decreto que disciplinou a utilização dos jatos em 2002. Já Tarso Genro foi mais econômico: utilizou o avião da FAB em 17 fins de semana para ir e voltar para Porto Alegre em um ano, o equivalente a uma média de 1,3 vôo por mês.
A ministra Dilma, nos 13 meses pesquisados, escolheu os jatos oficiais, em detrimento dos aviões comerciais, em 37 ocasiões. Na maioria das vezes, voou a serviço. Mas, em quatro fins de semana, lançou mão da mordomia para ir e voltar para Porto Alegre. Segundo sua assessoria, um dos vôos de Dilma para sua cidade natal a bordo da aeronave da FAB, o do dia 25 de maio de 2007, foi necessário por “incompatibilidade de agenda”, uma vez que a ministra, nesse dia, teve de despachar até as 20h no Palácio do Planalto. Outra viagem – a do dia 28 de julho de 2006 – teve como finalidade, segundo a assessoria da Casa Civil, o cumprimento de uma agenda na Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).
No total, as viagens de ministros com os jatos da FAB cresceram entre 2006 e 2007. De janeiro a dezembro de 2006, as aeronaves disponíveis para os ministros percorreram 1.351 trechos (idas e voltas). No mesmo período de 2007, os jatos fizeram 1.618 viagens. O uso dos jatinhos oficiais por ministros de Estado não é uma prática irregular. Baixado em 22 de maio de 2002, o Decreto nº 4.244 estabelece uma ordem de prioridades para a utilização de aeronaves da FAB. Segundo o documento, editado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a primeira situação a ser atendida se refere a “motivo de segurança e emergência médica”. A segunda prioridade são “as viagens a serviço”. Por último, podem ser atendidos deslocamentos para o local de residência permanente. Driblase o espírito do decreto de uma maneira simples: transforma-se em viagem de serviço o que é, na verdade, um deslocamento para casa. É óbvio que, se essa não fosse a última prioridade, a frota da FAB não teria como atender a volta para casa em todos os fins de semana de todos os 34 ministros. O que espanta é o abuso. Trata-se de uma exceção que virou rotina. “Se os ministros invertem a prioridade, é uma linha a ser analisada pela Comissão de Ética Pública”, afirma um dos membros do colegiado, que preserva seu anonimato, pois pode julgar o caso no futuro. Apesar disso, a assessoria do ministro Patrus Ananias não vê nada demais. “O ministro tem residência permanente em Belo Horizonte e se desloca em aviões da FAB”, confirma a assessoria.
Quando viajam a serviço, os ministros têm duas possibilidades: ou voam de avião de carreira ou utilizam uma das seis aeronaves da FAB. Na primeira opção, a passagem também é custeada pelo governo, mas os ministros se obrigam a conviver com os brasileiros que fazem check-in. A preferência pela segunda opção, em boa parte dos casos, pode ser facilmente explicada pelo fato de que, ao viajarem em aviões da FAB, os ministros não se submetem ao desconforto do caos aéreo. Não têm que perder horas em terminais de aeroporto ou a bordo de aviões aguardando a ordem para levantar vôo. As aeronaves da FAB têm a prerrogativa de pedir prioridade em pousos e decolagens. Se a mordomia existe, por que não marcar um compromisso na sexta-feira, de preferência longe de Brasília e perto de casa? Quem, neste País, abre mão de prerrogativas?
TODOS A BORDO DOS AVIÕES DA FAB DE JANEIRO A DEZEMBRO DE 2006, AS AERONAVES DISPONÍVEIS PARA OS MINISTROS PERCORRERAM 1.351 TRECHOS (IDAS E VOLTAS) |
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A FARRA DA ANAC MAIS DE 20 MIL PASSAGENS DE GRAÇA
Ao longo de 2007, enquanto milhões de passageiros do transporte aéreo enfrentaram filas e atrasos nos aeroportos, não se via um único dirigente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) nos aeroportos. Onde estavam eles? Com freqüência espantosa, viajavam de graça, com passagens cedidas pelas empresas que deveriam fiscalizar. Entre 20 de março de 2006 e 15 de agosto, no pior período do apagão aéreo, o pessoal da Anac utilizou 19.071 “requisições de transporte aéreo não remunerado”, segundo levantamento da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. A antiga diretoria da Anac fez a festa com passagens gratuitas para fins particulares, de preferência nos fins de semana.
O então diretor-presidente da Anac, Milton Zuanazzi, realizou 64 viagens, 17 delas em fins de semana, sendo 15 para sua cidade de origem, Porto Alegre. Nenhuma das 64 viagens foi para cumprir fiscalização do setor aéreo. Zuanazzi apresentou 51 memorandos de requisição de transporte à comissão para justificar suas andanças, mas em 21 não há código da missão. Ele feriu portaria do Comando da Aeronáutica sobre missões de fiscalização do setor aéreo. A Comissão de Ética Pública aprovou o parecer do relator por unanimidade e aplicou “censura ética” a Zuanazzi, por violação do Código de Conduta da Alta Administração Pública. Procurado por ISTOÉ, Zuanazzi não retornou dois telefonemas. O ex-diretor da Anac Leur Lomanto percorreu 62 trechos de viagem no período investigado, oito em fins de semana e 15 para Salvador, onde reside. Dos 26 memorandos de requisição de viagens encaminhados, 11 não tinham informação sobre o código da missão. Nenhuma das viagens foi utilizada para missões de fiscalização. Também foi aplicada censura ética a Lomanto, que não quis falar sobre a punição da Comissão.
Outro ex-diretor da Anac, Josef Barat, usou passagens gratuitas em 37 trechos de viagens, alguns em fins de semana e pelo menos 19 para São Paulo, cidade onde mora. Ele apresentou 17 memorandos, mas em cinco não consta o preenchimento do código da suposta missão. Nenhum trecho de viagem foi utilizado para fiscalização do setor aéreo. A comissão se debruça agora sobre dezenas de viagens da ex-diretora Denise Abreu. Segundo integrantes da Comissão, foram encontradas também viagens suspeitas de não estarem relacionadas com as funções da Anac, como bilhetes para São Paulo, local de sua residência.
HUGO MARQUES
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