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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sem discussão



Em decisão inédita, a Justiça
concede a guarda do filho de
Cássia Eller a sua companheira

Daniela Pinheiro

Selmy Yassuda

Eugênia, a quem Chicão chama de "mãe": parentes e a opinião pública queriam que eles ficassem juntos

Na semana passada, numa decisão inédita, a Justiça concedeu a guarda provisória do filho da cantora Cássia Eller, Francisco, de 8 anos, a sua companheira, Maria Eugênia Vieira Martins, com quem viveu por catorze anos. Desde a morte da cantora, há duas semanas, travou-se um debate acalorado sobre o futuro do menino. Nunca um caso de tutela de crianças por homossexuais havia sido tratado com tanta franqueza. E o mais impressionante: sob um consenso quase absoluto. Não houve polêmica da Igreja, nem de advogados conservadores, nem mesmo dos inflexíveis defensores dos bons costumes. Não se levantou uma voz para afirmar, por exemplo, que uma homossexual não poderia educar a criança. Ao contrário. O que se viu foi um coro de testemunhos favoráveis à permanência de Chicão ao lado de Eugênia. Nas ruas, a opinião pública corroborava a expectativa. Um jornal popular do Rio de Janeiro chegou a fazer um levantamento mostrando que 83,3% dos leitores concordavam com a decisão. Como é sentença de primeira instância, comporta recurso. Nada é definitivo, portanto. Mas, ao que tudo indica, a situação deve ser mantida. Chicão vai ser criado pela companheira de sua mãe.

O episódio confirma o que já se vinha observando de forma fragmentária no Brasil. A estrutura familiar brasileira, especialmente nos grandes centros urbanos, não comporta mais apenas o modelo tradicional. São freqüentes os casos de mães de casamentos interrompidos que abdicam da guarda dos filhos em favor dos pais, situação impensável há alguns anos. Casais homossexuais estão conseguindo adotar crianças e fazer testamentos deixando aos companheiros ou companheiras parte de sua herança – mesmo que ao desamparo da lei. Essa vanguarda comportamental reflete uma mudança social que se deu silenciosamente, mas que foi bastante profunda. Há poucos anos situações hoje tidas como absolutamente normais, como mulheres separadas, eram encaradas com estranheza. Só para citar separações, sobre as quais se tem estatísticas confiáveis, há cerca de 14 milhões de famílias de cônjuges separados no país. No colégio Andrews, um dos mais tradicionais do Rio, 65% dos alunos vivem apenas com um dos pais. Outro fenômeno recente diz respeito à quantidade de brasileiros que vivem em casas onde moram um homem sem a mulher, mas com filhos. Segundo dados do IBGE, o porcentual praticamente triplicou nas duas últimas décadas. Nos Estados Unidos, houve um aumento de 62% no número de homens que cuidam sozinhos dos filhos. "A sociedade tem-se adaptado muito bem às mudanças no padrão familiar. Sem dúvida, é um dos fenômenos mais radicais e mais bem resolvidos de que se tem notícia", comenta a psicóloga Ceres Alves de Araújo, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Wilton Junior/AE

Lan Lan: ela confirmou a suspeita de uso de drogas

A sociedade pressiona e a legislação muda, mesmo que a passos lentos. Na quinta-feira passada, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou o novo Código Civil, depois de 26 anos de tramitação no Congresso. Há mudanças substanciais no que diz respeito à organização familiar. A união estável de casais é reconhecida sem a necessidade de papel, a guarda dos filhos passa a ficar a cargo da parte do casal que tiver melhor condição, desaparece a figura do "pátrio poder", que se estende às mulheres, e os filhos adotivos ganham os mesmos direitos dos biológicos. O Código Civil, no entanto, ainda é omisso a respeito das uniões homossexuais. Se um casal gay quiser fazer uma adoção, terá de ser em nome de apenas um dos cônjuges. "Se meu companheiro morre, a criança fica sem direito a nada do que ele tem", diz o funcionário público Cláudio Rocha, de Brasília, que desistiu de adotar uma criança com seu companheiro, o professor universitário José Zuciwschi, por causa da extensa burocracia exigida do casal. A solução para o problema seria a aprovação do projeto da parceria civil, há seis anos à espera de votação, sempre adiada por pressão de católicos e evangélicos. A lei já existe em países como Portugal, França e Hungria. A proposta prevê que a união civil funcione quase como um contrato comercial, que permita compartilhar planos de saúde e benefícios previdenciários.

No caso da cantora Cássia Eller, a guarda do filho foi dada à companheira por uma decisão judicial muito mais amparada em evidências que na letra fria da lei. Não deixa de ser um avanço. Na semana passada, os policiais que investigam a morte da artista ouviram a percussionista Elaine Moreira, a Lan Lan, que assistiu Cássia Eller em seus momentos finais. Elaine contou que a seu ver a cantora parecia ter consumido drogas. Ao final do depoimento Lan Lan declarou ter conversado com Chicão. "Ele disse que vai chorar duas vezes por ano. No Dia dos Pais e no Dia das Mães", disse. Graças à Justiça, ele terá Eugênia para consolá-lo.





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