À espera de julgamento, Paulo Medina ganha sem trabalhar

Réu da ‘Operação Furacão’, ele pensou em retornar à ‘ativa’

Ouviu o advogado, que o aconselhou a manter o ‘resguardo’

Recolhimento regiamente remunerado: R$ 23,2 mil mensais

Processo dorme sobre a mesa de Cezar Peluso, do Supremo

Folha
Ele é o suspeito mais ilustre de duas mega-operações policiais: Hurricane (Furacão, em inglês) e Têmis (nome da deusa da Justiça na mitologia).

Ganharam as manchetes nos últimos dias de abril de 2007. Produziram a maior devassa já sofrida pela Justiça brasileira.

Acusado de vender sentença para a máfia do jogo carioca, Paulo Medina, ministro do STJ, freqüentou as primeiras páginas durante semanas.

Começa, porém, a escorregar para a zona sombreada da memória da platéia.

Deve-se o esquecimento a um fenômeno bem brasileiro: a lentidão do Judiciário.

Beneficiado pelo privilégio de foro, Paulo Medina foi denunciado pelo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza perante o STF.

Arrastou consigo outros réus, entre eles três desembargadores. E viu-se constrangido a deixar, aos 64 anos, uma cadeira que ocupava no STJ desde 2001.

Deixou a poltrona, não o contracheque. Continuou recebendo os vencimentos: R$ 23,2 mil por mês.

Primeiro, pediu licença médica, válida a partir de 20 de abril de 2007. Dias depois, em 3 de maio, o STJ aceitou o seu pedido de afastamento.

Lá se vão cinco meses. E nada de julgamento. Nesse período, sem verter uma gota de suor, o ministro levou ao bolso R$ 348 mil.

Há cerca de um mês, Paulo Medina considerou a hipótese de retomar as atividades no STJ. Seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, desaconselhou.

De volta ao trabalho, o ministro retornaria também ao olho do furacão. E seria um juiz manco. Desistiu.

Além dos autos do STF, Paulo Medina responde a processo administrativo. A pena máxima, nesse caso, é a aposentadoria compulsória.

Ou seja, ainda que condenado, o ministro terá como reprimenda o recebimento perpétuo dos salários. Algo comum no Judiciário.

Cezar Peluso, relator, no STF, do processo em que Paulo Medina é réu, não tem prazo para dar sentença. A expectativa é a de que o faça antes do final do ano.

Um detalhe injeta mais delonga num processo já demorado: os réus anexaram aos autos várias argüições de nulidade das provas.

Alegam que os agentes da PF trabalharam à margem da lei. Coisa de gente que, por encrencada, tenta derrubar o processo antes da análise do mérito das acusações.

Paulo Medina preferiu evitar esse tipo de chicana. Ouviu, de novo, os conselhos de seu defensor.

Para o advogado Almeida Castro, no caso de seu cliente, a restauração da autoridade de juiz depende de uma absolvição cabal, que “enfrente o mérito do processo”.

Advogado, irmão do ministro do STJ e réu no mesmo processo, Virgílio Medina preferiu o caminho inverso. É um dos que questionam a legalidade das provas.

Argumenta nos autos que seu escritório de advocacia foi devassado. Ele é sócio da banca Borges, Beildeck e Medina Advogados.

Fica no número 121 da Rua do Ouvidor, no centro do Rio. Foi varejado, em alto estilo, por três agentes da PF. Ação típica de filme americano.

Deu-se na madrugada de 23 de novembro de 2007. Os policiais não arrombaram a porta do escritório. Abriram-na com delicadeza. Permaneceram no recinto por uma hora e meia.

Saíram sem deixar vestígios da visita. Antes, munidos de equipamentos de última geração, filmaram e fotografaram evidências.

Com uma copiadora portátil, reproduziram documentos, agendas e folhas manuscritas. Na opinião de Virgílio Medina, escritório de advocacia é -ou deveria ser- inviolável.

É improvável que Cezar Peluso dê ouvidos a esse tipo de arenga. Partiu dele a autorização para que a PF esquadrinhasse o escritório na calada da noite. De resto, recolheram-se provas vitais para o julgamento.

Virgílio Medina fora pilhado em conversas vadias, ouvidas pela PF por meio de grampos telefônicos. Soara ao telefone negociando decisões judiciais do irmão Paulo Medina.

Uma delas, segundo a PF, se concretizou. Trata-se de liminar em favor da empresa Betec Games, que logrou liberar 900 máquinas de caça-níqueis apreendidas no Rio.

Nas páginas do inquérito da Operação Furação, informa-se que a liminar de Paulo Medina, revogada mais tarde pelo STF, fora negociada por Virgílio Medina com o advogado da Betec.

Chama-se Sérgio Luzio Marques de Araújo. Pagou pela decisão, segundo a PF, R$ 600 mil. Na incursão noturna ao escritório, encontraram-se elementos que corroboram a transação.

Recolheram-se, por exemplo, anotações sobre a liminar de R$ 600 mil. De resto, os agentes fotocopiaram a declaração de IR de Virgílio Medina. Exercício de 2005. Anota um repasse R$ 440 mil para o irmão-ministro.

Na defesa de Paulo Medina, o advogado Almeida Castro repisa a tecla de se trata de um empréstimo. Algo tão legal os dois irmãos registraram a operação em suas respectivas declarações de IR.

O ministro Paulo Medina tem a seu favor o fato de não ter feito uma mísera menção ao comércio de sentenças nos diálogos telefônicos bisbilhotados pela PF.

Nas conversas com o irmão, não há referências às decisões tomadas pelo ministro no STJ. Tampouco há diálogos do ministro com empresários do jogo ilegal. Algo que permite a seu advogado sustentar a tese de que, se negociou sentenças, Virgílio Medina agiu à revelia do ministro.