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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

LEIA ÍNTEGRA DA DECISÃO DE GILMAR MENDES SOBRE O MENINO SEAN






quarta-feira, 23 de dezembro de 2009 | 0:07

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 28.524 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO
IMPTE.(S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
IMPDO.(A/S) : RELATOR DO HC Nº 101.985 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL



DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança (fls. 2-26), com pedido de liminar, impetrado pela União contra o ato do relator do HC n.º 101.985/RJ, Ministro Marco Aurélio, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), que liminarmente determinou a “suspensão da eficácia do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região na Apelação Cível n.º 2008.51.01.018422-0, do qual resulta a ordem peremptória de entrega do paciente ao Consulado americano na cidade do Rio de Janeiro em 48 horas” (fl. 37).

Preliminarmente, a União sustenta o cabimento do presente writ (fls. 3-4), por entender não existir recurso cabível ou possibilidade de correição do ato impugnado, nos termos da Lei n.º 12.016/2009 (art. 5º, II), do Regimento Interno do STF (art. 201, II), do Enunciado da Súmula 267 e da jurisprudência desta Corte (HC n.º 94993 MC-AgR/RR, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 12.02.2009).

A impetrante destaca que, na decisão ora impugnada, proferida em sede de habeas corpus, deferiu-se medida liminar para impedir a entrega do paciente ao Consulado americano na cidade do Rio de Janeiro, até julgamento final daquele processo. Dessa forma, houve a suspensão do acórdão de apelação prolatado pelo TRF da 2ª Região, nos autos da Ação Ordinária de Busca, Apreensão e Restituição n.º 2009.51.01.018422-0, ajuizada pela União em desfavor do padrasto do referido paciente.

Para demonstrar a plausibilidade do direito líquido e certo invocado, na exordial alega “a teratologia da decisão liminar ora atacada” (fl. 13), sustentando que o HC impugnado e a respectiva liminar deferida revelam-se manifestamente incabíveis, “posto que não se vislumbra ilegalidade ou abuso de poder que justifique sua impetração, conforme já decidiu essa Excelsa Corte” (fl. 17) no HC n.º 99.945/RJ (DJ 05.08.2009), que tratou anteriormente do caso em questão.

A impetrante assevera que a manutenção da decisão impugnada poderá implicar o descumprimento da Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção de Haia de 1980) pelo Estado brasileiro e a imposição de sanções no âmbito internacional (fls. 13-23).

Alega, ainda, que as instâncias ordinárias, por meio de sentença e acórdão em sede de apelação, determinaram, após ampla cognição de fato e de direito de todos os elementos do caso, a restituição do paciente ao seu pai biológico e a impossibilidade de o referido habeas corpus (acolhido liminarmente) ser manejado como sucedâneo recursal.

Afirma que as premissas adotadas na fundamentação da decisão impugnada destoariam dos elementos de fato e de direito fixados no acórdão suspenso, por não incidir nenhuma das exceções previstas pela Convenção de Haia de 1980 para se deixar de repatriar o paciente aos Estados Unidos (fls. 18-23), inclusive quanto à questão de ter sido o paciente ouvido durante os trabalhos periciais (fls. 19-20).

No tocante ao periculum in mora, a impetrante aponta que o eventual descumprimento da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças pelo Brasil poderá prejudicar diversos outros cidadãos brasileiros, na medida em que os demais países poderão negar cumprimento aos pedidos brasileiros de assistência jurídica internacional no âmbito do referido Tratado, por violação ao princípio da reciprocidade (fls. 23-25).

Ainda quanto a esse aspecto, a União relata já existir petição em desfavor do Brasil, apresentada perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em face da “demora do Poder Judiciário brasileiro em entregar definitivamente prestação jurisdicional em caso de subtração ilícita de menores” (fl. 25), por descumprimento da Convenção de Haia.

Por fim, aponta o potencial efeito negativo e multiplicador da decisão impugnada nas demais situações em que se invoca a correta aplicação da referida Convenção de Haia (fl. 26), pleiteando o seguinte:

“Ante o exposto, a União requer a concessão de liminar, em caráter de urgência, a fim de que sejam suspensos os efeitos da decisão proferida nos autos do HC n.º 101.985/RJ - e restabelecida a eficácia do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região na Apelação Cível n.º 2008.51.01.018422-0, do qual resulta a ordem de retorno do menor S.R.G. ao convívio de seu pai biológico, mediante apresentação do primeiro ao Consulado americano na cidade do Rio de Janeiro, no prazo de 48 horas.” (fl. 26)

Passo a decidir.

Preliminarmente, cabe perquirir o próprio cabimento do presente mandado de segurança.

A orientação deste Supremo Tribunal Federal é no sentido do não cabimento do mandado de segurança contra ato jurisdicional da Corte. Nesse sentido o julgado nos seguintes precedentes: MS 25.413-AgRg, de minha relatoria, Pleno, DJ 14.6.2007; MS 22.515-AgRg, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 4.4.1997; MS 22.626-AgRg, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.96; MS 21.734-AgRg, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 15.10.93.

No entanto, em hipóteses excepcionais, esta Corte já admitiu a impetração de mandado de segurança contra atos jurisdicionais irrecorríveis e exarados monocraticamente por Ministros do STF.

Refiro-me ao MS 24.159-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 31.10.2003. Na ocasião, o Plenário deferiu a liminar em mandado de segurança para reformar a decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Ministro Marco Aurélio, que, reconsiderando a decisão do Presidente que o antecedeu (Min. Carlos Velloso), negava a Suspensão de Segurança n.° 1962/RJ.

Tendo em vista que a decisão que nega a suspensão não era passível de recurso e que havia grande risco de grave lesão à impetrante, o Plenário entendeu por bem admitir o mandado de segurança contra ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal. A ementa desse acórdão assim dispõe:

“MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JURISDICIONAL. EXCEPCIONALIDADE. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA DENEGADA. EVIDÊNCIAS DE RISCO DE LESÃO À ECONOMIA E À SAÚDE PÚBLICAS. PIS E COFINS. LEI N.º 9.718/98 E MP 1.991/00.

1. Hipótese excepcional em que se conhece de mandado de segurança impetrado contra ato jurisdicional da Presidência que, revogando despacho concessivo anterior, recusou a suspensão de segurança pleiteada.

2. Indícios claros de litigância de má fé, ante a semeadura de pedidos semelhantes em diversas Varas Federais e obtenção de resultado favorável em juízo aparentemente incompetente. Sentença que garantiu à empresa distribuidora de combustíveis salvo conduto contra a atuação das autoridades fazendárias, em todo o território nacional.

3. Ausência de plausibilidade jurídica da pretensão acolhida pela sentença. Suspensividade do recurso cabível recusada pela 2ª instância. Suspensão de segurança denegada pela Presidência do Tribunal Regional Federal.

4. Evidências de risco de lesão aos cofres da Seguridade Social, dadas as características de fragilidade patrimonial e societária da empresa beneficiada com a liberação (ao menos parcial) de recolhimento das contribuições.

5. Liminar deferida.”

Hipótese semelhante ocorreu no MS n.º 25.024, impetrado contra a decisão monocrática proferida na ADI n.º 3.273, rel. Ministro Carlos Britto. O Ministro Nelson Jobim, então Presidente, concedeu a liminar requerida no mandado de segurança para suspender a decisão lançada na referida ADI, tendo em vista não ser cabível decisão monocrática no caso, “salvo no período de recesso” (Lei n.º 9.868/99, art. 10, caput).

Na oportunidade, o Ministro Presidente ressaltou que a ADI n.º 3.273 havia sido distribuída e conclusa ao Relator no dia 9.8.2004, recebida em gabinete no dia 10.08.2004, e que foi realizada sessão plenária no dia 12.08.2004. Entretanto, a medida cautelar foi parcialmente deferida pelo Ministro Carlos Britto em 16.8.2004 (DJ de 23.8.2004), tendo sido suspensa, no dia seguinte, pela decisão do Ministro Presidente no MS n.º 25.024, haja vista que seria realizado leilão naquele mesmo dia. Em 02.05.2005, o ministro Eros Grau, relator do MS n.º 25.024, o julgou prejudicado em face de o Plenário do STF ter julgado improcedente a ADI n.º 3.273.

Portanto, mais uma vez, constatou-se a viabilidade excepcional, de acordo com a jurisprudência desta Corte, de se impetrar mandado de segurança contra decisão monocrática de Ministro do STF.

Nessa mesma linha, o relator do MS 25853/DF, Min. Cezar Peluso, concedeu a liminar para “suspender os efeitos da decisão liminar proferida no MS n.° 25.846, restabelecendo o teor do decisum exarado pelo Min. Celso de Mello, na ACO n.° 840“.

Na ocasião, o mandado de segurança impugnava decisão liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio nos autos de outro mandado de segurança (MS 25.846/DF), que obrigava a União a conceder garantia para empréstimo internacional obtido pelo Governo do Distrito Federal. A liminar no segundo mandado de segurança restou deferida, tendo em vista suas características excepcionais e a ausência completa de outro remédio, nos seguintes termos:

“(…)

E, conforme velha e aturada jurisprudência da Corte, é, em princípio, inadmissível mandado de segurança contra pronunciamento de natureza jurisdicional oriundo de órgão da Corte, seja ele o Pleno, uma de suas Turmas, ou um de seus Ministros, à medida que tais atos decisórios podem reformados por meio dos recursos previstos, ou, em se tratando de julgamento de mérito, com trânsito em julgado, por meio de ação rescisória (MS n.º 24.399, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 09.04.2003; MS n.º 24.885, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 18.05.2004; MS n.º 23.715-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 26.06.2000; MS n.º 22.515-AgR, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de 04.04.1997; MS n.º 21.734, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 15.10.1993; MS n.º 24.056, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 12.09.2001; MS n.º 24.483, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 02.04.2003; MS 25.008, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 09.08.2004). Nesse sentido venho decidindo (MS n.º 25.380, DJ de 06.06.2005; MS n.º 25.070, DJ de 28.03.2005; MS n.º 25.026, DJ de 08.09.2004; MS n.º 25.452, DJ de 10.11.2005).

Não há outra via expedita para remediar a situação, que envolve risco manifesto de dano jurídico à impetrante, senão o uso excepcional do mesmo mandado de segurança.

E não custa ponderar, em reforço, que a liminar ora impugnada guarda evidente caráter satisfativo, pois exaure as questões postas no mandado de segurança.

3. Do exposto, defiro a liminar, para o fim de suspender os efeitos da decisão liminar proferida no MS n.º 25.846, restabelecendo o teor do decisum exarado pelo Min. CELSO DE MELLO, na ACO n.º 840. Notifique-se a autoridade coatora, para que preste informações no prazo de 10 (dez) dias (arts. 7º, inc. I, da Lei n.º 1.533, de 31.12.1951 e 203, do RISTF).

Determino à Secretaria que extraia cópias de fls. 375-378 (decisão do Min. CELSO DE MELLO) e de fls. 380-388 (Informação do Ministério da Fazenda) dos autos da ACO n.º 840, juntando-as a estes autos.

Após, dê-se vista à PGR (arts. 103, § 1º, da CF, e 52, inc. IX, do RISTF).” (MS 25.853/DF, decisão monocrática, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 9.3.2006)

Ressalte-se que o Plenário não cassou esta segunda liminar que suspendia os efeitos da primeira, mas deliberou por reunir os feitos sob a mesma relatoria, em acórdão assim sumariado:

“Mandado de segurança contra ato de Ministro do Supremo Tribunal: singularidade do caso concreto, que leva à afirmação de competência, por prevenção, do relator dos Mandados de Segurança 25.846 e 25.853.” (MS 25.846-QO, red. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.9.2007).

No caso, entendo que a presente controvérsia reúne condições excepcionais que justificam o cabimento deste mandado de segurança, nos termos dos precedentes acima mencionados.

Com efeito, o ato impugnado é irrecorrível e não há remédio expedito para superar a situação de grave dano à impetrante.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser incabível o recurso de agravo regimental de decisão judicial que defere ou indefere pedido de medida liminar em sede de habeas corpus (cfe. HC 94.993 MC-AgR/RR, Rel. Celso de Mello, Pleno, DJ 13.2.2009; HC 91.927 AgR/MG, Rel. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 17.4.2009; HC 93.531/SP, Rel. Menezes Direito, 1ª Turma, DJ 30.5.2008; HC 93.494 MC-AgR/PR, Rel. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 25.4.2008; HC 89.837 MC-AgR/DF, Rel. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 16.2.2007; HC 89.649 MC-AgR/SP, Rel. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJ 1º.12.2006).

Não sendo cabível qualquer recurso judicial ou administrativo, o mandado de segurança configura via idônea para impugnar a decisão monocrática, nos termos da Súmula n.º 267 do STF.

É preciso enfatizar, em reforço à excepcionalidade ora afigurada, que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou mais de uma vez sobre o tema de fundo da presente impetração, seja no habeas corpus n.º 99.945/RJ (decisão singular), seja no bojo do referendo de medida cautelar na ADPF n.º 172/RJ (decisão plenária), cujas decisões assentaram o imperativo de observância das vias ordinárias como regra essencial para o adequado deslinde da controvérsia em análise.

Portanto, conheço da impetração.

Vislumbro a presença dos requisitos para o deferimento do pedido de liminar neste writ.

Constata-se dos autos a inadequação da via do habeas corpus para revolvimento de matéria de fato já decidida por sentença e acórdão de mérito e para servir como sucedâneo recursal.

Revela-se, ainda, na existência de decisões anteriores do STF que apontam para necessidade de efetivo cumprimento das decisões de mérito e a impropriedade jurídica de seguidas medidas judiciais que provocam tumulto processual.

Saliento também que o fato novo referente ao acórdão em apelação do TRF da 2ª Região, de 16.12.2009, reforça o entendimento de inadequação do habeas corpus impugnado, e não o contrário, na medida em que conclui em sentido oposto a todas as alegações da decisão impugnada.

Em síntese, apontam-se aqui os fundamentos que autorizam o deferimento desta medida liminar:

(1) peculiaridade de o caso já ter sido debatido, de forma explícita, pelo Plenário desta Corte (na ADPF n.º 172/RJ), com manifestações claras no sentido de cumprimento do que decidido pelas vias ordinárias;

(2) impetração que decidiu situação identidade à contida no HC n.º 99.945/RJ (STF) - pendente de recurso desde agosto de 2009 -, em que se negou seguimento ao habeas corpus por ser este incabível para rever fatos e provas e para servir como meio de reforma de decisões de mérito;

(3) ausência de demonstração de ilegalidade ou de abuso de poder exigíveis para a concessão da medida liminar deferida no habeas corpus ora impugnado;

(4) inadequação da via estreita do habeas corpus para o revolvimento de fatos e provas, conforme a jurisprudência desta Corte;

(5) inadequação da via eleita como sucedâneo de recurso, conforme a jurisprudência desta Corte;

(6) existência de sentença e acórdão, que definem no mérito a situação jurídica dos autos, com determinação de entrega imediata do menor S.R.G. ao pai biológico e o problemático tumulto processual evidenciado nos autos.

O ato atacado, dessa forma, não encontra respaldo na jurisprudência desta Corte.

Não-observância da jurisprudência do STF

Em primeiro lugar, há explícita manifestação do Plenário desta Corte, sobretudo nos votos do julgamento do referendo em medida cautelar na ADPF n.º 172/RJ, de reforço veemente à impossibilidade de se desprestigiar o que decidido pelas vias ordinárias, especialmente por meio de medidas processuais diversas que desvirtuem o processo estabelecido a partir da Convenção de Haia de 1980, como aparente o presente caso.

O Ministro Marco Aurélio, relator no caso, deferiu medida liminar na referida ADPF em 02 de junho de 2009, com base em um poder geral de cautela, a fim de suspender a tutela antecipada deferida na sentença do processo de busca, apreensão e restituição do menor S.R.G..

Naquela oportunidade, o Ministro Marco Aurélio afirmou, inclusive com fundamento no que decidido no HC n.º 69.303-2/MG, o seguinte: a “irreversibilidade das repercussões psicossociais que as idas e vindas poderiam ocasionar [...]“, “impondo-se a manutenção do menor no seio da família onde se encontra há praticamente cinco anos [...]“, “sem adentrar, por ora, o acerto ou o desacerto da longa e cuidadosa sentença proferida pelo Juízo - de 82 laudas - considerados fundamentais da Constituição Federal e até mesmo o enquadramento do caso nas exceções contempladas na referida Convenção de Haia, defiro a liminar pleiteada. Suspendo, submetendo este ato ao Plenário, a eficácia da aludida sentença.”

Assim, deferiu a medida liminar que suspendeu a sentença de mérito, entendendo, em síntese, inexistir certeza jurídica suficiente ao deferimento da tutela antecipada.

Contudo, ao encaminhar a questão para referendo do plenário do STF, o Ministro relator reviu a sua análise acerca do conhecimento da referida ADPF, ressaltando que apenas concedera a liminar para acautelar situação que à época se revelava de urgência. Assim, no próprio julgamento do referendo da medida cautelar, o Ministro relator reconheceu o não cabimento da mencionada ação para o caso.

É fundamental ressaltar aqui que o colegiado desta Corte, naquele momento, tomou amplo conhecimento do caso ora debatido, ainda que sob os limites da discussão de cabimento da referida ADPF, com diversas manifestações de reforço à impossibilidade de se desprestigiar o que decidido nas vias ordinárias.

Essa orientação está explicitada nos votos de diversos ministros desta Corte, em relação ao julgamento do referendo em medida cautelar na ADPF n.º 172/RJ, ocorrido em 10.06.2009. Nesse julgamento, o Plenário do STF assentou, por unanimidade: (1) a existência de outros meios processuais aptos a combater o ato judicial impugnado; (2) a natureza excepcional da arguição de descumprimento de preceito fundamental; e (3) a sua inadequação para o caso, com prejuízo do exame da medida acauteladora anteriormente deferida.

Destaque-se, por exemplo, o brilhante voto da Ministra Ellen Gracie, ao explicitar a vigência da Convenção de Haia de 1980 no Brasil e a necessidade de seu cumprimento de forma célere pelas instâncias judiciais e administrativas brasileiras:

“O compromisso assumido pelos Estados-membros, nesse tratado multilateral, foi o de estabelecer um regime internacional de cooperação, tanto administrativa, por meio de autoridades centrais como judicial.

[...]

A Convenção também recomenda que a tramitação judicial de tais pedidos se faça com extrema rapidez e em caráter de urgência, de modo a causar o’ menor prejuízo possível ao bem-estar da criança.

[...]

Infelizmente, o caso concreto que subjaz à presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, desatende a todas essas recomendações. Por desconhecimento do texto da Convenção, a Justiça Estadual do Rio de Janeiro foi induzida a, repetidas vezes, dispor sobre caso que lhe foge inteiramente à jurisdição. Com isso e a seqüência de recursos e medidas defensivas de uma das partes o caso se alonga para além de todo o razoável.

[...]

E conforme noticia a Advocacia-Geral da União em seu memorial, parece já terem sido submetidos ao TRF-2 pelo menos três diferentes instrumentos de contenção dos efeitos da sentença ora atacada: um habeas corpus, uma ação cautelar e um mandado de segurança.

[...]

Chega-se, ao meu ver, às raias do absurdo ao se tentar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, demonstrar os equívocos das conclusões do laudo pericial de avaliação psicológica utilizado na fundamentação da manifestação decisória em tela. O que está evidente, assim, é a pretensão de rediscussão e de reforma do julgado, não a demonstração do descumprimento de preceitos fundamentais.” (grifo nosso)

O Ministro Ricardo Lewandowski também asseverou em seu voto não haver óbice ao trâmite da questão pelas vias ordinárias, ao ressaltar que:

“[...] a máquina judiciária está funcionando perfeitamente e não há por que, a meu ver, de a Suprema Corte intervir no feito, pelo menos neste momento processual.”

E, no voto do Ministro Cezar Peluso, também constou o seguinte:

“A mim me parece, Senhor Presidente, com o devido respeito, que ato de poder público, aqui, não pode ser compreendido como qualquer decisão judicial sujeita a recurso - como a do caso -, isto por várias razões.

[...]

Ademais - e este é mais um motivo da inadmissibilidade, Senhor Presidente -, é que outra inteligência subverteria toda a ordem jurídico processual, permitindo trazer diretamente a esta Corte, sem observância dos graus de recurso, causas que não cabem na competência originária desta Corte e que são de descendência constitucional.

[...]

Aqui me atenho, vamos dizer, mais especificamente a um motivo fundamental nessa extinção liminar no processo, não obstante eventual apelação contra a sentença - que não confirmou, mas concedeu, depois de uma cognição completa da causa, a antecipação de tutela - não ter efeito suspensivo: o caso encontra e encontrou remédios jurídicos processuais eficazes.” (grifo nosso)

A comprovar a inadequação desta medida processual para a reforma da sentença de mérito, ressalte-se que a decisão foi tomada por unanimidade de votos.

A despeito desse entendimento, firmado em 10 de junho de 2009, a decisão liminar impugnada acolheu fundamentos de fato afastados pela instância ordinária, em especial a desnecessidade de oitiva do menor S.R.G., por haver laudo pericial, para suspender a execução não mais da sentença, mais grave, do acórdão que a confirmou no TRF da 2ª Região.

Se, naquele momento, esta Corte se deparava com a discussão do cabimento da ADPF em relação à impugnação de sentença, o que se dizer, agora, em que há acórdão prolatado pelo TRF da 2ª Região, o qual revisa, em ampla cognição, todos os elementos de fato e de direito e assenta a correção da sentença em seus fundamentos, a exigir, inclusive, a não postergação do cumprimento das consequências previstas no mencionado tratado (de repatriação da criança).

É importante considerar, inclusive, que o acórdão do TRF da 2ª Região assentou a configuração de retenção ilícita do menor S.R.G., nos termos do tratado internacional. A repercussão jurídica, política e social - sobretudo em âmbito internacional - é de extrema gravidade. Assim, não há como se negar a ilicitude da conduta de manutenção da criança no Estado brasileiro.

Ademais, não se pode olvidar que esta Corte - particularmente em razão do papel que exerce no ordenamento jurídico brasileiro - tem posição assente de seu plenário de repúdio à postergação de processos judiciais pela via de medidas meramente protelatórias - inclusive ações constitucionais - utilizadas como sucedâneo recursal, consoante parece evidenciar o presente caso.

Para tornar evidente, uma vez mais a ilegitimidade da medida liminar ora impugnada, basta confrontar os fundamentos para a concessão da medida liminar proferida, à época, pelo Ministro Marco Aurélio no âmbito da ADPF n.º 172-MC/RJ, com os argumentos expendidos na concessão do HC n.º 101.985/RJ, também de sua relatoria, no presente momento.

A partir de um simples cotejo analítico, constata-se que são utilizados exatamente os mesmos argumentos, a saber: apoio no que decidido no HC n.º 69.303-2/MG desta Corte; dúvida quanto à existência ou necessidade de manifestação da vontade da criança; possibilidade de reversão da decisão de mérito (sentença ou acórdão) pelas vias recursais próprias; e dúvida sobre a ilicitude da conduta de manutenção da criança junto à família materna (brasileira).

Ora, vê-se que, em suma, tomam-se como premissas argumentos de ordem fática e de ordem jurídica que já foram, de forma percuciente, cotejados e valorados tanto pela sentença, quanto pelo acórdão do TRF da 2ª Região. Assentada a certeza jurídica, sobretudo em relação às premissas de fato, não há mais como contestá-las pela via ordinária, quiçá pela via extraordinária.

É o que se evidencia nas manifestações trazidas pelo Ministro Marco Aurélio quanto às questões de fato e de prova apontadas tanto no julgamento da ADPF, como no julgamento da HC n.º 101.985/RJ, quando afirma, neste último, que, em momento algum, a criança foi ouvida, diretamente, por órgão investido de ofício judicante, apesar da insistência da defesa em alcançar esse objetivo.

O acórdão do TRF da 2ª Região é expresso nesse aspecto:

No caso, restou claro, pelo que consta do laudo pericial, que o menor não está apto a decidir sobre o que realmente deseja, seja pelas limitações de maturidade inerentes à sua tenra idade, seja pela fragilidade de seu estado emocional, seja, ainda, pelo fato de já estar submetido a processo de alienação parental por parte da família brasileira.

Sem razão, pois, o apelante, na medida em que o preceito normativo condiciona a possibilidade de se levar em conta a opinião da criança à efetiva demonstração de que esta tenha discernimento para tanto, o que não ocorre no caso dos autos, na linha do que concluiu o referido laudo pericial.” (grifo nosso)

Neste ponto, não há como se extrair do referido acórdão, especialmente na estreita via do habeas corpus, qualquer demonstração de ilegalidade ou de abuso de poder - necessários ao deferimento da medida liminar. Ainda que se cogite do acerto ou desacerto do laudo pericial ou da negativa de produção de prova (via depoimento pessoal), daí não se pode constatar qualquer ilicitude de decisão fundamentada, pautada em prova pericial, ressalte-se, realizada por perito judicial, com base em cognição plena de mérito.

Ressalte-se que tudo que se argumenta por meio do habeas corpus, nesse caso, resulta na inadequação da via eleita, por não ser esta medida adequada para a resolução das questões.

Da mesma forma, houve a impetração de habeas corpus neste Supremo Tribunal Federal (HC n.º 99.945/RJ) em julho de 2009, no qual se reiteraram os argumentos sobre ser cabível a via do habeas corpus para garantir ao paciente o direito de “permanecer” em território brasileiro, corrigindo a ilegalidade caracterizada pelo erro na análise da questão fática (desnecessidade de oitiva do menor por depoimento pessoal e imprestabilidade do resultado de laudo pericial) cometido pelo Juízo da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Em 29 de julho de 2009, a Presidência desta Corte negou seguimento à impetração, nos seguintes termos:

“ A via do habeas corpus não se mostra adequada ao intento perseguido pela impetrante, cabendo negar seguimento à impetração.

É verdade que o habeas corpus, embora ostente predominante natureza de procedimento de proteção contra arbitrariedades no âmbito penal e processual penal, serve também à correção de atos atentatórios à liberdade de ir e vir de cunho puramente civil, como é o caso da prisão civil do depositório infiel, desde que, em qualquer caso, vislumbre-se flagrante ilegalidade ou abuso de poder.

Nesse sentido encaminha-se a jurisprudência majoritária da Corte, podendo-se colacionar os seguintes excertos:

[...]

Logo, ausente hipótese de ilegalidade ou abuso de poder, eventual inconformismo com a sentença que restou desfavorável aos interesses da família da impetrante deverá ser debatido nas vias ordinárias e pelos meios e recursos previstos na lei processual civil.

Ante o exposto, nego seguimento à impetração, nos termos do art. 21, §1º, do RI-STF.” (grifo nosso).

Houve interposição de agravo para reformar essa decisão, pendente de julgamento nesta Corte, ressalte-se, desde agosto de 2009, sem que tenha havido julgamento da ação pelo colegiado.

De forma veemente para o caso em questão, afirmou-se a inadequação do habeas corpus para revolvimento de fatos e provas e a existência de infundado inconformismo da impetrante em assegurar, por meio dessa ação constitucional excepcional, a manutenção dos interesses da família brasileira, que não foram acolhidos na sentença de mérito.

Esse posicionamento, inclusive, manteve-se de acordo com o entendimento proferido em dois habeas corpus que o precederam, um no TRF da 2ª Região e outro no STJ; todos afirmando a impropriedade de alegações de fato, de prova e de reforma de decisão de mérito como caracterizadores de ilegalidade ou abuso de poder.

Nesse sentido, acentua-se que, no próprio HC n.º 99.945/RJ acima referido, havia expressa menção à remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nessa questão:

“EMENTA: - Habeas corpus. Guarda de menor. 2. Indicação do Superior Tribunal de Justiça como autoridade coatora. 3. Pretende-se seja assegurado, nesta via, para o menor “o direito de permanecer nos Estados Unidos em companhia da mãe e da irmã, integrado ao núcleo familiar ao qual o infante pertence há mais de três anos”. 4. Habeas corpus não é sucedâneo de recurso cabível, não sendo, por esse meio, de pretender-se a solução de questão relativa à guarda de filhos. 5. A quaestio juris já se encontra submetida ao Juízo de Direito competente no foro cível. Matéria devidamente equacionada no Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central de Porto Alegre-RS. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC n.º 81.681/RS, 2ª Turma, Rel. MIn. Néri da Silveira, DJ de 29.08.2003).

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. GUARDA DOS FILHOS MENORES. I. - O habeas corpus não se presta a decidir questão ligada à guarda de filhos, matéria a ser tratada no juízo cível. II. - H.C. não conhecido. (HC n.º 75.352/CE, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 18.06.2001).

HABEAS CORPUS NÃO E O MEIO ADEQUADO A APRECIAR O ACERTO DE SENTENÇA QUE DEFERE BUSCA E APREENSAO DE MENOR. CONSTRANGIMENTO DE JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. AGRG IMPROVIDO. (HC n.º 60.482 AgR/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ de 12.11.1982).

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSAO DE MENOR. MATÉRIA ESTRANHA AO ÂMBITO DO “WRIT”. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. IMPETRAÇÃO DEFICIENTEMENTE INSTRUIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (RCH n.º 53.457/RJ, 1ª Turma, Rel. MIn. Rodrigues Alckmin, DJ 03.06.1975).”

Portanto, não há dúvida que o caso relacionado à ação de busca, apreensão e restituição do menor S.R.G. ao seu pai biológico, já foi analisada por esta Corte, de forma consistente, nas duas oportunidades acima referidas (ADPF n.º 172/RJ e HC n.º 99.945/RJ), em que se buscava indevidamente o revolvimento de fatos e provas e a reforma da sentença de mérito em relação a dados fáticos (oitiva do menor e laudo pericial).

Não-configuraçao de ilegalidade ou abuso de poder aptos ao deferimento da medida liminar em habeas corpus

Após todas as manifestações do STF acima já mencionadas, que apontaram as vias ordinárias como o caminho legítimo para as discussões de mérito do caso (inclusive sobre a validade do laudo pericial e a necessidade de depoimento pessoal da criança), impetrou-se novo habeas corpus (atacado neste writ) perante o STF, com a seguinte motivação:

“Segundo alega a impetrante, apesar da interposição do recurso cabível contra a sentença, é efetivo o risco de se remeter o paciente aos Estados Unidos da América em decorrência do julgamento da apelação, a ser realizado amanhã, 16 de dezembro de 2009, pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Reitera, então, a tese da ilegalidade perpetrada pelo Juiz Federal, que indeferiu a colheita do depoimento do menor, considerado o disposto no artigo 13 da Convenção de Haia, no artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança e no inciso II do artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diz estar em jogo o direito de ir e vir do paciente, razão pela qual se apresenta admissível a impetração, sendo indispensável a providência cautelar ante o fato de a decisão proferida pelo Presidente do Supremo ter sido objeto de agravo regimental, ainda pendente de apreciação.

Pede a concessão de liminar, no sentido de afastar, até o julgamento final desta impetração, o cumprimento da determinação judicial relacionada à entrega do menor (folha 33). No mérito, pleiteia o reconhecimento da ilicitude do citado ato, levando em conta o fato de não ter sido colhido o depoimento da criança.” (fls. 29-30 - grifo nosso)

De fato, em 16.12.2009, sobreveio o acórdão do TRF da 2ª Região, em que se julgou parcialmente procedente a apelação de J.P.B.L.L.S. apenas para reformar a tutela antecipada antes deferida.

Mas o referido acórdão manteve a sentença de mérito em todos os seus termos, à exceção da forma como seria concedida a tutela antecipada. Assim, as instâncias ordinárias definiram o mérito da demanda, determinando a ocorrência de retenção ilícita de menor e de descumprimento do tratado internacional, bem como assegurando a validade do laudo pericial e a desnecessidade de oitiva do menor S.R.G. (por depoimento pessoal), pois constatada a sua inaptidão para decidir o que seria melhor para si.

O acórdão mencionado afastou todas as preliminares recursais e manteve os seguintes fundamentos da sentença: (1) impropriedade da alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, de imprestabilidade de laudo pericial e do direito de guarda no âmbito daquela apelação; (2) constatação da situação jurídica de ilicitude (art. 3º c/c art. 15 da Convenção de Haia de 1980); (3) inexistência de exceções convencionais à repatriação do menor S.R.G.; (4) constatação pericial de inaptidão da criança em decidir sobre o que realmente deseja.

Dessa forma, houve duas grandes mudanças em relação ao decidido em sentença.

Em primeiro lugar, revogou-se o regime de transição (em face de acordo de visitação fixado no STJ - CC n.º 100.345/RJ).

Neste ponto, é imprescindível enfatizar que a decisão do STJ no conflito de competência supramencionado assegura um acordo de visitação entre os parentes brasileiros e americanos, evidenciando-se a garantia do fomento da continuidade das relações familiares.

Este aspecto está expresso no acórdão do TRF da 2ª Região:

“De outro lado, dispensável fixação de regime de transição, porquanto a possibilidade de convivência do menor com seu pai biológico se encontra assegurada, desde 09 de fevereiro de 2009, por força dc acordo de visitação firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 100.345/RJ, permitindo, desde então, readaptação ao convívio de seu genitor”

Em segundo lugar, modificaram-se os demais efeitos da antecipação de tutela concedida na sentença, para, em síntese, “fixar ao apelante o prazo de 48 horas para apresentação voluntária do referido menor ao Consulado Americano na cidade do Rio de Janeiro.

É contra o referido acórdão que se impetrou o habeas corpus n.º 101.985/RJ, aqui impugnado, o qual teve a medida liminar deferida, com base nos seguintes argumentos:

(1) adequação da via eleita em sintonia com o precedente do HC n.º 69.303-2/MG desta Corte;

(2) pendência de julgamento de agravos regimentais no mencionado HC n.º 99.945/RJ;

(3) o acórdão em apelação está sujeito a recurso;

(4) o caso envolve “criança que, em momento algum, foi ouvida, diretamente, por órgão investido de ofício judicante, apesar da insistência da defesa em alcançar esse objetivo“, e de que a criança teria direito a tanto;

(5) inexistência de sequestro internacional de crianças no caso.

Enfatizo mais uma vez que todas essas questões foram alegadas, mas refutadas em todos os habeas corpus anteriormente impetrados e na referida ADPF (sempre apontadas como incabíveis para discussão na via eleita), inclusive em relação ao HC n.º 99.945/RJ, que tramita nesta Corte.

Nota-se, assim, a ausência de demonstração de qualquer ilegalidade ou abuso de poder no ato atacado, que contraria duas decisões de mérito no processo principal (sentença e acórdão do TRF da 2ª Região). Não se verifica, nem de forma implícita, a demonstração dos requisitos mencionados, revelando-se completamente incabível o HC n.º 101.985/RJ.

Na decisão do HC n.º 101.985/RJ, invoca-se o julgamento do HC n.º 69.303-2/MG (STF, 2ª Turma, DJ de 02.12.1992) como fundamento que legitimaria a adequação da via eleita. Todavia, essa afirmação não se sustenta, por se discutirem questões fáticas distintas. Colhe-se do voto condutor do acórdão no HC n.º 69.303-2/MG, verbis:

“[...]

Em idade viabilizadora de razoável compreensão dos conturbados caminhos da vida, assiste-lhes o direito de serem ouvidos e de terem as opiniões consideradas quanto à permanência nesta ou naquela localidade, neste ou naquele meio familiar, alfim e, por conseqüência, de permanecerem na companhia deste ou daquele ascendente, uma vez inexistam motivos morais que afastem a razoabilidade da definição. Configura constrangimento ilegal a determinação no sentido de, peremptoriamente, como se coisas fossem, voltarem a determinada localidade, objetivando a permanência sob a guarda de um dos pais. O direito a esta não se sobrepõe ao dever que o próprio titular tem de preservar a formação do menor, que a letra do artigo 227 da Constituição Federal tem como alvo prioritário. Concede-se a ordem para emprestar à manifestação de vontade dos menores - de permanecerem na residência dos avós maternos e na companhia destes e da própria mãe - eficácia maior, sobrepujando a definição da guarda que sempre tem color relativo e, por isso mesmo, possível de ser modificada tão logo as circunstâncias reinantes reclamem. (Segunda Turma - redator para o acórdão, Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário da Justiça de 20 de novembro de 1992).”

São diversos os fundamentos adotados nas mencionadas decisões. No acórdão tomado como paradigma, o tribunal defrontou-se com um litígio em que prestigiado na fase de cognição o interesse dos genitores, decidindo pela necessidade de pautar-se a decisão no interesse dos menores. A crítica feita ao processo que corria nas instâncias ordinárias era a de que os menores não foram jamais considerados, tendo-se atentado precipuamente para as relações jurídicas entre os cônjuges.

Obviamente, este não é o caso dos autos, em que durante a instrução o interesse do menor recebeu a devida consideração, inclusive com a realização de perícia, a fim de identificar se teria condições de decidir o que deseja.

Ademais, a decisão ora impugnada não leva em consideração a identidade fático-jurídica que motivou a decisão proferida no HC n.º 99.945/RJ, que, em suma, tratou da mesma controvérsia, inclusive sob o ângulo do cabimento da ação constitucional. Menciona-se apenas a existência de agravos interpostos neste HC, pendentes de apreciação pelo STF.

Entretanto, deve-se registrar que os mencionados agravos foram interpostos em agosto de 2009 e não foram levados a julgamento até a presente data. O habeas corpus contestado nesses agravos se volta contra decisão que já não subsiste em face da prolação do acórdão, inclusive com nova concessão de tutela antecipada. No mais, já há no referido HC n.º 99.945/RJ parecer da Procuradoria-Geral da República, datado de 08 de outubro de 2009, opinando pelo desprovimento do agravo.

Dessa forma, verifica-se que os fundamentos adotados no HC n.º 101.985/RJ para deferir a medida liminar não demonstram a ocorrência de qualquer ilegalidade ou abuso de poder. Não há sequer uma assertiva que, mesmo de forma implícita, aponte para a presença de tais requisitos.

Pelo contrário, constata-se mera reiteração dos fundamentos rejeitados pelo plenário nos fundamentos da ADPF n.º 172/RJ, dando amparo a expedientes processuais inadequados para retardar o regular processamento da ação de busca, apreensão e restituição do menor.

Em segundo lugar, carece de plausibilidade jurídica, para efeitos de concessão de medida liminar em habeas corpus, os fundamentos atinentes à possibilidade de recurso contra o acórdão proferido em apelação.

A existência de recursos cabíveis ou pendentes de julgamento, no caso, não demonstra qualquer ilegalidade ou abuso de poder. Na verdade, há decisão de mérito de todas as instâncias ordinárias, que define de forma uniforme o deslinde da controvérsia, ainda que contrário aos interesses da impetrante do HC n.º 101.985/RJ.

Não se torna possível o manejo do referido habeas corpus, pois há meios eficazes de se obter o efeito suspensivo do acórdão pela vias recursais ordinárias e extraordinárias.

Ademais, caso não haja possibilidade de concessão de efeito suspensivo, a determinação que se infere do ordenamento jurídico brasileiro é o imediato cumprimento das decisões, seja na seara cível, seja na seara penal.

Assim, em todos os aspectos analisados, conclui-se pela inadequação da estreita via do habeas corpus para o reexame de provas e de matéria de fato do caso, por não servir o habeas corpus como sucedâneo de recurso, em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte (HC 75.352/CE, Min. Celso Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 18.5.2001; HC 81.681/RS, Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, DJ 28.8.2003; HC 73.261/PR, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 10.5.1996; HC 83.115/SP, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 18.3.2005; HC 91.155/SP, Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ 10.8.2007; HC 80829 - Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, DJ 24.8.2001; HC 74006 - Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ 27.8.1996; RHC 93248 - Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 22.8.2008; RHC 83625 - Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 30.4.2004; HC 98732-AgR - Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ 21.8.2009).

É evidente o tumulto processual decorrente das impetrações de habeas corpus e de outras medidas processuais inadequadas, como ressalto aqui, em breve relato das principais ocorrências processuais que precederam o presente writ, as quais evidenciam a excepcionalidade do caso.

O tumulto processual no cumprimento da ação de apreensão, busca e restituição do menor S.R.G

O paciente do HC n.º 101.985/RJ, impugnado neste mandado de segurança, é o menor S.R.G. - filho da cidadã brasileira Bruna Bianchi Carneiro Ribeiro Lins e Silva e do cidadão norte-americano David Goldman -, nascido em 25.05.2000, no Estado de Nova Jersey (EUA), com registros no Consulado Brasileiro em Nova York (EUA) e na 1ª Circunscrição do Registro Civil de Pessoas Naturais na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, possuindo, assim, nacionalidade brasileira.

Em 2004, Bruna viajou ao Brasil trazendo consigo S.R.G., com autorização do pai pelo período de férias. Contudo, aqui resolveu separar-se dele, ajuizando ação de divórcio que culminou com o fim do casamento.

No mesmo ano, o pai biológico, David Goldman, ajuizou uma primeira ação de busca e apreensão do menor contra Bruna (processo n.º 2004.51.01.022271-9), que tramitou, originariamente, perante a 6ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, e, posteriormente, perante a 6ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região.

Contra o acórdão foi interposto o Recurso Especial n.º 900.262/RJ perante o STJ, cuja 3ª Turma, por maioria, não conheceu do recurso em razão de óbices processuais. Em seguida, foi interposto recurso extraordinário, não admitido. Contra essa decisão interpôs-se, perante o STF, o Agravo de Instrumento n.º 728.785, que foi julgado prejudicado pelo relator Ministro Marco Aurélio em 15.06.2009, em razão do superveniente falecimento da agravada, a mãe. A questão pende de julgamento em agravo regimental.

Em meados de 2005, Bruna iniciou relacionamento com João Paulo Lins e Silva, contraindo núpcias em 2007. Contudo, faleceu no dia 21.08.2008, depois de dar à luz sua filha C., nascida de sua relação com João Paulo.

Em 28.08.2008, João Paulo Lins e Silva ajuizou ação declaratória de paternidade socioafetiva, cumulada com posse e guarda do menor, perante o Juízo de Direito da 2ª Vara de Família do Foro Central do Rio de Janeiro. Os pedidos foram deferidos.

Após ser provocada pela Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) - órgão encarregado de fazer observar a Convenção de Haia no Brasil e que, por sua vez, fora acionado pelo órgão correspondente nos Estados Unidos -, a União, em 26.09.2008, requereu a busca, apreensão e restituição do menor perante a 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (processo n.º 2008.51.01.018422-0).

Em seguida, suscitou-se, perante o STJ, o Conflito de Competência n.º 100.345/RJ, entre o Juízo Federal da 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e o Juízo de Direito da 2ª Vara de Família do Foro Central do Rio de Janeiro/RJ. A excepcionalidade do caso também se revelou naqueles autos, conforme se constata da designação de audiência de tentativa de conciliação entre as partes para o dia 06.02.2009, na sala de audiências do STJ (decisão do relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 11.12.2008).

No mérito, a 2ª Seção do STJ, à unanimidade, declarou a competência do Juízo Federal da 16ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro para processar e julgar os dois processos (CC 100.345/RJ, 2ª Seção, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 18.03.2009).

O processo teve regular andamento, com realização de perícia para averiguar as condições psicológicas do menor. Em 1º.06.2009, foi proferida sentença favorável ao pai biológico, David Goldman, e deferida a antecipação de tutela, para determinar o “retorno imediato do menor (…) aos Estados Unidos da América“, fixando-se a data de 03.06.2009 para a sua apresentação espontânea perante o Consulado Americano no Rio de Janeiro ou, subsidiariamente, expedição de mandado de busca e apreensão.

Inconformado com a sentença de mérito na ação de busca, apreensão e restituição, João Paulo Lins e Silva, réu naquele processo, interpôs apelação. Como o recurso foi recebido no efeito meramente devolutivo, foi interposto agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao qual o Relator deferiu antecipação da tutela recursal para suspender a imediata entrega do menor.

Sobreveio agravo interno da parte contrária, cujo julgamento iniciou-se em 30.06.2009. O Relator votou pelo desprovimento do recurso, mantendo a decisão que suspendia a entrega do menor para encaminhamento aos Estados Unidos da América, e o Desembargador Cruz Netto votou pelo parcial provimento do agravo interno. O julgamento restou suspenso em razão de pedido de vista do Desembargador Castro Aguiar.

Do voto do Ministro Marco Aurélio na ADPF 172/RJ, extrai-se que foi impetrado o Mandado de Segurança n.º 2009.02.01.008575-0 perante o TRF da 2ª Região, o qual chegou a “conceder liminar para que o período de transição - adaptação do menor à nova convivência - ocorra não nos Estados Unidos da América, mas no Brasil, tal como preconizado pelo Ministério Público“.

Paralelamente, ante a ordem de entrega do menor ao Consulado dos Estados Unidos da América no Rio de Janeiro, foi impetrado o Habeas Corpus n.º 2009.02.01.008630-3 perante o TRF da 2ª Região. A petição inicial foi indeferida, mediante decisão confirmada em posterior julgamento de agravo interno, conforme a seguinte ementa:

AGRAVO INTERNO - HABEAS CORPUS - AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR - CONVENÇÃO DE ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS - INADEQUAÇÃO DA VIA - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL DO WRIT.

- Em regra, afigura-se inadmissível o manejo do habeas corpus como sucedâneo de recurso processualmente cabível (STJ, AgRg no HC n.º 74.920/SP, HC 26.705 e HC37. 704/SP), aceitando-se a impetração do writ somente em hipóteses onde seja verificada a manifesta ilegalidade do ato atacado.

- Hipótese em que não restou configurada tal excepcionalidade, sendo certo que a via estreita do habeas corpus não permite, in casu, a verificação da ocorrência do alegado error in procedendo, já que, para tanto, seria necessário o amplo revolvimento de matéria fático-probatória.

- Agravo interno improvido.

Ato contínuo, impetrou-se, perante o Superior Tribunal de Justiça, o Habeas Corpus n.º 141.593, cuja liminar foi indeferida pela Ministra Laurita Vaz em 10.07.2009, nos seguintes termos:

“Sem embargo dos laboriosos argumentos trazidos na inicial acerca do apontado error in procedendo do douto magistrado de primeiro grau, não verifico, neste juízo prelibatório, a possibilidade de deslinde da controvérsia na estreita via do habeas corpus, que, como é sabido e consabido, não se coaduna com a dilação probatória, aparentemente necessária para saber se, afinal, foi ou não observado [sic] os direitos do menor na decisão impugnada no juízo cível.

Cumpre ainda ressaltar a falta de urgência do pedido de liminar deduzido na impetração, na medida em que, como anotou a inicial, a decisão que autoriza a saída da criança do território nacional está suspensa por determinação da Corte Regional.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de liminar.” (grifo nosso)

Contra essa decisão houve a impetração de novo habeas corpus neste Supremo Tribunal Federal (HC n.º 99.945/RJ), reiterando-se os argumentos sobre o cabimento do habeas corpus, tendo em vista que o paciente teria o direito de “permanecer” no território brasileiro.

Também contra a referida sentença foi ajuizada a ADPF n.º 172/RJ pelo Partido Progressista. O relator Ministro Marco Aurélio, em 02 de junho de 2009, deferiu medida liminar na referida ADPF, com base no poder geral de cautela, a fim de suspender a antecipação da tutela concedida na sentença do processo de busca, apreensão e restituição do menor.

Assim, constata-se que a questão já foi amplamente debatida, o que evidencia que o habeas corpus não é medida adequada para a revisão do acórdão do TRF da 2ª Região.

No tocante ao periculum in mora, a impetrante demonstrou que o descumprimento reiterado do que decidido pelas vias ordinárias está comprometendo o Estado brasileiro quanto ao regular cumprimento da Convenção de Haia de 1980, inclusive com a informação de já haver petição junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em relação ao caso dos autos, o que poderá acarretar graves sanções ao Brasil.

Ao mesmo tempo, evidencia-se a ocorrência de dano inverso, na medida em que a impetrante demonstra a alta possibilidade de efeito negativo e multiplicador da manutenção da decisão impugnada em relação aos demais cidadãos brasileiros que se valem do Tratado para reivindicar a assistência jurídica internacional - que poderá ser negada por outros países, dada a relevância do princípio da reciprocidade como vetor interpretativo central nesses casos.

De todo o exposto, resulta:

a) que já houve sentença e acórdão de mérito nos autos da ação de busca, apreensão e restituição do menor e que a jurisprudência desta Corte já assentou, na ADPF n.º 172/RJ e no HC n.º 99.945/RJ, competir às instâncias ordinárias a resolução do caso;

b) que o ato atacado em sede de habeas corpus não demonstra qualquer ilegalidade ou abuso de poder, restringindo-se a atacar os contornos fáticos definidos pelas instâncias ordinárias;

c) que a única alteração do quadro fático, desde o julgamento da ADPF n.º 172/RJ e do HC n.º 99.945/RJ, foi a prolação do acórdão em favor da União, mantendo-se o mérito decidido pela sentença;

d) que o acórdão do TRF da 2ª Região assentou que, nos termos do julgamento do CC n.º 100.345/RJ (STJ), assegura-se um acordo de visitação entre os parentes brasileiros e americanos, para a garantia do fomento da continuidade das relações familiares.

Conclui-se, assim, pela inadequação da via do habeas corpus para revolvimento de matéria de fato já decidida por sentença e acórdão de mérito e para servir como sucedâneo recursal.

Demonstradas as peculiaridades do caso, que evidenciam o seu caráter excepcional, apto a ensejar o cabimento da presente medida como único meio idôneo de reversão da decisão impugnada no presente momento, bem como constatada a ausência de comprovação inequívoca dos requisitos autorizadores do deferimento de medida liminar em habeas corpus, faz-se mister o deferimento da presente medida liminar, pois presentes os requisitos de periculum in mora e de fumus boni iuris.

Ante o exposto, defiro o pedido liminar para sustar os efeitos da decisão liminar proferida pelo Ministro relator do HC n. 101.985/RJ, do Supremo Tribunal Federal, restaurando-se os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região na Apelação Cível n.º 2008.51.01.018422-0.

Comunique-se com urgência.

Publique-se.

Notifique-se a autoridade coatora, para que preste as informações no prazo legal.

Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Brasília, 22 de dezembro de 2009.

Ministro GILMAR MENDES

Presidente

(art. 13, VIII, RI-STF)

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Por Reinaldo Azevedo

Arrogância e falta de medida

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009 | 1:09

Por Rubens Ricupero:

TIVE UM choque ao ouvir de ex-colega da ONU que o Brasil começa a parecer arrogante no exterior. “Vocês não eram assim; agora se comportam às vezes com a petulância de novos-ricos!” Minha primeira reação foi descartar a observação como fruto de algum episódio isolado. E se for verdade, pensei depois? Meu amigo é dos mais argutos analistas internacionais e seus exemplos me abalaram a tranquilidade.

Na raiz dessa percepção, está a irritação crescente com o protagonismo excessivo do nosso presidente, a frenética e incessante busca dos holofotes, a tendência de meter-se em tudo, com boas razões ou sem nenhuma. Acaba por irritar outros presidentes, que se cansam de servir de figurantes ao brilho de nossa liderança. Chega a hora em que os demais não aparecem para a festa, como sucedeu na recente reunião de presidentes amazônicos em Manaus. Veja-se o contraste com a sobriedade e o realismo da China. Na recente visita de Barack Obama, o primeiro-ministro Wen Jiabao lhe disse, segundo a agência oficial, que “a China discorda da ideia de um G2, pois ainda é um país em desenvolvimento e precisa manter a mente sóbria”. Lamenta, mas não pode ajudar a resolver os problemas do Oriente Médio, do Afeganistão ou de outros lugares porque está muito ocupada em solucionar os próprios.

Imagine como teríamos reagido se a oferta do G2 tivesse sido feita a nós? O pragmatismo dos chineses significa que eles reservam os meios que possuem (bem superiores aos nossos) para o essencial: o comércio, a tecnologia, as ameaças do entorno asiático onde podem ser decisivos. A diferença em relação à política externa do Brasil revela muito sobre eles e sobre nós.

Queremos ser mediadores no Oriente Médio e em Honduras, onde nossa influência é quase zero, enquanto a Unasul, que fundamos, completa um ano sem conseguir eleger o secretário-geral (Néstor Kirchner é vetado pelo Uruguai) nem encaminhar os conflitos que se multiplicam entre os membros. O erro não é querer ter um papel útil, mas fazê-lo de modo desastrado, sem medida nem coerência. A mesma diplomacia que não suja as mãos em contatos com o governo de fato hondurenho abraça o sinistro presidente iraniano, indiferente à negação do Holocausto, à fraude eleitoral, às torturas e condenações à morte de opositores.

Nosso “timing” não é melhor do que nossa consistência. Recebemos Mahmoud Ahmadinejad na véspera de sua condenação pela Agência Internacional de Energia Atômica com os votos da China e da Rússia. Provavelmente amaciado pelos bons conselhos do Brasil, ele anunciou que vai construir mais dez usinas de urânio. Somos candidatos a posto permanente no Conselho de Segurança, mas assinamos oito acordos com país que está sob sanções do Conselho!

Não nos faria mal escolher com mais cuidado os amigos e as causas que patrocinamos. Tampouco perderíamos se deixássemos algum espaço para os que já nos olham com receio devido a nosso tamanho incômodo e potencial futuro. Ao conseguir convencer o secretário de Estado dos Estados Unidos a vir ao Rio de Janeiro para a conferência interamericana de 1906, Rio Branco insistiu para que visitasse também Montevidéu, Buenos Aires e Santiago, “a fim de dissipar ciúmes e prevenções, afagando o amor próprio” dos hispano-americanos. Ele sabia que “a inveja é a sombra da glória”, verdade que parece termos esquecido.

RUBENS RICUPERO , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

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Por Reinaldo Azevedo

DE VOLTA A HONDURAS: DEZ COISAS QUE SEI SOBRE A REALIDADE POLÍTICA DO PAÍS

segunda-feira, 30 de novembro de 2009 | 4:13

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) é membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e um dos mais de 300 observadores estrangeiros que acompanharam a eleição em Honduras neste domingo - o único brasileiro. Abaixo, ele conta o que viu e ouviu em Honduras quando esteve lá em setembro e agora.
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Estive em Honduras no fim de setembro chefiando uma missão parlamentar da Câmara dos Deputados. Naquela oportunidade, encontrei-me com toda a cúpula política do país - Corte Superior de Justiça, presidente, mesa diretora e líderes da Assembléia Nacional, Comissão Nacional de Direitos Humanos, presidente da República e presidente deposto, além de diplomatas, sociedade civil e jornalistas. Agora, estou de volta à capital hondurenha, Tegucigalpa, como observador internacional do processo eleitoral, o único do Brasil.

Acho que aprendi algo sobre o que se passou e se passa aqui e me chama atenção a repetição, como um mantra, de erros grosseiros, factuais ou de interpretação, sobre a crise em que foi mergulhado esse país. Resolvi então selecionar os dez mais comuns e contestá-los no intuito de desfazer equívocos e informar corretamente.

01. EM HONDURAS OCORREU UM GOLPE
Se, por um golpe, tomamos algo que se dá contra a Constituição de um país ou à margem dela, certamente não. A deposição do Presidente Zelaya e a posse do presidente Roberto Micheletti se dão de acordo com a Carta hondurenha. Todas as instâncias legais foram observadas, e todas as instituições - Corte Suprema, Procuradoria Geral, Advocacia da União e Congresso - se manifestaram como manda o rito constitucional. E, em todas elas, o sr. Zelaya foi condenado jurídica e politicamente.

02. MICHELETTI É UM PRESIDENTE DE FACTO E GOLPISTA
O Sr. Micheletti é o presidente constitucional de Honduras e não de fato ou interino. Ele chegou à Presidência por comando claro da Constituição, dado que era o sucessor legal e que o vice se afastara para concorrer às eleições. Ele deverá passar o cargo ao seu sucessor no prazo previsto, 27 de janeiro de 2010. Golpista nenhum torna-se presidente e deixa de sê-lo de acordo com o que manda a Constituição.

03. O PRESIDENTE ZELAYA NÃO TEVE DIREITO DE DEFESA
Sigamos a cronologia dos fatos. Em fevereiro de 2009, o Sr. Zelaya torna pública a sua intenção de realizar um plebiscito, o que feria a letra da Constituição. Em abril, a Fiscalia de la Republica (Procuradoria Geral) lhe manda uma primeira carta alertando-o para a flagrante inconstitucionalidade de tal ato. Zelaya desdenha. Ainda em abril, uma segunda carta pública lhe é enviada pela Fiscalia com o mesmo resultado, pois o presidente, também publicamente, reitera suas intenções. Então, a Fiscalia oficia, em maio, para que se pronuncie o Advogado Geral do Estado, e este o faz reforçando a tese da inconstitucionalidade. Nesse momento, a Fiscalia requer à Justiça de primeira instância que instaure processo, do qual resulta a condenação de Zelaya, que recorre ao Tribunal de Apelação, que igualmente o condena, com novo recurso à Corte Superior de Justiça - com o mesmo resultado dos anteriores. É então que, no dia 23 de março, o presidente Zelaya publica um decreto convocando uma Constituinte, o que colide frontalmente com um outro artigo da Carta.

Entra em cena o Congresso Nacional, que usando de suas prerrogativas, julga a conduta do presidente e, por 123 votos a 5, inclusa a maioria do seu partido, decide afastar o presidente Zelaya. Duplamente julgado e condenado, tendo tido amplo direito de defesa, ele é afastado, tem os seus direitos políticos cassados e sua prisão decretada pelo presidente da Corte Superior de Justiça no dia 28 de junho. Onde, portanto a ausência de contraditório e o amplo direito de defesa?

04. ZELAYA É UM HOMEM DE ESQUERDA E POPULAR
Nada, na biografia e trajetória do presidente deposto, autoriza essa constatação. Filho de um rico fazendeiro (envolvido em uma chacina de camponeses), eleito pelo Partido Liberal, de direita, privatista e antiestatista, o Sr. Zelaya se elegeu com um programa pró-mercado e de reformas. No poder, cai nas graças de Hugo Chávez, ingressa na ALBA, a Alternativa Bolivariana Para as Américas , assumindo posturas e projetos populistas e assistencialistas. Por essa “conversão”(?!), torna-se um ídolo para uma certa esquerda de pouco tino e senso histórico.

05. ZELAYA NÃO VOLTOU AO PODER POR CONTA DA DITADURA GOLPISTA
Nada mais falso. Em primeiro lugar, todas as instituições hondurenhas estão abertas e funcionando normalmente, o que, convenhamos, é esquisitíssimo em se tratando de um golpe de Estado. Em segundo, contando com o esmagador apoio de toda a comunidade internacional, da OEA e a ONU, e se dizendo popular e com o apoio dos hondurenhos, por que “Mel” não retorna ao poder? Por dois motivos: a totalidade das instituições de Honduras está definitivamente contra ele, e a maioria do seu povo, também. Tivesse esse último a seu favor, manifestações de massa - inexistentes - e uma greve geral, mais o apoio externo, teriam derrubado o atual governo.

06. O RESULTADO DAS ELEIÇÕES NÃO SERÁ ACEITO DEVIDO À DITADURA
As atuais eleições foram convocadas e datadas antes da atual crise. Todos os partidos puderam apresentar candidatos e debater seus programas nas praças, rádios e TVs. Os hondurenhos podem votar livremente, e o Tribunal Superior Eleitoral, órgão independente, supervisiona e fiscaliza o pleito.

Apenas 0.5% dos mais de 15 mil candidatos inscritos atenderam ao apelo do Sr. Zelaya para boicotarem as eleições, e o principal partido de esquerda, a UD, está na disputa, rachando e minguando a base de apoio do ex-presidente deposto. Se o povo hondurenho acorrer às urnas e se o pleito for limpo, segundo os mais de 300 observadores internacionais, as eleições e seu resultado serão legítimos.

07. O RESULTADO DAS ELEIÇÕES NÃO SERÁ RECONHECIDO NO EXTERIOR
Será por uns e por outros. Do lado do reconhecimento, estarão os EUA, Colômbia, Israel, Peru, Panamá, Canadá, Alemanha e Itália até o momento. Contra, teremos o Brasil, a Argentina, Venezuela, Equador, Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia, Suriname e, certamente, os demais países da comunidade européia. Porém, com o passar do tempo, caso as eleições sejam limpas, o primeiro grupo irá paulatinamente crescer, e o segundo, minguar. Lembrando que aqui o voto não é obrigatório e a abstenção é costumeiramente altíssima, atingindo mais de 50%.

08. O GOLPE EM HONDURAS AMEAÇA A DEMOCRACIA NA AMÉRICA DO SUL
Como espero haver demonstrado, não houve golpe em Honduras. Houve, sim, e isso não pode ser esquecido ou tolerado, uma abominável agressão ao Sr. Zelaya. Quando ele já não era mais presidente, foi retirado de sua casa de madrugada e enviado para fora do país. Os responsáveis por isso têm de ser exemplarmente punidos, na forma da lei, para que tal crime jamais se repita, em Honduras ou qualquer lugar.

Agora, o que ameaça a cláusula democrática no subcontinente é o meio compromisso com a democracia. Se o Sr. Zelaya foi apeado do poder segundo as regras constitucionais do país, e foi sucedido em linha com as mesmas regras pelo Sr. Micheletti, chamar a isso de golpe de Estado é atentar contra a democracia. E isso vale, em especial, para uma certa esquerda, para a qual, sendo o atual governo de direita, ele é inaceitável, como se a esta não fosse permitido chegar ao poder, no que incorre em duplo erro.

Em primeiro lugar, porque foi a Constituição, que colocou a “direita” na presidência. Em segundo, é o Sr. Manuel Zelaya o golpista de fato, ao atentar contra a Carta Constitucional e as instituições hondurenhas. Portanto, é ele quem ameaça a democracia na America do Sul, e não o contrário.

09. LULA ERROU AO RECEBER ZELAYA NA EMBAIXADA BRASILEIRA
Não, ele agiu certo. É tradição humanitária do Brasil receber em nossas embaixadas quem nos procura em situação de risco. O erro foi dar status de “abrigado” ao Sr. Zelaya quando o correto, jurídica e diplomaticamente, seria lhe conceder asilo. Ao lhe dar abrigo e não asilo, o ex-presidente pôde legalmente usar a embaixada brasileira como palanque político, interferindo na política hondurenha, o que constitui gravíssimo erro e desrespeito à soberania hondurenha.

Imaginem se, ao ser deposto, o presidente Collor se abrigasse numa embaixada de um país qualquer e de lá convocasse uma insurreição contra o governo de Itamar Franco. Como nos sentiríamos?

10. A POSIÇÃO DO BRASIL FOI CORRETA DIANTE DA CRISE
Antes de mais nada, a América Central, e Honduras em particular, jamais foi importante ou área de influência do Brasil, donde resulta em erro o calibre e engajamento da resposta. Em duzentos anos de relações diplomáticas, um único presidente nosso esteve lá, Luis Inácio Lula da Silva. Nossas relações comerciais são irrisórias, e a região tem com os EUA 70% da sua pauta comercial. Sendo que Honduras fecha as suas contas nacionais com remessas que lhe são enviadas dos Estados Unidos pelos que para lá imigraram.

Ao ver golpe aonde houve desrespeito aos direitos humanos e, em seguida, ao defender o retorno do Sr. Zelaya ao poder, erramos de novo. Por fim, ao dar a este a condição de abrigado e não de asilado, permitimos o uso da nossa embaixada como palanque. Com essa seqüencia de equívocos, perdemos a condição de mediadores, deixando de ser uma fonte de soluções para nos tornarmos parte do problema.

Caso as eleições de hoje sejam limpas e o Brasil teime em não reconhecê-las, erraremos de novo e em definitivo.
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Por Reinaldo Azevedo

Para onde vamos?

terça-feira, 3 de novembro de 2009 | 1:20

Leia íntegra do artigo de Fernando Henrique Cardoso no Estadão do dia 1º de novembro de 2009
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A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio “talvez” porque alguns estão de tal modo inebriados com “o maior espetáculo da Terra”, de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois, se o sistema atual, de concessões, fosse “entreguista”, deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso…) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os “projetos de impacto” (alguns dos quais viraram “esqueletos”, quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: “Brasil, ame-o ou deixe-o.” Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha Casa, Minha Vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: “L”État c”est moi.” Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o “nosso pré-sal”. Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no “dedaço” que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são “estrelas novas”. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou “privatizadas”. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DA SENTENÇA QUE CONDENOU TOFFOLI

domingo, 20 de setembro de 2009 | 5:45

Data: 08/09/2009
Magistrado: MARIO CEZAR KASKELIS

Vistos etc. ANNÍBAL BARCELLOS ingressou com a presente Ação Popular contra JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE, MARIA DALVA DE SOUZA FIGUEIREDO, JOÃO BATISTA SILVA PLÁCIDO, JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFOLI, LUIS MAXIMILIANO LEAL TELESCA MOTA e a FIRMA TOFFOLI & TELESCA ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C, todos qualificados nos autos, sob o fundamento de que o Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe, desde o início de seu mandato como Governador do Estado do Amapá, iniciado em janeiro de 1995, vem sistematicamente abusando em contratar servidores públicos para cargos que, por serem considerados como de carreira de Estado, tais como Procuradores do Estado e Defensores Públicos, dentre outros, exigem concurso público como a única modalidade de admissão aos quadros funcionais do Poder Executivo, violando, assim, o disposto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Acrescenta que o então Governador do Estado possivelmente contou com a cumplicidade de João Batista Silva Plácido, Procurador Geral do Estado do Amapá, favorecendo os Advogados José Antonio Dias Toffoli, Luiz Maximiliano Leal Telesca Mota e outros, de forma sistemática e contínua, para que prestação de natureza pessoal, de interesse eminentemente particular. Consta ainda da inicial que a modalidade de admissão adotada pelos Requeridos se materializou através de Decretos do Governo Executivo, quando ao arrepio da lei, foram nomeados “colaboradores eventuais do Estado do Amapá”, profissionais da relação de amizade do ex-Governador, violando a modalidade de processo seletivo único que é o concurso público ou, eventualmente e quando cabível, nos casos excepcionais, a licitação pública. Prossegue citando os decretos, extratos de contrato de prestação de serviços técnicos profissionais e extrato de termo aditivo de contrato, os quais teriam favorecido, de forma ilícita, os Requeridos. Registra que além da ilegalidade das contratações dos colaboradores eventuais, os Requeridos estavam sendo contratados como forma “camuflada” de pagar com recursos públicos os serviços profissionais realizados para as pessoas físicas de João Capiberibe, João Plácido e ainda ao provável amigo Arlindo Chignália Júnior, citando datas, fatos e documentos. Diz ainda na inicial que o advogado Jorge Anaice, no exercício do cargo de Corregedor da Procuradoria Geral do Estado, tentou fazer defesa oral para um particular - Deputado Alexandre Torrinha, porém, impedido pelo Tribunal, sendo que tal defesa foi realizada pelo advogado Luis Maximiliano Telesca, embora estivesse vinculado ao Estado do Amapá. Menciona os dispositivos legais que entendeu violados, acrescentando entendimentos doutrinários e sustentando a ilegalidade dos referidos procedimentos, inclusive, no sentido de que também constituem ato de improbidade administrativa. Requereu a citação dos Requeridos e, no final, a procedência do pedido para os fins da declaração da nulidade das contratações dos “colaboradores eventuais” e pela ilegalidade do contrato e seu respectivo aditamento, com a condenação dos Requeridos para restituírem os valores recebidos a título de honorários advocatícios, despesas de viagens, passagens aéreas, despesas com hospedagens, alimentação, diárias, contrato e aditamento, acrescido dos encargos legais, multas e correção monetária. Terminou requerendo a produção de provas, dentre elas, documentos a serem apresentados pelos Requeridos (fls. 02/16). A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 07/37. Despacho determinando providências a cargo da parte autora (fls. 39/40), que foram atendidas (fls. 41/42), havendo novo despacho requisitando do Procurador-Geral do Estado a apresentação de documentos (fl. 41), o qual apresentou alguns e solicitou, solicitando prazo para apresentar outros, o que foi deferido pelo Juízo (fls. 46/72). Novos documentos apresentados pela Procuradoria-Geral do Estado (fls. 78/170), sobre os quais manifestou o Autor da Ação (fls. 172/175). Despacho determinando a citação dos Requeridos e outras providências (fl. 176). Contestando a ação - João Alberto Rodrigues Capiberibe alegou preliminares de carência da ação (art. 267, VI) - ausência de condição de validade da ação, pedidos ineptos por ausência de causa de pedir e falta de interesse de agir. No mérito, sustentou a legalidade de todos os atos por ele praticados e atacados na presente ação popular, citando jurisprudência e doutrina em abono a sua defesa. Diz ainda que mesmo que considerado ilegal o contrato, ainda assim a remuneração seria devida, ante a impossibilidade de enriquecimento ilícito da administração pública. Alega litigância de má-fé da parte Autora. Termina requerendo o acolhimento das preliminares e, se examinado o mérito, pela improcedência da ação popular (fls. 182/190). Luís Maximiliano Leal Telesca Mota, em sua contestação, aduziu que não houve qualquer ilegalidade, imoralidade ou lesividade que possa macular os atos atacados pelo Autor Popular, esclarecendo que jamais foi colaborador eventual. Disse que o contrato existente com o Poder Público foi feita com a sociedade da Toffoli & Telesca Advogados Associados e não com sua pessoa física e por isso é parte ilegítima para figurar no polo passivo. Alegou ainda a existência de certame licitatório público, lícito e adequado para a contratação da Sociedade de Advogados da qual figura como sócio minoritário, não havendo que se cogitar em notória especialidade. Sustentou que foi cumprida a Lei 8.666/93 e todos os demais procedimentos legais. Prossegue em sua defesa alegando a inépcia da inicial e sua ilegitimidade passiva, rebatendo os demais pontos alegados pelo Autor e terminando por requerer a extinção do processo, em razão das preliminares e, se julgado o mérito, pela improcedência da ação popular, com as condenações de praxe (fls. 198/220). Com a defesa, vieram os documentos de fls. 221/548. Réplica às contestações pelo Autor Popular, alegando a revelia dos Requeridos, à exceção de Luis Maximiliano e ainda rebatendo as defesas apresentadas pelos Requeridos (fls. 550/563). Com vista ao Ministério Público, foi requerido diligências e, cumpridas elas, inspeção geral do processo visando o seu julgamento (fls. 565/567), deferido em parte pelo despacho de fl. 568. Citado (fl. 569 e verso), o Estado do Amapá apresentou resposta assumindo a posição no polo ativo e requerendo a condenação dos Requeridos à devolução dos valores mencionados na inicial e outras (fls. 571/573). Com a referida resposta, vieram os documentos de fls. 574/807. Cumprindo despacho judicial, a Procuradoria-Geral do Estado trouxe aos autos o Procedimento Licitatório nº 004/2001/CPL/PROG (fls. 811/1021). Despacho determinando manifestação do Autor Popular sobre a contestação do Estado do Amapá e documentos (fl. 1022), cumprido conforme fls. 1023/1024. Seguiu manifestação Ministerial no sentido de estar presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, bem como, condições da ação (fls. 1026/1032). Despacho saneador (fls. 1037/1040). O Requerido José Antonio Dias Toffoli arguiu a nulidade de sua citação (fls. 1057/1060), acolhida pelo despacho de fl. 1063. Petição do Requerido João Batista Dias Plácido arrolando testemunha e trazendo aos autos cópia de contestação (fls. 1066/1088). Contestação apresentada por José Antonio Dias Toffoli, constando que a inicial da ação popular é genérica, não apontando qual a lesão tutelada pela referida ação; alegou ainda ilegitimidade passiva, regularidade das contratações, inclusive para a defesa de interesse público, em causas de grande importância jurídica e financeira para o Estado, citando em abono aos fatos e fundamentos mencionados, jurisprudências e doutrinas, com pedido final do reconhecimento da ilegitimidade passiva e, no mérito, pela improcedência da ação popular (fls. 1089/1111). Trouxe com a contestação os documentos de fls. 1113/1239. A original da contestação de João Batista Silva Plácido foi juntada aos autos (fls. 1243/1263), repetindo, praticamente, os mesmos argumentos contidos na defesa do Requerido citado no parágrafo anterior. Também apresentou documentos (fls. 1264/1378). Audiência onde foi proferido despacho para manifestação dos Autores e do MP (fls. 1379/1380). Manifestação do Autor Popular Anníbal Barcelos, rebatendo os argumentos contidos nas defesas dos Requeridos e solicitando providências, bem como, julgamento antecipado da lide (fls. 1382/1395), apresentando documentos da Receita Federal (fls. 1396/1397). No mesmo sentido o Estado do Amapá (fl. 1399). Parecer Ministerial no sentido da regularidade do processo e legitimidade das partes (fls. 1405/1409). Despacho saneador (fls. 1410/1411). Petição do Requerido José Antonio Dias Toffolli, arrolando testemunhas e agravo retido (fls. 1414/1420), informando endereço (fl. 1425). Pedido de devolução de prazo pelo Requerido João Alberto Rodrigues Capiberibe (fl. 1426). O Estado do Amapá manifestou no sentido de não ter interesse em arrolar testemunhas (fl., 1429). Reiteração de pedido de devolução de prazo pelo Requerido João Alberto Rodrigues Capiberibe (fl. 1430). É o relatório. Decido: No caso, o Magistrado pode e deve exercer juízo crítico e aceitar como suficientes as provas documentais apresentadas, dispensando as outras, quando a tendência é que a lide seja julgada antecipadamente, conforme o previsto pelo Código de Processo Civil, art. 330, I. Se já há nos autos prova suficiente, não sendo, pois, necessário colher outras, o juiz está autorizado a conhecer diretamente do pedido, proferindo a sentença. Segundo a doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: “O dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o mérito de forma antecipada, quando a matéria for unicamente de direito, ou seja, quando não houver necessidade de fazer-se prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os notórios, os incontrovertidos etc. (CPC 334)” (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 826). De acordo com o STF: “A necessidade da produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado” (RE n. 101.171, Min. Francisco Rezek, RTJ 115/789). Da mesma forma o STJ: “O art. 330 do CPC, impõe ao juiz o dever de conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, se presentes as condições que propiciem o julgamento antecipado da causa, descogitando-se de cerceamento de defesa” (REsp n. 112.427/AM, Min. José Arnaldo). E ainda: “Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder” (REsp n. 2832, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). A jurisprudência do TJAP também é pacífica quanto à dispensa de provas quando a questão é unicamente de direito ou versando sobre fatos, estes se encontrarem provados. Vejamos: “… Respaldado no princípio do livre convencimento motivado, pode o juiz julgar antecipadamente a lide quando a matéria for unicamente de direito ou de direito e de fato, quando neste caso, o faça com base no conjunto probatório que se apresenta; 3) …” (TJAP - Acórdão nº 13461 - Relator Des. Luiz Carlos - julgado em 07/07/2009, publicado no DOE 65 de 18/08/2009). “… O julgamento antecipado é faculdade conferida ao juiz, desde que satisfatórios os elementos probatórios dos autos, restando manifesta a inutilidade ou o claro intuito procrastinatório da coleta de provas cuja produção se bate a apelante, até porque sequer especificadas nas razões de seu apelo. 2) Demonstrada cabalmente por meio da assertiva de ambos os litigantes que a administração da empresa, em conjunto, é totalmente inviável, encontrando-se, de fato, rompida a multicitada affectio societatis, o que pode culminar até com o fim da empresa diante da dificuldade de administração, outra solução não resta senão a exclusão do sócio apelante dos quadros da mesma. 3) Recurso não provido” (TJAP - Acórdão nº 13026- Relator Des. Edinardo Souza - julgado em 26/08/2008, publicado no DOE 4344, pág. 19, de 26/09/2008). “… Existindo nos autos elementos probatórios suficientes ao pronunciamento do juízo decisório, sem necessidade de produção de provas em audiência, o julgamento antecipado da lide é solução que se impõe, não havendo que se cogitar de cerceamento de defesa. 2) Ocorrendo a hipótese de julgamento antecipado da lide prevista legislação processual civil, desnecessária se torna a realização de audiência preliminar, ex vi do artigo 331 do Código de Processo Civil. 3)…” (TJAP - Acórdão nº 13461 - Relator Juiz Constantino Brahuna - julgado em 11/11/2008, publicado no DOE 4421, pág. 17, de 20/01/2009). Feitas estas considerações e atento ainda ao fato de que o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem obrigado a ater-se aos fundamentos indicados por elas, bem como, que a matéria tratada nos presentes autos está demonstrada, sendo desnecessária outras, revogo a parte final da decisão de fls. 1410/1411 no que se refere a prova testemunhal e passo ao julgamento do feito. As preliminares arguidas pelos Requeridos já foram suficientemente rebatidas por ocasião dos despachos saneadores. Quanto ao mérito, a ação popular tem por escopo combater a malversação de verba pública, o desvio de função, atos de corrupção, lesividade do patrimônio público, a tutela, a moralidade administrativa e abuso de poder. Referido procedimento viabiliza a declaração da nulidade dos atos lesivos ao patrimônio público, bem como a condenação dos responsáveis na reparação dos danos ocasionados, estando a ação popular prevista no art. 5º, LXXIII, da CF/88, e regulamentada pela Lei nº 4.717/65. Em outras palavras, a ação popular é um instrumento de defesa da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, em prol dos interesses da comunidade, sendo que o beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor, mas o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. Pois bem. De início, escudado em abalizada tese doutrinária que aponta a necessidade da presença do binômio ilegalidade - lesividade como requisito essencial ao acolhimento da ação popular, há de se rejeitar o pedido de procedência da ação popular em relação aos atos mencionados nos itens 3.1, 3.2., 3.3, 3.4 e 3.6 da inicial, a saber: a) Decreto nº 2383, de 14 de julho de 2000 onde a então Governadora em Exercício - Sra. Maria Dalva de Souza Figueiredo nomeou como colaboradores eventuais os advogados José Antonio Dias Toffoli e Carlos Eduardo de Melo Ribeiro, junto à Procuradoria do Estado do Amapá, pelo período de 11 à 13 de julho de 2000; b) Decreto nº 3083, de 11 de outubro de 2000 onde o então Governador do Estado - Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe nomeou como colaboradora eventual a pessoa de Clive Gavin Andrews, junto ao Gabinete Civil, pelo período de 11 à 24 de outubro de 2000; c) Decreto nº 1101, de 30 de abril de 2001 onde o então Governador do Estado - Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe nomeou como colaborador eventual a pessoa de Nilo Alberto Nobre Pinheiro Flores, junto à Procuradoria Geral do Estado, pelo período de 18 à 21 de abril de 2001; d) Decreto nº 3367, de 29 de outubro de 2001 onde o então Governador do Estado - Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe nomeou como colaborador eventual a pessoa de Paula Ravanelli Lousada, junto à Procuradoria Geral do Estado, pelo período de 29 e 30 de outubro de 2001; e e) Decreto nº 3368, de 29 de outubro de 2001 onde o então Governador do Estado - Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe nomeou como colaborador eventual a pessoa de (José) Antônio Dias Toffoli, junto à Procuradoria Geral do Estado, pelo período de 29 e 30 de outubro de 2001. Competia à parte Autora comprovar a ilegalidade e a lesividade ao patrimônio público, prova esta que não foi carreada aos autos, pois, segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles, largamente citada em decisões dos Tribunais Pátrios, são requisitos essenciais da ação popular, verbis: O primeiro requisito para o ajuizamento da ação popular é o de que o autor seja cidadão brasileiro, isto é, pessoa humana, no gozo de seus direitos cívicos e políticos, requisito, esse, que se traduz na sua qualidade de eleitor. Somente o indivíduo (pessoa física) munido de seu título eleitoral poderá propor ação popular, sem o quê será carecedor dela. Os inalistáveis ou inalistados, bem como os partidos políticos, entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica, não têm qualidade para propor ação popular (STF, Súmula 365). Isso porque tal ação se funda essencialmente no direito político do cidadão, que, tendo o poder de escolher os governantes, deve ter, também, a faculdade de lhes fiscalizar os atos de administração. O segundo requisito da ação popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, isto é, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública. Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto. Isto não significa que a Constituição vigente tenha dispensado a ilegitimidade do ato. Não. O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público. Essa ilegitimidade pode provir de vício formal ou substancial, inclusive desvio de finalidade, conforme a lei regulamentar enumera e conceitua em seu próprio texto (art. 2º, letras a/e). O terceiro requisito da ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público. Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. E essa lesão tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art. 4º), para os quais basta a prova da prática do ato naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. Nos demais casos impõe-se a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio protegível pela ação popular. E conclui o saudoso mestre: “Sem estes três requisitos - condição de eleitor, ilegalidade e lesividade -, que constituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular” (in “Mandado de Segurança”, Malheiros, 28ª Ed., 2005, págs. 132 e 133). Sobre o assunto, o entendimento do STJ é no sentido de que: “1. O fato de a Constituição Federal de 1988 ter alargado as hipóteses de cabimento da ação popular não tem o efeito de eximir o autor de comprovar a lesividade do ato, mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural. 2…” (EREsp 260.821/SP Relator p/Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Primeira Seção, DJ 13.02.2006). “A orientação do STJ é reiterada no sentido de que a procedência da ação popular pressupõe nítida configuração da existência dos requisitos da ilegalidade e da lesividade” (STJ, REsp nº 121.431/SP, relator o Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 25.04.2005, p. 256). “Na propositura da ação popular, não basta a afirmativa de ser o ato ilegal, é necessária a prova da lesividade” (STJ, REsp nº 250.593/SP, relator o Ministro Garcia Vieira, DJ de 04.09.2000, p. 126). Nos casos mencionados anteriormente, as pessoas nomeadas por decretos governamentais, o foram na qualidade de colaboradores eventuais, assim consideradas aquelas que são convidadas a prestarem serviços ou participarem de eventos de interesse dos órgãos ou entidades da administração pública, em caráter eventual ou transitório, desde que não estejam prestando serviço técnico-administrativo de forma continuada, sem qualquer espécie de vínculo com o serviço público. A Lei Estadual nº 0217, de 19 de junho de 1995, publicada no DOE nº 1097, de 20.06.95 em seu artigo 2º prevê que “Correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos órgãos interessados, na forma disposta em Regulamento, as despesas de deslocamento, de alimento e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive membros de colegiados integrantes de estrutura regimental das Secretarias de Estado e dos órgãos de Administração Direta do Poder Executivo, quando em viagem de serviço”. E no parágrafo único há definição do colaborador eventual como sendo “aquele que, mesmo sem vínculo funcional com órgão ou entidade pública do Estado, seja solicitado a prestar serviços de interesse do Governo do Amapá, sem remuneração profissional”. Sendo assim, resta afastada a ilegalidade dos atos. Por sua vez, incumbia aos Autores da ação popular a prova da ocorrência do ato lesivo ao patrimônio público, de forma efetiva, concreta, e não de meras conjecturas, como se depreende do exame da peça vestibular e do conjunto probatório carreado aos autos. Acerca do ônus da prova, claro e preciso o magistério de José Afonso da Silva, verbis: “É ônus do autor popular provar a ocorrência de ato lesivo ao patrimônio público. Enfim, incumbe-lhe comprovar a efetiva verificação dos fundamentos de fato (causa petendi próxima) da demanda, para que possa obter os efeitos pretendidos” (In Ação Popular Constitucional. Doutrina e Processo. Ed. Rev. dos Tribs., 1968, n. 199, p. 228). Da mesma forma é o entendimento do STF, como se verifica do julgamento proferido no RE nº 92.326-SP, onde, proferindo seu voto, sublinhou, com prioridade, o Ministro Rafael Mayer: “Lesivo se há de entender o ato que, direta ou indiretamente, mas real ou efetivamente, redunde no injusto detrimento de bens ou direitos da Administração, representativo de um prejuízo, de um dano, efetivo ou potencial de valores patrimoniais” (In RDA 143/129). Repita-se que não restou demonstrado, de forma concreta, clara, de como se teria caracterizado a lesividade dos decretos impugnados, pois, como assinala Seabra Fagundes, ela - a lesividade - deve ser examinada caso a caso (Da Ação Popular, in RDA, VI, n. 24/18-9; ob. cit., n. 129, nota 5, p. 366), para sua segura verificação; e, mais, sem qualquer prova de sua ocorrência, manifesto é que seria de todo inviável reconhecê-la (In Revista de Processo, 61/228). Em conclusão, não demonstrada a ilegalidade e nem caracterizado a lesividade ao patrimônio público, relativo aos decretos mencionados acima, ônus que cabia aos autores, a teor do art. 333, I, do CPC, outra alternativa não resta senão a improcedência, neste ponto, da presente ação popular. O mesmo não se pode dizer em relação ao contrato de prestação de serviços técnicos profissionais na esfera judicial e/ou administrativa entre a Procuradoria-Geral do Estado do Amapá e TOFFOLI & TELESCA ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C, na modalidade de tomada de preços, no valor de R$: 210.000,00 (duzentos e dez mil reais) e a sua respectiva prorrogação no mesmo valor, itens 3.5 e 3.7 da ação popular. O contrato de prestação de serviços firmados entre a administração pública e a sociedade de advogados tem por objeto o seguinte: “contratação de Sociedade de Advogados, para prestação de serviços técnicos profissionais na esfera-judicial e/ou administrativa, com experiência profissional no campo de Direito Constitucional, Trabalhista, Administrativo, Tributário e Financeiro, vem como, em assessoramento jurídico em processo legislativo, de acordo com os critério, termos e condições estabelecidos neste instrumento, disponibilizando pelo menos 02 (dois) Advogados em tempo integral durante o período estabelecido no presente contrato, para o cumprimento das modalidades de serviços ora apresentadas, com no mínimo, 02 (dois) anos de experiência profissional comprovada…” (cláusula segunda do contrato - fls. 1011/1019). No caso em apreço, constata-se que todo o procedimento licitatório (fls. 811/1021) está eivado de nulidade, uma vez que não houve a participação da regular Comissão Permanente de Licitação, mas apenas e tão-somente de seu Presidente, na pessoa do Dr. Jorge Anaice e do então Procurador-Geral do Estado - Dr. João Batista Silva Plácido, observando que não constam as assinaturas nos documentos licitatórios dos demais membros. Aliás, sequer consta a assinatura da vencedora do certame (Sociedade de Advogados) na ata da abertura de tomada de preços (fls. 999/1000). De outra banda, o edital é muito claro que o fundamento legal do contrato foi amparado na Lei 8.666/93 e que o objeto era a contratação para prestação de SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS. Entretanto, ao entabular o contrato, os únicos requisitos exigidos para o vencedor da licitação e que constou expressamente no documento, foi a disponibilização, pela Sociedade de Advogados, de pelo menos 02 (dois) Advogados em tempo integral durante o período estabelecido no contrato, com no mínimo, 02 (dois) anos de experiência profissional comprovada, ou seja, simplesmente uma espécie de terceirização dos serviços que a administração pública já dispunha, através de seu quadro de Procuradores. O art. 13 da Lei de Licitações, ao considerar o serviço técnico profissional especializado, o conceituou, partindo do preceito de que serviço técnico pressupõe conhecimento técnico-científico, tendo o administrador o dever de recorrer sem liberdade de contrapor-se a ele. O serviço técnico, todavia, há de ser profissional e especializado. “Serviços técnicos profissionais especializados, no consenso doutrinário, são os prestados por quem, além da habilitação técnica e profissional - exigida para os serviços técnicos profissionais em geral - aprofundou-se nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento” (MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 9.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 105). O mesmo dispositivo da Lei 8.666/93, após elencar diversos tipos de serviços técnicos profissionais especializados estabelece que estes serão contratados, preferencialmente, mediante concurso, podendo, entretanto, caso não seja a melhor modalidade de licitação, ser contratado mediante convite, tomada de preços ou concorrência. Será, todavia, inexigível a licitação, de acordo com o art. 25, inciso II, quando além da observância do art. 13, houver a análise conjunta da notória especialização e singularidade do objeto. A mera caracterização de um serviço constante no art. 13, não reconhece a inviabilidade de competição. Além da caracterização dos serviços constantes no art. 13, é imperioso que o serviço a ser contratado apresente uma singularidade que inviabilize a competição entre os diversos profissionais técnicos especializados. E como se sabe, a natureza singular deve ser entendida como uma característica especial de algumas contratações. A singularidade do objeto pretendido pela Administração é o ponto fundamental da questão, posto que ao constar no contrato que os Advogados vencedores do certamente, através de sua Sociedade, deveria apenas e tão-somente disponibilizar pelo menos 02 (dois) Advogados em tempo integral durante o período estabelecido no contrato, com no mínimo, 02 (dois) anos de experiência profissional comprovada, por certo violou todos os dispositivos acima, até porque a modalidade da prestação de serviço consignada no contrato poderia ser feita, caso legal e moral, por praticamente quase todos os escritórios de advocacia do país. De mais a mais, a pessoalidade está ínsita na consecução dos trabalhos licitados porque na sociedade de advogados, no dizer de Sérgio Ferraz, “Apesar da sua personalidade jurídica própria (…), o exercício dessa atividade é do profissional e não da sociedade” (FERRAZ, Sérgio. Sociedade de Advogados - Conceito - Natureza Jurídica - Distinções, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 17). Tanto é, não se pode negar, que de acordo com o § 3.º do art. 15 da Lei Federal n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) as procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte. Assim, a Sociedade de Advogados venceu a suposta licitação e, no contrato, desconsiderando que a atividade é do profissional e não da sociedade, simplesmente fez constar a disponibilização de dois advogados, com dois anos de experiência, à administração pública, recebendo, em contraprestação, o valor mensal de R$: 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) que, no final, resultou na exorbitante quantia de R$: 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil reais), num prazo de 12 (doze) meses. Importante ressaltar que referidos valores, atualmente, com a simples correção monetária, equivalem aproximadamente a R$: 60.000,00 (sessenta mil reais) mensais, num total de mais de R$: 700.000,00 (setecentos mil reais). Como visto, para que tal contratação fosse viável, os profissionais ou a empresa vencedora do certame deveria possuir especialização na realização do objeto pretendido, sendo esta especialização notória, e relacionada com a singularidade pretendida pela Administração e prestado pessoalmente, resultando, in casu, que o contrato é absolutamente ilegal, estando viciado por afronta ao conjunto de regras da Administração Pública e da moral jurídica. Enfim, a contratação de advogados pela Administração Pública, em substituição aos de seu próprio quadro, somente se justificaria em circunstâncias especiais, em que a contratação se fazia indispensável e inadiável. No caso, a atuação profissional da Sociedade de Advogados Requerida não se revestiu de natureza singular, nem considerados os serviços, em si, nem considerados os prestadores, de quem não se requeria notória especialização, visto tratar-se de demandas plúrimas, com temática rotineira e, portanto, a ilegalidade é patente, não só em relação ao procedimento da licitação, como também em relação ao seu objeto, pois, em desacordo com a Lei 8.666/93. Apesar da evidente ilegalidade em todo o procedimento licitatório e atos subsequentes, como já mencionado acima, o direito positivo brasileiro indica que é possível a ocorrência de imoralidade sem necessariamente a existência de ilegalidade, uma vez que a própria Constituição Federal de 1988, ao estabelecer os princípios aplicáveis à Administração Pública, previu como princípios autônomos a legalidade e a moralidade. Em outras palavras, a afronta à moralidade que deve permear os atos da Administração pode, por si só, causar a lesividade que autoriza o manejo da ação popular, com ou sem repercussão patrimonial e, in casu, mesmo que acolhida a duvidosa licitação, esta não legitima o contrato, pois prevalecem os princípios da administração pública. No caso dos autos, também patente a ofensa ao princípio da moralidade administrativa, A Procuradoria-Geral do Estado, que já contava com quadro de Procuradores para cuidar da sua representação e consultoria jurídica, ainda assumiu compromisso da exorbitante quantia mensal, na época, de R$: 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), equivalentes hoje a cerca de R$: 60.000,00 (sessenta mil reais) por mês, para que o escritório de advocacia, supostamente vencedora do certame, disponibilizasse DOIS ADVOGADOS com no mínimo dois anos de experiência. Sobre a moralidade ser também requisito da ação popular, ensina Hely Lopes Meirelles: “A ilegitimidade ou ilegalidade do ato a invalidar, consiste naquele contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática, ou por desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública. Não se exige a ilicitude do ato na sua origem, mas sim a ilegalidade na sua formação ou no seu objeto. O que o constituinte de 1988 deixou claro é que a ação popular destina-se a invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público” (in Mandado de Segurança, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 121). Nessa linha de raciocínio, José Afonso da Silva, após lembrar da aparente dificuldade em desfazer um ato, produzido conforme a lei, porém inquinado pelo vício da imoralidade, afirma ser isso possível “porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente e imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 652). Da mesma forma os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, ao discorrer sobre a moralidade administrativa, afirma: “… a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à idéia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente. Essa a razão pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder)”. E acrescenta: “Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. É evidente que a partir do momento em que o desvio de poder foi considerado como ato ilegal e não apenas imoral, a moralidade administrativa teve seu campo reduzido; o que não impede, diante do direito positivo brasileiro, o reconhecimento de sua existência como princípio autônomo”. Concluindo que “Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), A IMORALIDADE ADMINISTRATIVA PRODUZ EFEITOS JURÍDICOS, PORQUE ACARRETA A INVALIDADE DO ATO, QUE PODE SER DECRETADA PELA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO OU PELO PODER JUDICIÁRIO. A apreciação judicial da imoralidade ficou consagrada pelo dispositivo concernente à ação popular (art. 5º, LXXIII, da Constituição) e implicitamente pelos já referidos artigos 15, V, 37, § 4º, e 85, V, este último considerando a improbidade administrativa como crime de responsabilidade” (destaquei - Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 78-79). Reproduzo a ementa do EREsp n. 14868/RJ, relator Ministro José Delgado, que dá uma exata noção da importância do princípio da moralidade, tão combalida hodiernamente em nosso País: “1. A ação popular é meio processual constitucional adequado para impor a obediência ao postulado da moralidade na prática dos atos administrativos. 2. A moralidade administrativa é valor de natureza absoluta que se insere nos pressupostos exigidos para a efetivação do regime democrático. 3. (…). 4. Ilegalidade do ato administrativo que, por si só, conduz a se ter como ocorrente profunda lesão patrimonial aos cofres públicos. (…) 7. A moralidade administrativa é patrimônio moral da sociedade. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem proteger esse patrimônio de modo incondicional, punindo, por mínima que seja, a sua violação. 8. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato impugnado (STF, RE 160381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.08.94, p. 20052). …” (STF, RE 120.768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 13.08.99, p. 16). Mesmo porque, “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 818). Nesse contexto, verificada a ilegalidade em face do desrespeito ao processo de licitação e do contrato sem qualquer justificativa, inclusive atentando contra a moralidade administrativa, não há outra solução para a lide senão a procedência, neste ponto, da ação popular, com a decretação da invalidade do certamente, do contrato de prestação de serviço e sua respectiva prorrogação, devendo os responsáveis restituir aos cofres públicos os valores recebidos indevidamente. Quanto a responsabilidade do ressarcimento aos cofres públicos, o artigo 6º da Lei 4.717/65 estabelece que: “A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”. Nesse sentido, decidiu o STJ: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. DANO AO ERÁRIO. AÇÃO PENAL. CONLUIO ENTRE OS RÉUS. PREJUDICIALIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. São réus da ação popular, assim como na ação de improbidade, não apenas aqueles que deram causa ao ato ilegal, mas também aqueles que dele se beneficiaram (art. 6º da LAP)” (2ª Turma do STJ, REsp 891431 / RJ - Relator Min. CASTRO MEIRA - julgado em 11/03/2008 - DJe 28/03/2008). Ademais disso, é ínsito aos preceitos legais que a anulação de atos lesivos à moralidade administrativa, por meio de ação popular, conduzirá necessariamente ao status quo ante. Nesse sentido, com a decretação de nulidade do ato, seus efeitos materiais deverão, por igual, ser remediados e corrigidos, na melhor forma de Direito preconizada pelo ordenamento. No caso em comento, a indigitada correção de efeitos passa, extreme de dúvidas, pelo ressarcimento de valores indevidamente recebidos pelos Requeridos. Tal conclusão se tira da análise da Lei 4.717/65 - art. 6º e ainda artigo 11 que proclama: “A sentença que julgando procedente a ação popular decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento das perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa”. A decisão é, portanto, desconstitutiva e condenatória, asseverando RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, em exegese desse dispositivo legal, que “Na verdade, esse efeito condenatório é necessário e imanente à sentença da ação popular, operando outro efeito principal, cumulado ao desconstitutivo, até porque o art. 14 diz que o valor da lesão será indicado na sentença, ou apurado na execução, não deixando dúvida de que a sentença que desconstitui o ato indigitado como ilegal e lesivo deve, ipso facto, condenar os responsáveis e os beneficiários a reparar o dano ao erário ou a repor as coisas ao status quo ante, conforme o caso”. E prossegue: “Esse cúmulo objetivo, além de respaldado pelo art. 292 e parágrafos do CPC, é de tal modo inerente à demanda popular que deve o juiz pronunciá-lo sempre que acolher a ação, ainda que o autor, por lapso, não o tenha formulado, explicitamente, na inicial (…). Não haverá afronta, aí, ao princípio dispositivo, nem julgamento ultra petita, porque se cuida de ação em que o interesse substancial não é do autor, em si, mas da própria sociedade, nele apenas representada”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular, proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente, São Paulo: Ed. RT, 2003, 5.ª edição, p. 263). Sobre o assunto, assentou com maestria TEORI ALBINO ZAVASCKI: “A interpretação literal das normas de regência pode sugerir que, ao estabelecer como objeto da ação popular a anulação ou declaração de nulidade do ato lesivo, o legislador tenha limitado a tutela jurisdicional à providências desconstitutivas ou declaratórias negativas. Não é assim, todavia. A ação popular comporta também tutela preventiva, bem como, se for o caso, a de eliminação dos efeitos danosos do ato nulo (restauração do estado de fato anterior ou a de reparação de danos)…Por outro lado, a função jurisdicional não estaria inteiramente atendida se ficasse limitada à mera providência desconstitutiva do ato nulo. Para que haja proteção integral e completa dos bens jurídicos postos sob proteção, é indispensável, se for o caso, a determinação de providências complementares para eliminar os efeitos danosos causados pelo ato nulo. A própria Lei 4.717, de 1965, em seu art. 11, já traz previsão a respeito: (…). Assim, comporta-se também no âmbito da sentença de procedência a determinação (a) de providências destinadas à restauração in natura da situação anterior ou (b) de medidas que importem resultados práticos equivalentes” (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos - 2. Ed. - São Paulo: Editora RT, 2007, p. 99 e 100). MARÇAL JUSTEN FILHO é mais objetivo, afirmando que: “A sentença de procedência imporá a invalidade do ato e a condenação dos sujeitos a indenizar os efeitos derivados, além das condenações acessórias usuais. (…) Mas, se for o caso de desfazimento dos atos, a determinação de reposição dos fatos à situação anterior deverá ser integral” (Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 784). Disso se dessume que é curial o retorno ao status quo ante, com o ressarcimento aos cofres públicos dos valores percebidos. Pelo exposto e mais o que dos autos constam, fundamentado no artigo 2º e seguintes da Lei Federal nº 4.717/65, declaro a invalidade da licitação e do contrato de prestação de serviços de nº 014/2001-PROG (fls. 58/72) e ainda sua prorrogação, realizada através de termo aditivo (fls. 145/170) porque em desacordo com a referida Lei de Licitações, bem como, porque patente o atentado contra a moralidade administrativa. Consoante se expôs, a decretação de nulidade dos indigitados atos hão de ter consequências materiais, nos termos do art. 11 da Lei 4.717/65. E por estas devem responder os beneficiários e os responsáveis pela medida avessa à legalidade e moralidade, in casu os Requeridos JOÃO BATISTA SILVA PLÁCIDO que autorizou, aprovou, ratificou e praticou o ato impugnado; JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE, tendo este responsabilidade por omissão, não podendo se cogitar em desconhecimento porque todos os atos ilegais e lesivos foram publicados no Diário Oficial e ainda em Jornal de grande circulação local; a Sociedade de Advogados TOFFOLI & TELESCA ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C e os sócios JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI e LUÍS MAXIMILIANO LEAL TELESCA MOTA porque foram os beneficiários diretos e receberam os valores do contrato e sua prorrogação, ora declarados inválidos, ressaltando que a pessoa jurídica não é um escudo protetor da contratação, pois, alegar aqui a autonomia legitimadora da personalidade jurídica é argumento reducionista e simplificador, contrário aos princípios que regulam a estrutura e o funcionamento da administração pública. Quanto as alegações dos Requeridos no sentido de que “mesmo considerado ilegal o contrato, ainda assim a remuneração seria devida, ante a impossibilidade de enriquecimento ilícito da administração pública” (fls. 188/189), tem-se que eles, ao contratar com a administração pública estavam conscientes de que lesavam o erário público, olvide de todo o sistema legal existente e, após receber pelos contratos ilegais/imorais, não podem agora ter chancelados tais procedimentos pelo Judiciário. Ademais, não se pode vislumbrar a existência de boa-fé da Sociedade de Advogados e seus membros que, pela própria natureza dos serviços que prestam, em conluio com agentes administrativos, desempenharam conduta sabidamente contrária à lei. Trancreve-se o texto legal: Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, CONTANTO QUE NÃO LHE SEJA IMPUTÁVEL, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa (destaquei). E não se diga que deste modo estaria havendo um locupletamento ilícito da Administração, pois o princípio da vedação do enriquecimento sem causa é aplicável àquele que, de boa-fé, acaba tendo seu patrimônio lesado em benefício injustificado de outrem. Já no caso em comento, o que ocorreu foi que, em razão da má-fé, o contratado se revestiu de ilicitude sabida pelos Requeridos, não sendo, portanto, aplicável o mencionado princípio. O Superior Tribunal de Justiça possui precedentes neste sentido: “(…) 4. As alegativas de afronta ao teor do parágrafo único do art. 49 do DL 2.300/86 e do parágrafo único do art. 59 da Lei 8.666/93 não merecem vingar. A nulidade da licitação ou do contrato só não poderia ser oposta aos recorrentes se agissem impulsionados pela boa-fé. No caso, vislumbra-se que houve concorrência dos mesmos, pelas condutas descritas, para a concretização do ato de forma viciada, ou seja, com o seu conhecimento. Há de ser prontamente rechaçada a invocação de que a Administração se beneficiou dos serviços prestados, porquanto tornou públicos os atos oficiais do Município no período da contratação, de modo a não se permitir a perpetração do enriquecimento ilícito. A indenização pelos serviços realizados pressupõe tenha o contratante agido de boa-fé, o que não ocorreu na hipótese. Os recorrentes não são terceiros de boa-fé, pois participaram do ato, beneficiando-se de sua irregularidade. O que deve ser preservado é o interesse de terceiros que de qualquer modo se vincularam ou contrataram com a Administração em razão do serviço prestado. 5. O dever da Administração Pública em indenizar o contratado só se verifica na hipótese em que este não tenha concorrido para os prejuízos provocados. O princípio da proibição do enriquecimento ilícito tem suas raízes na equidade e na moralidade, não podendo ser invocado por quem celebrou contrato com a Administração violando o princípio da moralidade, agindo com comprovada má-fé”. (REsp n. 579541, Min. José Delgado). “1. Segundo a jurisprudência desta Corte, embora o contrato administrativo cuja nulidade tenha sido declarada não produz efeitos, a teor do art. 59 da Lei 8.666/93, não está desonerada a Administração de indenizar o contratado pelos serviços prestados ou pelos prejuízos decorrentes da administração, DESDE QUE COMPROVADOS, RESSALVADA A HIPÓTESE DE MÁ-FÉ OU DE TER O CONTRATADO CONCORRIDO PARA A NULIDADE. 2. Procedência da ação de cobrança que se mantém. 3. Recurso especial improvido” (destaquei - Resp n. 928315, Min. Eliana Calmon). Sendo assim, ao contrário do que pretendem os Requeridos, não são terceiros de boa-fé, pois participaram do ato, beneficiando-se de sua irregularidade, não havendo que se falar em indenização, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 59 da Lei de Licitações. Por sua vez, não assiste razão ao Estado-Autor quando sustenta e requer a condenação dos Requeridos à suspensão de direitos políticos e outros, em sede de ação popular (fls. 571/573). É que “a ação popular tem por finalidade precípua anular ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. Não se presta, portanto, para impor aos agentes públicos sanções administrativas ou civis, tais como perda da função pública, indisponibilidade de bens, etc.; providências estas que só podem ser alcançadas por via de ação civil pública de restrita legitimidade” (TJSC - Apelação Cível nº 2006.026843-5, de São José, rel. Des. VANDERLEI ROMER, j. Em 23.11.2006). Ainda: “Na ação popular o autor está autorizado a pleitear a anulação do ato ilegítimo e lesivo ao patrimônio público e o consequente ressarcimento do prejuízo causado ao erário (Lei 4.717/65, arts. 11 e 15), mas não tem legitimidade para pleitear a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade, que prevê, para tanto, o ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito público interessado” (Lei 8.429/92, art. 17, e CF, art. 129, III - TJSP, Lex-JTJ 266/171, Des. Paulo Travain - Ap. Cv. nº 2005.018103-7, da Capital, rel. Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Segunda Câmara de Direito Público, publ. no DJSC nº 11.758, de 20.09.2005). E do TJMG: “Ação Popular - Prova da lesão ao Erário Municipal - Procedência - Sentença que impõe a perda do cargo de Prefeito e a Suspensão dos Direitos Políticos - Impossibilidade - Inteligência dos arts. 11 e 12 da Lei n.º 4.717/65. Apelo parcialmente provido” (TJMG, Apelação Cível n.º 1.0000.00.342213-6/000, Rel. Des. Nilson Reis, j. 30/4/2004). Do corpo do acórdão se extrai: “a Ação Popular tem como objeto a anulação do ato lesivo, como os limites traçados no art. 11 e 14 da Lei n.º 4.717/65, não se lhe aplicando as normas da chamada lei do colarinho branco (Lei n.º 8.429/92)”. Com tais considerações, não há como acolher e como de fato deixo de acolher o pedido do Estado Autor no que se refere a condenação dos Requeridos em objeto não previsto na Lei específica. Por fim, não obstante reconheça ainda a eventual responsabilidade de terceiros nos atos que geraram obrigação de ressarcimento dos Requeridos, impede ressaltar que o artigo 11 da Lei 4.717/65, que regula a Ação Popular, prevê a hipótese de direito de regresso do responsabilizado contra o funcionário que tiver causado o dano, quando este incorrer em culpa. Seguindo o referido dispositivo, temos o v. acórdão: “(…)Conquanto seja inegável que a invalidação do ato administrativo possa acarretar a responsabilidade indenizatória, tem-se que o artigo 11 da Lei nº 4.717/65 é resultado do princípio da economia processual, impondo-se, na mesma sentença, o dever de indenizar, tanto que, tal penalidade é imposta ao administrador que foi chamado ao pólo passivo da ação popular, AOS DEMAIS, MESMO RESPONSÁVEIS, ASSEGURA-SE A AÇÃO DE REGRESSO. Porém, isso não significa dizer que a indenização deva ser imposta, de forma dissociada dos elementos ensejadores da obrigação. Vale dizer, é indispensável fique demonstrado o dolo ou culpa do agente (…)” (destaquei - TJPR - AC 0079079-2 - (17740) - 3ª C.Cív. - Rel. Des. Conv. Sérgio Rodrigues - DJPR 04.09.2000). Os requeridos, se for o caso, poderão se voltar contra eventual terceiro responsável que não figurou no polo passivo da presente demanda, se, porventura, tiverem lhes causado algum dano. Pelo exposto e tudo mais o que constam dos autos, demonstrado nos autos a existência do binômio ilegalidade e lesividade, além da afronta ao princípio da moralidade administrativa, com lesão aos cofres públicos, sou por julgar da seguinte forma: 1) JULGO IMPROCEDENTE a ação popular em relação aos Requeridos MARIA DALVA DE SOUZA FIGUEIREDO e os demais, no que diz respeito exclusivamente aos itens 3.1 à 3.4 e 3.6 da petição inicial desta ação popular. 2) JULGO PROCEDENTE a presente ação popular para invalidar a licitação, o contrato administrativo nº 014/2001-PROG e sua respectiva prorrogação e, considerando que “por força do art. 11 da Lei 4.717/65, deve o juiz, independentemente de pedido expresso, incluir na sentença a condenação ao pagamento de perdas e danos” (STJ, REsp 439051 / RO - RECURSO ESPECIAL 2002/0061364-2 - Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI - Julgado em 14/12/2004, DJ 01/02/2005 p. 407 - REPDJ 21/03/2005 p. 218), sou por condenar, como de fato condeno os Requeridos JOÃO BATISTA SILVA PLÁCIDO, JOÃO ALBERTO RODRIGUES CAPIBERIBE, TOFFOLI & TELESCA ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C, JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI e LUÍS MAXIMILIANO LEAL TELESCA MOTA, solidariamente, a restituírem a quantia de R$: 420.000,00 (quatrocentos e vinte mil reais), conforme documentos de fls. 58/72 e 145/170, devidamente corrigido a partir da data em que foram pagos pelo poder público, acrescido de juros de 6% (seis por cento) ao ano, contados da última citação, restando extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do artigo 269, I do CPC. 3) A título de sucumbência, ficam ainda os Requeridos mencionados no item anterior, condenados solidariamente no pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, bem como, honorários advocatícios ao procurador do autor que, observados os vetores do art. 20, § 3º c/c art. 21 do Código de Processo Civil, arbitro em 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da condenação. Apesar do Autor da Ação ser parcialmente vencido o artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal autoriza a condenação do autor da ação popular nos ônus da sucumbência apenas nas hipóteses de comprovada má-fé do mesmo, não presente na hipótese. 4) Após o trânsito em julgado, os Requeridos terão o prazo de 15 (quinze) dias para cumprir a obrigação sob pena de multa de 10 % (dez por cento), nos termos do art. 475-J do Código de Processo Civil. P.R.I.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE SERRA NA INAUGURAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE MINAS EM SÃO PAULO

terça-feira, 15 de setembro de 2009 | 3:07

Estou muito contente por participar desta inauguração que, na verdade, apenas reitera vínculos históricos, laços que se traduzem em hábitos alimentares, costumes em comum e mesmo identidades com relação ao nosso País e com relação ao resto do mundo. A história de Minas Gerais começa com os moradores de São Paulo que, em busca do ouro, avançaram pelos sertões, fundaram arraiais que se transformaram em vilas e, mais tarde, em cidades. Em muitos dos grandes momentos da brasilidade vivida em Minas, São Paulo esteve presente. Assim, na Inconfidência Mineira, houve a presença importante de pelo menos um paulista: o Padre Toledo, natural de Taubaté, mas morador da antiga São José Del Rey, hoje Tiradentes. Por outro lado, entre as musas da Inconfidência, esteve Bárbara Heliodora, mineira de sangue paulista, pois descendente da família Amador Bueno. Amador Bueno foi aclamado como rei de São Paulo. Evidentemente, recusou a hipotética coroa, mas tudo isso constituiu uma das primeiras manifestações nativistas do Brasil.

Por outro lado, até o século 18, nossos dois Estados formavam uma única unidade política, eram um só e, mesmo depois da separação em dois territórios distintos, essa unidade persistiu, porque não se desfaz com uma penada o que se construiu com muita luta e o que se teceu ao longo do tempo nas malhas do coração. Assim, no século 19, com o declínio do Ciclo do Ouro, o movimento migratório chegou a inverter-se, e os mineiros passaram a povoar, até mesmo a fundar, cidades em território paulista, principalmente nas áreas fronteiras do Estado de origem. Na verdade, o povoamento do Oeste Paulista, que é uma região tão progressista, foi obra desses bandeirantes que voltaram de viagem, na expressão de Antônio Tavares de Almeida.

A fusão das duas culturas se deu em tal intensidade que, ao leigo, fica difícil identificar quem chegou primeiro: se o virado à paulista ou o tutu à mineira e o feijão tropeiro. A moda da viola, já tradicional nas cidades mais antigas de São Paulo, também ganhou reforço com o ponteio da viola mineira. E ainda hoje é muito significativa a presença de mineiros em nosso Estado, em praticamente todas as atividades de trabalho agrícola, nas universidades, das artes plásticas aos setores produtivo, comercial e financeiro. Mineiros e paulistas se identificam também no mesmo espírito cosmopolita e desenvolvimentista sintetizado nas Minas Gerais com Juscelino Kubitschek, um dos maiores presidentes brasileiros. Eu não sou tão antigo assim, mas conheci o Juscelino pessoalmente- e dele eu ouvi uma vez um ensinamento, para o qual no momento não dei muita bola, não dei muita importância, mas que, depois, ao longo dos anos, passei a valorizar cada vez mais, até hoje.

Ele estava analisando a sucessão presidencial de 1965 para mim, e perguntou se nós o apoiaríamos. Na época, eu era líder estudantil e disse que não. E ele disse: “Olha, eu sou o bom. O fulano que vocês querem apoiar é o ótimo. Só que, com muita freqüência, o ótimo é inimigo do bom. Vocês querem o ótimo, não vão nem ter o bom”. E, meses depois, tivemos o golpe militar, não por causa nossa, evidentemente, mas (foi) uma lição muito interessante, que sempre me marcou muito.

Mas a Juscelino, como a muitos outros mineiros, São Paulo deve muito do seu progresso, com a instalação da indústria automobilística no ABC e com o impulso que deu, em geral, à industrialização paulista. Juscelino não era apenas uma pessoa dinâmica, simpática, otimista; também contagiou, com todas essas qualidades, a sociedade brasileira, propiciando um salto de qualidade no progresso nacional e na própria integração do Brasil. São os anos que o Brasil crescia, isto sim, a taxas que hoje são asiáticas, que estão longe das nossas, a 7%, 8% ao ano.

Mas, quando falamos de grandes brasileiros de Minas Gerais, não posso deixar de citar aqui o nosso Tancredo Neves, avô do governador Aécio. Um homem público único, que foi uma das grandes lideranças para a reconstrução do Brasil do Estado de Direito. Para tanto, não temeu pôr a própria vida em risco, à semelhança de Tiradentes, outro herói brasileiro como ele, coincidentemente morto no dia 21 de abril, quase dois séculos antes. Com isso, quero dizer que Minas Gerais e São Paulo nunca deixaram de estar juntos, pois, em termos afetivos, o Espaço de Minas Gerais é todo o território de São Paulo. Nunca deixaram de estar juntos, estão juntos e vão estar juntos.

É significativo, já que eu falei aqui do Tancredo, lembrar a aliança política de São Paulo, naquela época, com Minas Gerais. Do nosso querido governador Franco Montoro e do governador Tancredo Neves. Eu também, por coincidência, estive presente, talvez no primeiro contato político que fizeram com vistas à sucessão no Brasil, lá em Araxá, ainda em 1983. E sou testemunha da importância que esta aliança teve para a restauração da democracia no Brasil e abertura de um novo futuro para todos nós.

Quero lembrar também a importância de Minas Gerais nos últimos anos, através da administração competente, eficiente e de grande qualidade do nosso governador Aécio Neves. Que inovou em muitos aspectos a administração brasileira e abriu um horizonte de otimismo para aquela que é uma das regiões líderes do desenvolvimento brasileiro. E que será cada vez mais nas próximas décadas, porque nós estamos assistindo a um deslocamento do eixo dinâmico da economia brasileira para o Norte de São Paulo, Minas, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

É importante também lembrar que Minas e São Paulo, juntos, constituem uma força apreciável. Basta mencionar que nós temos perto de um terço da população brasileira; que 43% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional é gerado em Minas e São Paulo; e que a União arrecada em Minas e São Paulo 49% dos seus tributos. Isso mostra a importância desse dois Estados, a importância da sua união e a importância de atuarem juntos para conter a volúpia centralizadora federal que hoje prevalece no nosso País.

Quero também mencionar, como exemplos da nossa integração, não apenas a atuação conjunta em função dos grandes problemas brasileiros, mas também a integração entre as duas economias, constituída principalmente por um fator que está passando despercebido e que tem uma importância enorme, que é a derrubada das fronteiras fiscais. Nós estamos derrubando as fronteiras fiscais entre Minas e São Paulo, inclusive com acordos, protocolos, entendimentos que fizemos recentemente em Minas e que são de uma importância enorme para uma nova ordem tributária no nosso País.

Mas quero também saudar esta parcela simbólica do território mineiro fincado aqui em São Paulo, parcela esta que passará a constituir, a partir de hoje, um centro para a realização de negócios, para a promoção do turismo, para a divulgação da cultura do Estado de Minas Gerais no Estado de São Paulo. Quero dizer que considero, também, que esta casa passará a ser nossa casa: uma casa mineira dentro da nossa.

Simbolicamente, foi muito bem escolhida. Situa-se na esquina da Rua Minas Gerais com a Avenida Paulista. Esta endereço sintetiza bem a unidade dos nossos estados para o bem do Brasil.

Meu caro Aécio, sucesso por essa iniciativa e muito obrigado por tê-la tomado. De coração.

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Por Reinaldo Azevedo

Leia os artigos 129 e 144 da Constituição

segunda-feira, 7 de setembro de 2009 | 4:22

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

§ 1º. A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º. As funções de Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação.

§ 3º. O ingresso na carreira far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, e observada, nas nomeações, a ordem de classificação.

§ 4º. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93, II e VI.

CAPÍTULO III - DA SEGURANÇA PÚBLICA

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DO ACORDO ENTRE O BRASIL E O VATICANO

segunda-feira, 17 de agosto de 2009 | 4:30

Abaixo a íntegra do acordo celebrado entre o Brasil e o Vaticano:
ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
A República Federativa do Brasil e A Santa Sé (doravante denominadas Altas Partes Contratantes),

Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico; Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas respectivas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana;

Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria ordem, autônomas, independentes e soberanas e cooperam para a construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna;

Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico;
Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade religiosa;
Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício dos cultos religiosos;
Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes;

Convieram no seguinte:
Artigo 1º
As Altas Partes Contratantes continuarão a ser representadas, em suas relações diplomáticas, por um Núncio Apostólico acreditado junto à República Federativa do Brasil e por um Embaixador(a) do Brasil acreditado(a) junto à Santa Sé, com as imunidades e garantias asseguradas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, e demais regras internacionais.

Artigo 2º
A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o ordenamento jurídico brasileiro.

Artigo 3º
A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
§ 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato.

Artigo 4º
A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro.

Artigo 5º
As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo 3º, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.

Artigo 6º
As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico.
§ 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da cooperação, reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades que possam surgir da sua natureza cultural.
§ 2º. A Igreja Católica, ciente do valor do seu patrimônio cultural, compromete-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos.

Artigo 7º
A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.
§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição brasileira.

Artigo 8º
A Igreja Católica, em vista do bem comum da sociedade brasileira, especialmente dos cidadãos mais necessitados, compromete-se, observadas as exigências da lei, a dar assistência espiritual aos fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou similar, observadas as normas de cada estabelecimento, e que, por essa razão, estejam impedidos de exercer em condições normais a prática religiosa e a requeiram. A República Federativa do Brasil garante à Igreja Católica o direito de exercer este serviço, inerente à sua própria missão.

Artigo 9º
O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, às exigências dos ordenamentos jurídicos brasileiro e da Santa Sé.

Artigo 10
A Igreja Católica, em atenção ao princípio de cooperação com o Estado, continuará a colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da sociedade, em conformidade com seus fins e com as exigências do ordenamento jurídico brasileiro.
§ 1º. A República Federativa do Brasil reconhece à Igreja Católica o direito de constituir e administrar Seminários e outros Institutos eclesiásticos de formação e cultura.
§ 2º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos obtidos nos Seminários e Institutos antes mencionados é regulado pelo ordenamento jurídico brasileiro, em condição de paridade com estudos de idêntica natureza.

Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Artigo 12
O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que atender também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz os efeitos civis, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
§ 1º. A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.

Artigo 13
É garantido o segredo do ofício sacerdotal, especialmente o da confissão sacramental.

Artigo 14
A República Federativa do Brasil declara o seu empenho na destinação de espaços a fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a serem estabelecidos no respectivo Plano Diretor.

Artigo 15
Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira.
§ Unico. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.

Artigo 16
Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.

Artigo 17
Os Bispos, no exercício de seu ministério pastoral, poderão convidar sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham nacionalidade brasileira, para servir no território de suas dioceses, e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do visto para exercer atividade pastoral no Brasil.
§ Unico. Em conseqüência do pedido formal do Bispo, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto permanente ou temporário, conforme o caso, pelos motivos acima expostos.

Artigo 18
O presente acordo poderá ser complementado por ajustes concluídos entre as Altas Partes Contratantes.
§ Unico. Órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas competências e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, devidamente autorizada pela Santa Sé, poderão celebrar convênio sobre matérias específicas, para implementação do presente Acordo.

Artigo 19
Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas.

Artigo 20
O presente acordo entrará em vigor na data da troca dos instrumentos de ratificação, ressalvadas as situações jurídicas existentes e constituídas ao abrigo do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890 e do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre Assistência Religiosa às Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989.
Feito na Cidade do Vaticano, aos 13 dias do mês de novembro do ano de 2008, em dois originais, nos idiomas português e italiano, sendo ambos os textos igualmente autênticos.

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Por Reinaldo Azevedo

LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE SARNEY

quarta-feira, 5 de agosto de 2009 | 17:59

Até hoje não usei esta tribuna para rebater as inverdades contra mim disseminadas aqui mesmo e na mídia nacional. Vim para expor tudo o que fizemos e estamos fazendo pelo Senado, seguindo a linha das minhas administrações anteriores e com a colaboração da mesa, especialmente de seu executivo, o 1º Secretário Heráclito Fortes. Avaliei que as críticas eram só rescaldos da eleição, mas eram mais profundas. Faziam parte de um projeto político e de uma campanha para desestabilizar-me.

Disse, quando assumi a Presidência, que tenho minhas amizades pessoais e cumpro o dever para com elas, tenho posição política que adotei com coragem e convicção de apoio ao Presidente Lula, que está fazendo um governo excepcional, com apoio estimulante e forte do povo brasileiro. Mas, que nem os amigos nem as minhas convicções políticas me fariam colocar o Senado submetido a qualquer sentimento ou posição pessoal.

Meu dever é para com o Senado. Por temperamento sempre fui um homem de diálogo, de convívio pacífico e respeito aos outros, às suas idéias e suas posições. Mas, isto, ao longo de minha vida nunca me fez abandonar a firmeza quando ela é necessária.

Minha vida política nunca foi fácil nem sem perigos. Três atentados e houve tempo nesse Senado em que minha vida era ameaçada pelo Senador Vitorino Freire.

Nas vezes em que tive de tomar decisões impostas pela minha consciência, assim procedi. Na semana depois do golpe militar, num clima de temor, em que o caráter dos homens é posto à prova, eu fui à tribuna da Câmara para defender o mandato dos Deputados contra cassações.

No AI-5, fui o único governador que não o apoiou.

Quando Lula foi atacado injustamente, sendo seu adversário, escrevi na Folha de S. Paulo em sua defesa, pedindo respeito à sua biografia com o artigo “A Lula o que é de Lula”.

Quando divergi do PDS, renunciei a sua Presidência, abrindo condições para a montagem de uma transição sem traumas. Não aderi a Tancredo, mas por ele e Ulisses fui insistentemente convidado e cooptado para ligar-me a eles.

Da mesma maneira achei melhor para o Brasil a candidatura Lula e convidado por ele a apoiá-lo, em várias visitas à minha casa.

Sempre assumi minhas responsabilidades. Presidente, decretei o Cruzado, fiz a moratória. Coloquei minha cabeça a prêmio, mas abri caminho para que no futuro chegássemos ao Real e à estabilidade econômica. Tive a coragem de congelar os preços e até hoje pago esta conduta.

Criei o Programa do Leite, o Seguro-Desemprego, o Vale-Transporte, o Siafi, a Secretaria do Tesouro, acabei com a conta-movimento do Banco do Brasil, liberei as Centrais Sindicais, legalizei a UNE e os partidos banidos, como PC e PC do B, dei o 13º salário ao funcionalismo público, agüentei 1200 greves sem que nunca fizesse prontidão militar, crescemos a números que não se repetiram até hoje.

Criamos a cidadania, uma sociedade democrática.

No Congresso são várias as minhas propostas: de declaração de bens no registro dos candidatos, a lei da Micro e Pequena Empresa, o primeiro projeto de quotas para negros, a lei das Estatais, o Estatuto do Livro, a lei que manda o Estado dar medicamento aos aidéticos. Fui o relator da emenda constitucional que extinguiu o AI-5.

Em meus mandatos nunca tive um recurso contra minha diplomação. Nunca nenhum procedimento penal. Nunca meu nome foi envolvido em qualquer escândalo.

Assim, agora, das acusações que me foram feitas nas diversas representações apresentadas ao Conselho de Ética, nenhuma se refere a qualquer coisa relacionada com dinheiro ou prática de atos ilícitos. São coisas que não representam nenhuma queda de qualquer padrão ético. Senão vejamos: nenhuma delas têm qualquer documento como exige o caput do Art. 14 do Código de Ética (resoluções 20 e 25).

Todos são respaldados apenas por recortes de jornal. O Conselho de Ética é um órgão julgador. Há inúmeras decisões da Justiça que não autorizam a abertura de processo por recortes de jornal. Como denunciação caluniosa, as representações afirmam que estou sendo investigado pela Procuradoria Geral da República. Quem desmente é o próprio Procurador: “Não exisstem indícios suficientes contra o Presidente do Senado José Sarney (PMDB - Amapá) para que a última instância do Ministério Público ou o Supremo Tribunal Federal entrem nas investigações”.

Na coerência do meu passado, não tendo cometido nenhum ato que desabone minha vida, não tenho senão que resistir. Todos aqui somos iguais. Nenhum Senador é maior do que outro e por isso não pode exigir de mim que cumpra sua vontade política de renunciar. Permaneço pelo Senado, para que ele saiba que me fez Presidente para cumprir meu mandato.

Como lembrei em minha prestação de contas antes do recesso, todas as medidas necessárias para a reforma administrativa da casa foram feitas. Nossa ênfase tem sido na eficiência e na transparência. Problemas que vieram se acumulando durante anos estão sendo resolvidos.

Nosso desejo e determinação é que possamos retomar a discussão de nossa agenda de Casa legislativa, discutindo os grandes problemas políticos, as reformas que aguardam uma ação firme do Parlamento.

O Senado é uma Casa onde todos temos o mesmo peso, igualdade na representação, na disponibilização de assessoramento, na obediência ao regimento, na possibilidade de cobertura da TV e da rádio Senado, na composição de seus gabinetes com cargos comissionados. Tenho sempre exercido o comando da Casa compartilhando-o com os outros membros da Mesa Diretora e com as lideranças.

No entanto, hoje não se fala mais em crise administrativa do Senado, ela sumiu e toda a mídia e alguns Senadores não a vinculam a mim. Não dizem o que fiz de errado, o que a merecer punição. O que devo fazer para a reforma do Senado? Os jornais e a mídia em geral, que eu conheça nunca se concentraram tanto contra uma pessoa como estão fazendo comigo, vasculhando minha vida desde o meu nascimento, e, não encontrando nada, invadem minha privacidade e abrem devassa contra minha família.

Não tenho instrumentos de revidar ou responder, porque o direito de resposta e a proteção à imagem estão na Constituição, mas não se integram nem são acessíveis aos direitos da cidadania.

Repito: do que me acusam? Quero ser objetivo e vou entrar em pontos tópicos que constam das denúncias, sem fugir a nenhum deles a ser tratado.

Antes vamos ver como tudo ocorreu. Desconhecia que o Senado tinha 170 diretorias, que não foram criadas por mim. É um número inaceitável e estamos para isto trabalhando com a Fundação Getúlio Vargas para reduzi-lo. Essa organização é atrasada e decadente em face das necessidades da administração. É uma herança do passado. Dessas diretorias eu criei 23 na minha gestão de 1995 a 96, para atender aos novos serviços que até hoje servem aos Senadores, TV, rádio, jornal, interação com o público no Alô Senado, Interlegis, Instituto Legislativo Brasileiro, para aprimoramento dos recursos humanos. Todas essas medidas foram tomadas com o apóio científico da FGV, órgão de grande respeito nacional, contratado por mim, na minha 1ª Presidência.

Divulgaram e consta da representação do PSDB que 70% delas foram criadas por mim. Não é verdade.

Os que vêm aqui me criticar o fazem através da TV e da rádio, criadas por mim.

Em seguida veio a denúncia dos atos secretos. Eu acho que ninguém aqui nesta Casa sabia ou podia pensar que existisse ato secreto. Acho que é necessário esclarecer primeiro ao povo brasileiro o que se chamou Ato Secreto.

A parte administrativa do Senado, que tinha o seu Boletim Interno impresso, com o advento da internet, para economia de papel e modernização da comunicação, em 2000 substituiu esse sistema pela Intranet, que é uma internet exclusiva do Senado e na qual passaram a ser publicados os atos de rotina administrativa da casa. Assim, entram na Intranet do Senado cerca de 4 mil publicações por ano. Nos 9 anos de existência da Intranet, não se sabe por qual motivo 511 atos não foram incluídos na rede, uma média anual de 56 atos, ou seja, 0,84% das publicações administrativas.

A Constituição diz no Art. 37 que ”A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

Assim, estes atos tinham uma nulidade essencial. Por isso, eu pelo Ato 294, de 14/07/2009, anulei todos eles.

Mas, se levarmos uma interpretação literal do texto, que deseja que eles sejam do conhecimento de todos, também os publicados na rede Intranet do Senado são semi-secretos, porque não podem ser acessados pelo público em geral e somente pelos funcionários do Senado que possuem senha.

Por isso mandei que a partir desta gestão eles sejam publicados no Portal do Senado, de acesso público, que divulga tudo da casa sem nenhuma restrição.

Mas voltemos ao centro da questão dos Atos Secretos.

Dos 663 atos considerados Atos Secretos foi verificado que 152 tinham sido publicados no Diário do Senado Federal ou no BAP 2917 de 2004, ficando 511. Destes, 358 são movimentação de pessoal e 36 foram atos da Mesa, aprovados pelo Plenário do Senado.

Afirmaram que eu era o responsável por todos eles. E a opinião pública passou a receber assim essas informações, erradas, deformadas e incompletas.

Quero mostrar a distribuição de sua publicação pelas diversas administrações, segundo dados da administração do Senado:

Quadro 1

Nenhum de nós, Presidentes, sabia da não publicação destes atos, que, em sua quase totalidade, não eram assinados por nós, e sim pelo 1º Secretário, pelo Diretor-Geral e outros diretores, e que deviam ser publicados por instâncias inferiores. Determinei a abertura de inquérito com a assistência do MP e TCU, e este atualmente foi remetido à Polícia Federal.

Fui Presidente do Senado 4 anos e foram administrações modernizadoras, elogiadas por todos os partidos, sem exceção.

Nestes seis meses em que sou novamente Presidente do Senado só fiz corrigir erros e tomar medidas saneadoras.

Acusam-me de nepotismo. Há 55 anos no Congresso adotei a norma de não chamar parentes para minha assessoria.

Quero comentar a lista de nomeações das representações contra mim do PSOL e do PSDB, que uno numa só por causa das repetições, com as informações de lotação fornecidas pela administração da Casa:

Quadro 2

    • João Fernando Sarney - nomeado pelo Senador Cafeteira;
    • Vera Portela Macieira Borges - designada para servir no gabinete do Senador Delcídio Amaral, numa época em que não havia súmula do STF sobre nepotismo;
    • Maria do Carmo Macieira - nomeada pela Senadora Roseana, e a lei brasileira não passa responsabilidade de filha para pai;
    • Isabella Murad Cabral Alves dos Santos - nomeada pelo Senador Cafeteira, segundo ele me disse a pedido do Sr. Eduardo Lago;
    • Virgínia Murad de Araújo - nomeada pela Senadora Roseana, é pessoa que não conheço;
    • Nathalie Rondeau - funcionária da Diretoria Geral, não tendo nenhum laço de parentesco com a minha família;
    • Luiz Cantuária - não tenho nenhum laço de parentesco nem conheço;
    • Ivan Celso Sarney - nomeado pelo Senador João Alberto;
    • Rosângela Teresinha Gonçalves - funcionária da Diretoria Geral, não tendo nenhum laço de parentesco com a minha família;
    • Maria do Carmo de Castro Meira - funcionária da Diretoria Geral, não tendo nenhum laço de parentesco com a minha família;
    • Shirley Duarte Pinto de Araújo - do gabinete da Senadora Roseana;
    • Rodrigo Cruz - funcionário da Diretoria Geral, não tendo nenhum laço de parentesco com a minha família;
    • Fausto Rabelo Consendey - é, como a denúncia afirma, funcionário do gabinete do Deputado Sarney Filho;
    • Fernando Nelmásio Silva Belfort - foi lotado na Liderança do Congresso Nacional, de responsabilidade do líder;
    • Ricardo Araújo Zoghbi - nenhuma ligação tenho, nem mesmo conheço;
    • Luiz Fernando Zoghbi - nenhuma ligação tenho, nem mesmo conheço;
    • João Carlos Zoghbi Júnior - nenhuma ligação tenho, nem mesmo conheço;

Estas nomeações eram feitas pelo Diretor-Geral, por requisição do Senador interessado, pois nomeações para Gabinete são privativas da indicação do Senador.

Ordenei que quatro servidores da área de segurança do Senado Federal fossem verificar a segurança de minha residência no Maranhão - é ato que se pratica sempre que há ameaças a um Senador.

Outra denúncia que fizeram contra mim é que meu neto tinha sido privilegiado com agenciamento de créditos consignados, de forma fraudulenta. O meu neto nunca teve nenhuma relação com o Senado:

Quadro 3
Sua relação era com o HSBC, que em 2005 foi autorizado a operar com o Senado, quando eu não era Presidente ou exercia função na Mesa Diretora. Quando assumi, em 2 de fevereiro deste ano, meu neto não era mais credenciado do HSBC, que não trabalhava mais com crédito consignado no Senado, conforme nota do próprio Banco:

Quadro 4
Meu neto não participou da negociação de qualquer convênio de banco com o Senado, a autorização do banco com que trabalhou foi anterior à minha Presidência e a participação das consignações no Senado nos contratos de sua empresa era residual, limitada a 65 contratos, inferior a 3%.

Tratou-se também da Fundação José Sarney, acusando-me de nela ter funções administrativas e ter negado isto da tribuna. Quero mostrar que, como me faculta o Estatuto da Fundação, pelo Parágrafo único do Art. 19, deleguei desde 1990 as funções de Presidente ao advogado José Carlos Sousa Silva, não tendo a partir de então qualquer atividade administrativa, conforme os documentos anexos:

Quadro 5
Quero comentar também outras notícias sobre mim e minha família que nada têm a ver com o Senado e caracterizam uma campanha pessoal:

Acusam-me de favorecer um namorado de minha neta por ato secreto. Nos trechos de diálogos divulgados de maneira ilícita, verifica-se que se tratam de conversas coloquiais entre familiares, que nada têm com um processo em segredo de justiça e pela lei deveriam ser eliminados. Não há nelas qualquer palavra minha em relação a nomeação por ato secreto. É claro que não existe um pedido de uma neta, se pudermos ajudar legalmente, que deixemos de atender.

A pessoa indicada era competente, formada em física, pós-graduado e sempre trabalhou com assiduidade e elogios de seus chefes.

Sou acusado de ter recebido auxílio-moradia do Senado por sete meses. O auxílio-moradia é legal, direito dos Senadores e muitos o recebem. Depositaram em minha conta e eu, não por ser ilegal, mas por uma decisão pessoal, oficiei pedindo que fosse estornado do meu contra-cheque.

E que métodos que são adotados?

Não encontrando nada contra mim, e querendo generalizar, pasmem os senhores Senadores, colocam meu nome na Operação Guatama, em gravação da Polícia Federal.

Quadro 6
Quero dizer que, se já vi o Senhor Zuleido Veras, foi muito. Nunca este senhor foi a minha casa. Mas coloca-se isto como fato para envolver-me nesse rumoroso caso.

Pois bem, pasme o Senado, essa gravação foi montada e a perícia mandada fazer pelo respeitado técnico Molina conclui:

Quadro 7
Mas a campanha não fica por aí. Um repórter foi entrevistar o Sr. Giovani, a quem vendi minha fazenda em 2002. Ele chega agredindo o senhor, chamando-o de laranja e rouba os papéis de sua mesa. Como o Sr. Giovani tem gravação de TV em seu escritório, a cena foi filmada e não deixa dúvida. Esta não é um procedimento da deontologia da profissão que se poderia e deveria esperar de um jornalista credenciado no Senado Federal.

Tenho, em minha posse, uma cópia deste filme. Fiquei estarrecido e pensei se devia exibi-lo aqui. Decidi que isto era ser arrastado ao nível do debate que tenho criticado e de que quero, pelo bem de todos, sair, e em respeito à imagem das pessoas. Acreditem no entanto que o que houve foi da maior gravidade e é uma demonstração de até que ponto a imprensa foi levada a uma guerra contra a minha pessoa.

Devo registrar, por uma questão de justiça, que o veículo, informado da conduta do repórter, não utilizou os documentos furtados.

Assim, Senhores Senadores, não está se desejando melhorar nem pensando no Senado. Está-se numa campanha pessoal contra mim, sem respeitar minha privacidade, meus 55 anos de vida pública, de muitas e cruéis lutas, sem nódoa.

Todos aqui, repito, somos iguais. Ninguém é melhor do que outro.

Quero resumir. Em nenhum momento de minha vida faltei ou faltarei com o decoro parlamentar. Logo eu, que prezo a liturgia, cidadão de vida ilibada, de hábitos simples, ter falta de compustura e decoro.

Não favoreci neta ou neto meu. Não abusei de minha autoridade ao requisitar o envio de seguranças a minha residência. Não menti ao dizer que não tinha responsabilidade por atos administrativos na Fundação José Sarney. Sou, isto sim, vítima de uma campanha sistemática e agressiva.

Humildemente, peço aos meus colegas que me julguem pela minha conduta, austera, sem arrogância, respeitando todos e com todos mantendo boa convivência, e não pelas mentiras, calúnias, montagens, acusações levianas e desrespeito às pessoas. Peço justiça para que possamos sair da crise e voltarmos ao ambiente de tranquilidade.

Não vou mudar. Meu apelo é a volta de uma convivência pacífica entre nós. O que não posso aceitar é a humilhação de fugir das minhas responsabilidades.

No meu último discurso falei em vencer a injustiça pelo silêncio. Clemenceau dizia que é mais difícil administrar o silêncio que as palavras.

Que a paz seja restaurada na Casa. Que o ódio e a paixão política não nos faça perder a razão.

Cito uma talentosa neurocientista, Ana Carolina, que diz que obedecer à consciência é honrar a vida.

E diz a um cliente:

“É um tempo difícil, eu sei. Qualquer entreluz transeunte é percebida como a mais intensa escuridão. Mas segure, agüente, persista, resista. Encontre qualquer ponto de força que ainda more dentro de você.”

Minha força não é o desejo de poder. Este cargo nada me acrescenta mais do que agruras, injustiças e trabalho. Mas minha certeza de que nada fiz de errado, a minha fé e minha crença de que as senhoras Senadoras e os senhores Senadores são justos e à convivência faz conhecer as pessoas, que me ajudarão a reconstruir a paz e a harmonia no Senado.

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Por Reinaldo Azevedo

CARTA AOS BRASILEIROS, DE GROFFREDO DA SILVA TELLES JR.

sábado, 4 de julho de 2009 | 4:31

CARTA AOS BRASILEIROS

Das Arcadas do Largo de São Francisco, do “Território ­Livre” da Academia de Direito de São Paulo, dirigimos, a todos os brasi­leiros esta Mensagem de Aniversário, que é a Proclamaçõo de Princípios de nossas convicções políticas.

Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade.

Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direi­tos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras.

Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da Democracia é a mesma que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que escreveu as Páginas da Liberdade, na História do Brasil.

Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento ­comum de nossa imensa e poderosa Família - da Família formada, durante um século e meio, na Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e nas ­outras grandes Faculdades de Direito do Brasil - Família indestrutível, espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de Constituições democráticas, dezessete Presidentes da República.

1. O Legal e o Legítimo

Deixemos de lado o que não é essencial.

O que aqui diremos não tem a pretensão de constituir novidade. Para evitar interpretações errôneas, nem sequer nos vamos referir a certas conquistas sociais do mundo moderno. Deliberada­mente, nada mais diremos do que aquilo que, de uma ou outra maneira, vem sendo ensinado, ano após ano, nos cursos normais das Faculdades de Direito. E não transporemos os limites do ­campo científico de nossa competência.

Partimos de uma distinção necessária. Distinguimos entre o legal e o legítimo.

Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.

Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam - comunidade e Povo em cujo seio as idéias das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida.

Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseios domi­nantes do Povo, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do legislador.

Das forças mesológicas, dos fatores reais, imperantes na comu­nidade, é que emerge a alma dos mandamentos que o legislador, na forja parlamentar, modela em termos de leis legítimas.

A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado. Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis.

O único outorgante de poderes legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes. Somente os Representantes do Povo são legisladores legítimos.

A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos processos fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e que é a Constituição.

Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da cole­tividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos Representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo.

Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo.

Imposta, a ordem é violência. Às vezes, em certos momentos de convulsão social, apresenta-se como remédio de urgência. Mas, em regra, é medicação que não pode ser usada por tempo dilatado, porque acaba acarretando males piores do que os causados pela doença.

2. A Ordem, o Poder e a Força

Estamos convictos de que há um senso leviano e um senso grave da ordem.

O senso leviano da ordem é o dos que se supõem imbuídos da ciência do bem e do mal, conhecedores predestinados do que deve e do que não deve ser feito, proprietários absolutos da verdade, ditadores soberanos do comportamento humano.

O senso grave da ordem é o dos que abraçam os projetos resultantes do entrechoque livre das opiniões, das lutas fecundas entre idéias e tendências, nas quais nenhuma autoridade se sobrepõe às Leis e ao Direito.

Ninguém se iluda. A ordem social justa não pode ser gerada pela pretensão de governantes prepotentes. A fonte genuína da ordem não é a Força, mas o Poder.

O Poder, a que nos referimos, não é o Poder da Força, mas um Poder de persuasão.

Sustentamos que o Poder Legítimo é o que se funda naquele senso grave da ordem, naqueles projetos de organização social, nascidos do embate das convicções e que passam a preponderar na coletividade e a ser aceitos pela consciência comum do Povo, como os melhores.

O Governo, com o senso grave da ordem, é um Governo cheio de Poder. Sua legitimidade reside no prestígio popular de quase todos os seus projetos. Sua autoridade se apóia no consenso da maioria.

Nisto é que está a razão da obediência voluntária do Povo aos Governos legítimos.

Denunciamos como ilegítimo todo Governo fundado na ­Força. Legítimo somente o é o Governo que for órgão do Poder.

Ilegítimo é o Governo cheio de Força e vazio de Poder.

A nós nos repugna a teoria de que o Poder não é mais do que a Força. Para nossa consciência jurídica, o Poder é produto do consenso popular e a Força um mero instrumento do Governo.

Não negamos a utilidade de tal instrumento. Mas o que afirmamos é que a Força é somente útil na qualidade de meio, para assegurar o respeito pela ordem jurídica vigente e não para subvertê-la ou para impor reformas na Constituição.

A Força é um meio de que se utiliza o Governo fiel aos projetos do Povo. Desgraçadamente, também a utiliza o Governo ­infiel. O Governo fiel a utiliza a serviço do Poder. O Governo infiel, a serviço do arbítrio.

Reconhecemos que o Chefe do Governo é o mais alto funcionário nos quadros administrativos da Nação. Mas negamos que ele seja o mais alto Poder de um País. Acima dele, reina o Poder de uma Idéia: reina o Poder das convicções que inspiram as
linhas mestras da Política nacional. Reina o senso grave da Ordem, que se acha definido na Constituição.

3. A Soberania da Constituição

Proclamamos a soberania da Constituição.

Sustentamos que nenhum ato legislativo pode ser tido como lei superior à Constituição.

Uma lei só é válida se a sua elaboração obedeceu aos preceitos constitucionais, que regulam o processo legislativo. Ela só é válida se, em seu mérito, suas disposições não se opõem ao pensa­mento da Constituição.

Aliás, uma lei inconstitucional é lei precária e efêmera, ­porque só é lei enquanto sua inconstitucionalidade não for declarada pelo Poder Judiciário. Ela não é propriamente lei, mas apenas uma camuflagem da lei. No conflito entre ela e a Constituição, o que cumpre, propriamente, não é fazer prevalecer a Constituição, mas é dar pela nulidade da lei inconstitucional. Embora não seja razoável considerá-la inexistente, uma vez que a lei existe como objeto do julgamento que a declara inconstitucional, ela não tem, em verdade, a dignidade de uma verdadeira lei.

Queremos consignar aqui um simples mas fundamental princí­pio. Da conformidade de todas as leis com o espírito e a letra da Constituição dependem a unidade e coerência do sistema jurídico nacional.

Observamos que a Constituição também é uma lei. Mas é a Lei Magna. O que, antes de tudo, a distingue nitidamente das outras leis é que sua elaboração e seu mérito não se submetem a disposições de nenhuma lei superior a ela. Aliás, não podemos admitir como legítima lei nenhuma que lhe seja superior. Entretanto, sendo lei, a Constituição há de ter, também, sua fonte legítima.

Afirmamos que a fonte legítima da Constituição é o Povo.

4. O Poder Constituinte

Costuma-se dizer que a Constituição é obra do Poder. Sim, a Constituição é obra do Poder Constituinte. Mas o que se há de acrescentar, imediatamente, é que o Poder Constituinte pertence ao Povo, e ao Povo somente.

Ao Povo é que compete tomar a decisão política fundamental, que irá determinar os lineamentos da paisagem jurídica em que deseja viver.

Assim como a validade das leis depende de sua conformação com os preceitos da Constituição, a legitimidade da Constituição se avalia pela sua adequação às realidades sócioculturais da comu­nidade para a qual ela é feita.

Disto é que decorre a competência da própria comunidade para decidir sobre o seu regime político; sobre a estrutura de seu Governo e os campos de competência dos órgãos principais de que o Governo se compõe; sobre os processos de designação de seus governantes e legisladores.

Disto, também, é que decorre a competência do Povo para fazer a Declaração dos Direitos Humanos fundamentais, assim como para instituir os meios que os assegurem.

Em conseqüência, sustentamos que somente o Povo, por meio de seus Representantes, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, ou por meio de uma Revolução vitoriosa, tem competência para elaborar a Constituição; que somente o Povo tem compe­tência para substituir a Constituição vigente por outra, nos casos em que isto se faz necessário.

Sustentamos, igualmente, que só o Povo, por meio de seus Representantes no Parlamento Nacional, tem competência para emendar a Constituição.

E sustentamos, ainda, que as emendas na Constituição não se podem fazer como se fazem as alterações na legislação ordinária. Na Constituição, as emendas somente se efetuam, quando apresentadas, processadas e aprovadas em conformidade com preceitos especiais, que a própria Constituição há de enunciar, preceitos estes que têm por fim conferir à Lei Magna do Povo uma estabilidade maior do que a das outras leis.

Declaramos ilegítima a Constituição outorgada por autoridade que não seja a Assembléia Nacional Constituinte, com a única exceção daquela que é imediatamente imposta por meio de uma Revolução vitoriosa, realizada com a direta participação do Povo.

Declaramos ilegítimas as emendas na Constituição que não forem feitas pelo Parlamento, com obediência, no encami­nhamento, na sua votação e promulgação, a todas as formalidades do rito, que a própria Carta Magna prefixa, em disposições expressas.

Não nos podemos furtar ao dever de advertir que o exercício do Poder Constituinte, por autoridade que não seja o Povo, configura, em qualquer Estado democrático, a prática de usurpação de poder político.

Negamos peremptoriamente a possibilidade de coexistência, num mesmo País, de duas ordens constitucionais legítimas, embo­ra diferentes uma da outra. Se uma ordem é legítima, por ser obra da Assembléia Constituinte do Povo, nenhuma outra ordem, provinda de outra autoridade, pode ser legítima.

Se, ao Poder Executivo fosse facultado reformar a Constituição, ou submetê-la a uma legislação discricionária, a Constituição perderia, precisamente, seu caráter constitucional e passaria a ser um farrapo de papel.

A um farrapo de papel se reduziria o documento solene, em que a Nação delimita a competência dos órgãos do Governo, para resguardar, zelosamente, de intromissões cerceadoras dos poderes públicos, o campo de atuação da liberdade humana.

5. O Estado de Direito e o Estado de Fato

Proclamamos que o Estado legítimo é o Estado de Direito, e que o Estado de Direito é o Estado Constitucional.

O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à ­Constituição.

Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e reniten­tes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na Histó­ria da Civilização. Sem exagero, pode dizer-se que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado.

O Estado de Direito se caracteriza por três notas essenciais, a saber: por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos Direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica.

É obediente ao Direito, porque suas funções são as que a Constituição lhe atribui, e porque, ao exercê-las, o Governo não ultrapassa os limites de sua competência.

É guardião dos Direitos, porque o Estado de Direito é o Estado-Meio, organizado para servir o ser humano, ou seja, para assegurar o exercício das liberdades e dos direitos subjetivos das ­pessoas.

E é aberto para as conquistas da cultura jurídica, porque o Estado de Direito é uma democracia, caracterizado pelo regime de representação popular nos órgãos legislativos e, portanto, é um Estado sensível às necessidades de incorporar à legislação as normas tendentes a realizar o ideal de uma Justiça cada vez mais perfeita.

Os outros Estados, os Estados não constitucionais, são os Esta­dos cujo Poder Executivo usurpa o Poder Constituinte. São os Estados cujos chefes tendem a se julgar onipotentes e oniscientes, e que acabam por não respeitar fronteiras para sua competência. São os Estados cujo Governo não tolera crítica e não permite contestação. São os Estados-Fim, com Governos obcecados por sua própria segurança, permanentemente preocupados com sua sobrevivência e continuidade. São Estados opressores, que muitas vezes se caracterizam por seus sistemas de repressão, erguidos contra as livres manifestações da cultura e contra o emprego normal dos meios de defesa dos direitos da personalidade.

Esses Estados se chamam Estados de Fato. Os otimistas lhes dão o nome de Estados de Exceção. Na verdade, são Estados Autoritários, que facilmente descambam para a Ditadura.

Ilegítimos, evidentemente, são tais Estados, porque seu ­Poder Executivo viola o princípio soberano da obediência dos Governos à Constituição e às leis.

Ilegítimos, em verdade, porque seus Governos não têm ­Poder, não têm o Poder Legítimo, que definimos no início desta Carta.

Destituídos de Poder Legítimo, os Estados de Fato duram enquanto puderem contar com o apoio de suas forças armadas.

Sustentamos que os Estados de Fato, ou Estados de Exceção, são sistemas subversivos, inimigos da ordem legítima, promotores da violência contra Direitos Subjetivos, porque são Estados contrários ao Estado Constitucional, que é o Estado de Direito, o Estado da Ordem Jurídica.

Nos países adiantados, em que a cultura política já organizou o Estado de Direito, a insólita implantação do Estado de Fato ou de Exceção - do Estado em que o Presidente da República volta a ser o monarca lege solutus - constitui um violento retrocesso no caminho da cultura.

Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendia­dos, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem ­existido.

O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exce­ção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados e Sistemas.

Por exemplo, em lugar dos Direitos Humanos, a que se refere a Declaração Universal das Nações Unidas, aprovada em 1948; em lugar do habeas corpus; em lugar do direito dos cidadãos de eleger seus governantes, esses Estados e Sistemas colocam, freqüentemente, o que chamam de Segurança Nacional e Desenvolvimento Econômico.

Com as tenebrosas experiências dos Estados Totalitários euro­­peus, nos quais o lema é, e sempre foi, “Segurança e Desenvolvimento”, aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Dita­dura é o regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico. O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento. Nele ainda se inspira a ditadura soviética.

Aprendemos definitivamente que, fora do Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada. Fora do Estado de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína.

Não nos deixaremos seduzir pelo canto das sereias de ­quaisquer Estados de Fato, que apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores freqüentes da Ordem Constitucional.

Afirmamos que o binômio Segurança e Desenvolvimento não tem o condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num Estado de Direito.

Declaramos falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direi­to e a Democracia são “a sobremesa do desenvolvimento econômico”. O que temos verificado, com freqüência, é que desenvolvimentos econômicos se fazem nas mais hediondas ditaduras.

Nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertimos que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficarão permanentemente à espe­ra de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito.

Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro, porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma idéia de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a idéia de que o Estado existe para servir o homem.

Estamos convictos de que a segurança dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro ­desenvolvimento de uma Nação.

Nós queremos segurança e desenvolvimento. Mas queremos segurança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.

Em meio da treva cultural dos Estados de Fato, a chama acesa da consciência jurídica não cessa de reconhecer que não existem, para Estado nenhum, ideais mais altos do que os da Liberdade e da Justiça.

6. A Sociedade Civil e o Governo

O que dá sentido ao desenvolvimento nacional, o que confere legitimidade às reformas sociais, o que dá autenticidade às renovações do Direito, são as livres manifestações do Povo, em seus órgãos de classe, nos diversos ambientes da vida.

Quem deve propulsionar o desenvolvimento é o Povo organizado, mas livre, porque ele é que tem competência, mais do que ninguém, para defender seus interesses e seus direitos.

Sustentamos que uma Nação desenvolvida é uma Nação que pode manifestar e fazer sentir a sua vontade. É uma Nação com organização popular, com sindicatos autônomos, com centros de debate, com partidos autênticos, com veículos de livre informação. É uma Nação em que o Povo escolhe seus dirigentes, e tem meios de introduzir sua vontade nas deliberações governamentais. É uma Nação em que se acham abertos os amplos e francos canais de comunicação entre a Sociedade Civil e o Governo.

Nos Estados de Fato, esses canais são cortados. Os Governos se encerram em Sistemas fechados, nos quais se instalam os ­”donos do Poder”. Esses “donos do Poder” não são, em verdade, donos do Poder Legítimo: são donos da Força. O que chamam de Poder não é o Poder oriundo do Povo.

A órbita da política não vai além da área palaciana, reduto aureolado de mistério, hermeticamente trancado para a Socie­dade Civil.

Nos Estados de Fato, a Sociedade Civil é banida da vida política da Nação. Pelos chefes do Sistema, a Sociedade Civil é trata­da como um confuso conglomerado de ineptos, sem discernimento e sem critério, aventureiros e aproveitadores, inca­pazes para a vida pública, destituídos de senso moral e de idealismo cívico. Uma ­multidão de ovelhas negras, que precisa ser conti­nuamente contida e sempre tangida pela inteligência soberana do sábio tutor da Nação.

Nesses Estados, o Poder Executivo, por meio de atos arbitrários, declara a incapacidade da Sociedade Civil, e decreta a sua ­interdição.

Proclamamos a ilegitimidade de todo sistema político em que fendas ou abismos se abrem entre a Sociedade Civil e o Governo.

Chamamos de Ditadura o regime em que o Governo está separado da Sociedade Civil. Ditadura é o regime em que a ­Sociedade Civil não elege seus Governantes e não participa do Governo. Ditadura é o regime em que o Governo governa sem o Povo. Ditadura é o regime em que o Poder não vem do Povo. Ditadura é o regime que castiga seus adversários e proíbe a contes­tação das razões em que ela se procura fundar.

Ditadura é o regime que governa para nós, mas sem nós.

Como cultores da Ciência do Direito e do Estado, nós nos recusamos, de uma vez por todas, a aceitar a falsificação dos conceitos. Para nós a Ditadura se chama Ditadura, e a Democracia se chama Democracia.

Os governantes que dão o nome de Democracia à Ditadura nunca nos enganaram e não nos enganarão. Nós saberemos que eles estarão atirando, sobre os ombros do povo, um manto de irrisão.

7. Os Valores Soberanos do Homem, Dentro do Estado de Direito

Neste preciso momento histórico, reassume extraordinária importância a verificação de um fato cósmico. Até o advento do Homem no Universo, a evolução era simples mudança na organização física dos seres. Com o surgimento do Homem, a evolução passou a ser, também, um movimento da consciência.

Seja-nos permitido insistir num truísmo: a evolução do ­homem é a evolução de sua consciência; e a evolução da consciência é a evolução da cultura.

A nossa tese é a de que o homem se aperfeiçoa à medida que incorpora valores morais ao seu patrimônio espiritual. ­Sustentamos que os Estados somente progridem, somente se aprimoram, ­quando tendem a satisfazer ansiedades do coração humano, assegurando a fruição de valores espirituais, de que a importância da vida indi­vidual depende.

Sustentamos que um Estado será tanto mais evoluído quanto mais a ordem reinante consagre e garanta o direito dos cidadãos de serem regidos por uma Constituição soberana, elaborada livre­mente pelos Representantes do Povo, numa Assembléia Nacional Constituinte; o direito de não ver ninguém jamais submetido a disposições de atos legislativos do Poder Executivo, contrários aos preceitos e ao espírito dessa Constituição; o direito de ter um Governo em que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário ­possam cumprir sua missão com independência, sem medo de represálias e castigos do Poder Executivo; o direito de ter um Poder ­Executivo limitado pelas normas da Constituição soberana, elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte; o direito de escolher, em ­pleitos democráticos, seus governantes e legisladores; o direito de ser eleito governante ou legislador, e o de ocupar cargos na administração pública; o direito de se fazer ouvir pelos Poderes Públicos, e de introduzir seu pensamento nas decisões do Governo; o direito à liberdade justa, que é o direito de fazer ou de não fazer o que a lei não proíbe; o direito à igualdade perante a lei que é o direito de cada um de receber o que a cada um pertence; o direito à intimidade e à inviolabilidade do domicílio; o direito à propriedade e o de conservá-la; o direito de organizar livremente sindicatos de trabalhadores, para que estes possam lutar em defesa de seus interesses; o direito à presunção de inocência, dos que não forem declarados culpados, em processo regular; o direito de imediata e ampla defesa dos que forem acusados de ter praticado ato ilícito; o direito de não ser preso, fora dos casos previstos em lei; o direito de não ser mantido preso, em regime de inco­municabilidade, fora dos casos da lei; o direito de não ser conde­nado a nenhuma pena que a lei não haja cominado antes do delito; o direito de nunca ser submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante; o direito de pedir a manifestação do Poder Judiciário, sempre que houver interesse legítimo de alguém; o direito irrestrito de impetrar habeas corpus; o direito de ter Juízes e Tribunais independentes, com prerrogativas que os ­tornem refratários a injunções de qualquer ordem; o direito de ter uma imprensa livre; o direito de fruir das obras de arte e cultura, sem cortes ou restrições; o direito de exprimir o pensamento, sem qualquer censura, ressalvadas as penas legalmente previstas, para os crimes de calúnia, difamação e injúria; o direito de resposta; o direito de reunião e associação.

Tais direitos são valores soberanos. São ideais que inspiram as ordenações jurídicas das nações verdadeiramente civilizadas. São princípios informadores do Estado de Direito.

Fiquemos apenas com o essencial.

O que queremos é ordem. Somos contrários a qualquer tipo de subversão. Mas a ordem que queremos é a ordem do Estado de Direito.

A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já.

Goffredo Telles Júnior

NOTA:

Antes de sua leitura, a “CARTA” foi subscrita pelos seguintes “Signatários-Lançadores”:

José Ignácio Botelho de Mesquita, Professor Titular da Faculdade Direito da USP; Fábio Konder Comparato, Professor Titular da Faculdade Direito da USP; Modesto Carvalhosa, Professor da Faculdade Direito da USP e Presidente da Associação dos Docentes da USP; Irineu Strenger, Professor Titular da ­Faculdade Direito da USP; Dalmo de Abreu Dallari, Professor Titular da ­Faculdade Direito da USP e Presidente da Comissão Justiça e Paz da Cúria Metropolitana de SP; Mário Simas, Vice-Presidente da Comissão Justiça e Paz; Geraldo Ataliba, Professor da Faculdade Direito da USP e da Faculdade Direito da PUC, ex-Reitor da PUC; José Afonso da Silva, Professor Titular da Faculdade Direito da USP; Miguel Reale Júnior, Professor da Faculdade de Direito da USP; Ignácio da Silva Telles, Professor da Faculdade de Direito da USP; Tércio Sampaio Ferraz, Professor da Faculdade de Direito da USP; Alcides Jorge Costa, Professor da Faculdade de Direito da USP; Gláucio Veiga, Professor da Faculdade de Direito da USP e da Faculdade Direito do Recife; Mário Sérgio Duarte Garcia, Vice-Presidente da Ordem dos Advogados de SP; Antônio Cândido de Mello e Souza, Professor Titular da USP; Paulo Duarte, Professor Catedrático da USP, aposentado; André Franco Montoro, Professor Catedrático da PUC e Senador; Flávio Flores da Cunha Birrembach, Professor da Faculdade Direito da PUC; José Carlos Dias, Advogado, Consultor Jurídico da Comissão Justiça e Paz, da Cúria Metropolitana de SP; Aliomar Baleeiro, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal e Professor da Faculdade Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Hermes Lima, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Fedederal do Rio Janeiro; Heleno Fragoso, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Janeiro; João Batista de Arruda Sampaio, Desembargador do TJSP, aposentado; Raul da Rocha Medeiros, Desembargador do TJSP, aposentado; Odilon da Costa Manso, Desembargador do TJSP, aposentado; Darcy de Arruda Miranda, Desembargador TJSP, aposentado; Hélio Bicudo, Procurador da Justiça de SP; Dom Cândido Padim, Bispo de Bauru, Bacharel pela Faculdade de Direito da USP; Sérgio Bermudes, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados; Tércio Lins e Silva, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Rio; Cid Riedel, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Distrito Federal; Ruy Homem de Mello Lacerda, ex-Presidente da Associação de dos Advogados de SP e Conselheiro; Walter Ceneviva, Vice-Presidente da Associação de Advogados; Sérgio Marques da Cruz, Conselheiro e ex-Presidente da Associação dos Advogados; Luciano de Carvalho, Secretário da Educação e Fazenda, do ­Governo Carvalho Pinto; João Nascimento Franco, Conselheiro do Instituto do Advogado e Ordem Advogado; Domingos Marmo, ex-Conselheiro da Ordem dos Advogados; Walter Laudísio, Conselheiro da Associação dos Advogados; Homero Alves de Sá, Conselheiro da Associação dos Advogados; Salim Arida, Conselheiro da Associação dos Advogados; José Carlos da Silva Arouca, Conselheiro da ­Associação dos Advogados; Joaquim Pacheco Cyrillo, Conseslheiro da Associação dos Advogados; Rubens Ignácio de Souza Rodrigues, Conselheiro da ­Associação dos Advogados; Jayme Cueva, Conselheiro da Associação dos ­Advogados; Maria Luiza Flores da Cunha Birrenbach, Procuradora do Município de SP; José Gregori, Advogado e Professor da PUC; Lauro Malheiros Filho, Advogado; Aldo Lins e Silva, Advogado; José Roberto Leal de Carvalho, Advogado; Cantídio Salvador Filardi, ex-Conselheiro da Ordem dos Advogados; ­Antônio Carlos Malheiros, Advogado; Luiz Eduardo Greenhalgh, Advogado; Márcia Ramos de Souza, Advogado; Arnaldo Malheiros, Advogado; Dione ­Prado Stamato, Procuradora do Estado de SP; Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Advogado; Pedro Garaude Júnior, Advogado; Alberto Pinto Horta Júnior, Advogado; Manoel Ferraz Whitaker Salles, Advogado; Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, Advogada; Edmur de Andrade Nunes Pereira Neto, Advogado; Márcia L. B. Jaime, Advogado; Areobaldo Espínola de Oliveira Lima Filho, Advogado; Alexandre Thiollier Filho, Advogado; Jayme A. da Silva Telles, Advogado; Clóvis de Gouvêa Franco, Advogado; Agripino Doria, Advogado; Edgard de Novaes França Neto, Advogado; Edgard de Novaes França Filho, Advogado; José V. Bernardes, Advogado; Luiz Baptista Pereira de Almeida Filho, Advogado; Luiz Baptista Pereira de Almeida, Advogado; Marcelo Duarte de Oliveira, sacerdote e bacharel, Advogado; Celso Cintra Mori, Advogado; Clarita Carameli, Advogado; Paulo Pereira, Advogado; José Melado Moreno, Advogado; Maria Ferreira Lara, Advogada; Pedro Luiz Aguirre Menin, Advogado; José Nuzzi Neto, Advogado; João Henrique de Almeida Santos, Advogado; Carlos Alberto Queiroz, Advogado; Jayme Queiroz Lopes Filho, Advogado; Paulo R. C. Lara, Advogado; Walter Arruda Júnior, Advogado; Joaquim Renato Correia Freire, Advogado; Darcy Paulilo dos Passos, Advogado; Sílvio Roberto Correia, Advogado; Francisco Mencucci, Advogado; Antônio Costa Correia, Advogado; Francisco Otávio de Almeida Prado, Advogado; Marco Antônio Rodrigues Nahun, Advogado; Léo Duarte de Oliveira, Advogado.

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Por Reinaldo Azevedo

As obsessões de cada um - Mário Magalhães e Wilson Simonal

segunda-feira, 22 de junho de 2009 | 3:24

Texto 1 – em 30 de março de 2008, Magalhães, então ombudsman, já crítica reportagem do jornal sobre o filme e remete à própria reportagem:

Boa notícia: quase oito anos depois da morte de Wilson Simonal, o grande cantor começa a ser resgatado do ostracismo. O documentário “Ninguém Sabe o Duro que Dei” é lançado no festival de cinema É Tudo Verdade.
Ignoro como o filme narra a suspeita de que Simonal fosse informante da ditadura militar. Mas é possível identificar no jornalismo disposição para recontar o passado omitindo o mais relevante, os fatos.
É incompreensão da natureza humana: a idéia de que todo artista de talento é marcado por gestos edificantes; ou se for um artista bacana, decerto será talentoso. A falácia temperou o esquecimento: se era dedo-duro, Simonal não merecia a posteridade. Ou, agora: se craque do suingue, não haveria de delatar.
A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops.
Outra testemunha de defesa, um oficial do 1º Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era “colaborador das Forças Armadas e informante do Dops”. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de “colaborador do Dops”.
Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada “a ações subversivas”.
Nesta semana, a Folha tropeçou ao noticiar o documentário: não lembrou as provas judiciais reveladas por ela própria em 2000 (transparência: o autor da antiga reportagem foi o hoje ombudsman).
Pelo menos o jornal foi sóbrio. Recusou a campanha jornalística que amalgama a história ao perfilar Simonal, que era senhor dos seus atos, como vítima de maledicência.

*

Texto 2 - Em 26 de junho de 2000, Mário Magalhães já havia noticiado o que vendeu como novidade nove anos depois, em 21 de junho de 2009-06-22

Juiz apontou cantor como informante

Sentença assinada por um juiz do Rio em 1974 afirmou que o cantor Wilson Simonal era “colaborador das Forças Armadas e informante do Dops” (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do então Estado da Guanabara.
O juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto não se baseou em eventuais inimigos de Simonal para chegar a essa conclusão.
Ele considerou três relatos:
1) o relações-públicas do 1º Exército, um tenente-coronel convocado como testemunha de defesa do cantor num processo, disse que Simonal era colaborador daquela unidade militar;
2) o detetive do Dops Mário Borges, amigo de Simonal e co-réu com ele no processo, afirmou em juízo que o cantor era informante do principal departamento policial do Estado encarregado de investigar opositores do governo;
3) o próprio Simonal disse ao depor que, em 71, sofria ameaças de “pessoas que supunha ligadas a ações subversivas”.
Na época, o Brasil era governado pelo regime militar (1964-85). A sentença do juiz Menna Barreto, do Fórum Criminal da Guanabara, foi proferida em 11 de novembro de 74, no processo 3.450.
Simonal e os policiais civis Hugo Corrêa de Mattos e Sérgio Andrada Guedes foram condenados a cinco anos e quatro meses de reclusão e multa de Cr$ 15 (15 cruzeiros), com internação em colônia agrícola pelo prazo de um ano.
Um ex-funcionário do artista, Raphael Viviani, os acusou de tê-lo torturado para assinar a confissão de desfalque na empresa de Simonal, que ficou preso por só 12 dias. Depois a pena foi reduzida.
O detetive Mário Borges e o motorista Luiz Ilogti foram absolvidos por falta de provas.
Foi nesse processo que nasceu a versão de que Simonal seria informante de órgãos da repressão.
Negou sempre. Disse que o ex-funcionário espalhou a história para desmoralizá-lo. Decaiu até ser praticamente esquecido.
A polêmica sobre o seu envolvimento com o Dops foi reaberta pelo jornalista Nelson Motta, no livro “Noites Tropicais” (Objetiva). Motta afirmou que o artista foi “condenado”, sem prova, como “dedo-duro”.
A sentença do processo 3.450, com cópia guardada numa pasta do extinto Dops no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, contradiz o cantor em muitos aspectos e mostra ligações que ele depois negaria.

Extremistas
Desconfiado de que Viviani, seu contador, desviava dinheiro, Simonal, seu motorista e os três policiais o levaram à força de casa em 24 de agosto de 71.
Passaram pelo escritório de Simonal e de lá se dirigiram para a sede do Dops, na rua da Relação, centro do Rio. Segundo a sentença judicial, Viviani apanhou durante toda a noite para assinar a confissão. Um exame de corpo de delito registrou marcas.
O detetive Mário Borges disse ter estado ausente durante a noite e a madrugada porque “teve de sair e foi à Vila Militar executar um trabalho sobre assunto de subversão e só retornou ao Dops no dia seguinte”.
Simonal afirmou à Justiça que não agrediu Viviani nem desconfiava do desfalque. Contou ter procurado o relações-públicas do 1º Exército, tenente-coronel cujo nome não é citado na sentença, para relatar ameaças que estaria sofrendo de “extremistas” de esquerda. O militar disse ter encaminhado o caso para o Dops.
Na defesa, o artista disse que citou Viviani como um dos que o estariam ameaçando. Confirmando a versão, o Dops divulgou ter escalado Mário Borges para chefiar detenção do contador.
O juiz escreveu na sentença: “Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é confirmado, quer pela sua própria testemunha de defesa (o militar do 1º Exército), às folhas 284 (dos autos), quer pelo terceiro acusado (detetive Márcio Borges), às folhas 125″.
“Que recebia telefonemas ameaçadores de pessoas que supunha ligadas às ações subversivas, também é matéria pacífica, pois são inúmeros os depoimentos nesse sentido. Entretanto nenhum desses fatos pode, de algum modo, justificar a ação delituosa dos réus Hugo Corrêa de Mattos e Sérgio Andrada Guedes.”
O juiz acrescentou: “Foram exatamente a sua (de Simonal) condição de colaborador com a ação repressiva dos órgãos de segurança e as ameaças que dizia estar sofrendo por parte de extremistas que, de um lado, tornaram legítima a ação do acusado Mário Borges”. O magistrado considerou que o policial fora prender Raphael Viviani por suspeita de participação em atividades ilegais.

Ideologia
A linha de defesa de Wilson Simonal no processo foi fundamentada em questões ideológicas: ele teria denunciado Viviani por motivos políticos. Dirigiu-se ao militar do 1º Exército, que considerou melhor o Dops cuidar do caso.
Simonal confirmou que o contador foi levado à sede do Dops. Foi também o artista quem listou o militar, que o citou como colaborador, como testemunha. E Mário Borges, seu amigo, confirmou a condição de informante.
Só depois Simonal negaria ligações com organismos de repressão política. Independentemente do que tenha feito, dificilmente uma eventual delação sua prejudicaria seriamente algum artista.
Ele não frequentava o círculo da música onde a oposição ao regime militar tinha um dos seus mais fortes pilares no mundo cultural.
Os arquivos do Dops da Guanabara acompanharam sua trajetória. Um registro de ocorrência da 121ª Delegacia de Polícia, em Itaperuna (RJ), narrou tentativa de agressão que o cantor sofreu, em 28 de setembro de 82. Ele cantava num comício do PDS, então o partido do governo militar.
Curiosamente, os fichários do antigo Dops registram a existência de um documento sobre Simonal na pasta “Confidencial número 2″ do arquivo.
Ao consultá-la, a Folha não achou o papel, mas uma apostila de escola de polícia com orientações para “recrutamento e manejo” de informantes.

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Por Reinaldo Azevedo

O ARTIGO EM QUE TARSO GENRO ACUSA JUÍZES DE ESTAREM CONTRA A LEI

quinta-feira, 11 de junho de 2009 | 16:18

OS JUÍZES CONTRA A LEI

-VALOR E ESTADO

Um juiz sul-africano, ao julgar uma ação judicial de um negro cujo pedido tem como obstáculo uma lei que sustenta o “apartheid”, deve julgar contra ele?

Esta pergunta feita aos juízes do nosso país certamente - com a exclusão de uma minoria insignificante - teria uma resposta positiva:, sim, o juiz neste caso deve julgar contra a lei, porque o “apartheid” não tem qualquer sustentação ética ou moral, porque é anti-humano e carece de qualquer valor. Este Juiz, é evidente, estará julgando contra a lei e contra o Estado.

Wallerstein lembra que “o racismo serviu como uma ideologia global a justificar a desigualdade. Mas foi muito mais que isso. Serviu para socializar os grupos no seu próprio papel na economia. As atitudes inculcadas (os preconceitos, a conduta abertamente discriminatória na vida cotidiana) serviram para estabelecer o arcabouço de um comportamento adequado e legítimo para si e para os outros, no seu próprio espaço doméstico e grupo étnico. O racismo, exatamente como o sexismo, funcionou como uma ideologia auto-repressora, modelando e limitando expectativas”[1]. O racismo é universalmente um antivalor e a atitude que o repudia prescinde de qualquer justificativa porque esta atitude integra uma escala de valores que integra um patamar mínimo de civilização.

Hoje, assim como em relação ao racismo, existem questões sobre as quais há um consenso Universal no mundo civilizado: a não aceitação da opressão da mulher (tida como inferior em determinadas sociedades); a rejeição da tortura ( o que faz da confissão na polícia um meio de prova medieval); a exploração de crianças e a prostituição infantil. Todas estas questões, entre outras, estão contidas em determinados pressupostos éticos que são verdadeiras “reservas de valores” (Agnes Heller) constituídas na história humana que nem sempre tiveram o mesmo estatuto universalidade.
Centro irradiador de normas obrigatórias de conduta com capacidade de sansão (sic), o Estado Moderno apropria-se de alguns valores e projeta um sistema de normas jurídicas, como hipóteses em série que intervém na configuração do mundo real (definição de alguns direitos do trabalho, tipificação dos delitos, p. ex.), ou enuncia formas de reconhecimento de relações reais independentemente de qualquer tipo de convicção ou motivação de natureza humanizadora (formulação jurídica de leis do mercado, p. ex.), pois o Estado tanto projeta alguns valores já universais, como reconhece outros que se configuram como manifestação concreta da estrutura da sociedade em que ele opera.

O processo constitutivo do Estado[2] é o processo da sua capacitação para produzir um sistema normativo coerente, para organizar uma coerção universalizante, acima da sociedade (aparência), mediando seu movimento real segundo os interesses hegemônicos na sociedade (essência), como o produto de um determinado estágio da civilização.

Pois bem, o Juiz que atendesse a pretensão do negro sul-africano estaria abalando o princípio da legalidade que alicerça qualquer Estado Moderno e estaria se opondo a um Estado concreto que se ampara num determinado sistema legal*.Vejamos um texto de doutrina contrário a esta posição do Judiciário diretamente contra a lei: “a legalidade, então, aparece à nossa vista como um princípio cardinal de direção da sociedade por parte do Estado, para o qual se vale, se usarmos a terminologia mais difundida na literatura jurídica, do campo da chamada ” regulagem jurídica da sociedade”, ou melhor ainda, do “mecanismo de regulagem jurídica da sociedade”.[3]

O texto acima transcrito não é de um autor sul-africano ou de um Kelseniano brasileiro, mas de um autor cubano identificado com o que chama de “marxismo-leninismo”. Ele poderia ser assinado por qualquer, sisudo desembargador ou por qualquer advogado de sucesso, portador do instrumental teórico dominante no nosso ensino jurídico. E isso ocorre porque o positivismo tanto pode ser de “esquerda” como de “direita”, mas será sempre a reverência ao Estado e ao Poder e terá como princípio uma visão instrumental do ser humano (o Direito utiliza, enquadra e submete o homem) e um desprezo pela dimensão ativa do conhecimento, observando a ” práxis” humana como puramente ” receptiva” das exigências do mundo material.

O julgamento contra a lei, portanto, em princípio, nada tem de excepcional (ou de politicamente “radical”) desde que - como no caso do negro sul-africano - a ideologia jurídica, política e moral dominantes, suporte o julgamento como uma decisão de superior interesse social ou humano. Na nossa doutrina mais qualificada já é reconhecida a superioridade dos princípios de direito para a orientação interpretativa. Esta superioridade permite, pois, eventuais ou sucessivas derrogações impróprias (ineficácia das normas perante um caso concreto) para proteger a totalidade e a própria teleologia do ordenamento: “ressaltam o princípio federativo, o do voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais. Essa saliência é extraída do art.60, §4º do Texto Constitucional, que impede emenda tendente a abolir tais princípios. Por isso, a interpretação de uma norma constitucional levará em conta todo o sistema, tal como positivado, dando-se ênfase, porém, para os princípios que forem valorizados pelo constituinte.[4]

José Alfredo de Oliveira Baracho lembra com propriedade que “os problemas da interpretação constitucional são mais amplos do que aqueles da lei comum , pois repercutem em todo o ordenamento jurídico”. E prossegue invocando Hector Fix Zanudio. “a interpretação dos dispositivos constitucionais requer por parte do intérprete ou aplicador, particular sensibilidade que permite captar a essência, penetrar na profundidade e compreender a orientação das disposições fundamentais, tendo em conta as condições sociais, econômicas e políticas existentes no momento em que se pretende chegar ao sentido dos preceitos supremos…Os diversos conceitos de Constituição, a natureza especifica das disposições fundamentais que estabelecem regras de conduta de caráter supremo e que servem de fundamento e base para as outras normas do ordenamento jurídico, contribuem para as diferenças entre a interpretação jurídica ordinária e a constitucional”.[5]

2 - ESTADO E DIVERSIDADE HUMANA
O Estado, face à imensa riqueza do mundo real, não tem condições de elencar e descrever cada atitude humana que pretende regular, por isso, como “hipótese” (por exemplo, um delito), a norma desenha uma situação- limite na qual o fato torna-se fato do Estado, que aprisiona no sistema jurídico, tornando-o, pois, uma categoria ou um sistema categorial, dependendo do seu grau de complexidade (por exemplo, as diversas hipóteses do “matar alguém”, art.121 do Código Penal).

De outra parte, como “reconhecimento”, o Estado capta uma relação concreta que se constituiu como exigência jurídica para o funcionamento da produção-circulação. Ao “reconhecer”, o Estado integra estas relações numa outra totalidade (a totalidade das relações privadas que vão das relações mercantis até o direito de propriedade) para moldar esta relação segundo a racionalidade global do sistema. As relações mercantis, nas suas variadas e veladas formas, constituem o núcleo básico daquilo que o Direito Comercial, Societário, Falimentar, etc. são, a sua aparência alienada, que expande a sua autonomia relativa segundo a maior ou menor consciência dos seus agentes.

O sistema jurídico necessita coerência interna, de modo que as in finitas manifestações da vida social possam ser harmonizadas (seria espantoso se a propriedade intelectual, por exemplo, não pudesse ser vendida!) para que o jogo de normas, violações, excludências, sanções, possa ser eficaz e dê curso ao “livre” movimento da vida econômico-material. O direito é, pois, principalmente uma interferência do sujeito numa realidade que foi criada por ele- sujeito- mas que não expressa toda a sua vontade, antes a expressa de maneira parcial e alienada. O Direito historicamente hegemônico expressa-se pelo sistema jurídico.

A estrutura fundamental que proporciona coerência interna ao sistema e expressa a lógica do Estado é o Poder judiciário. Em qualquer regime político, em quaisquer formas de Estado, a expectativa é que o Poder Judiciário expresse com as suas decisões o elo de coerência do sistema jurídico consigo mesmo.

3 - O FETICHE DA LEGALIDADE
O extremismo fetichista da aplicação da lei “a qualquer custo”, no entanto, é o desaparecimento dos sujeitos humanos criadores do direito que passam a ser somente “partes”. Os interesses econômicos transformados em categorias jurídicas abstratas. A hierarquia normativa estabelecida como uma hierarquia axiológica absoluta (formal) vinculada, então, o juiz ao processo de produção e circulação como uma simples peça para somente manifestar o que é expressão bruta da superioridade material e espiritual dos grupos dominantes da sociedade.

No caso, o juiz aniquila-se na lei como na má leitura de Hegel o cidadão aniquila-se no estado. A paralisação normativa - não propriamente como inexistência de novas leis, mas como manutenção do sentido mais geral do sistema - precede a paralisia do Judiciário, conformista e estratificado, que por seu turno revela a estagnação da sociedade ou a sua coerção extrema. A experiência do nazismo e do stalinismo já demonstraram isso à sociedade.

É evidente que previsibilidade do sistema é uma necessidade para a garantia dos direitos individuais e coletivos, mas ela não quer dizer estagnação normativa, nem exige que o juiz seja jogado para fora do processo de criação do Direito, no qual o Judiciário é ou pode ser uma peça chave.

Na verdade, o próprio sistema tem aberturas explícitas para amparar os julgamentos contra a lei no caso concreto, seja pelo chamamento dos princípios, seja pela simples recusa que prescinde até de fundamentação discursiva, como no caso do “apartheid”.

O que tem por trás desta indignação vetusta que repele o julgamento contra a lei, pois, não é propriamente a paixão abstrata pela legalidade, mas a repulsa a reconhecer uma necessidade de mudança qualitativa do sistema, com ferimentos graves a alguns interesses particulares das classes dominantes, aos quais hoje só resta, através do seu estatuto jurídico, uma aparência de universidade.

Um dos exemplos mais flagrantes e radicais desta pura aparência de universalidade de categorias jurídicas de interesses particulares é a admissibilidade do direito de propriedade contra os interesses dos ocupantes de conjunto habitacional abandonado, posição jurídica que agride o princípio constitucional da função, social da propriedade, função mesma que foi soterrada pela vontade ou pela impossibilidade do proprietário histórico do imóvel ocupado.


4 - SEGURANÇA E CÁLCULO
O “Direito que se pode calcular como uma máquina”, na expressão de Weber, é na verdade uma exigência da racionalidade para a reprodução da burocracia “socialista” e também para a burocracia do capitalismo e dos seus Estados. Nos seus limites, mais amplos, “à direita” está o nazifacismo e “à esquerda” está o stalinismo. Tanto no nazismo como no stalinismo os Juízes não julgavam contra o sistema, embora pudessem eventualmente julgar contra determinadas normas jurídicas que o contrariassem secundariamente. Mas a ideologia dominante era o culto da lei, culto este pervertido no seu mais radical paroxismo com a extinção prática do mundo privado e a degeneração da categoria da totalidade em totalitarismo absoluto; ou seja, tanto no stalinismo como no nazismo, o particular (a vontade do Partido ou da classe dominante) foi tornado artificialmente universal pela coerção do sistema jurídico-legal, gerando um consenso amorfo ou amparado pela mera violência arbitrária, ambos carcereiros de corações e mentes para construir o altar da adoração do Estado com fundamento na segurança calculada pela burocracia estatal.

O direito como forma atinge, portanto, sua máxima perfeição. O seu espelho não é mais a sociedade real, composta de homens reais, com suas paixões, limites e grandezas, mas a sua “motricidade”, “coerência”, “funcionalidade”. O Direito se contempla a si mesmo como perfeição e como ordem. A lei é a sua expressão e os juizes seus profetas. Eis a síndrome dos processos de Moscou nos anos 30 ou dos nossos “julgamentos” nas Auditorias Militares na década de setenta.

Um texto de Max Weber é elucidativo a este respeito. “Frederico, o grande, odiava os juristas, pelo fato de estes aplicarem os seus decretos- inspirados em sentido material - com um critério formal e, deste modo, servirem a finalidades perfeitamente opostas àquelas que ele se propunha. O Direito Romano foi, em todos os casos, o meio de esmagar o direito material em benefício do formal. Entretanto, este direito formalista é calculável. Na China, podia acontecer que um homem vendesse a outro uma casa: depois de certo tempo, voltasse a ele e reclamasse a devolução, pela circunstâncias de haver ficado pobre. Se o comprador, no Direito Chinês, não atendesse o mandamento antigo de ajuda ao próximo, os “espíritos” se indignariam. Desse modo, o vendedor empobrecido ocupava a casa novamente, como arrendatário forçado, sem o pagamento de nenhum aluguel. Com um Direito assim estruturado o capitalismo não podia se desenvolver. O que se fazia necessário era um direito que se pudesse calcular como uma máquina, neste sentido, entretanto, os pontos de vista mágico-rituais não desempenham papel algum. A criação de um Direito semelhante foi conseguida quando o Estado Moderno se associou aos juristas para impor sua exigência de domínio”.[6] O juiz não pode ser um simples instrumento de estagnação das fontes materiais, antes deve ser adubo da sua vitalidade.


5 - ESTADO E LEGALIDADE
Um momento importante na formação do estado Moderno foi a Revolução Inglesa que, ao contrário da Revolução Francesa, expressou-se como uma seqüência de guerras religiosas principalmente ao longo da segunda metade do século XVII.

Naquele processo histórico a afirmação da legalidade, baseada na soberania do Parlamento e contra qualquer forma de tirania, traduziu uma completa subversão de um outro sistema jurídico, fragmentado e em crise, baseado nos privilégios e no obscurantismo.

John Locke (1632-1704) foi um dos grandes juristas da época e sua defesa intransigente da legalidade como o meio e fim, identificando-a com a Justiça, atravessa todo o Direito Moderno. Mas mesmo John Locke, no momento extremo em que defender a legalidade era na verdade revolucionar o existente, não se afundou na forma como instrumento de contenção do Direito que emerge legitimamente do povo: “Se surgir uma controvérsia - diz Locke no Segundo Tratado sobre o Governo - entre um príncipe e alguém do povo em assunto em que a lei silencie ou seja duvidosa, e o assunto se revista de grande importância, julgo que o árbitro conveniente deve ser o corpo do povo….”[7]. A maleabilidade e a mobilidade da ordem jurídica já lá estavam em John Locke, no interior do próprio culto da legalidade.

É evidente que o “corpo do povo” varia segundo o momento histórico em que se desenvolvem as relações democráticas que o Locke, quando se referia ao “povo”, dirigia-se principalmente a quem objetivamente ou potencialmente deveria formar a burguesia como nova e revolucionária classe dominante.

Atualmente o povo é “qualquer um”. O fim da redução censitária da cidadania coloca como possibilidade que “qualquer um” exercite os mesmos direitos. Trata-se da mais radical revolução que a humanidade até então fizera. Mesmo a separação entre a cidadania abstrata e formal e a realidade do cidadão como produtor, onde os traços essenciais da igualdade jurídica parecem, mesmo esta separação - não sufoca a radicalidade da Revolução Burguesa e da conformação do Estado Moderno de Direito.

Mas este Estado de Direito exige uma ordem. Uma dupla ordem ou uma ordem em duplo sentido: uma ordem real, ditada pelas possibilidades materiais de cada indivíduo, de conformação e capitulação social da cidadania, para que a cisão, entre a cidadania formal e abstrata e o produtor dentro da fábrica permaneça atuante e viabilize o processo de acumulação; e uma ordem de normas e valores dentro do sistema (a ordem jurídica dentro do sistema jurídico que tem no cume o direito de propriedade) para que a mera ilusão da cidadania permaneça como ideologia comum, apta para coesionar permanentemente a sociedade em torno do Estado.

O suporte ideológico do julgamento, sempre e absolutamente segundo a lei é a defesa de uma determinada hierarquia de valores e normas dentro do sistema, mas não é a única possibilidade do Juiz no interior do sistema. É possível ” forçar” o sistema sem cair no arbítrio e no autoritarismo. O julgamento segundo a lei é apenas uma das possibilidades do juiz: traduz em boa parte das demandas a manutenção de uma determinada ordem e proporciona, na maioria das suas decisões, o grau de justiça socialmente aceito. Noutros casos garante uma ordem jurídica que ampara todo um modo de vida, proporciona a continuidade e a esperança das relações mercantis e permite a uma parte privilegiada da cidadania uma previsibilidade, para que o seu sentido cotidiano da “pré-ocupação” (Kosik - no sentido ontológico de ocupar-se antes do futuro possível) possa ter a racionalidade e sentido, tornando suas atividades produtivas ou especulativas calculáveis “como uma máquina”, como dizia Weber.

Para que isso seja possível é necessário o “ordenamento da ordem” nos vários ramos do direito, cujas conexões, relações e hierarquias, fazem uma escolha entre as várias indicações da Constituição quando as opções valorativas conflitam entre si: propriedade x dignidade humana; direitos individuais x interesses coletivos, preservação do meio ambiente x continuidade do processo produtivo, etc.

A possibilidade de encontrar mais de uma ordem num sistema jurídico determinado sem que se lhe tire uma coerência mínima, vem do seguinte fato elementar: independentemente do maior ou menor grau de positivação do sistema, do maior ou menor coerência das suas fontes formais, as suas fontes materiais continuam funcionando (Roberto Lyra Filho) e aquilo que constitui as suas ordens que refletem a pluralidade do mundo ( ou a sua ” des-ordem) não se fundamenta somente no terreno puro da lei, mas numa visão mais geral do homem, portanto no terreno em que a filosofia encontra-se com a ética e a política.

6 - A ORDEM ALTERNATIVA
Bergson sobre a ordem como categoria filosófica escrevia: “Suponhamos que existem duas espécies de ordem e que essas duas ordens representam dois termos contrários no seio de uma mesma dimensão. Suponhamos também que a idéia da desordem surja em nosso espírito todas as vezes em que, enquanto buscamos uma dessa ordens, encontramos a outra. A idéia da desordem (…) objetivaria por comodidade de linguagem, a desilusão de um espírito que se encontra diante de uma ordem diversa daquela de que carece”.[8]

Ora, o que Bergson aborda é a possibilidade de que não exista uma ordem pura, ou seja, que uma ordem dominante não está isenta nem descontaminada de uma outra ordem, potencialmente existente, que concorre com ela e ao mesmo tempo a integra. A própria ordem jurídica, com as suas contradições, expressa essa ” coerência incoerente”, onde a lei freqüentemente pode arremeter em dois sentidos: onde a lei torna-se propositalmente vaga; onde a norma constitucional carece de regulamentação porque foi feita com uma mediação de tensões sociais; ou quando a lei sendo politicamente inaplicável torna-se juridicamente inaplicável (juros máximos de 1% ao mês, p. ex.). Mas todas são normas que surgiram com vistas e elidir, submeter ou contornar, os conflitos sociais pela sua inclusão no mundo do Direito formal.

A contradição mais evidente que sugere as “ordens concorrentes” é a que aflora entre certos princípios constitucionais de defesa da dignidade humana e sua especificação via lei ordinária, que os anula ou reduz radicalmente o seu alcance.

O direito alternativo não é, pois, o não-direito, muito menos um direito inventado ou simplesmente intuído na tradição do bom Juiz Magnaud. Ele é sempre a melhor possibilidade de um sistema jurídico, dada pelos conflitos sociais e individuais que o geraram, pela sua história e pela cultura da sociedade em que ele emerge. Não é o arbítrio do indivíduo-juiz, nem sua simples vontade política perante a crise de um sistema; mas é um ato de construção e desenvolvimento de valores que já estão postos pela história de afirmação da liberdade humana, do direito à vida, da luta pela repartição do produto social, pela redução da desigualdade e pela defesa do futuro do homem, preservando-lhe o ambiente e a natureza.

A experiência jurídica dos povos demonstra que, quanto mais apegado ao normativismo mecanicista e ao legalismo “puro”, mais servil é o jurista ou o juiz perante os poderosos e mais sobranceiro e enérgico ele é perante os pobres e socialmente fracos. Seu amor à Constituição e à lei é, na verdade, o amor e o respeito aos privilégios que o sistema pode garantir. Afinal, quem esqueceu o papel de grande parte dos juristas e dos Juizes na época do nosso Regime Militar? Quem foram os redatores dos atos Institucionais, os Ministros da Justiça, na época em que nos porões do regime torturava-se e matava-se impunemente? Deles não se exigiria os suicídio ou a renúncia, mas é humano pensar que muitos poderiam ser chaves na surda resistência política e moral que estimulou a maioria dos homens mentalmente livres deste país.
O jovem Gramsci, nos seus “Escritos”(1914-1918) tem certeiras afirmativas a respeito do movimento dialético de configuração de uma nova ordem, quando se refere ao iluminismo: “Os revolucionários de 1789 não previam a ordem capitalista. Queriam realizar os direitos do homem, queriam que fossem reconhecidos aos componentes da coletividade determinados direitos. (…) O capitalismo é, em sua essência histórica, burguês: na realidade, é uma superestrutura burguesa, é a forma concreta assumida pelo desenvolvimento econômico algum tempo depois da afirmação do poder político da nova classe, pelo esforço para plantar de modo cada vez mais sólido as suas raízes no mundo (…) Os núcleos econômicos, potencialmente capitalistas, surgidos antes de 1789, foram - por causa do mal-estar em que viviam sufocados pelo restante organismo feudal - as primeiras cunhas que destroçaram o feudalismo”.[9]

Plantar de modo cada vez mais sólido as suas raízes no mundo“. Este direito não é apenas o direito de uma classe, eis o ponto de partida do direito alternativo. Talvez, da constatação de Gramsci, possa emergir o artigo l.º de uma nova ordem constitucional, onde os sujeitos humanos possam desenhar o mundo segundo uma utopia concreta- o lugar (ainda) não existente: Art.1º: Todo homem tem direito de plantar de modo cada vez mais sólido as suas raízes no mundo”.
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[1] WALLERSTEIN, Immanuel. O Capitalismo Histórico, Brasiliense, 1985, São Paulo, p.67.

[2] VÁSQUEZ, Jorge Rendón,. El Derecho como Norma Y como Relación social, Editorial Tárpuy AS, Lima,Peru,1989.

[3] BULTÉ, DR. Julio Fernández, La Legalidad Socialista, in Politica, Ideologia y derecho, Editorial de Ciências sociales, La Habana, 1965, p. 42.

[4] TEMER, MICHEL. Elementos de Direito Constitucional, Editora Revista dos tribunais, 5ª edição, São Paulo, 1989,p.25.

[5] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria da Constituição, Resenha Universitária, São Paulo, p.54.

[6] WEBER, Max,. Textos selecionados, in Os Pensadores, Abril Cultural, Ed. Victor Civita, 1980, 2ª edição, p. 162.

[7] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o Governo, in Os Pensadores, Abril cultural, Editor Victor Civita, 1978, p. 130.

[8] H. BERGSON, L’evolution créatice, Paris, 1907, p.242, in Os Pensadores. Abril cultural, Editor Victor civita.

[9] BALADONI, Nicola. Gramsci: a filosofia da práxis como previsão, in História do Marxismo, Paz e Terra, vol.X, 1987, Rio de Janeiro, p. 16.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE BARACK OBAMA NO CAIRO

sexta-feira, 5 de junho de 2009 | 5:08

I am honored to be in the timeless city of Cairo, and to be hosted by two remarkable institutions. For over a thousand years, Al-Azhar has stood as a beacon of Islamic learning, and for over a century, Cairo University has been a source of Egypt’s advancement. Together, you represent the harmony between tradition and progress. I am grateful for your hospitality, and the hospitality of the people of Egypt. I am also proud to carry with me the goodwill of the American people, and a greeting of peace from Muslim communities in my country: assalaamu alaykum.

We meet at a time of tension between the United States and Muslims around the world – tension rooted in historical forces that go beyond any current policy debate. The relationship between Islam and the West includes centuries of co-existence and cooperation, but also conflict and religious wars. More recently, tension has been fed by colonialism that denied rights and opportunities to many Muslims, and a Cold War in which Muslim-majority countries were too often treated as proxies without regard to their own aspirations. Moreover, the sweeping change brought by modernity and globalization led many Muslims to view the West as hostile to the traditions of Islam.

Violent extremists have exploited these tensions in a small but potent minority of Muslims. The attacks of September 11th, 2001 and the continued efforts of these extremists to engage in violence against civilians has led some in my country to view Islam as inevitably hostile not only to America and Western countries, but also to human rights. This has bred more fear and mistrust.

So long as our relationship is defined by our differences, we will empower those who sow hatred rather than peace, and who promote conflict rather than the cooperation that can help all of our people achieve justice and prosperity. This cycle of suspicion and discord must end.

I have come here to seek a new beginning between the United States and Muslims around the world; one based upon mutual interest and mutual respect; and one based upon the truth that America and Islam are not exclusive, and need not be in competition. Instead, they overlap, and share common principles – principles of justice and progress; tolerance and the dignity of all human beings.

I do so recognizing that change cannot happen overnight. No single speech can eradicate years of mistrust, nor can I answer in the time that I have all the complex questions that brought us to this point. But I am convinced that in order to move forward, we must say openly the things we hold in our hearts, and that too often are said only behind closed doors. There must be a sustained effort to listen to each other; to learn from each other; to respect one another; and to seek common ground. As the Holy Koran tells us, “Be conscious of God and speak always the truth.” That is what I will try to do – to speak the truth as best I can, humbled by the task before us, and firm in my belief that the interests we share as human beings are far more powerful than the forces that drive us apart.

Part of this conviction is rooted in my own experience. I am a Christian, but my father came from a Kenyan family that includes generations of Muslims. As a boy, I spent several years in Indonesia and heard the call of the azaan at the break of dawn and the fall of dusk. As a young man, I worked in Chicago communities where many found dignity and peace in their Muslim faith.

As a student of history, I also know civilization’s debt to Islam. It was Islam – at places like Al-Azhar University – that carried the light of learning through so many centuries, paving the way for Europe’s Renaissance and Enlightenment. It was innovation in Muslim communities that developed the order of algebra; our magnetic compass and tools of navigation; our mastery of pens and printing; our understanding of how disease spreads and how it can be healed. Islamic culture has given us majestic arches and soaring spires; timeless poetry and cherished music; elegant calligraphy and places of peaceful contemplation. And throughout history, Islam has demonstrated through words and deeds the possibilities of religious tolerance and racial equality.

I know, too, that Islam has always been a part of America’s story. The first nation to recognize my country was Morocco. In signing the Treaty of Tripoli in 1796, our second President John Adams wrote, “The United States has in itself no character of enmity against the laws, religion or tranquility of Muslims.” And since our founding, American Muslims have enriched the United States. They have fought in our wars, served in government, stood for civil rights, started businesses, taught at our Universities, excelled in our sports arenas, won Nobel Prizes, built our tallest building, and lit the Olympic Torch. And when the first Muslim-American was recently elected to Congress, he took the oath to defend our Constitution using the same Holy Koran that one of our Founding Fathers – Thomas Jefferson – kept in his personal library.

So I have known Islam on three continents before coming to the region where it was first revealed. That experience guides my conviction that partnership between America and Islam must be based on what Islam is, not what it isn’t. And I consider it part of my responsibility as President of the United States to fight against negative stereotypes of Islam wherever they appear.

But that same principle must apply to Muslim perceptions of America. Just as Muslims do not fit a crude stereotype, America is not the crude stereotype of a self-interested empire. The United States has been one of the greatest sources of progress that the world has ever known. We were born out of revolution against an empire. We were founded upon the ideal that all are created equal, and we have shed blood and struggled for centuries to give meaning to those words – within our borders, and around the world. We are shaped by every culture, drawn from every end of the Earth, and dedicated to a simple concept: E pluribus unum: “Out of many, one.”

Much has been made of the fact that an African-American with the name Barack Hussein Obama could be elected President. But my personal story is not so unique. The dream of opportunity for all people has not come true for everyone in America, but its promise exists for all who come to our shores – that includes nearly seven million American Muslims in our country today who enjoy incomes and education that are higher than average.

Moreover, freedom in America is indivisible from the freedom to practice one’s religion. That is why there is a mosque in every state of our union, and over 1,200 mosques within our borders. That is why the U.S. government has gone to court to protect the right of women and girls to wear the hijab, and to punish those who would deny it.

So let there be no doubt: Islam is a part of America. And I believe that America holds within her the truth that regardless of race, religion, or station in life, all of us share common aspirations – to live in peace and security; to get an education and to work with dignity; to love our families, our communities, and our God. These things we share. This is the hope of all humanity.

Of course, recognizing our common humanity is only the beginning of our task. Words alone cannot meet the needs of our people. These needs will be met only if we act boldly in the years ahead; and if we understand that the challenges we face are shared, and our failure to meet them will hurt us all.

For we have learned from recent experience that when a financial system weakens in one country, prosperity is hurt everywhere. When a new flu infects one human being, all are at risk. When one nation pursues a nuclear weapon, the risk of nuclear attack rises for all nations. When violent extremists operate in one stretch of mountains, people are endangered across an ocean. And when innocents in Bosnia and Darfur are slaughtered, that is a stain on our collective conscience. That is what it means to share this world in the 21st century. That is the responsibility we have to one another as human beings.

This is a difficult responsibility to embrace. For human history has often been a record of nations and tribes subjugating one another to serve their own interests. Yet in this new age, such attitudes are self-defeating. Given our interdependence, any world order that elevates one nation or group of people over another will inevitably fail. So whatever we think of the past, we must not be prisoners of it. Our problems must be dealt with through partnership; progress must be shared.

That does not mean we should ignore sources of tension. Indeed, it suggests the opposite: we must face these tensions squarely. And so in that spirit, let me speak as clearly and plainly as I can about some specific issues that I believe we must finally confront together.

The first issue that we have to confront is violent extremism in all of its forms.

In Ankara, I made clear that America is not – and never will be – at war with Islam. We will, however, relentlessly confront violent extremists who pose a grave threat to our security. Because we reject the same thing that people of all faiths reject: the killing of innocent men, women, and children. And it is my first duty as President to protect the American people.

The situation in Afghanistan demonstrates America’s goals, and our need to work together. Over seven years ago, the United States pursued al Qaeda and the Taliban with broad international support. We did not go by choice, we went because of necessity. I am aware that some question or justify the events of 9/11. But let us be clear: al Qaeda killed nearly 3,000 people on that day. The victims were innocent men, women and children from America and many other nations who had done nothing to harm anybody. And yet Al Qaeda chose to ruthlessly murder these people, claimed credit for the attack, and even now states their determination to kill on a massive scale. They have affiliates in many countries and are trying to expand their reach. These are not opinions to be debated; these are facts to be dealt with.

Make no mistake: we do not want to keep our troops in Afghanistan. We seek no military bases there. It is agonizing for America to lose our young men and women. It is costly and politically difficult to continue this conflict. We would gladly bring every single one of our troops home if we could be confident that there were not violent extremists in Afghanistan and Pakistan determined to kill as many Americans as they possibly can. But that is not yet the case.

That’s why we’re partnering with a coalition of forty-six countries. And despite the costs involved, America’s commitment will not weaken. Indeed, none of us should tolerate these extremists. They have killed in many countries. They have killed people of different faiths – more than any other, they have killed Muslims. Their actions are irreconcilable with the rights of human beings, the progress of nations, and with Islam. The Holy Koran teaches that whoever kills an innocent, it is as if he has killed all mankind; and whoever saves a person, it is as if he has saved all mankind. The enduring faith of over a billion people is so much bigger than the narrow hatred of a few. Islam is not part of the problem in combating violent extremism – it is an important part of promoting peace.

We also know that military power alone is not going to solve the problems in Afghanistan and Pakistan. That is why we plan to invest $1.5 billion each year over the next five years to partner with Pakistanis to build schools and hospitals, roads and businesses, and hundreds of millions to help those who have been displaced. And that is why we are providing more than $2.8 billion to help Afghans develop their economy and deliver services that people depend upon.

Let me also address the issue of Iraq. Unlike Afghanistan, Iraq was a war of choice that provoked strong differences in my country and around the world. Although I believe that the Iraqi people are ultimately better off without the tyranny of Saddam Hussein, I also believe that events in Iraq have reminded America of the need to use diplomacy and build international consensus to resolve our problems whenever possible. Indeed, we can recall the words of Thomas Jefferson, who said: “I hope that our wisdom will grow with our power, and teach us that the less we use our power the greater it will be.”

Today, America has a dual responsibility: to help Iraq forge a better future – and to leave Iraq to Iraqis. I have made it clear to the Iraqi people that we pursue no bases, and no claim on their territory or resources. Iraq’s sovereignty is its own. That is why I ordered the removal of our combat brigades by next August. That is why we will honor our agreement with Iraq’s democratically-elected government to remove combat troops from Iraqi cities by July, and to remove all our troops from Iraq by 2012. We will help Iraq train its Security Forces and develop its economy. But we will support a secure and united Iraq as a partner, and never as a patron.

And finally, just as America can never tolerate violence by extremists, we must never alter our principles. 9/11 was an enormous trauma to our country. The fear and anger that it provoked was understandable, but in some cases, it led us to act contrary to our ideals. We are taking concrete actions to change course. I have unequivocally prohibited the use of torture by the United States, and I have ordered the prison at Guantanamo Bay closed by early next year.

So America will defend itself respectful of the sovereignty of nations and the rule of law. And we will do so in partnership with Muslim communities which are also threatened. The sooner the extremists are isolated and unwelcome in Muslim communities, the sooner we will all be safer.

The second major source of tension that we need to discuss is the situation between Israelis, Palestinians and the Arab world.

America’s strong bonds with Israel are well known. This bond is unbreakable. It is based upon cultural and historical ties, and the recognition that the aspiration for a Jewish homeland is rooted in a tragic history that cannot be denied.

Around the world, the Jewish people were persecuted for centuries, and anti-Semitism in Europe culminated in an unprecedented Holocaust. Tomorrow, I will visit Buchenwald, which was part of a network of camps where Jews were enslaved, tortured, shot and gassed to death by the Third Reich. Six million Jews were killed – more than the entire Jewish population of Israel today. Denying that fact is baseless, ignorant, and hateful. Threatening Israel with destruction – or repeating vile stereotypes about Jews – is deeply wrong, and only serves to evoke in the minds of Israelis this most painful of memories while preventing the peace that the people of this region deserve.

On the other hand, it is also undeniable that the Palestinian people – Muslims and Christians – have suffered in pursuit of a homeland. For more than sixty years they have endured the pain of dislocation. Many wait in refugee camps in the West Bank, Gaza, and neighboring lands for a life of peace and security that they have never been able to lead. They endure the daily humiliations – large and small – that come with occupation. So let there be no doubt: the situation for the Palestinian people is intolerable. America will not turn our backs on the legitimate Palestinian aspiration for dignity, opportunity, and a state of their own.

For decades, there has been a stalemate: two peoples with legitimate aspirations, each with a painful history that makes compromise elusive. It is easy to point fingers – for Palestinians to point to the displacement brought by Israel’s founding, and for Israelis to point to the constant hostility and attacks throughout its history from within its borders as well as beyond. But if we see this conflict only from one side or the other, then we will be blind to the truth: the only resolution is for the aspirations of both sides to be met through two states, where Israelis and Palestinians each live in peace and security.

That is in Israel’s interest, Palestine’s interest, America’s interest, and the world’s interest. That is why I intend to personally pursue this outcome with all the patience that the task requires. The obligations that the parties have agreed to under the Road Map are clear. For peace to come, it is time for them – and all of us – to live up to our responsibilities.

Palestinians must abandon violence. Resistance through violence and killing is wrong and does not succeed. For centuries, black people in America suffered the lash of the whip as slaves and the humiliation of segregation. But it was not violence that won full and equal rights. It was a peaceful and determined insistence upon the ideals at the center of America’s founding. This same story can be told by people from South Africa to South Asia; from Eastern Europe to Indonesia. It’s a story with a simple truth: that violence is a dead end. It is a sign of neither courage nor power to shoot rockets at sleeping children, or to blow up old women on a bus. That is not how moral authority is claimed; that is how it is surrendered.

Now is the time for Palestinians to focus on what they can build. The Palestinian Authority must develop its capacity to govern, with institutions that serve the needs of its people. Hamas does have support among some Palestinians, but they also have responsibilities. To play a role in fulfilling Palestinian aspirations, and to unify the Palestinian people, Hamas must put an end to violence, recognize past agreements, and recognize Israel’s right to exist.

At the same time, Israelis must acknowledge that just as Israel’s right to exist cannot be denied, neither can Palestine’s. The United States does not accept the legitimacy of continued Israeli settlements. This construction violates previous agreements and undermines efforts to achieve peace. It is time for these settlements to stop.

Israel must also live up to its obligations to ensure that Palestinians can live, and work, and develop their society. And just as it devastates Palestinian families, the continuing humanitarian crisis in Gaza does not serve Israel’s security; neither does the continuing lack of opportunity in the West Bank. Progress in the daily lives of the Palestinian people must be part of a road to peace, and Israel must take concrete steps to enable such progress.

Finally, the Arab States must recognize that the Arab Peace Initiative was an important beginning, but not the end of their responsibilities. The Arab-Israeli conflict should no longer be used to distract the people of Arab nations from other problems. Instead, it must be a cause for action to help the Palestinian people develop the institutions that will sustain their state; to recognize Israel’s legitimacy; and to choose progress over a self-defeating focus on the past.

America will align our policies with those who pursue peace, and say in public what we say in private to Israelis and Palestinians and Arabs. We cannot impose peace. But privately, many Muslims recognize that Israel will not go away. Likewise, many Israelis recognize the need for a Palestinian state. It is time for us to act on what everyone knows to be true.

Too many tears have flowed. Too much blood has been shed. All of us have a responsibility to work for the day when the mothers of Israelis and Palestinians can see their children grow up without fear; when the Holy Land of three great faiths is the place of peace that God intended it to be; when Jerusalem is a secure and lasting home for Jews and Christians and Muslims, and a place for all of the children of Abraham to mingle peacefully together as in the story of Isra, when Moses, Jesus, and Mohammed (peace be upon them) joined in prayer.

The third source of tension is our shared interest in the rights and responsibilities of nations on nuclear weapons.

This issue has been a source of tension between the United States and the Islamic Republic of Iran. For many years, Iran has defined itself in part by its opposition to my country, and there is indeed a tumultuous history between us. In the middle of the Cold War, the United States played a role in the overthrow of a democratically-elected Iranian government. Since the Islamic Revolution, Iran has played a role in acts of hostage-taking and violence against U.S. troops and civilians. This history is well known. Rather than remain trapped in the past, I have made it clear to Iran’s leaders and people that my country is prepared to move forward. The question, now, is not what Iran is against, but rather what future it wants to build.

It will be hard to overcome decades of mistrust, but we will proceed with courage, rectitude and resolve. There will be many issues to discuss between our two countries, and we are willing to move forward without preconditions on the basis of mutual respect. But it is clear to all concerned that when it comes to nuclear weapons, we have reached a decisive point. This is not simply about America’s interests. It is about preventing a nuclear arms race in the Middle East that could lead this region and the world down a hugely dangerous path.

I understand those who protest that some countries have weapons that others do not. No single nation should pick and choose which nations hold nuclear weapons. That is why I strongly reaffirmed America’s commitment to seek a world in which no nations hold nuclear weapons. And any nation – including Iran – should have the right to access peaceful nuclear power if it complies with its responsibilities under the nuclear Non-Proliferation Treaty. That commitment is at the core of the Treaty, and it must be kept for all who fully abide by it. And I am hopeful that all countries in the region can share in this goal.

The fourth issue that I will address is democracy.

I know there has been controversy about the promotion of democracy in recent years, and much of this controversy is connected to the war in Iraq. So let me be clear: no system of government can or should be imposed upon one nation by any other.

That does not lessen my commitment, however, to governments that reflect the will of the people. Each nation gives life to this principle in its own way, grounded in the traditions of its own people. America does not presume to know what is best for everyone, just as we would not presume to pick the outcome of a peaceful election. But I do have an unyielding belief that all people yearn for certain things: the ability to speak your mind and have a say in how you are governed; confidence in the rule of law and the equal administration of justice; government that is transparent and doesn’t steal from the people; the freedom to live as you choose. Those are not just American ideas, they are human rights, and that is why we will support them everywhere.

There is no straight line to realize this promise. But this much is clear: governments that protect these rights are ultimately more stable, successful and secure. Suppressing ideas never succeeds in making them go away. America respects the right of all peaceful and law-abiding voices to be heard around the world, even if we disagree with them. And we will welcome all elected, peaceful governments – provided they govern with respect for all their people.

This last point is important because there are some who advocate for democracy only when they are out of power; once in power, they are ruthless in suppressing the rights of others. No matter where it takes hold, government of the people and by the people sets a single standard for all who hold power: you must maintain your power through consent, not coercion; you must respect the rights of minorities, and participate with a spirit of tolerance and compromise; you must place the interests of your people and the legitimate workings of the political process above your party. Without these ingredients, elections alone do not make true democracy.

The fifth issue that we must address together is religious freedom.

Islam has a proud tradition of tolerance. We see it in the history of Andalusia and Cordoba during the Inquisition. I saw it firsthand as a child in Indonesia, where devout Christians worshiped freely in an overwhelmingly Muslim country. That is the spirit we need today. People in every country should be free to choose and live their faith based upon the persuasion of the mind, heart, and soul. This tolerance is essential for religion to thrive, but it is being challenged in many different ways.

Among some Muslims, there is a disturbing tendency to measure one’s own faith by the rejection of another’s. The richness of religious diversity must be upheld – whether it is for Maronites in Lebanon or the Copts in Egypt. And fault lines must be closed among Muslims as well, as the divisions between Sunni and Shia have led to tragic violence, particularly in Iraq.

Freedom of religion is central to the ability of peoples to live together. We must always examine the ways in which we protect it. For instance, in the United States, rules on charitable giving have made it harder for Muslims to fulfill their religious obligation. That is why I am committed to working with American Muslims to ensure that they can fulfill zakat.

Likewise, it is important for Western countries to avoid impeding Muslim citizens from practicing religion as they see fit – for instance, by dictating what clothes a Muslim woman should wear. We cannot disguise hostility towards any religion behind the pretence of liberalism.

Indeed, faith should bring us together. That is why we are forging service projects in America that bring together Christians, Muslims, and Jews. That is why we welcome efforts like Saudi Arabian King Abdullah’s Interfaith dialogue and Turkey’s leadership in the Alliance of Civilizations. Around the world, we can turn dialogue into Interfaith service, so bridges between peoples lead to action – whether it is combating malaria in Africa, or providing relief after a natural disaster.

The sixth issue that I want to address is women’s rights.

I know there is debate about this issue. I reject the view of some in the West that a woman who chooses to cover her hair is somehow less equal, but I do believe that a woman who is denied an education is denied equality. And it is no coincidence that countries where women are well-educated are far more likely to be prosperous.

Now let me be clear: issues of women’s equality are by no means simply an issue for Islam. In Turkey, Pakistan, Bangladesh and Indonesia, we have seen Muslim-majority countries elect a woman to lead. Meanwhile, the struggle for women’s equality continues in many aspects of American life, and in countries around the world.

Our daughters can contribute just as much to society as our sons, and our common prosperity will be advanced by allowing all humanity – men and women – to reach their full potential. I do not believe that women must make the same choices as men in order to be equal, and I respect those women who choose to live their lives in traditional roles. But it should be their choice. That is why the United States will partner with any Muslim-majority country to support expanded literacy for girls, and to help young women pursue employment through micro-financing that helps people live their dreams.

Finally, I want to discuss economic development and opportunity.

I know that for many, the face of globalization is contradictory. The Internet and television can bring knowledge and information, but also offensive sexuality and mindless violence. Trade can bring new wealth and opportunities, but also huge disruptions and changing communities. In all nations – including my own – this change can bring fear. Fear that because of modernity we will lose of control over our economic choices, our politics, and most importantly our identities – those things we most cherish about our communities, our families, our traditions, and our faith.

But I also know that human progress cannot be denied. There need not be contradiction between development and tradition. Countries like Japan and South Korea grew their economies while maintaining distinct cultures. The same is true for the astonishing progress within Muslim-majority countries from Kuala Lumpur to Dubai. In ancient times and in our times, Muslim communities have been at the forefront of innovation and education.

This is important because no development strategy can be based only upon what comes out of the ground, nor can it be sustained while young people are out of work. Many Gulf States have enjoyed great wealth as a consequence of oil, and some are beginning to focus it on broader development. But all of us must recognize that education and innovation will be the currency of the 21st century, and in too many Muslim communities there remains underinvestment in these areas. I am emphasizing such investments within my country. And while America in the past has focused on oil and gas in this part of the world, we now seek a broader engagement.

On education, we will expand exchange programs, and increase scholarships, like the one that brought my father to America, while encouraging more Americans to study in Muslim communities. And we will match promising Muslim students with internships in America; invest in on-line learning for teachers and children around the world; and create a new online network, so a teenager in Kansas can communicate instantly with a teenager in Cairo.

On economic development, we will create a new corps of business volunteers to partner with counterparts in Muslim-majority countries. And I will host a Summit on Entrepreneurship this year to identify how we can deepen ties between business leaders, foundations and social entrepreneurs in the United States and Muslim communities around the world.

On science and technology, we will launch a new fund to support technological development in Muslim-majority countries, and to help transfer ideas to the marketplace so they can create jobs. We will open centers of scientific excellence in Africa, the Middle East and Southeast Asia, and appoint new Science Envoys to collaborate on programs that develop new sources of energy, create green jobs, digitize records, clean water, and grow new crops. And today I am announcing a new global effort with the Organization of the Islamic Conference to eradicate polio. And we will also expand partnerships with Muslim communities to promote child and maternal health.

All these things must be done in partnership. Americans are ready to join with citizens and governments; community organizations, religious leaders, and businesses in Muslim communities around the world to help our people pursue a better life.

The issues that I have described will not be easy to address. But we have a responsibility to join together on behalf of the world we seek – a world where extremists no longer threaten our people, and American troops have come home; a world where Israelis and Palestinians are each secure in a state of their own, and nuclear energy is used for peaceful purposes; a world where governments serve their citizens, and the rights of all God’s children are respected. Those are mutual interests. That is the world we seek. But we can only achieve it together.

I know there are many – Muslim and non-Muslim – who question whether we can forge this new beginning. Some are eager to stoke the flames of division, and to stand in the way of progress. Some suggest that it isn’t worth the effort – that we are fated to disagree, and civilizations are doomed to clash. Many more are simply skeptical that real change can occur. There is so much fear, so much mistrust. But if we choose to be bound by the past, we will never move forward. And I want to particularly say this to young people of every faith, in every country – you, more than anyone, have the ability to remake this world.

All of us share this world for but a brief moment in time. The question is whether we spend that time focused on what pushes us apart, or whether we commit ourselves to an effort – a sustained effort – to find common ground, to focus on the future we seek for our children, and to respect the dignity of all human beings.

It is easier to start wars than to end them. It is easier to blame others than to look inward; to see what is different about someone than to find the things we share. But we should choose the right path, not just the easy path. There is also one rule that lies at the heart of every religion – that we do unto others as we would have them do unto us. This truth transcends nations and peoples – a belief that isn’t new; that isn’t black or white or brown; that isn’t Christian, or Muslim or Jew. It’s a belief that pulsed in the cradle of civilization, and that still beats in the heart of billions. It’s a faith in other people, and it’s what brought me here today.

We have the power to make the world we seek, but only if we have the courage to make a new beginning, keeping in mind what has been written.

The Holy Koran tells us, “O mankind! We have created you male and a female; and we have made you into nations and tribes so that you may know one another.”

The Talmud tells us: “The whole of the Torah is for the purpose of promoting peace.”

The Holy Bible tells us, “Blessed are the peacemakers, for they shall be called sons of God.”

The people of the world can live together in peace. We know that is God’s vision. Now, that must be our work here on Earth. Thank you. And may God’s peace be upon you.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DO ESTATUTO DO HAMAS

sexta-feira, 5 de junho de 2009 | 5:06

(traduzido pela Organização Sionista Unificada do Brasil)

Nota: esta é a tradução literal do Estatuto (Carta) de fundação Hamas, tornada pública em 1988 e amplamente divulgada pelos sites palestinos oficiais como. Esta tradução foi realizada a partir do original em árabe - http://www.islamonline.net/Arabic/doc/2004/03/article11.SHTML - e não de traduções para o inglês.

Estatuto do Hamas (1)

Em nome de Alá, o Misericordioso e Piedoso

Palestina, 1º de Muharram de 1409 AH/ 18 DE AGOSTO DE 1988

Em nome de Alá, o Misericordioso e Piedoso

Sois (palestinos) a melhor nação surgida na face da terra. Fazei o bem e proibis o mal, e credes em Alá. Se somente os povos do Livro (i.e., judeus) tivessem crido, teria sido melhor para eles. Alguns deles crêem, mas a maioria deles é iníqua. Nunca serão capazes de nos causar sério mal, serão apenas uns incômodos. Se vos atacarem, acabarão virando as costas e fugirão, e não serão socorridos. Humilhação é a sina deles, onde possam se encontrar, exceto se forem salvos por meio de um compromisso com Alá ou por um compromisso com os homens. Recaiu sobre eles a ira de Alá, e a sina deles é a desgraça, porque recusaram as indicações de Alá e erradamente mataram os profetas, e por serem desobedientes e transgressores (Alcorão, 3:110-112)

Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer, como fez desaparecer a todos aqueles que existiram anteriormente a ele. (segundo palavras do mártir, Iman Hasan al-Banna, com a graça de Alá) (2)

O mundo islâmico se encontra em chamas, e cada um de vós deveis, e todos nós devemos, jogar água, mesmo que seja um pouquinho, para fazer extinguir o que pode ser extinto, sem esperar pelos outros. (das palavras de Sheik Amjad Al-Zahawi, que receba as graças de Alá.) (3)

Em nome de Alá, o Misericordioso e Piedoso

Preâmbulo

Louvado seja Alá. Buscamos Sua ajuda, pedimos Seu perdão, pedimos Sua orientação, e Nele confiamos. Que a paz e as orações se dirijam a Seu Mensageiro, seus familiares e companheiros, e a todos os que lhe são leais e levam a sua mensagem e seguem sua sunna (os costumes do Profeta). Que as orações e a paz lhes sejam dirigidas para todo o sempre, enquanto existirem o céu e a terra.

Oh! Povo, em meio aos nossos grandes problemas e profundos sofrimentos, e dos sofridos corações e braços dos crentes, purificados pelas orações, independente do dever, e em resposta às determinações de Alá – donde emana o chamamento (de nosso Movimento) e o encontro e reunião (de forças), e de onde decorre a educação de acordo com os caminhos de Alá e uma decidida vontade de levar adiante os objetivos (do Movimento) em nossas vidas, ultrapassando todos os obstáculos e sobrepujando as dificuldades da jornada. Daí decorre, também, a permanente prontidão (e também) estardes preparados para o sacrifício da vida de cada um e de todos vós pela causa de Alá.

.

Então a semente brota e (o movimento) começa a se mover adiante através de mares tempestuosos de desejos e esperanças, sonhos e aspirações, perigos e obstáculos, sofrimentos e desafios, tanto locais (na Palestina) como afora.

Quando a idéia desabrocha e a semente cresce, e a planta lança suas raízes no terreno da realidade, longe das emoções fugidias e impetuosidades impróprias, então o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) (4) estará apto a desempenhar sua missão, marchando em frente pela causa de Alá, (assim fazendo, Hamas) junta suas forças com aqueles que lutam a Guerra Santa (jihad) pela libertação da Palestina. (5). As almas dos combatentes da Jihad encontrarão as almas de todos os guerreiros santos que sacrificaram suas vidas pela terra da Palestina, desde o tempo em que os companheiros do Profeta a conquistaram, até o presente.

Por este Pacto, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) mostra a sua cara, apresenta sua identidade, clarifica sua posição, esclarece suas aspirações, discute suas esperanças, e conclama pelo apoio e suporte, e para que se juntem às suas fileiras, porque nossa luta contra os judeus é muito longa e muito séria, e exige todos os esforços sinceros. É um passo dado que deve ser seguido por outros passos; é uma brigada que deve ser reforçada por outras brigadas e mais outras brigadas deste vasto mundo islâmico, até que o inimigo seja derrotado e a vitória de Alá triunfe.

É assim que vemos o futuro chegando no horizonte. “E depois de algum tempo, sabereis” (Alcorão 38-88)

Alá escreveu: Eu e Meu Mensageiro predominaremos. Alá é Forte e Poderoso” (Alcorão 58-21)

“Dizei: Este é o meu caminho. Chamo Alá com toda certeza, eu e aqueles que me seguem, e que a glória seja para Alá, não me encontro entre os politeístas”. (Alcorão 12-108)

Capítulo I

Introdução às Premissas Ideológicas do Movimento

Art. 1º O Movimento de Resistência Islâmica é o caminho. É do Islã que derivam suas idéias, conceitos e percepções a respeito do universo, da vida, e do homem, e todas as suas ações levam em conta o julgamento do Islã. É do Islã que busca orientação bem como guia de seus passos.

O Relacionamento do Movimento de Resistência Islâmica e a Fraternidade Muçulmana

Art. 2º O Movimento de Resistência Islâmica é um dos ramos da Fraternidade Muçulmana na Palestina. A Fraternidade Muçulmana é uma organização global (universal) e é o maior movimento islâmico nos tempos modernos. Ela se distingue por seu profundo entendimento e sua precisão conceitual e pelo fato de englobar a totalidade dos conceitos islâmicos em todos os aspectos da vida, em idéias e crença, na política e na economia, na educação e assuntos sociais, em matérias judiciais e em matérias de governo, na pregação e no ensino, na arte e nas comunicações, no que deve ser secreto e no que deve ser transparente, bem como em todas as áreas da vida.

Estrutura e Formação

Art. 3º O Movimento de Resistência Islâmica é constituído por muçulmanos dedicados a Alá e que a Ele servem, como Ele merece ser servido. “Eu não criei demônios e homens senão para servir-Me” (Alcorão 51:56).

(Tais muçulmanos) reconhecem seus deveres para consigo mesmos, suas famílias e sua pátria, temendo a Alá em tudo. Eles fizeram levantar a bandeira da jihad diante dos opressores a fim de livrar a terra e os crentes de suas depravações, impurezas e maldades. “Atiramos a verdade contra a falsidade e arrebentamos a cabeça dela e, vedes, ela desaparece.” (Alcorão 21:18).

Art. 4º O Movimento de Resistência Islâmica considera bem-vindo todo muçulmano que abrace seu credo, adote sua ideologia, se compromete a seguir seu caminho, manter seus segredos e que deseje juntar-se às suas fileiras a fim de levar a cabo seu dever, e tendo Alá como recompensa.

O Movimento de Resistência Islâmica – Dimensões de Tempo e Espaço

Art. 5º A dimensão temporal do Movimento de Resistência Islâmica – em vista do fato de ter adotado o Islã como seu modo de vida – regride ao nascimento da mensagem islâmica e aos primeiros crentes e justos; Alá é o seu objetivo, o Profeta é o exemplo a ser seguido e o Alcorão sua Constituição.

Sua dimensão espacial: onde houver muçulmanos que abracem o islã como seu modo de vida, em todos os confins terrestres. Assim, (o Hamas) lança as suas raízes bem fundo no solo, e a planta se levanta para abraçar os céus.

“Não vedes como Alá nos deu uma parábola? Uma palavra boa é como uma boa árvore; suas raízes são firmes e seus galhos se elevam aos céus. Ela sempre proporciona seus frutos no tempo certo, de acordo com a vontade de Deus. Alá recita parábolas aos homens para que tomem os devidos cuidados”. (Alcorão, 14;24/25)

Diferenciação e Independência

Art.6º O Movimento de Resistência Islâmica é um movimento palestino distinto, que é leal a Alá, adota o Islã como modo de vida e se dedica a levantar a bandeira de Alá sobre cada centímetro da Palestina. Sob as asas do Islã, seguidores de outras religiões podem todos viver salvos e seguros em suas vidas, propriedades e direitos; porque na ausência do Islã, a discórdia surge, a injustiça se espalha, a corrupção brota, e acabam existindo conflitos e guerras. Alá abençoe o poeta muçulmano Muhammed Iqbal (6) que disse:

Quando a fé vai embora, não há salvação.

Não há vida para quem não possui uma religião.

Quem se acha contente em viver sem religião,

Adotou a morte como parte da vida.

A Universalidade do Movimento de Resistência Islâmica

Art. 7º Em todos os países do mundo encontram-se muçulmanos que seguem o caminho do Movimento de Resistência Islâmica, e tudo fazem para o apoiar, adotando seu posicionamento e reforçando a sua Guerra Santa (jihad). Por isso, é um Movimento universal, qualificado para esse papel devido à clareza de sua ideologia, superioridade de seus fins e sublimidade de seus objetivos. Nessas bases é que deve ser visto e avaliado, e é nessas bases que seu papel deve ser reconhecido. Quem nega os direitos do Movimento, se recusa a ajuda-lo, se mostra cego (á verdade) e se esforça para embotar seu papel – é como alguém que tenta entrar numa disputa com a predestinação (divina). Quem fecha os olhos aos fatos, intencionalmente ou não, eventualmente despertará (para ver) que foi ultrapassado pelos acontecimentos, e que o valor das provas o torna incapaz de justificar suas posições. Será dada prioridade aos que chegarem primeiro (ao Movimento). A iniqüidade de alguém da família é mais dolorosa para alma do que o golpe de uma espada afiada. (7)

Temos vos revelado a verdade do Livro, confirmando a escritura que vem diante dela e guardando-a. Fazeis o julgamento das pessoas de acordo com o que Alá revelou, e não sigais os caprichos delas, afastando-se da verdade que vos foi revelada. Para cada um de vós Alá indicou a lei e apontou um caminho. Se Alá tivesse assim desejado, faria de vos uma única nação. Entretanto Ele desejou testar-vos em tudo que vos concedeu. Assim, deveis competir uns com os outros em boas ações. Por vontade de Alá todos vós devereis retornar e, então, Ele vos revelará (a verdade) sobre as matérias nas quais vós divergis. (Alcorão 5-48)

O Movimento de Resistência Islâmica é um elo da corrente da jihad contra a invasão sionista. Acha-se conectado e vinculado ao (corajoso) levante do mártir “Izz Al-Din Al-Kassam e sua irmandade, os combatentes da jihad da Fraternidade Muçulmana no ano de 1936. Em seguida está relacionado e conectado a outro elo, a jihad dos palestinos, o empenho e a jihad da Fraternidade Muçulmana na guerra de 1948, e às operações da jihad da Fraternidade Muçulmana de 1968 em diante. Apesar de que tais ligações estejam distantes e apesar de que a continuidade da jihad foi interrompida por obstáculos colocados no caminho dos combatentes da jihad por aqueles que gravitam na órbita do sionismo, o Movimento de Resistência Islâmica aspira concretizar a promessa de Alá, não importando quanto tempo levará. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá recaiam sobre ele, disse; “A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por mata-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venha e mate-o, exceto se se tratar da árvore Gharkad, porque ela é uma árvore dos judeus.” (registrado na coleção de Hadith de Bukhari e Muslim).

O Lema do Movimento de Resistência Islâmica

Art. 8º Alá é a finalidade, o Profeta o modelo a ser seguido, o Alcorão a Constituição, a Jihad é o caminho e a morte por Alá é a sublime aspiração.

Capítulo II

Os Fins – Causas e Objetivos

Art. 9º O Movimento de Resistência Islâmica se encontra num período em que o Islã se acha ausente da vida diária. Conseqüentemente, o equilíbrio está rompido, conceitos se acham confusos, valores se acham alterados, as pessoas más galgaram o poder, a injustiça e a escuridão prevalecem, covardes se tornaram tigres, a pátria foi usurpada, o povo expulso e se encontra errante em todos os países do mundo. O governo dos justos está ausente, e prevalece o império da falsidade. Nada se acha no devido lugar. Pois, quando o Islã está ausente, tudo se acha modificado. Essas são as causas.

No que toca aos objetivos, compreendem o combate à falsidade, derrota-la e elimina-la, de forma que os justos venham a imperar. A pátria deve retornar (aos seus verdadeiros donos), e do alto das mesquitas tocará a conclamação para as orações, anunciando o surgimento do império do Islã, de maneira que as pessoas e as coisas retornem aos seus devidos lugares. De Alá buscamos o socorro.

“Se Alá não promovesse a defesa de um grupo de pessoas diante das outras, a terra, certamente, se encontraria em estado de desordem. Alá é o mais bondoso de todos os seres.” (Alcorão 2-251)

Art. 10 O Movimento de Resistência Islâmica – enquanto marcha adiante – oferece ajuda a todos os perseguidos e protege os oprimidos com toda a sua força. Não mede esforços para fazer sobressair a verdade e erradicar a mentira, tanto com palavras como com ações concretas, aqui e em qualquer lugar que possa chegar e exercer sua influência.

Capítulo III

Estratégia e Meios

A Estratégia do Movimento de Resistência Islâmica

A Palestina é um Wakf islâmico (propriedade concedida, doada)

Art. 11 O Movimento de Resistência Islâmica sustenta que a Palestina é um território de Wakf, (legado hereditário) para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição. Ninguém pode negligenciar essa terra, nem mesmo uma parte dela, nem abandoná-la, ou parte dela. Nenhum Estado Árabe, ou mesmo todos os Estados Árabes (juntos) têm o direito de faze-lo; nenhum Rei ou Presidente tem esse direito, nem tampouco todos os Reis ou Presidentes juntos, nenhuma organização, ou todas as organizações juntas – sejam elas palestinas ou árabes – têm o direito de faze-lo, porque a Palestina é território Wakf, dado para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição.

Esse é o status legal da terra da Palestina de acordo com a Lei Islâmica. A esse respeito, é igual a quaisquer outras terras que os muçulmanos tenham conquistado pela força, porque os muçulmanos a consagraram, à época da conquista, como legado hereditário para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição. Assim ocorreu quando foi completada a conquista de Al-Sha’m (8) e do Iraque, e os Comandantes dos exércitos muçulmanos enviaram mensagens ao Califa ‘Umar b. Al-Khattab, pedindo instruções a respeito das terras conquistadas – dividi-las entre as tropas ou deixa-las em mãos dos seus proprietários, ou proceder de outra forma.

Depois de discussões e consultas entre o Califa ‘Umar b. Al-Khattab e os Companheiros do Profeta, ficou decidido que as terras deveriam permanecer em mãos dos proprietários (originais) para se beneficiarem de suas colheitas, mas a terra, isto é, a terra em si, deveria constituir um Wakf, (legado hereditário) para todas as gerações de muçulmanos, até o Dia da Ressurreição. A posse dos proprietários é somente um usufruto. Esse Wakf existirá enquanto existirem os céu e a terra. Qualquer ato que não esteja de acordo com essa Lei Islâmica em relação à Palestina é nulo e revogado.”Essa é a única verdade. Por isso, Louvai o Grande Nome do Senhor.” (Alcorão 56 –95/96).

Pátria e Nacionalismo Segundo o Movimento de Resistência Islâmica

Art. 12 Nacionalismo (9), segundo o Movimento de Resistência Islâmica, é parte do credo religioso (islâmico). Não existe nada que fale mais eloqüentemente e mais profundamente de nacionalismo do que se segue quando o inimigo usurpa território muçulmano, quando travar a Jihad e confrontar o inimigo se torna um dever pessoal de cada muçulmano, homem e mulher. Uma mulher pode sair para lutar contra o inimigo (mesmo) sem a permissão do marido e um escravo sem a permissão do seu senhor

Não existe nada igual em qualquer outro sistema político – é um fato indiscutível. Enquanto vários outros (ideologias nacionalistas) nacionalismos se baseiam em fatores físicos, humanos e regionais, o nacionalismo do Movimento de Resistência Islâmica é caracterizado por todos os fatores acima e mais – e o mais importante – é caracterizado por motivos divinos que promovem um pacto entre esse nacionalismo, o espírito e a vida, desde que se torna relativo à fonte do espírito e a Ele que dá a vida. (O Movimento de Resistência Islâmica) está levantando a bandeira divina nos céus da pátria, de modo a criar laços indissolúveis entre o firmamento e a terra.

Quando Moisés chegou e bateu com seu bastão

Tanto o mago e a magia deixaram de ter valor.

“O caminho certo surge claramente do erro; por isso quem renuncia à falsidade e crê em Alá, é como agarrar firmemente um apoio, que nunca se quebra, e Alá tudo ouve e vê.” (Alcorão 2 – 256).

Soluções Pacíficas, Iniciativas e Conferências Internacionais

Art. 13 As iniciativas, as assim chamadas soluções pacíficas, e conferências internacionais para resolver o problema palestino se acham em contradição com os princípios do Movimento de Resistência Islâmica, pois ceder uma parte da Palestina é negligenciar parte da fé islâmica. O nacionalismo do Movimento de Resistência Islâmica é parte da fé (islâmica). É à luz desse princípio que seus membros são educados e lutam a jihad (Guerra Santa) a fim de erguer a bandeira de Alá sobre a pátria.

“E Alá tem total controle sobre Seus feitos; mas muita gente não sabe.” (Alcorão 12-21)

De tempos em tempos surge uma convocação de uma conferência internacional a fim de buscar uma solução para o problema (palestino). Alguns aceitam (a proposta), outros a rejeitam, por uma razão ou outra, exigindo o cumprimento de alguma condição ou de condições prévias antes da concordância com a conferência ou para dela participar. Entretanto, o Movimento de Resistência Islâmica - estando familiarizado com as partes intervenientes na conferência, e com suas posições no passado e no presente, em matérias que dizem respeito aos muçulmanos - não acredita que tais conferências possam satisfazer as suas demandas ou restaurar os direitos (dos palestinos), ou trazer benefício para os oprimidos. Tais conferências não passam de um meio para dar poder aos hereges para se instituírem como árbitros sobre terras muçulmanas, e quando foi que infiéis, hereges, tiveram posições equilibradas para com os fiéis observantes?.

“Os judeus nunca ficarão contentes, tampouco os cristãos, ao menos que se siga a religião deles. Dizei: ‘A orientação de Alá é a orientação certa.’ Mas se seguirdes os desejos deles, depois de saberdes quem foi que veio até vós, então não tereis a proteção e a guarda se Alá.” (Alcorão 2- 120).

Não há solução para o problema palestino a não ser pela jihad (guerra santa).

Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa. O povo palestino é muito importante para que se brinque com seu futuro, seus direitos e seu destino. Como consta do Hadith: “O povo de Al-Sha’m é o açoite (de Alá) na Sua terra. Por meio dele, Ele se vinga de quem Ele quer, dentre os Seus servos. Os hipócritas não podem ser superiores aos crentes, e devem morrer em desgraça e aflição.” (registrado por Al-Tabarani, que se acha em linha com Maomé, e por Ahmad (Ibn Hanbal), que se possui uma linha incompleta com Maomé, e que pode ser o registro mais preciso, podendo ser confiáveis, em ambos os casos, a transmissão das palavras do Profeta – Alá, por si, é onisciente).

Os Três Círculos

Art. 14 O problema da libertação da Palestina envolve três círculos: o círculo palestino, o círculo (pan-árabe) e o círculo islâmico. Cada um desses três círculos tem o seu papel na luta contra o sionismo e tem seus deveres. É um grave erro e uma vergonhosa ignorância descartar qualquer um dos círculos, porque a Palestina é uma terra islâmica. Nela se encontra a primeira das duas kiblas (a orientação da posição das rezas) e a terceira das mais sagradas mesquitas, depois das Mesquitas de Meca e de Medina. É o destino da jornada noturna do Profeta.

“Louvai a Ele que transportou seu servo, durante a noite, da mais sagrada mesquita para a mais distante mesquita, e cuja vizinhança Ele abençoou, a fim de mostrarmos a Ele os sinais de nossa presença. Ele é o único que tudo ouve e tudo vê.” (Alcorão 17-1)

Diante desse fato, a libertação da palestina é uma obrigação pessoal de cada muçulmano, onde estiver. É nessas condições que se deve considerar o problema, e cada muçulmano deve compreende-lo. Quando o dia chegar, e o problema é tratado nessas bases, e toda a capacidade desses três círculos é mobilizada – as circunstâncias atuais serão modificadas e o dia da libertação estará próximo.

“Vós infligis mais medo nos corações dos judeus do que o próprio Alá, porque eles são pessoas que não entendem” (Alcorão 59-13).

A Jihad (guerra santa) para Libertação da Palestina é um Dever

Art. 15 No dia em que o inimigo conquista alguma parte da terra muçulmana, a jihad (guerra santa) passa a ser uma obrigação de cada muçulmano. Diante da ocupação da Palestina pelos judeus é necessário levantar a bandeira da jihad (guerra santa). Isso exige a propagação da consciência islâmica nas massas, localmente (na Palestina), no mundo árabe e no mundo islâmico. È necessário instilar o espírito da jihad (guerra santa) em toda a nação, reunir todas as fileiras dos combatentes da jihad (guerra santa) envolvendo os inimigos.

A campanha de indoutrinação deve envolver a ulama (o conselho dos sábios), educadores, professores e especialistas em comunicação e mídia, bem como os intelectuais, especialmente os jovens e os Sheiks dos movimentos islâmicos. Faz-se (também) necessário introduzir mudanças essenciais nos currículos, a fim de eliminar as influências da invasão intelectual infligida pelos orientalistas e missionários. Essa invasão foi introduzida na região depois que Salah Al-Din Al-Ayyubi derrotou as Cruzadas. As Cruzadas chegaram à conclusão de que era impossível eliminar os muçulmanos, a menos que o caminho tivesse sido pavimentado por uma invasão intelectual, que faria confundir o pensamento (dos muçulmanos), distorcer seu legado e impugnar seus ideais. Somente depois disso (da invasão intelectual) poderia seguir a invasão das tropas. Isso (a invasão intelectual) prepararia o terreno para a invasão colonialista, como (o General) Allemby declarou, depois de entrar em Jerusalém: “Agora as Cruzadas chegaram ao fim.”. O General Gouraud disse diante do túmulo de Salah Al-Din Al-Ayyubi: “Oh!, Salah Al-Din, estamos de volta!”. O colonialismo ajudou a intensificar a invasão intelectual, e ajudou-a a fincar raízes. E ainda o faz. Tudo isso pavimentou o caminho para a perda da Palestina.

É necessário colocar nas mentes de todas as gerações de muçulmanos que o problema da Palestina é um problema religioso, e que assim deve ser tratado, pois (a Palestina) contém lugares sagrados islâmicos, a mesquita de Al Aksa, que está inseparavelmente ligada, enquanto durarem o céu e a terra, à sagrada mesquita de Meca, devido á vigem noturna do Profeta (da mesquita de Meca à de Al Aksa), e a sua conseqüente ascensão ao céu.

“Colocar-se a serviço de Alá por um dia é melhor do que o mundo inteiro, com tudo que nele existe, e ter cada um de vós, combatentes da jihad, açoitados no Paraíso, é melhor do que o mundo inteiro com tudo que nele se encontra. Cada ato pela manhã e a cada ato à tarde, realizados pelos muçulmanos em prol de Alá é melhor do que o mundo inteiro com tudo o que nele se encontra.” (registrado na coleção de Hadith de Bukhari, Muslim, Tirmidhi e Ibn Maja).

“Em Seu nome, que guarda a alma de Maomé em Suas mãos, quero me lançar no ataque em prol de Alá, e ser morto, para atacar de novo e ser morto, e atacar de novo e ser morto)” (Registrado na coleção de Hadith de Bukhari e Muslim).

Educando as Próximas Gerações

Art. 16 É necessário educar as próximas gerações, em nossa região, dentro dos caminhos islâmicos, com base no cumprimento das obrigações religiosas, com acurado estudo do Livro de Alá, estudar a sunna (os costumes) do Profeta, com a leitura atenta da história e legado islâmicos, mas baseados em fontes confiáveis, e submetidos às instruções de especialistas e entendidos, com metodologia competente que ensinem a visão global do pensamento e da fé. Ademais, é necessário um apurado estudo do inimigo, suas condições humanas, e capacidade de ação, para ficar familiarizado com suas fraquezas e seus poderes, para conhecer as forças que o ajudam e apóiam. Também é necessário ficar a par dos acontecimentos, acompanhar os novos desenvolvimentos e estudar as análises e comentários relativos ao inimigo. Também se faz necessário planejar para o futuro, estudando cada um e todos os fenômenos, de maneira que os muçulmanos que se dediquem à jihad (guerra santa) possam viver com completo e total conhecimento de seus fins e seus objetivos, e caminho a seguir, e com total conhecimento do que está ocorrendo em sua volta.

“Oh! Meu filho! Mesmo que (uma coisa) tenha o peso de um grão de mostarda, esteja sobre uma rocha, ou nos céus ou na terra, Alá a fará trazer diante de Sua presença. Alá é capaz de discernir a menor coisa, Ele é onisciente. Oh! Meu filho! Mantenha-te orando e aproveite o que é bom e proíba todo o mal, e mantenha-te nesse caminho, frente a qualquer circunstância que te possa abater; seguramente isso (o comportamento) vale manter com firmeza. Não vire a cara com desprezo ao teu povo; não ande com arrogância na terra. Alá não ama o arrogante e o presunçoso.” (Alcorão, 31 – 16/18)

O Papel da Mulher Muçulmana

Art. 17 O papel da mulher muçulmana na Guerra da Libertação não é menos importante do que a do homem, porque ela é que faz o homem. O papel delas na orientação e educação da nova geração é muito importante. Os inimigos (entenderam) o papel dela, e pensam que, educando-a de acordo com as idéias deles, afastando-a do Islã, terão ganho a guerra. Vereis, portanto, que, continuadamente, desenvolvem grandes esforços (nesse sentido) pela mídia, no cinema, nos currículos escolares, por meio de seus agentes, incorporados em organizações sionistas, que assumem variados nomes, tais como Maçons Livres, Rotarys Clubes, grupos de espionagem, etc., todos sendo covis de sabotagem e sabotadores. Tais organizações sionistas dispõem de abundantes recursos materiais, que lhes permitem fazer o jogo delas nas mais variadas sociedades, com a finalidade de levar a cabo seus objetivos, enquanto o Islã ficar afastado (de sua fé).Os seguidores do Movimento Islâmico (10) devem fazer a sua parte, enfrentando os esquemas desses sabotadores. Quando o Islã estiver no leme, fará erradicar todas essas organizações, pois são hostis à humanidade e ao Islã.

Art. 18 A mulher no lar e na família jihadista, seja mãe ou irmã, tem a função principal de cuidar da casa, educando as crianças de acordo com as idéias morais e valores inspirados pelo Islã, ensinando-as a cumprir com os deveres religiosos na preparação para a jihad (guerra santa) que as espera. Assim, é necessária acurada atenção com as escolas nas quais as meninas muçulmanas são educadas, bem como sobre o currículo, de forma que elas cresçam, preparando-se para serem boas mães, conscientes do seu papel na guerra de libertação. As meninas devem receber adequados conhecimentos para compreenderem os cuidados com as tarefas domésticas; a economia e como evitar desperdícios nas despesas domésticas são requisitos para se capacitarem a um comportamento adequado nas atuais difíceis circunstâncias. As meninas devem ter consciência de que os recursos disponíveis são como o sangue que deve fluir somente nas veias, para que a vida continue, tanto na juventude com na velhice.

“Os homens e as mulheres muçulmanos, os homens e as mulheres crentes, os homens e as mulheres confiáveis, os homens e as mulheres que preservam as tradições, os homens e mulheres caridosas, os homens e mulheres que se mantêm firmes em seus caracteres, os homens e mulheres que mantêm a castidade, os homens e mulheres que lembram de Alá constantemente – para eles Alá concederá seu perdão e uma grande recompensa.” (Alcorão 33 35).

O Papel da Arte Islâmica na Guerra de Libertação

Art. 19 A arte possui regras e padrões por meio das quais é possível determinar se é islâmica ou pagã. A libertação islâmica necessita da arte islâmica, que eleva o espírito sem destacar um aspecto da natureza humana frente a outro aspecto, mas, pelo contrário, eleva todos os aspectos em perfeito equilíbrio e harmonia. O homem é uma criatura maravilhosa e única, feito de um punhado de argila e do sopro do espírito. A arte islâmica vai ao encontro do homem nessas bases, enquanto a arte pagã destaca o corpo físico e dá predominância ao componente da argila.

Os livros, artigos, panfletos, sermões, epístolas, canções tradicionais, poemas, cantos patrióticos, peças, etc. – detendo as características da arte islâmica, são meios necessários para a doutrinação. Constituem uma auto-renovação do alento para a continuação da jornada, refrescando o espírito, pois a estrada é longa, o sofrimento é grande e alma acaba fatigada. A arte islâmica renova as energias, revive a emoção e desperta a alma para elevados ideais e condutas sadias.

Nada pode curar a alma se ela se retrai, vagando de um lado para outro.

Tudo isso é extremamente sério e não uma brincadeira, porque uma nação engajada numa jihad (guerra santa) não conhece brincadeiras.

Solidariedade Social

Art. 20 A sociedade muçulmana se caracteriza pela solidariedade. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá estejam sobre ele, disse: “Abençoados sejam os da tribo de Banu Al-Ash’ar. Quando atingidos pela seca – tanto numa cidade ou na caminhada – reúnem tudo que têm e dividem entre si em partes iguais.” Esse é o espírito islâmico que deve existir em cada sociedade islâmica. Uma sociedade que está enfrentando um inimigo perverso, com comportamento nazista, que não faz distinção entre homens e mulheres, entre velhos e jovens, tem maior necessidade de se comportar dentro desse espírito islâmico (de solidariedade). Nosso inimigo usa a punição coletiva, desapossando as pessoas de suas casas e posses. Ele persegue as pessoas até nos seus locais de exílio, quebrando os ossos, atirando nas mulheres, crianças e velhos, com ou sem motivo. O inimigo construiu campos de detenção para neles aprisionar milhares e milhares (de pessoas) em condições desumanas, tudo isso além de destruir as suas casas, tornar as crianças órfãs, e injustamente condenando jovens a despender os melhores anos de sua juventude em prisões escuras. O nazismo dos judeus é dirigido contra tanto contra mulheres como contra crianças. O terror que espalham é dirigido contra qualquer um. O inimigo combate as pessoas para destruir suas vidas, roubar seu dinheiro e esmagar a sua dignidade. Tratam as pessoas como os piores criminosos de guerra. A deportação dos respectivos lares é uma forma de assassinato. Diante de tal comportamento, devemos demonstrar solidariedade social entre nós, e devemos enfrentar o inimigo como um corpo unido, e que, quando um membro sofre os demais reagem despertos e fervorosamente.

Art. 21 Solidariedade social significa ajudar a todo necessitado, seja material ou moralmente, estando presente para completar um trabalho. Os membros do Movimento de Resistência Islâmica devem olhar os interesses das massas como os seus próprios, e não devem medir esforços para satisfaze-las e proteje-las. Devem evitar ser negligentes em matérias que afetem as futuras gerações ou que causem prejuízos à sociedade. As massas devem ser do interesse dos membros do Hamas e devem trabalhar por elas, porque o fortalecimento das massas é o fortalecimento do Hamas, o futuro delas é o futuro do Hamas. Os membros do Movimento de Resistência Islâmica devem estar com o povo nos momentos de alegria e na tristeza. Devem cuidar da demandas das massas e esforçarem-se para servir aos interesses das massas, que são os deles mesmo. Quando tal espírito está presente, a amizade se aprofunda, havendo conseqüentemente cooperação e empatia, a unidade aumentará e as fileiras serão reforçadas para enfrentar os inimigos.

As Forças que Apóiam o Inimigo

Art. 22 Os inimigos têm feito planejamento inteligente e cuidadoso, durante muito tempo, a fim de chegar ao ponto em que chegaram, com emprego de métodos que afetam o curso dos acontecimentos. Dedicam-se a acumular imensos recursos financeiros que empregam para realizar os sues sonhos.

Com dinheiro assumem o controle da mídia mundial – agências de notícias, jornais, editoras, serviços de radiodifusão, etc. Com dinheiro promovem revoluções em vários países mundo afora, para servir aos seus interesses e obter lucros. Estiveram por detrás da Revolução Francesa e da Revolução Comunista e se acham por detrás da maioria das revoluções de que ouvimos falar, de tempos em tempos, aqui e ali. Com dinheiro criaram organizações secretas, em todo o mundo, a fim de destruir as sociedades respectivas e servir aos interesses sionistas, organizações tais como os Maçons Livres, Rotary Clubes, Lions, os Filhos da Aliança (B’nei Brith), etc. Todas essas organizações servem para fazer espionagem e sabotagem. Com dinheiro foram capazes de assumir o controle dos países colonialistas, e os instigaram a colonizar muitos outros países, de forma a explorar os recursos de cada país e lá espalhar a corrupção moral.

Não há um fim para dizer tudo sobre o envolvimento do inimigo sionista em guerras localizadas e guerras mundiais. Estiveram por detrás da Primeira Guerra Mundial, por meio da qual obtiveram a destruição do Califado Islâmico, tiveram altos ganhos materiais, passaram a controlar numerosos recursos naturais, obtiveram a Declaração Balfour e criaram a Liga das Nações Unidas (assim no original), para poder governar o mundo por meio dessa Organização. Estiveram, também, por detrás da Segunda Guerra Mundial, através da qual juntaram um tremendo lucro com o comércio de materiais de guerra e abriram o caminho para o estabelecimento do seu Estado. Os sionistas também propuseram a criação das Nações Unidas e o Conselho de Segurança em substituição da Liga das Nações Unidas (sic), para governar o mundo. Onde há uma guerra no mundo eles se encontram acionando os cordéis por detrás das cortinas. “Quando acendem o fogo da guerra, Alá o extingue. Eles se esforçam para espalhar o mal na terra, mas Alá não ama aqueles que praticam o mal” (Alcorão, 5 – 64).

As potências colonialistas, tanto do ocidente capitalista como do oriente comunista, apóiam o inimigo com toda a sua força, seja materialmente seja com mão de obra, alternando um ou outro. Quando o Islã aparece, todas as forças dos infiéis se unem em oposição, porque todos infiéis constituem uma só dominação.

“Oh! Vós que credes, não tomeis como amigos alguém fora se vossas fileiras, porque não medirão esforços para vos fazer o mal. Desejam aquilo que vos causai sofrimento. O ódio sai das suas bocas, mas o que escondem em seus corações é ainda pior. Nós vos apresentamos sinais bastante claros, se compreenderdes.” (Alcorão, 3 – 118). Não é por acaso que esse versículo termina com Suas palavras “se compreenderdes”.

Capítulo IV

Nosso Posicionamento

A – Os Movimentos Islâmicos

Art. 23 O Movimento de Resistência Islâmica vê, com todo respeito e apreço, os demais movimentos islâmicos, mesmo que tenha divergências com os mesmos em alguns aspectos e idéias, mas tem concordâncias com eles em muitos outros aspectos e idéias, e os consideram, enquanto suas intenções forem boas e forem devotos de Alá – como dentro do direito de legítima opinião, isto é, enquanto suas respectivas ações se situarem dentro do círculo islâmico. Todo aquele que se esforça em prol da verdade receberá sua recompensa.

O Movimento de Resistência Islâmica considera tais movimentos como um reforço, e suplica a Alá para guiar-nos e orientar-nos. Nunca esquece de, constantemente, levantar a bandeira da unidade e de se esforçar, permanentemente para alcançar a unidade de acordo com o Alcorão e a sunna. “Deveis vos manter firmemente agarrados á corda que Alá vos oferece, todos vós. Não vos dividais entre si, e lembrai-vos de que Alá ficará a vosso lado. Caso sejais inimigos uns dos outros, Ele juntará vossos corações, e por meio Dele vos tornareis irmãos. Vos encontráveis num grande incêndio e Ele vos salvou. Assim, Alá mostra Seus feitos, de forma que possais seguir o caminho correto.” (Alcorão3 –103) (11)

Art. 24 O Movimento de Resistência Islâmica não permite que o nome de um indivíduo seja vetado ou ofendido, porque verdadeiros muçulmanos não vetam ou xingam os outros. Deve ser feita uma clara distinção entre isso e posições ou comportamentos, porque o Movimento de Resistência Islâmica deve ter o direito de expor erros e evitar que as pessoas os cometam, e se esforçar com afinco para tornar a verdade conhecida e adotada de forma imparcial em todas as situações. Os muçulmanos buscam a sabedoria, e a agarram onde a puderem encontrar. (12)

“Alá não gosta quando as pessoas falam mal uma das outras, e em público, exceto daqueles que tenham pecado. Alá tudo ouve e tudo sabe. Quando vós fazeis o bem, seja em público ou secretamente, ou perdoais algo de errado (que lhes fizeram), seguramente Alá vos estará perdoando, pois é Onipotente.” (Alcorão 4 – 148/149)

B – Os Movimentos Nacionalistas na Arena Palestina

Art. 25 O Movimento de Resistência Islâmica respeita e aprecia as condições que envolvem e afetam os outros movimentos. Apóia a todos enquanto não prestam obediência ao Leste Comunista e aos Cruzados do Ocidente, e enfatiza a todos os seus (deles) membros e a todos que os apóiam, que o Movimento de Resistência Islâmica é um movimento ético jihadista, consciente em sua visão mundial e no tratamento com os outros movimentos. Abomina o oportunismo, deseja somente o bem para as pessoas, enquanto indivíduos ou grupos, e não se dedica a obter lucros materiais ou fama para si. Não busca a recompensa das pessoas, e segue em frente com seus próprios recursos e com o que tem em mão. “Juntais contra eles todas as forças que podeis.” (Alcorão, 8:60), a fim de levardes adiante vossos deveres e que conquistais a graça de Alá. O Movimento de Resistência Islâmica não tem outro escopo senão este.

E reafirma a todos os grupos nacionalistas, de todas as orientações, operando na Palestina, de que não deve ocorrer outra coisa senão o apoio e a ajuda para todos eles, com palavras e ações, no presente e no futuro. Reúne a todos e não busca a separação, preserva a unidade e não a dispersão, une e não divide, valoriza cada palavra, cada esforço sincero e cada palavra de louvor pelo esforço. Fecha as portas diante dos desentendimentos. Não dá atenção a boatos e observações tendenciosas, mas reserva-se o direto de se defender.

Tudo que se oponha ou contradiz a essa orientação é fabricado pelo inimigo ou por seus lacaios a fim de provocar confusão, dividir as fileiras e provocar distração com assuntos laterais. “Oh! Vós que credes, se um mal intencionado lhe traz informação (sobre alguém), deveis examiná-la cuidadosamente, para não atingir pessoas (inocentes), devido a ignorância, para depois vos arrependerdes.” (Alcorão 49 – 6)

Art. 26 O Movimento de Resistência Islâmica – observando favoravelmente, como o faz, os movimentos nacionalistas palestinos, não se furta de discutir os novos desenvolvimentos a respeito do problema da Palestina, no local ou na arena internacional, de maneira objetiva, para ver em que extensão (tais desenvolvimentos) se coadunam, ou não, aos interesses da causa segundo a visão islâmica.

C – A Organização para a Libertação da Palestina

Art. 27 A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) está junto do coração do Movimento de Resistência Islâmica, como um pai, um irmão ou amigo, e um verdadeiro muçulmano não deve repelir seu pai, seu irmão ou seu amigo. Nossa pátria é um só, nosso infortúnio é um só, nosso destino é um só e enfrentamos o mesmo inimigo.

Devido às circunstâncias que conduziram à criação da OLP, e (devido) à confusão intelectual que imperava no mundo árabe, como resultado da invasão intelectual que estava sendo feita desde a derrota das Cruzadas, e que passou a ser intensificada, e continua a ser intensificada, pelas atividades de orientalistas e missionários cristãos – a OLP decidiu adotar a idéia de um Estado Secular, e, assim, vemos a OLP. A ideologia secularista se acha em total contradição com a ideologia religiosa, e são as idéias que são as bases das posições, condutas e decisões.

Assim, com todo o nosso apreço pela Organização para a Libertação da Palestina, e o que ela posa vir a se tornar, e sem desprezar o seu papel no conflito árabe-israelí, não podemos eliminar a identidade islâmica da Palestina, que é parte da nossa fé, e quem negligencia essa fé está perdido. “Quem rejeita a religião de Abrahão é alguém que ficou um tolo”. (Alcorão 2-130).

Quando a OLP adotar o Islã como seu meio de vida, então seremos as suas tropas e o combustível para o seu fogo que consumirá o inimigo. Mas, até que essa ocasião chegue – e rezamos para que ele não demore – a posição do Movimento de Resistência Islâmica vis a vis a OLP é de um filho para com um pai, de um irmão para com seu irmão, ou de um parente para com seus parentes. Compartilha dos sofrimentos do outro quando é atingido por uma tormenta, e o apóia diante do inimigo, e faz votos que encontre a orientação divina e siga o caminho certo.

Vosso irmão, vosso irmão antes dos outros!

Quem não tem um irmão é igual a alguém que vai para a guerra sem uma arma.

Vosso primo, deveis conhecer a força de suas asas.

Por que, como pode um falcão levantar vôo sem asas? (13).

D – Estados e Governos Árabes e Islâmicos

Art. 28 A invasão sionista é uma invasão cruel que não possui quaisquer escrúpulos e utiliza métodos viciados e vilãos para atingir seus objetivos. Nas suas operações de espionagem e infiltração, se apóia em organizações secretas, que cresceram fora do seu âmbito, tais como os Maçons Livres, Rotary Clubes, Lions e outros grupos de espionagem do mesmo tipo. Todas essas organizações, secretas ou abertas, operam pelos interesses do sionismo e sob sua direção, e suas finalidades consistem em enfraquecer as sociedades, minar seus valores, destruir a honra das pessoas, introduzir a degradação moral e aniquilar o Islã. O sionismo se encontra por detrás de todo tipo de tráfico de drogas e do álcool, para facilitar o seu controle e sua expansão.

Exigimos que os países árabes em torno de Israel abram as suas fronteiras aos árabes e muçulmanos combatentes da Jihad, a fim de cumprirem sua parte, juntando suas forças às forças dos seus irmãos – a Fraternidade Muçulmana na Palestina. Dos demais países árabes e muçulmanos, exigimos que, no mínimo, facilitem a passagem através de seus territórios dos combatentes da Jihad.

Não podemos deixar de lembrar a cada muçulmano que, quando os judeus ocuparam o Lugar Sagrado (i.e – Jerusalém), em 1967, e se postaram diante da abençoada Mesquita de Al-Aksa, gritaram: “Maomé está morto, sua descendência é de mulheres”. Com isso, Israel, com sua identidade judaica e o povo judeu estão desafiando o Islã e os muçulmanos. Que a covardia não conheça descanso.

E – Grupos Nacionalistas e Religiosos, Intelectuais e o Mundo Árabe e Muçulmano

Art. 29 O Movimento de Resistência Islâmica espera que tais grupos estejam sempre prontos para ajudar, mas, em qualquer circunstância, lhes dará ajuda, apoiará seus posicionamentos, dará suporte às atividades deles e terá todo empenho na busca de apoio para eles, de forma que cada cidadão muçulmano seja uma reserva de apoio e reforço para o Movimento, e que disponibilizem profundo apoio estratégico em termos de recursos humanos e materiais e em informação, a qualquer tempo e em qualquer lugar. Deve ser atingido por meio de conferências, panfletos ideológicos e pela doutrinação das massas com relação ao problema palestino – o que estão enfrentando e o que é plantado contra eles. Da mesma forma devem tais grupos trabalhar para mobilizar cada muçulmano ideologicamente, educacionalmente e culturalmente, de modo a que tenha o seu papel na decisiva guerra de libertação, assim como tiveram participação importante na derrota das Cruzadas, na expulsão dos mongóis, salvando, assim, a civilização humana. Isso não é difícil para Alá.

“Alá disse: ‘EU e Meu Mensageiro acabaremos prevalecendo.’ Alá é forte e todo-poderoso” (Alcorão, 58-21)

Art. 30 Escritores, intelectuais, profissionais da mídia, pregadores nas mesquitas, educadores e todos os demais setores do mundo árabe e islâmico são convocados a desempenhar seu papel e a cumprir com seu dever. (Isto é necessário) Devido à ferocidade do assalto sionista e devido ao fato de ter-se infiltrado em muitos países, e assumido o controle das finanças e da mídia – com todas as ramificações que daí decorrem – na maioria dos países do mundo.

A jihad não se limita a pegar em armas e combater o inimigo cara a cara, pois palavras eloqüentes, escritos que persuadem, livros que efetivamente cumprem com sua finalidade, o apoio e a ajuda – tudo leva a desempenhar a sincera intenção de levantar a bandeira de Alá e faze-la reinar suprema – tudo isso é a jihad em prol de Alá.

(O Profeta disse: “Quem prepara um guerreiro com todas as armas para lutar por Alá é (também) um guerreiro, e quem dá apoio à família de um guerreiro (que saiu para combater por Alá) é, também, um guerreiro.” (registrado por Bukhari, Muslim, Abu Da’ud e Tirmidhi na suas coleções de Hadith).

F – Fiéis de Outras Religiões

O Movimento de Resistência Islâmica é um Movimento Humano

Art. 31 O Movimento de Resistência Islâmica é um Movimento humano que respeita os direitos humanos e se acha comprometido com a tolerância islâmica para com os seguidores de outras religiões. Mostra-se hostil apenas para com aqueles seguidores de outras religiões que fazem hostilidades para com o Movimento, ou que se colocam em seu caminho, impedindo suas atividades e prejudicando os seus esforços. Sob as asas do Islã, os seguidores das três religiões – Islã, Cristianismo e Judaísmo – podem coexistir em segurança e a salvo. Somente sob o manto do Islã é que a salvaguarda e a segurança imperam. A história antiga e a recente dão provas disso. Os seguidores de outras religiões devem parar de competir com o Islã pela soberania nesta região, porque quando eles governam, ocorrem atos de assassinatos, torturas e deportações, e não permitem que outras religiões possam ter seu curso. Tanto o presente como o passado estão cheios de provas disso.

“Não vos dão combate, a não ser de dentro de vilas fortificadas, ou por detrás dos muros. Eles lutam ferozmente uns com os outros. Vós os considerais unidos, mas os corações deles estão divididos, pois são um povo sem sentido”. (Alcorão, 59-14).

O Islã está de acordo com os direitos de cada pessoa, e evita qualquer infração aos direitos de outras pessoas. As medidas que os sionistas-nazistas adotam contra o nosso povo não vão conseguir prolongar a duração da sua invasão, porque o governo da injustiça não dura uma hora sequer, enquanto o governo da verdade dura até a Hora da Ressurreição.

“Alá não vos proíbe de demonstrardes bondade e que agis com justiça para com aqueles que não vos combatem por conta de vossa religião, e não vos retirais das casas deles. Alá ama quem age com justiça”. (Alcorão, 60-8)

G – As Tentativas para Isolar o Povo Palestino

Art. 32 O sionismo mundial e as potências colonialistas, por meio de manobras espertas e meticuloso planejamento, tentam afastar os países árabes, um a um, do círculo do conflito com o sionismo, a fim de, finalmente, conseguir isolar o povo palestino. Já levaram o Egito para fora do círculo do conflito, em grande parte através do traidor Acordo de Camp David (de setembro de 1978), e está tentando arrastar outros países árabes para acordos semelhantes, de forma a ficarem fora do círculo do conflito.

O Movimento de Resistência Islâmica convoca todos os povos árabes e muçulmanos a lutarem seriamente e diligentemente a fim de prevenir esse terrível esquema, bem alerta as massas dos perigos inerentes à exclusão do círculo do conflito com o sionismo. Hoje é a Palestina, e amanhã será algum outro país ou países, pois o plano sionista não tem limites, e depois da Palestina pretenderão se expandir do Nilo até o Eufrates, e quando terminarem de devorar uma área, estará famintos para novas expansões, e assim por diante, indefinidamente. O plano deles está exposto nos Protocolos dos Sábios de Sião, e o comportamento deles no presente, é a melhor prova daquilo que lá está dito. Deixar o círculo do conflito com o sionismo é um ato de alta traição; todos os que o fazem devem ser amaldiçoados. “Quem (quando combatendo os infiéis) vira as costas para eles, ao menos que seja uma manobra de batalha, ou para se juntar a outra companhia, incorre na ira de Alá, e sua morada deverá ser o inferno. Seu destino será do maior infortúnio.” (Alcorão, 8:16)

Todas as forças e toda capacidade disponível devem ser reunidas para enfrentar os ferozes ataques dos mongóis, nazistas, para impedir que a pátria seja perdida, o povo exilado, o mal espalhado sobre a terra e todos os valores religiosos sejam destruídos. Cada qual e todas as pessoas devem saber que são responsáveis perante Alá.

“Cada qual que faz um peso mínimo de um grão de bem que seja, o verá; e cada qual que faz um peso mínimo de um grão de mal, deverá vê-lo.” (Alcorão, 99: 7-8).

No círculo do conflito contra o mundo sionista, o Movimento de Resistência Islâmica se vê como ponta de lança ou como um passo à frente no caminho da vitória. Junta suas forças às forças de todos que se encontram atuando na arena palestina. Aguarda agora pelos passos a serem tomados pelo mundo árabe e islâmico. O Movimento de Resistência Islâmica se acha muito bem qualificado para o próximo estágio da luta contra os judeus, os instigadores das guerras.

“Planejamos a inimizade e ódio entre eles (isto é, entre os judeus), até o Dia da Ressurreição. Toda vez que eles acendem o fogo da guerra, Alá o extingue. Eles procuram espalhar o mal sobre a terra, e Alá detesta quem faz o mal.” (Alcorão, 5:64)

Art. 33 O Movimento de Resistência Islâmica – partindo de tais conceitos gerais, que se acham de acordo e em harmonia com as leis da natureza, e seguindo a corrente do destino divino para confrontação com os inimigos e a Jihad contra eles, em defesa dos muçulmanos, da civilização islâmica e dos santuários islâmicos, sendo a Mesquita de Al-Aksa a primeira – conclama os povos árabes e islâmicos e seus governos, e suas ONGs e organizações oficiais, para respeitar a Alá em suas atitudes para com o Movimento de Resistência Islâmica e no seu tratamento para com ele. Devem agir para com o Movimento de Resistência Islâmica da forma como Alá deseja, especialmente apoiando-o, mantendo-o, ajudando-o e continuamente reforçando-o, até que a palavra de Alá seja cumprida. Então, todas as fileiras estarão unidas, os combatentes da Jihad se juntarão aos outros combatentes da Jihad, e as massas em todo o mundo islâmico acorrerão e responderão ao chamado pelo cumprimento do dever, gritando: “Apressemo-nos para a Jihad”. Essa conclamação penetrará nas nuvens do céu e continuará a soar até que a libertação seja atingida, os invasores derrotados e a vitória de Alá seja vista.

“Alá com certeza ajuda quem O ajuda; Alá é forte e poderoso.” (Alcorão, 22:40)

Capítulo V

As Provas Históricas Através das Gerações, com Vistas ao Enfrentamento dos Agressores

Art. 34 A Palestina é o centro da Terra e o ponto de encontro dos continentes; sempre foi o alvo dos agressores gananciosos. Assim ocorreu desde os primórdios da história. O Profeta, que receba a graça e a paz de Alá, assinalou esse fato em suas nobres palavras com as quais se dirigiu ao exaltado companheiro, Um’adh Jabal, dizendo: “Oh! Um’adh, Alá lhe concederá as Terras de Al-Sha’m após minha morte, que vai de Al-‘Arish ao Eufrates. Seus homens, mulheres e o produto do trabalho de suas mãos ficarão permanentemente nessas terras até o Dia da Ressurreição, para todos aqueles que tenham escolhido viver em alguma parte da planície costeira de Al-Sha’m ou Bayt Al-Makdis (Palestina), que se encontrará em permanente estado de Jihad, até o Dia da Ressurreição.”

Os agressores cobiçaram a Palestina em muitas ocasiões. Foi atacada com grandes exércitos tentando realizar suas gananciosas aspirações. Grandes exércitos das Cruzadas vieram aqui, trazendo seu credo religioso e fincando suas cruzes. Conseguiram derrotar os muçulmanos por um certo tempo, e os muçulmanos só conseguiram reconquistar a região quando lutaram sob a bandeira de sua própria religião, juntando as forças e gritando “Alá Akbar”, e se empenharam na Jihad sob o comando de Salah Al-Din Al-Ayyubi, por cerca de duas décadas, o que os conduziu a uma vitória retumbante: os Cruzados foram derrotados e a Palestina foi libertada.

“Dizeis aos que não crêem: Sereis, sem dúvida, derrotados e reunidos no Inferno. O vosso lugar de descanso será o mais terrível.” (Alcorão, 3:12)

Trata-se da única forma de libertação, e ninguém pode duvidar do testemunho da história. Trata-se de uma das leis do universo e leis da realidade. Somente o ferro pode romper o ferro, e a falsa e fabricada fé dos inimigos somente pode ser vencida pela fé verdadeira do Islã, porque a verdadeira fé religiosa não pode ser atacada senão pela fé religiosa. E a verdade deverá triunfar porque a verdade é mais forte.

“Já demos Nossa Palavra para Nossos servos, os mensageiros, e que serão ajudados até a vitória e que o Nosso exército acabará triunfando.” (Alcorão, 37: 171 – 173)

Art. 35 O Movimento de Resistência Islâmica estuda a derrota das Cruzadas nas mãos de Salah Al-Din Al-Ayyubi, a conseqüente libertação da Palestina, bem como a derrota dos Mongóis em Ayn Jalut e a destruição de sua força militar nas mãos de Qutuz e Al-Zahir Baybars, livrando o mundo árabe da conquista dos mongóis, que destruiu todos os aspectos da civilização humana. (14). [O Movimento de Resistência Islâmica] estuda esses acontecimentos seriamente e extrai deles lições e exemplos. A atual invasão sionista foi precedida pela invasão das Cruzadas do Ocidente e pela invasão mongol do oriente. Se os muçulmanos enfrentaram essas invasões, planejaram combatê-las e as derrotaram, podem (agora) confrontar a invasão sionista e derrotá-la. Tal não é difícil para Alá, desde que as intenções sejam sinceras e a decisão seja forte, e os muçulmanos extraiam as boas coisas da experiência do passado, contenham as influências da invasão intelectual e sigam os caminhos dos seus predecessores.

CONCLUSÃO: Os Soldados (pela causa) do Movimento de Resistência Islâmica

Art. 36 O Movimento de Resistência Islâmica, em sua marcha à frente, insiste em enfatizar a todos do nosso povo, e dos povos árabes e muçulmanos, de que não busca fama para si próprio, ou ganhos materiais, ou status social, e de que não se dirige contra quem quer que seja do nosso povo, a fim de competir com alguém ou tomar-lhe o lugar – nada desse teor. Não se opõe a qualquer muçulmano, ou a quaisquer não-muçulmanos que tenham intenções pacíficas para com o nosso povo, aqui, (na Palestina) ou em qualquer lugar. Sempre oferecerá nada mais do que ajuda a todos os grupos e organizações que lutam contra o inimigo sionista e seus lacaios.

O Movimento de Resistência Islâmica adota o Islã como seu modo de vida. (O Islã) é seu credo e sua lei. (Qualquer grupo que) adotando o Islã como seu modo de vida, aqui ou onde for – seja uma organização, uma associação, estado ou qualquer outro grupo – o Movimento de Resistência Islâmica o servirá como seu soldado. Pedimos a Alá que nos guie, que guie (os outros) por nosso intermédio, e que faça o julgamento entre nós e nosso povo com a verdade “Oh, Senhor, julgai entre nós e nosso povo com a verdade. Sois o melhor dos juízes.” (Alcorão 7:89).

No fim, suplicamos: Louvado seja Alá, Senhor do Universo.

Notas da tradução - (grifos da tradução)

(1) Islamonline, http://www.islamonline.net/Arabic/doc/2004/03/article11.SHTML

(2) Hasan Al-Banna (1906-1949) fundou a Fraternidade Muçulmana em 1928, e foi seu diretor-Geral até o seu assassinato em 1949.

(3) Amjad Al-Zahawi foi um acadêmico religioso sunita iraquiano, filiado ao Movimento de Resistência Islâmica, e atuante em várias iniciativas em apoio da causa palestina.

(4) Hamas, em árabe, é o acrônimo de Movimento de Resistência Islâmica (harakat al-muqawam al-islamiyya); é também uma palavra árabe significando entusiasmo, ardor ou zelo.

(5) Devido à importância do conceito de jihad na ideologia do Hamas, este termo figura assim onde aparece no texto.

(6) Os versos de Muhammad Iqbal (1873-1938), um poeta e pensador religioso muçulmano hindu, é freqüentemente citado tanto por reformistas como conservadores muçulmanos, em apoio às suas respectivas orientações, embora opostas.

(7) Trata-se de verso freqüentemente citado do famoso poeta pré-islâmico Tarafa.

(8) Nos escritos islâmicos medievais, Al-Sha’m se refere, grosseiramente, a toda uma área que corresponde presentemente a Israel, Palestina, Líbano, Jordânia e Síria.

(9) A palavra “nacionalismo” aqui, neste documento, é usada como equivalente ao termo wataniyya, que deriva da palavra árabe watan (pátria), e no discurso árabe moderno significa nacionalismo territorial particularizado, em contraposição a qawmiyya, que também significa nacionalismo, mas é usada para se referir ao nacionalismo pan-árabe.

(10) A expressão “os seguidores dos movimentos islâmicos” é usada aqui para traduzir a palavra árabe al-islamiyyum.

(11) No texto original árabe, esse verso consta, erradamente, como 3:102

(12) Trata-se de um Hadith muito conhecido (isto é, um ditado atribuído ao Profeta)

(13) Tratam-se de dois versos muito citados do poeta do Século VII, Miskin al-Darimi

(14) Saif Al-Din Qutuz ( - 1260) foi o Sultão mameluco do Egito, de 1257 até sua morte. Em 1260, o comandante de seu exército, Al-Zahir Baybars (1223-1277) derrotou os mongóis na batalha de Ain-Jalut.

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Por Reinaldo Azevedo

HOMENAGEM A GILMAR MENDES 1 - O discurso de Celso de Mello: O triunfo do estado de direito

quinta-feira, 30 de abril de 2009 | 2:30
O registro das efemérides, Senhor Presidente e Senhores Ministros, constitui um exercício importante na vida das Instituições, pois permite relembrar eventos relevantes cuja rememoração, por isso mesmo, há de sempre merecer especial destaque.

É por isso, Senhor Presidente, que desejo ressaltar a ocorrência de fato revestido de alta significação na vida desta Suprema Corte.

Refiro-me à passagem do primeiro aniversário da Presidência de Vossa Excelência à frente do Supremo Tribunal Federal, pontuada por eventos impregnados de elevado sentido institucional e de positivas conseqüências no processo de administração da justiça em nosso País.

Quando da posse de Vossa Excelência na Presidência desta Suprema Corte, salientei que incumbe, ao Supremo Tribunal Federal, o desempenho do dever que lhe é inerente: o de velar pela integridade dos direitos fundamentais de todas as pessoas, o de repelir condutas governamentais abusivas, o de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, o de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a práticas discriminatórias e o de neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal.

Acentuei, então, Senhor Presidente, que esta Suprema Corte possui a exata percepção dessa realidade e tem, por isso mesmo, no desempenho de suas funções, um grave compromisso com o Brasil e com o seu povo, e que consiste em preservar a intangibilidade da Constituição que nos governa a todos, sendo este Tribunal o garante da integridade da ordem constitucional, impedindo, assim, com atuação firme e independente, que razões de mero pragmatismo ou de simples conveniência de grupos, instituições ou estamentos prevaleçam e deformem o significado da própria Lei Fundamental.

O que me parece de fundamental importância, Senhor Presidente, notadamente agora em que se registra o primeiro aniversário da administração de Vossa Excelência à frente desta Corte, é reafirmar, perante os cidadãos desta República e os demais Poderes do Estado, o compromisso do Supremo Tribunal Federal de jamais renunciar ao exercício do encargo de guardião da Constituição, pois, se esta Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas.

É preciso reconhecer, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal, na linha de suas melhores tradições, tem sido fiel não só às premissas e aos princípios que informam a ordem jurídica fundada no Estado Democrático de Direito, mas, igualmente, aos objetivos fundamentais da República, como se vê de notável construção jurisprudencial que se consubstanciou em verdadeira jurisprudência das liberdades, cujo processo de formulação resultou de legítima resposta jurisdicional, dada por esta Suprema Corte, a injustos ataques perpetrados, arbitrariamente, por agentes do próprio aparato estatal, contra o núcleo de valores que conferem identidade e essência ao texto da Constituição.

Na realidade, esta Corte Suprema tem permanecido vigilante na proteção aos direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão.

É preciso que fique claro, Senhor Presidente, que esta Suprema Corte não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, política, social ou funcional.

O Supremo Tribunal Federal é mais importante do que todos e cada um de seus Ministros. Cabe-nos, desse modo, como Juízes da Suprema Corte, velar pela integridade de suas altas funções, sendo-lhe fiéis no desempenho da missão constitucional que lhe foi delegada.

É por isso que jamais poderemos transigir em torno de valores inderrogáveis como a respeitabilidade institucional, a dignidade funcional e a integridade desta Corte Suprema.

Importantíssimas decisões, Senhor Presidente, foram proferidas, neste último ano, pelo Supremo Tribunal Federal, todas com imensa repercussão sobre a vida dos cidadãos desta República, bem assim sobre as próprias Instituições do Estado, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, sempre pautados pela consciência responsável de seus Juízes, encontram fundamento, referência e parâmetro, unicamente, no texto da Constituição da República, de cuja interpretação este Tribunal tem “o monopólio da última palavra”.

Vale destacar, dentre esses julgamentos ocorridos sob a presidência de Vossa Excelência - e que só fazem confirmar as sábias palavras do eminente Ministro CARLOS BRITTO, de que o Supremo Tribunal Federal “é uma Casa de realização de destinos” -, algumas relevantíssimas decisões que exerceram notável impacto na vida deste País, na de suas Instituições e na de seu próprio povo, como aquelas referentes à controvérsia sobre as pesquisas científicas com as células-tronco embrionárias, a inconstitucionalidade do nepotismo, a limitação do uso de algemas, a insubsistência da prisão civil do depositário infiel, com o conseqüente reconhecimento da primazia dos tratados internacionais de direitos humanos sobre a legislação infraconstitucional brasileira, a repulsa à inelegibilidade de candidatos antes do trânsito em julgado da condenação e a impossibilidade de execução provisória da sentença penal condenatória, em respeito, em ambos os casos, ao postulado constitucional do estado de inocência, a demarcação da terra indígena Raposa/Serra do Sol e o cabimento de ação direta de inconstitucionalidade contra medidas provisórias sobre créditos extraordinários.

Impõe-se relembrar, ainda, alguns eventos extremamente relevantes que se produziram ao longo do primeiro ano da administração de Vossa Excelência como Presidente do Supremo Tribunal Federal e cujo registro torna-se digno de menção nos anais desta Suprema Corte.

Refiro-me, Senhor Presidente, dentre esses fatos de grande relevo político-institucional e administrativo, às seguintes realizações:

- Ingresso do Brasil, representado pelo Supremo Tribunal Federal, como membro permanente da Comissão de Veneza (Comissão para a Democracia por meio do Direito - órgão consultivo do Conselho da Europa);

- Eleição do Brasil como País-sede da II Conferência Mundial de Cortes Constitucionais;

- Representação do Brasil em 15 eventos internacionais multilaterais e 12 Bilaterais;

- Divulgação das principais decisões do Supremo Tribunal Federal nos bancos de dados CODICES (Comissão de Veneza); GLIN (Biblioteca do Congresso Norte- -Americano); Conferência Ibero-Americana e MERCOSUL;

- Edição de 11 novas Súmulas Vinculantes;

- Repercussão Geral: 128 controvérsias constitucionais com repercussão geral reconhecida (40 já julgadas) e 33 casos de repercussão geral afastada (total apreciado: 161);

- Sensível redução do número de processos protocolados, autuados e distribuídos:
PROCESSOS PROTOCOLADOS
23.04.2007 a 22.04.2008 - 119.787
23.04.2008 a 22.04.2009 - 89.888 (-25%)
PROCESSOS AUTUADOS
23.04.2007 a 22.04.2008 - 102.569
23.04.2008 a 22.04.2009 - 60.058 (-41%)
PROCESSOS DISTRIBUÍDOS
23.04.2007 a 22.04.2008 - 96.419
23.04.2008 a 22.04.2009 - 54.342 (-44%)

- Realização de 2 Encontros Nacionais em que representados todos os tribunais do País (estaduais, federais, trabalhistas, eleitorais e superiores) e em que estabelecidas metas concretas para todo o Poder Judiciário;

- Celebração de novo Pacto Republicano para continuação da bem-sucedida reforma do Judiciário;

- Contratação de 15 auxiliares egressos do sistema prisional;

- Criação da Central do Cidadão que já recebeu mais de 20.000 comunicações;

- Instituição de programas que treinaram mais de 700 servidores;

- Nomeação, mediante prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, de 164 novos servidores;

- Criação de Faixa Educativa na TV Justiça;

- Reestruturação da Secretaria Judiciária para (i) classificação e tratamento dos recursos sujeitos à repercussão geral e (ii) processamento acelerado das ações penais;

- Organização de 8 mutirões carcerários em 5 Estados diferentes (RJ, PI, MA, PA e AL), com a libertação de mais de 2.000 presos em situação irregular (equivalente a 5 presídios de médio porte);

- Instituição do Intercâmbio de magistrados em que juízes provenientes de Estados-partes do MERCOSUL conheceram, por 30 dias, o Judiciário Brasileiro;

- Edição, pela Secretaria de Documentação, da valiosa publicação ‘A Constituição e o Supremo’, contendo as mais importantes decisões desta Corte Suprema sobre o texto de nossa Lei Fundamental.”

Também são inúmeras as realizações que o Conselho Nacional de Justiça empreendeu, após abril de 2008, sob a Presidência de Vossa Excelência, período no qual se desenvolveram importantes atividades, notadamente no âmbito do diálogo institucional com todos os Tribunais brasileiros, de que resultou a adoção de passos significativos no sentido da atuação conjunta de magistrados e demais órgãos do Poder Judiciário, com o propósito de tornar o sistema de administração da justiça mais eficiente, mais moderno, mais transparente e, sobretudo, mais acessível ao alcance dos cidadãos, especialmente dos cidadãos necessitados e despossuídos.

Destaco, por seu relevo, aquelas medidas que objetivam universalizar o acesso pleno dos cidadãos à assistência judiciária, bem assim a instituição da Rede de Promoção e Defesa de Direitos Fundamentais, em clara demonstração de que não são meramente teóricas ou acadêmicas as preocupações de Vossa Excelência com um tema tão sensível e caro às tradições do Poder Judiciário nacional e à preservação da integridade da ordem democrática, pois, com essa Rede, potencializam-se as ações de entidades e organizações não-governamentais que atuam no âmbito de proteção e amparo aos direitos fundamentais, como a defesa dos grupos vulneráveis, dos despossuídos, da mulher, de pessoas portadoras de necessidades especiais, de crianças, adolescentes e idosos e daqueles que, por descaso ou desaparelhamento do Poder Público, sofrem a opressão e a ignomínia do cárcere, completamente desassistidos e incompreensivelmente postos à margem do sistema jurídico.

Tais medidas – como a Resolução para permitir o controle das prisões temporárias e a instituição do Núcleo de Advocacia Voluntária – são, na realidade, a concretização de algumas preocupações que Vossa Excelência já revelara em seu discurso de posse na presidência do Conselho Nacional de Justiça, quando salientou que, “Ainda hoje nos debatemos com dificuldades para identificar as efetivas condições jurídicas de nossa população carcerária. E, a todo momento, a imprensa noticia casos que chocam a todos, como os de menores recolhidos em prisões de adultos e outros atentados inadmissíveis às garantias individuais dos cidadãos. Acredito, que, nessa seara, o Conselho, com sua capacidade de análise e de crítica, atuará em parceria com os demais órgãos públicos responsáveis, de forma a mudar, de vez, essa triste realidade”.

Daí, Senhor Presidente e Senhores Ministros, consideradas as realizações empreendidas no âmbito do Conselho Nacional de Justiça sob a Presidência do eminente Ministro GILMAR MENDES, a radiografia do sistema penitenciário apresentada no 2º Encontro Nacional do Judiciário e que divulgou dados extremamente preocupantes, pois se constatou, em diagnóstico revelador das profundas deficiências do sistema prisional brasileiro, que, além da superlotação penitenciária em todos os Estados-membros da Federação brasileira, não há, nas unidades prisionais, separação entre presos condenados definitivamente e presos provisórios, nem existe, de modo satisfatório, assistência judiciária ou orientação jurídica integral para os detentos necessitados e desprovidos de condições financeiras adequadas, tanto quanto falta, no universo penitenciário brasileiro, o efetivo cumprimento, pelo Poder Público, de obrigações que lhe foram impostas pela Constituição e pela Lei de Execução Penal, como a adoção de medidas que viabilizem a prática laboral, a educação e a capacitação profissional dos sentenciados, sem se falar na inaceitável omissão dos órgãos estatais que permitem a anômala e intolerável situação de réus que, embora já havendo cumprido a sua pena, ainda continuam presos, porque destituídos de qualquer amparo de ordem jurídica.

Muito mais poderia ser relembrado, nesta ocasião, Senhor Presidente, quando se completa o primeiro ano de mandato de Vossa Excelência à frente do Supremo Tribunal Federal.

Tenho para mim, no entanto, que alguns dos eventos e realizações que relatei representam, só por si, a atestação, Senhor Presidente, de sua atuação como magistrado responsável e fiel ao interesse público e à causa da justiça, e que será capaz, por isso mesmo, de superar – como já o vem fazendo – os graves desafios e problemas que tanto afligem o Poder Judiciário em nosso País, formulando idéias e implementando projetos, em comunhão solidária com os Juízes que integram esta Suprema Corte e em harmonia com os demais Poderes da República, em ordem a estabelecer, em favor da cidadania, um sistema de administração da justiça que se revele processualmente célere, tecnicamente eficiente, politicamente independente e socialmente eficaz.

Renovo-lhe, agora, Senhor Presidente, em meu nome, no momento em que se completa o primeiro ano de seu mandato à frente desta Corte, os votos de saudação, de apreço e de plena confiança que lhe apresentei quando de sua posse, há um ano, na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

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Por Reinaldo Azevedo

HOMENAGEM A GILMAR MENDES 2 - Falam os demais ministros e o Advogado Geral da União

quinta-feira, 30 de abril de 2009 | 2:19
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:
Peço licença para subscrever inteiramente as belas palavras que foram pronunciadas pelo eminente ministro Celso de Mello, que é o decano da Corte, e que bem revelam o papel institucional desta Suprema Corte do Brasil, no sentido de garantir os direitos da cidadania e de prestar a jurisdição, com a consciência do seu dever de guarda dessa mesma Constituição. E renovo a Vossa Excelência meus votos de pleno êxito, de confiança, de respeito e de admiração pelo trabalho excepcional que Vossa Excelência vem realizando à frente do STF.

Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha:
Senhor Presidente, quero tomar como minhas as palavras do eminente decano deste Tribunal.

Ministro Ricardo Lewandowski:
Senhor Presidente, eu gostaria de cumprimentar o eminente ministro Celso de Mello pelo substancioso discurso de saudação que acaba de proferir, e aproveito o ensejo para cumprimentar Vossa Excelência, senhor Presidente, pelo aniversário de um ano de gestão à frente deste colendo STF, e auguro continuado sucesso no restante do mandato que ainda está por se seguir.

Ministro Eros Grau:
Senhor Presidente, eu quero dizer que faço minhas as palavras de Celso de Mello. Sob a presidência de Vossa Excelência o Supremo tem sido um leal e fiel guardião da Constituição. Cumpre a sua função institucional. Vossa Excelência honra esta Corte.

Ministro Carlos Ayres Britto:
Senhor Presidente, também cumprimento Vossa Excelência pela passagem de seu primeiro ano de administração judiciária, à frente, portanto, desta nossa casa de justiça. Vossa Excelência bem sequencia o excelente trabalho da ministra Ellen Gracie, que passou por aqui ensinando-nos a todos que é possível estruturar a justiça brasileira na perspectiva da modernidade, da racionalidade, da proximidade mais e mais com o jurisdicionado, e na guarda corajosa e fiel da Constituição brasileira. É impossível deixar de testemunhar, em Vossa Excelência, a convergência de virtudes excelsas, como a inteligência aguda, a fortíssima compleição intelectual – Vossa Excelência é um jurista consumado -, a dedicação, a verdadeira devoção ao trabalho. E tenho certeza de que Vossa Excelência saberá fazer uso de tantas virtudes para seqüenciar esse trabalho que incumbe sobranceiramente, altivamente ao STF, de guardar a Constituição brasileira, e de projetar sobre ela, mais e mais, um olhar de reverência aos valores e interesses nela consagrados.

Ministra Ellen Gracie:
Presidente, associo-me às palavras inicialmente proferidas pelo nosso decano, que não só por sua posição, mas também pela iniciativa fala em nome da Corte, para também augurar a Vossa Excelência a continuidade do sucesso.

Advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli:
Em nome da Advocacia Pública e da União, gostaria de subscrever as palavras do eminente ministro Celso de Mello, e também desejar-lhe cumprimentos pelo um ano à frente do Supremo e também do CNJ. Dentre tantos relatos trazidos por Sua Excelência o ministro Celso de Mello, eu gostaria de destacar um deles, que muito me impressiona, que é o trabalho dos mutirões carcerários. Que é voltado àquelas pessoas que são talvez as mais relegadas da sociedade brasileira, sendo esse trabalho, ao meu ver, uma das maiores políticas de defesa dos direitos humanos, hoje em andamento em nosso país. Meus cumprimentos a Vossa Excelência.

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Por Reinaldo Azevedo

HOMENAGEM A GILMAR MENDES 3 - Fala a OAB: “Vossa Excelência abriu esta Casa à sociedade”

quinta-feira, 30 de abril de 2009 | 2:12

Discurso de Alberto Zacharias Toron, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil:

Senhor Presidente, eminente Ministro Gilmar Mendes, excelentíssimos Senhores Ministros que integram a Corte, eminente Procurador-Geral da República.
Ocupo, hoje, essa tribuna, mais uma vez em nome da Ordem dos Advogados de Brasil, com um sentimento no qual se misturam a honra, o orgulho e a alegria de poder, em nome da advocacia brasileira, em nome dos advogados, saudar Vossa Excelência por esse ano profícuo de gestão.
Não gostaria de subscrever as palavras do eminente Ministro Celso de Mello e explico por quê. Porque me sinto assim como que roubado, espoliado. Sua Excelência esgotou tudo aquilo que eu e o Toffoli havíamos pensado em falar. E, como se fosse em uníssono, o eminente Ministro Celso de Mello descreveu, passo a passo, as grandes realizações dessa Suprema Corte sob a gestão de Vossa Excelência.
Eu me permitiria destacar alguns pontos que são essenciais e marcantes.
Vossa Excelência não apenas abriu as portas dessa Suprema Corte para a sociedade civil; Vossa Excelência abriu os poros da Suprema Corte, reativando algo que havia se iniciado sob a gestão da eminente Ministra Ellen Gracie - as audiências públicas. Quando é que o judiciário fazia isso? O Judiciário saiu de seu hermetismo para ouvir, ouvir especialistas, entidades devotadas às diferentes causas públicas, cujos temas vêm em debate aqui.
Vossa Excelência foi além. Eu tive a honra de, representando a OAB, participar da solenidade de abertura, no Conselho Nacional de Justiça, quando se iniciaram os trabalhos em prol dos presos deste País, quando a Justiça deste País começou a voltar os seus olhos para os páreas, para os prostitutos, para a ralé, para os presos, os desvalidos, que é, sem dúvida alguma, o maior programa de direitos humanos que já se fez neste País.
A execução penal, Senhor Presidente, sempre foi o primo pobre das ciências penais, mas não apenas das ciências penais. A execução penal quase que nunca era olhada, porque não dá voto fazer cadeias, porque, na preferência da alocação dos recursos, talvez haja coisas mais auspiciosas. Mas uma sociedade que clama por segurança não pode descuidar deste importante aspecto que é o setor penitenciário. E Vossa Excelência ergueu a sua voz, em boa hora, e liderou não apenas a radiografia desse sistema penal, desse sistema penitenciário falido, mas liderou a mudança disso. Aí estão os casos de presos inúmeros que foram soltos.
Mas há mais, Senhor Presidente.
Vossa Excelência, num momento delicado desta nação, teve a coragem, a dignidade de erguer a sua voz para por cobro a práticas que não são nada condizentes com o Estado de direito, práticas que mais bem caracterizariam um Estado de polícia. E Vossa Excelência ergueu a sua voz, em boa hora, para colocar as coisas nos seus lugares.
E nós cidadãos devemos isso muito particularmente à ação de Vossa Excelência. Nós advogados ainda não nos esquecemos do empenho de Vossa Excelência na colocação em pauta da Súmula nº 14, tão cara não apenas a nós advogados, mas à própria cidadania, porque garante ao profissional incumbido de falar pelo cidadão nos pretórios a prerrogativa de examinar decretos de prisões para saber se eles foram bem lavrados, se há justa causa em prisões.
E graças ao empenho de Vossa Excelência, nós cidadãos hoje temos mais segurança. Podemos dizer que hoje, às quatro ou cinco horas da manhã, toca-se a nossa campainha, pode ser que seja o leiteiro, pode ser o padeiro. Mas nós sabemos que vivemos num Estado de direito, que as nossas instituições funcionam.
Vou me permitir, para encerrar, Senhor Presidente - e venho aqui a pedido do meu querido presidente Cezar Britto, que fez questão que a Ordem dos Advogados estivesse presente – repetir algo que disse ao eminente Ministro Marco Aurélio, quando Sua Excelência recebeu o Prêmio de Direitos Humanos na OAB: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.
Vossa Excelência é esse homem que nos enche de orgulho de ser advogados e cidadãos no Brasil.
Muito obrigado.

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Por Reinaldo Azevedo

ÍNTEGRA DA SENTENÇA QUE ABSOLVE OS CONDUTORES DA PRIVATIZAÇÃO DA TELEBRAS

quinta-feira, 12 de março de 2009 | 16:16
Abaixo, íntegra da sentença judicial que absolveu os agentes públicos que conduziram a privatização da Telebras. Para ler post a respeito, clique aqui.

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SENTENÇA Nº /2009 – 17ª VARA FEDERAL/DF
PROCESSO Nº : 1999.34.00.006598-3
CLASSE : 7300 – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
CLASSIFICAÇÃO : A
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS : LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS E OUTROS
JUIZ FEDERAL MOACIR FERREIRA RAMOS

SENTENÇA

Cuida-se a espécie de Ação de Improbidade Administrativa cumulada com Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ANDRÉ PINHEIRO DE LARA REZENDE, JOSÉ PIO BORGES DE CASTRO FILHO, RENATO NAVARRO GUERREIRO, CONSTRUTORA ANDRADE GUTIERREZ S/A, INEPAR S/A INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES, MACAL INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., UNIÃO FEDERAL, ANATEL, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES), BNDESPAR, TELEMAR S/A, FIAGO PARTICIPAÇÕES S/A, COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL, BRASIL VEÍCULOS COMPANHIA DE SEGUROS, objetivando a condenação de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ANDRÉ PINHEIRO DE LARA REZENDE, JOSÉ PIO BORGES DE CASTRO FILHO, RENATO NAVARRO GUERREIRO pela prática de atos de improbidade administrativa, durante a execução da privatização do Sistema Telebrás, bem como a condenação da CONSTRUTORA ANDRADE GUTIERREZ S/A, INEPAR S/A INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES, MACAL INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. pela cooperação, auxílio e beneficiamento na prática desses mesmos atos, determinando-se, em conseqüência, a cominação das seguintes penalidades legais: ressarcimento integral do dano; a perda das funções públicas e dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e/ou de cinco a oito anos; pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e/ou de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três e/ou cinco anos.
MPF resume os atos de improbidade praticados pelos réus nos seguintes termos:

“1°) Os quatro primeiros réus, listados no início desta petição, foram responsáveis pela transferência ao BNDES, através do BNDESPAR, do controle acionário indireto da Tele Norte Leste Participações. Ora, o BNDES atua como executor dos procedimentos operacionais da privatização do Sistema Telebrás (cf. o art. 195 da Lei n. 9.427, o edital e um contrato entre o Ministério das Comunicações e o BNDES). Não pode associar-se com licitantes, tornando-se o controlador da Telemar S/A, por sua vez controladora da Tele Norte Leste S/A. Desta forma, houve, no mínimo, a transferência do controle acionário de forma indireta, violando a regra clara prevista no art. 202 da Lei Geral das Telecomunicações. Tal fato enquadra-se no ato de improbidade descrito no art. 10, inciso VIII, da Lei de Improbidade - frustração da licitude da licitação, pois fere dispositivos legais, o princípio da moralidade administrativa, o princípio da impessoalidade, etc. Os quatro primeiros réus devem responder por isso. As três firmas devem responder por terem cooperado e por serem beneficiarias. cf. o art. 3° da Lei de Improbidade.

2°) Os quatro primeiros réus, listados no início desta petição, foram responsáveis pela alteração dos integrantes pré-identificados do consorcio Telemar, prática ilegal, pois consta na Lei Geral de Telecomunicações e no Manual de Instrução, que, no máximo, seria permitido somente, imediatamente após o leilão, a realocação das quantidades de ações ordinárias de cada companhia entre os participantes do consórcio vencedor, desde que previamente identificados em data anterior ao leilão. Não sendo admitidos novos integrantes, nem mudança na espécie de participação (relevante ou não) de cada um deles. A entrada posterior do BNDESPAR (aplica-se o concurso formal com o primeiro ato de improbidade), da Previ, de outros Fundos, do grupo La Fonte e a mudança na participação das duas seguradoras de uma subsidiária do Banco do Brasil são fatos que subsumem-se no art. 10, inciso VIII da Lei de Improbidades, por frustração da licitude da licitação. As três firmas devem responder e por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. o art. 3° da Lei de Improbidade.

3°) Os quatro primeiros réus, listados no início desta petição, foram responsáveis por três empréstimos - contratos de adiantamento para futura subscrição de debêntures entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e Construtora Andrade Gutierrez S/A, Macal Investimento e Participações LTDA. e Inepar S/A Indústria e Construções. Sem exame prévio sobre a idoneidade financeira dos tomadores, sem garantias, usando somente Notas Promissórias. Empréstimos que totalizaram quase meio bilhão de reais. Como foi bem dito pelos auditores do TCU: ‘devido às peculiaridades do financiamento, os 58 primeiros dias do adiantamento seriam garantidos apenas por Notas Promissórias (vol. 1, fls. 474/77)’. E para piorar a situação dos réus, sobre os emitentes e avalistas não se procedeu qualquer análise preliminar de crédito, em desacordo com as determinações do Banco Central do Brasil (MNI 2-1-9, 2-1-16- ‘d’ e 2-3-1), novamente configurando ato de improbidade dos gestores do procedimento de privatização e dos beneficiários (art. 3° da Lei de Improbidade). Não houve a adequada análise econômico-financeiro dos tomadores do crédito e de eventuais fiadores, a ser realizada pelo próprio BNDES, em consonância com as normas do Banco Central do Brasil que regem a matéria. São outros três atos de improbidade bem descritos pelos ilustres auditores do TCU. Ao realizarem estas três operações financeiras sem a observância das normas legais e regulamentares e com garantias insuficientes e inidôneas, praticaram três violações do art. 10, inciso VI, da Lei de Improbidade. As três firmas devem responder por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. o art. 3° da Lei de Improbidade;

4°) Os quatro primeiros réus permitiram e colaboraram para que três firmas (Construtora Andrade Gutierrez, Macal e Inepar) assinassem três contratos, ilegais, de empréstimos com emissão de debêntures conversíveis em ações com o BNDES. Não houve a adequada análise econômico-financeira dos tomadores do crédito e de eventuais fiadores, a ser realizada pelo próprio BNDES, em consonância com as normas do Banco Central do Brasil que regem a matéria. Tais empréstimos jamais serão pagos, tendo em conta a situação dos tomadores, como será explicado no bojo da lide. Estas três operações financeiras foram o jeitinho usado para tentar burlar o art. 202, mas a burla não deixa de ser uma operação financeira sem a observância das normas legais e regulamentares, por isso, cometeram mais três atos de improbidade administrativa, previstos no art. 10, inciso VI, da Lei de Improbidade. As três firmas devem responder por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. art. 3° da Lei de Improbidade;

5º) Os quatro primeiros réus permitiram que três firmas (Construtora Andrade Gutierrez, Macal e Inepar) obtivessem seis empréstimos, ilegais, com juros baixíssimos, pois os encargos oferecidos pelo BNDES (TJLP + 6 aa) foram inferiores até mesmo aos oferecidos pela União no financiamento que consta no edital - para parcelamento nos lances (IGP-DI + 12 aa). Empréstimos de favor, sem exames sobre a idoneidade financeira como foi dito nos itens acima. Desta forma, pelas condições dos empréstimos, cometeram seis atos de improbidade, previstos no art. 10, inciso VI, da Lei de Improbidade. As três firmas devem responder por terem cooperado e por serem beneficiárias, cf. o art. 3° da Lei de Improbidade;

6°) Os quatro primeiros réus permitiram ou colaboraram para que os Fundos de Pensão, especialmente a PREVI, detivessem uma participação relevante na Norte Leste, quando os Fundos (PREVI, especialmente) já participavam da Tele Centre Sul Participações, da Telemig Celular e da Tele Norte Celular, o que viola a Lei Geral das Telecomunicações, o edital e o Piano Geral de Outorgas. Uma empresa não pode ter participação relevante em empresas do mesmo grupo. Como ficou bem dito no relatório dos técnicos do TCU - ‘decididos, porém, a participar da Tele Norte Leste, os fundos de pensão, liderados pela PREVI, aderiram ao Consórcio Telemar após o leilão’. Isto, conforme se depreende do Ofício do BNDES e da nota divulgada na imprensa pela própria PREVI - ocorreu mediante a integralização de quotas do FCF Fundo Mútuo de Investimento em Ações - Carteira Livre, até então totalmente integralizados pela FUNCEF. Além de macularem a licitação, pela alteração do consórcio após o leilão e violando o item 2.2.3 do Edital, cometeram mais este ato de improbidade autônomo, ainda que conexo. Nesta lide, frise-se novamente, somente os fatos sobre a Tele Norte Leste Participação são analisados. Logo, como os fundos entraram primeiro na Tele Centre Sul, a entrada posterior na composição da Tele Norte Leste é nula de pleno direito e configura outro ato de improbidade descrito no art. 10, inciso VIII-frustração da licitude da licitação.

7°) Os quatro primeiros réus elaboraram ou colaboraram na feitura de um edital que não previa a comprovação de capacidade técnica, econômica e financeira, especialmente para atender as ‘rigorosas metas de investimentos fixadas para o setor de telecomunicações nos próximos anos’.Violaram a Constituição e diversas leis. Este gravíssimo ato de improbidade foi muito bem descrito no parecer do Dr. Lucas Rocha Furtado, da seguinte forma: ‘a falta, no Edital do leilão, de exigência de comprovação, por parte dos licitantes, das capacidades técnica e econômica, talvez seja a maior falha de todo esse processo de desestatização e a fonte de todos os problemas nele ocorridos. (…)’Essa ausência infringe não só o art. 6°, § 1°, do Modelo de Reestruturação e Desestatização do Sistema Telebrás, como já mencionado no relatório de inspeção (ti. 91, item 95; ti. 128, item 279), mas também e sobretudo o art. e 200 da Lei 9.472, de 16.7.1997, in verbis: ‘Art. 200. Para qualificação, será exigida dos pretendentes comprovação de capacidade técnica, econômica e financeira, podendo ainda haver exigência quanto a experiência na prestação de serviços de telecomunicações, guardada sempre a necessária compatibilidade com o porte das empresas objeto do processo’ (grifos nossos). O dispositivo legal é claro no sentido de ser obrigatória a exigência das capacidades técnica, econômica e financeira. Contudo, o mencionado Edital estabeleceu, como requisito para a habilitação dos licitantes, apenas a comprovação de capacidade de gestão empresarial (subitens 3.3.1, alínea a, e 3.3.2, in fine - vol. 1, fl. 105) e de capacidade para liquidar financeiramente a operação (subitem 3.3.1, alínea c - vol. 1, fl. 105), restrita a apresentação de garantia financeira equivalente a 40% do prego mínimo da companhia (subitem 3.4 - vol. 1, fl. 109). Requisitos, a nosso ver, em princípio, insuficientes para garantir que o concessionário terá condições de tocar eficientemente o empreendimento, em especial, cumprir as pesadas metas de investimento requeridas. Ora, se se põe em dúvida a capacidade do consórcio de liquidar os compromissos financeiros assumidos, provavelmente não disporá o mesmo consórcio de capacidade econômica para cumprir todos os pesados compromissos de investimento que o setor está a exigir’. Ao omitirem no que tange a previsão, no Edital MC/BNDES nº 01/98, de critério para comprovação da capacidade econômica dos participantes, contrariaram o disposto no art. 6°, § 1°, do Anexo ao Decreto n° 2.546, de 14/04/98 (Modelo de Reestruturação e Desestatização do Sistema TELEBRAS). A crise em que está mergulhado o denominado consórcio ‘borocoxô’ mostra a gravidade do fato. Para evitar o que o Sr. Mendonça chamou de ‘telegang’ bastaria elaborar um edital conforme à lei. Novamente, cometeram outro ato de improbidade, por frustração da licitude da licitação, conexo com omissão indevida de atos de ofícios (art. 11, inciso II e art. 10, inciso VIII da Lei n. 8.429). As três firmas devem responder, por serem beneficiarias de tal omissão;

8°) Os quatro primeiros réus tentaram vender os 25% do BNDESPAR na Telemar sem leilão. Violando a proibição da transferência do controle acionário, direta ou indiretamente, conforme consta no art. 202 da Lei Geral das Telecomunicações. Ao pretenderem vender, sem leilão, os 25% do BNDESPAR na Telemar (logo, o controle acionário sobre a Tele Norte Leste Participação) aos ‘italianos’, à Itália Telecom, cometeram outro ato de improbidade, pois tais vendas não podem ocorrer nos primeiros cinco anos, muito menos sem uma licitação. Ora, como o BNDESPAR detém o controle indireto da empresa controladora da Telemar, sendo portanto o controlador da Tele Norte Leste Participações, fica claro a tentativa de praticar outra improbidade, inclusive por tentarem frustrar um procedimento licitatório. A Lei de Improbidade considera a tentativa como ato de improbidade. Logo, devem responder por esta tentativa de ‘praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento’, ato de improbidade descrito no inciso I do art. 11 da Lei n. 8.429 - de Improbidade.

9°) Os quatro primeiros réus cometeram outro ato de improbidade, por violação ao princípio da publicidade, dado que não havia, no edital, a previsão de empréstimos quase bilionários, em condições quase de pai para filho, para o licitante que vencesse. Esta violação ao princípio da publicidade foi bem analisada pelos auditores do TCU. No edital só estava previsto um empréstimo (IGP-DI + 12 aa) e nada constava sobre o empréstimo/burla, secreto, com melhores condições de juros (TJLP + 6 aa) e prazos. Também não havia no edital os critérios objetivos para a concessão de tal empréstimo. Deste modo, praticaram dois atos de improbidade conexos - negação de publicidade a atos que devem constar do edital, serem públicos (art. 11, inciso IV da Lei de Improbidade) e ainda outra frustração da licitude da licitação (art. 10, inciso VIII da Lei n. 8.429). As três firmas, também rés, devem responderem por serem beneficiárias; e

10°) Os quatro primeiros réus, segundo a análise dos auditores do TCU, orientaram as duas seguradoras de uma subsidiária do Banco do Brasil (Companhia de Seguros Aliança do Brasil e Brasil Veículos Companhia de Seguros) a ingressarem no consórcio e aumentarem a participação, fato confessado pelo Sr. Mendonça na sessão do Senado, em 19.11.98 - ‘teve que entrar e aumentar a sua participação’, contrariando o parágrafo primeiro do art. 117 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404, de 15.12.76). Os réus influenciaram o Sr. Paulo César Ximenes, então Presidente do Banco do Brasil, para levar as seguradoras a participarem do consórcio de forma ilegal. O investimento realizado pelas seguradoras do Banco do Brasil - Brasil Veículos e Aliança do Brasil - na Tele Norte Leste Participações S/A, transgride a Lei das S/A, o que, segundo aos avisados técnicos do TCU, ‘configura abuso de poder, e, nos termos do art. 11, inciso I, da Lei n° 8.429/92, ato de improbidade administrativa’ devendo apresentar a este Juízo, o que se requer desde já como especificação de provas, a ata de assembléia ou reunião de diretoria da qual tenha resultado tal deliberação. Desta forma, praticaram dois atos de improbidades, descritos no inciso I do art. 11 da Lei de Improbidade - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência. As três firmas foram beneficiarias e cooperaram” (fls.).

Acompanham a inicial os documentos de fls. 54/1449 (vols. I a VI).
Os réus foram regularmente citados.
A União apresentou contestação (fls. 1490/1512 - vol. VI), aduzindo que, apesar de processualmente não poder ser considerada como ré, em razão de nenhum pedido ter sido formulado contra ela, optou por contestar o feito, “visando esclarecer o Poder Judiciário acerca do programa de apoio à Privatização do Sistema Telebrás, elaborado pela contestante a fim de conceder apoio financeiro às empresas nacionais interessadas na aquisição de ações representativas do capital social das sociedades resultantes da cisão do Sistema Telebrás” (fl. 1491).
Preliminarmente, sustentou a inépcia da inicial por não ter sido formulado pedido de condenação da União. No mérito, afirmou, em síntese, que o traço fundamental da reestruturação foi a transformação do monopólio público, provedor de serviços de telecomunicações, em um novo sistema de concessão pública a operadores privados, fundado na competição e orientado para o crescimento da universalização dos serviços. Nesse sentido, teria sido atribuído ao BNDES o papel de ser o condutor da modelagem de venda do Sistema Telebrás, comprometendo-se com o sucesso não apenas da venda mas de toda a reforma do setor, participando nas seguintes etapas: montagem da venda do sistema Telebrás; apoio aos compradores nacionais e eventual participação estruturante como debenturista temporário em consórcios vencedores do leilão. Na atuação do BNDES, não teria ocorrido qualquer irregularidade no procedimento de privatização da Tele Norte Leste S/A, haja vista que teria sido dada ampla divulgação ao programa; teria havido verificação prévia da idoneidade econômico- financeira dos tomadores e garantidores por meio da apresentação de documentos e concedido colaboração financeira sem distinções e favorecimentos aos que a pleitearam. Ressaltou, por outro lado, que essa colaboração financeira do BNDES não era obrigatória e, se concedida, não haveria qualquer vinculação das condições para sua concessão com o edital de privatização, sendo o programa de apoio financeiro independente e autônomo do Edital MC/BNDES nº 01/98.
O BNDES e o BNDES Participações S/A (BNDESPar) ofertaram contestação (fls. 1517/1557 – vols. VI e VII), com documentos (fls. 1558/1889 – vols. VII e VIII), arguindo, em preliminar, a inépcia da petição inicial por ausência de formulação de pedido de condenação contra eles. No mérito, reproduziram em parte a contestação da União, acrescendo comentários quanto à atuação do BNDES no processo de privatização. Afirmam que o papel de leiloeiro nunca coube ao BNDES, mas sim à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Também não teria havido participação do BNDES na composição do preço mínimo de venda das empresas, cabendo esta atividade à empresa de consultoria sem que contasse com ingerência deste banco. O BNDESPar não teria adquirido ações da Tele Norte Leste S/A, tendo se limitado a subscrever debêntures conversíveis em ações, em virtude de adiantamento realizado pelo BNDES, no âmbito de apoio à privatização do Sistema Telebrás. Por outro lado, afirmam que, se quisesse, o BNDESPar poderia ter adquirido ações, a teor do item 1.2.2 do Edital de venda da Telebrás em remissão ao Decreto 1.068/94.
Quanto ao Edital MC/BNDES nº 01/98, que teria sido “alvo de ataques do requerente, ao dizer que nele não se previu a exigência de comprovação de capacidade técnica, econômica e financeira, especialmente para atender às rigorosas metas de investimentos fixadas para o Setor de Telecomunicações nos próximos anos, tendo ficado adstrito apenas à exigência de capacidade de gestão empresarial e de capacidade para liquidar financeiramente a operação, restrita a apresentação de garantia financeira equivalente a 40% (quarenta por cento) do preço mínimo da companhia”, aduziram:

“Por ocasião da modelagem da venda, entendeu-se por capacidade técnica para participar do leilão, a experiência em gestão empresarial, uma vez que o que estava sendo vendido eram as companhias holding que controlam as operadoras de telefonia do Sistema Telebras.

Assim, o serviço técnico de telefonia continuaria sendo prestado pelas mesmas operadoras que já o faziam, e que detém todo o know-how da atividade, sendo que o consórcio vencedor do leilão se tornaria titular da holding que controla e administra tais operadoras, de modo que a experiência técnica necessária, no caso, se refere especificamente à capacidade de gestão desta holding, que foi o objeto do leilão.

A qualificação econômico-financeira, por sua vez, se refere a demonstração de capacidade de liquidação da parcela à vista do leilão, como, aliás, muito bem define o jurista Marçal Justen Filho, no seu livro ‘Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos’, citado pelo próprio autor, in verbis: ‘A qualificação econômico-financeira corresponde à disponibilidade de recursos para satisfatória execução do objeto da contratação’.

Ora, o objeto da contratação era o pagamento do preço oferecido no lance vencedor, da forma como foi definido, ou seja, parceladamente, de acordo com a forma de financiamento estabelecida previamente no Edital para aqueles que a ela aderissem.

Para o pagamento da segunda e da terceira parcelas, foi exigida caução das ações da Tele Norte Leste, como garantia, na proporção de 133% (cento e trinta e três por cento) sobre o percentual parcelado, de modo que o pagamento destas se encontrava devidamente assegurado, incidindo, pois, a qualificação econômico-financeira, sobre a demonstração de capacidade de saldar a parcela à vista, correspondente a 40% (quarenta por cento) do lance vencedor.

Note-se que a caução de ações da Tele Norte Leste, na base de 133% (cento e trinta e três por cento) do saldo devedor não implica num risco de desvalorização das ações no mercado, posto que se trata de um bloco de ações ordinárias, cujo valor de comercialização no mercado é sempre superior ao valor de ações vendidas de modo pulverizado, uma vez que confere ao sou adquirente o poder de decisão na companhia, de modo que as variações do mercado acionário não alcançam o valor do lote de ações caucionado de forma diretamente proporcional.

Ressalte-se, por oportuno, que as companhias que estavam sendo privatizadas eram grandes geradoras de caixa e possuíam elevada capacidade de captação de recursos, de tal sorte que o cumprimento do plano de investimentos no setor de telecomunicações estava relacionado principalmente à gestão eficiente da companhia, donde a exigência de experiência em gestão empresarial”.

Adicionaram ainda que “é inverídica a afirmação de que a Telemar não teria adimplido a primeira parcela prevista no Edital. Não só não houve inadimplemento algum, como demonstram os recibos anexos, como, na verdade, os integrantes do Consórcio Telemar efetivamente quitaram o valor correspondente a parcela à vista rigorosamente na data do seu vencimento, prevista no Edital” (fl. 1536).
Ressaltaram, ademais, que a concessão do apoio financeiro dependeu de prévia comprovação de determinados indicadores econômicos-financeiros por parte dos beneficiários, bem como do exame dos seus balanços, a fim de se determinar o valor total adequado de emissão de debêntures para cada empresa apoiada, o qual foi calculado conforme o menor valor obtido a partir da aplicação dos três critérios estabelecidos no Programa, a saber: a) 20% do lance vencedor; b) 1/3 do valor do patrimônio Iíquido final da licitante; c) 1/3 do incremento no patrimônio líquido final da beneficiária. As empresas teriam apresentado ainda inúmeros documentos tendentes a comprovar sua idoneidade.
Asseveraram, por fim, que “por ocasião da pré-identificação dos participantes, garantiu-se que teriam capacidade para saldar a parcela à vista do preço mínimo da Tele Norte Leste. Como esta companhia foi vendida praticamente pelo preço mínimo, com um ágio de apenas 1%, não havia nem mesmo a possibilidade de não ocorrer a liquidação financeira deste leilão” (fl. 1536).
Telemar Participações S/A, Construtora Andrade Gutierrez S/A, Inepar - Indústria e Construções, Macal Investimentos e Participações S/A, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, Brasil Veículos Companhia de Seguros, Fiago Participações S/A ofertaram contestação (fls. 1933/2009 – vol. IX), com documentos (fls. 2010/2279 – vol. IX), aduzindo, em preliminar, que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica dos pedidos principal e acessórios, bem como pela inépcia da inicial, não podendo haver cumulação de ação de improbidade administrativa com ação civil pública. Afirmam que a ação se encontra fundada em várias alegações não provadas, desconexas e com clara motivação política; que há impossibilidade jurídica de anulação do leilão de privatização da Tele Norte Leste; que se formula pedido de condenação a ressarcimento integral de danos, sem apontar quais seriam os danos; que não ha qualquer irregularidade no edital e que não há ilegalidade na subscrição pelo BNDESPar de debêntures conversíveis em ações ordinárias, haja vista que não há possibilidade de tornar-se controlador da holding.
Asseveram que as companhias seguradoras Brasil Veículos e Companhia de Seguros Aliança do Brasil são pessoas jurídicas privadas, sendo a Brasil Veículos subsidiária integral da Brasilseg Participações S/A, com a maior parte de seu capital votante sob controle do Grupo Sul América de Seguros e a Companhia de Seguros Aliança do Brasil, coligada do BB-Banco de Investimento, com a maior parte de seu capital votante com Cia. de Participações Aliança da Bahia, não havendo irregularidade em sua participação no leilão. Aduzem que a transferência da FUNCEF para a PREVI, de 51,893% das quotas do FCF - Fundo Mutuo de Investimentos em Ações, não representa qualquer transferência de controle da Telemar, haja vista que nem a PREVI nem a FIAGO participam do controle da Telemar, detendo menos de 20% de participação acionária.
Asseveram que o art. 202, da Lei Geral de Telecomunicações, deve ser interpretada no sentido de que somente o controle direto da empresa de telefonia adquirida deve permanecer inalterado por cinco anos, mas não o controle indireto, pois a isso corresponderiam consequências antieconômicas, colocando em risco a continuidade dos negócios, já que a livre transmissibilidade de ações da sociedade anônima é principio essencial de tais companhias.
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Renato Navarro Guerreiro ofertaram contestação (fls. 2329/2364 – vol. X), alegando, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva para a causa, uma vez que não possuem qualquer responsabilidade com relação ao processo licitatório; a competência para a causa do Supremo Tribunal Federal; a perda do objeto da ação, em face do sucesso na privatização do Sistema Telebrás e a inépcia da petição inicial. No mérito, sustentam, em suma, a legalidade dos atos impugnados e a improcedência dos pedidos formulados.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Pinheiro de Lara Resende e José Pio Borges de Castro Filho também contestaram (fls. 2370/2403 – vol. X), com documentos (fls. 2404/2546 – vols. X e XI), arguindo competência do STF para julgamento da lide; ilegitimidade passiva de Luiz Carlos Mendonça de Barros com relação aos pedidos formulados, por dizerem respeito a atos posteriores à realização do leilão, salvo os itens 7 e 9, e de André Pinheiro de Lara Resende e José Pio Borges de Castro Filho, por não Ihes caber qualquer responsabilidade pelos atos da BNDESPar e da Anatel; ausência de interesse de agir por ser a demanda orientada por objetivos estritamente políticos, bem assim em face da inviabilidade de anulação do leilão. No mérito, sustentam que os pleitos são incongruentes e incompatíveis entre si, não tendo ocorrido prática de qualquer ato de improbidade administrativa. Aduziram que o programa da BNDESPar não foi mencionado no Edital MC/BNDES nº 01/98, porquanto Ihe constituía matéria inteiramente estranha, além disso, teria sido aprovado em 20/7/98, enquanto o Edital fora publicado em 19/6/98. Afirmam que as empresas Andrade Gutierrez, Macal e Inepar são clientes tradicionais do BNDES, sendo de pleno conhecimento do Banco as suas respectivas capacidades de pagamento. Afirmam que foram exigidas: certidões negativas de distribuidores de ações cíveis, de débitos fiscais, dos cartórios de protesto de títulos, de contribuições sociais e de regularidade no CADIN; para concessão do empréstimo, foram constituídas garantias pessoais e reais em índice padrão de 133% (cento e trinta e três por cento) do valor da operação financeira que já teriam sido liquidadas sem qualquer inadimplência. Quanto às capacidades técnica, econômica e financeira, afirmam que foi exigida a comprovação de capacidade de gestão empresarial, por meio da demonstração da participação nos quadros das empresas de pelo menos três administradores com experiência na administração de empresas com faturamento anual superior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) e da capacidade de fazer frente ao pagamento devido em função do leilão. Aduzem que é infundada acusação de que houve tentativa de venda dos 25% do capital acionário da BNDESPar na Telemar para os italianos, porquanto isso só poderia ocorrer em leilão público, observando a Iegislação aplicável. Afirmam que não há irregularidade na participação de Seguradoras no leilão, em conformidade com o edital. Esclarece que a participação dos fundos de pensão, representada pela Fiago Participações no Consórcio Telemar, era minoritária e não relevante.
O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 2585/2605 (vol. XI), sobre as contestações, afastando as preliminares arguidas, requerendo, ao final, o prosseguimento do feito.
Tendo decisão (fls. 2309/2309-v – vol. X) reconhecido o Supremo Tribunal Federal como competente para julgar o feito, houve a interposição pelo MPF (autor) de agravo de instrumento (fls. 2312/2326 - Al 2003.01.00.005295-0 - vol. X), ao qual foi atribuído parcial efeito suspensivo para que a presente ação não tivesse desfecho até o julgamento final do recurso de agravo de instrumento (fls. 2367/2368).
Com a notícia que ao referido agravo de instrumento fora negado provimento (fl. 2572 vol. XI), os autos seguiriam para o STF; porém, em razão do julgamento pelo Plenário do STF, em 15/9/2005, das Ações Direitas de Inconstitucionalidade 2797 e 2860, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos §§ 1° e 2°, do Código de Processo Penal, alterados pela Lei 10.628/02, por Decisão, às fls. 2580/2581 (vol. X), fixou-se a competência desta 17ª Vara Federal para o julgamento da causa, restando prejudicados os efeitos do Agravo de Instrumento.
Contra esta última decisão, a Telemar Participações S/A, Construtora Andrade Gutierrez S/A, INEPAR S/A - Indústria e Construções, Macal Investimentos e Participações Ltda., Companhia de Seguros Aliança do Brasil, Brasil Veículos Companhia de Seguros e Fiago Participações S/A interpuseram Agravo de Instrumento (fls. 2612/2627 – Al 2006.01.00.023612-1 – vol. X), cujo pedido de antecipação da tutela recursal foi indeferido nos termos da decisão de fl. 2632 – vol. X.
Tendo o Agravo de Instrumento sido indeferido (fls. 2710/2714 – vol. XII), as partes foram intimadas para especificação de provas (fl.2719 – vol.XII).
O MPF requereu a juntada de documentos (fls. 2723/2769 – vol. XII).
A União (fls. 2772/2775), BNDES e BNDESPar (fls. 2778/2780) e Luiz Carlos Mendon9a de Barros, André Pinheiro de Lara Resende e José Pio Borges de Castro Filho (fls. 2783/2784), requereram o julgamento antecipado da lide.
Telemar Participações S/A, Construtora Andrade Gutierrez S/A, Inepar S/A - Indústria e Construções, Macal Investimentos e Participações S/A, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, Brasil Veículos Companhia de Seguros e Fiago Participações S/A (fls. 2786/2792) asseveraram a necessidade prévia de exame das preliminares de impossibilidade de cumulação da ação de improbidade com a ação civil pública; impossibilidade jurídica do pedido e inépcia dos pedidos acessórios condenatórios. Sucessivamente, requereram também o julgamento antecipado da lide.

Este é o relatório. DECIDO.

Em primeiro plano, impõe-se o exame das preliminares que foram levantadas pelos réus.
No que tange à preliminar de incompetência absoluta deste Juízo, para processar e decidir esta demanda, entendo que se encontra inteiramente superada, já que, embora houvesse decisão no sentido da remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, a questão ficou inteiramente resolvida no curso desta ação, por força da Decisão de fls. 2.580/81. Portanto, não comporta mais a reabertura da discussão aqui desta matéria, estando, a meu sentir, completamente resolvida.
Rejeito, assim, a citada preliminar.
Sobre a alegação de indevida cumulação de ações – improbidade administrativa com ação civil pública –, mostra-se impertinente a presente argüição. É que a jurisprudência tem sido firmada no sentido da possibilidade de cumulação da ação de improbidade administrativa com a ação civil pública. Vejam-se estes exemplos do posicionamento pretoriano sobre a presente questão:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INQUÉRITO CIVIL. PRESCINDIBILIDADE. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO. NÃO CABIMENTO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CIVIL E CRIMINAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DECISÃO DE RECEBIMENTO DA INICIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS. ATO DE IMPROBIDADE. INDÍCIOS DE OCORRÊNCIA.
[...]
5. É possível a cumulação da ação de improbidade administrativa com a ação civil pública objetivando a reparação de danos, sobretudo quando se atenta para a circunstância de a probidade administrativa ter natureza de interesse difuso. A responsabilização do Agravante pela prática de ato improbidade administrativa pode obrigá-lo a reparar os prejuízos identificados e também puní-lo de acordo com as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça.
6. Em face da descrição de ato de improbidade feita na peça inicial pelo autor da ação, bem como ante a existência de indícios da possível prática do mesmo pela agravante, afigura-se correto o recebimento da inicial da Ação de Improbidade.
7. Havendo indícios de ato de improbidade não há como se asseverar a inexistência do mesmo, sem oportunizar ao Autor provar o alegado na inicial durante a instrução do feito. Precedente do STJ.
8. Agravo de Instrumento improvido”.
(AG 2008.01.00.009486-6/PA, Rel. Juiz Federal Klaus Kuschel (conv), Quarta Turma, e-DJF1 p.124 de 12/12/2008).

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO POR IMPROIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLÍTICOS. APLICABILIDADE DA LEI N. 8.429/92. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VIA ADEQUADA.INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/98. INEXISTÊNCIA.
[...]
II- É possível a cumulação em Ação Civil Pública de pretensão de ressarcimento do erário com a de apenação nos termos da Lei de Improbidade. (Precedentes da 3a Turma deste Tribunal), sendo legítimo o Ministério Público para a sua propositura.
III. Não há inconstitucionalidade formal na Lei n. 8.429/92 (STF, ADI-MC 2.182-6/DF, DJ 19.03.2004,Relator Ministro Maurício Corrêa).
IV. Recurso improvido”.
(AG 2007.01.00.011001-7/MA, Rel. Juiz Federal Lino Osvaldo Serra Sousa (conv), Terceira Turma, e-DJF1 p.77 de 31/10/2008).

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. QUESTÕES SUSCITADAS E DISCUTIDAS NO PROCESSO. CPC, ART. 515, § 1º. NEPOTISMO. GRADAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES.
1. Pode haver cumulação de pedidos das ações civil pública e de improbidade administrativa.
[...]”.
(AC 2003.41.00.002798-5/RO, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Terceira Turma, e-DJF1 p.183 de 04/04/2008).

Posto isto, afasto a preliminar suscitada.
Tenho para mim que não há razão para acolher-se a preliminar de inépcia da inicial, por ausência de formulação de pedido de procedência da ação pelo autor desta demanda, mesmo porque, embora tecnicamente a procedência seja em relação ao pedido e não da ação, vejo formulada a pretensão desta demanda, ainda que genericamente, nas letras “a”, “b” e “c”, da inicial (fl. 49).
Além do mais, trata-se de mera imprecisão técnica (regramento processual), não gerando aos réus qualquer prejuízo na formulação de suas defesas.
Repilo, assim, a preliminar.
Também não merece acolhida a alegação, em sede de preliminar, de impossibilidade jurídica do pedido. Não pude extrair alguma vedação legal quanto ao que aqui se pretende. Portanto, não havendo no ordenamento jurídico vedação quanto à providência jurisdicional aqui perseguida, improcede a argüição de impossibilidade jurídica do pedido.
Desse modo, rejeito a preliminar.
Quanto à alegação de perda de objeto, sob o fundamento de que os atos administrativos pertinentes ao processo de desestatização do Sistema Telebrás já foram todos eles praticados, reputo que improcede a preliminar. É que, de fato, embora praticados esses atos, busca-se, aqui, no mérito, a decretação de nulidade de todo o procedimento de alienação das ações da União na Tele-Norte Leste Participações S/A. Assim sendo, não vislumbro tenha perdido o objeto, mesmo porque ele, a meu sentir, subsiste com a pretensão anulatória dos atos já praticados.
Fica afastada a preliminar.
Não procede a preliminar de ilegitimidade passiva para a causa levantada pela ANATEL, do seu Presidente e do seu Vice-Presidente na época da desestatização do Sistema Telebrás. É que a Lei n. 9.472/97, que criou a ANATEL, e o Decreto n. 2.338/97, que a regulamentou, são anteriores ao processo de desestatização das empresas federais de telecomunicações, que se consubstanciou no Edital MC/BNDES n. 01/98, pelo que se conclui que a citada Agência fez parte desse processo. Não se pode imaginar que ocorra a desestatização das empresas federais de telecomunicações sem a participação da ANATEL.
Repilo, ainda, a citada preliminar.
Entendo que, neste espaço, não há necessidade de maiores considerações sobre a legitimidade dos réus (pessoas físicas) nesta demanda. Conforme consta da petição inicial e dos documentos que a instruem, os fatos expõem, de forma clara, a relação de todos eles com a prática dos atos que se pretende sejam anulados, com as conseqüências ali ventiladas. Não vislumbro razões para afastá-los desta ação.
Improcede a preliminar.
Relativamente à preliminar de falta de interesse de agir, entendo, pelo sua fundamentação, que tem ligação direta com o mérito da demanda. Por esta razão, a preliminar, confundindo-se com o mérito, será com ele decidida.
Ultrapassadas as preliminares, examino agora o mérito da causa.
Conforme se pôde verificar na leitura do relatório, o Ministério Público Federal propôs a presente Ação de Improbidade Administrativa combinada com Ação Civil Pública, na qual questiona a legalidade da operação que resultou na privatização das empresas federais de telefonia, integrantes do Sistema Telebrás, e, em especial, na criação da empresa Tele Norte Leste, atribuindo-se aos réus a prática de vários atos de improbidade administrativa, previstos na Lei n. 8.429/92, no art. 9º, da Lei 8.666/93, e no art. 37, da CF/88, além da ofensa aos preceptivos constitucionais da moralidade, da probidade, da legalidade e da impessoalidade.
Em resumo, imputam-se aos réus as práticas destes atos, dentre outros (fls. 06/10, da inicial):

1. a transferência do controle indireto da Tele Norte Leste (ao final do processo de alienação) para o próprio BNDES, através do BNDESPAR, violando-se o art. 202, da Lei Geral de Telecomunicações;
2. a alteração dos integrantes pré-identificados do Consórcio Telemar, que acabou adquirindo a Tele Norte Leste no referido leilão de privatização, de forma ilegal;
3. empréstimos ilegais que teriam beneficiado membros do Consórcio Telemar;
4. a participação da PREVI e de outros fundos de pensão no Consórcio Telemar, o que seria vedado pela Lei Geral de Telecomunicações, em face da participação desses fundos em outras empresas de telefonia;
5. a existência de falhas no já mencionado edital de privatização;
6. a tentativa do BNDES de alienar a sua participação à empresa estrangeira de telefonia de modo ilícito; e
7. a utilização de influência de autoridades sobre seguradoras coligadas ao Grupo Banco do Brasil, visando a sua participação no Consórcio Telemar.

À fl. 10, da petição inicial, o Ministério Público Federal encarta este trecho:

“Esta narrativa, em diversos parágrafos, segue como paráfrase do relatório dos auditores do TCU, além de transcrever trechos do parecer do Dr. Lucas Rocha Furtado, ilustre Subprocurador do Ministério Público do TCU. Foi adotado esta técnica narrativa inclusive para demonstrar a unidade na análise da área técnica do TCU e do MPF.

Outra razão que justifica tal método é o fato de quase todas as provas documentais pré-constituídas necessárias para a solução desta lide estarem no bojo do procedimento n. TC-927.764/1998-9, que trata da inspeção sobre a Tele Norte Leste. São provas pré-constituídas que seguem anexas”. (fl. 50)

Já no final da petição inicial, sob o título “DAS PROVAS”, o Ministério Público Federal enfatiza:

“Para provar o alegado, o MPF indica e requer, desde logo, a juntada de documentos, oitiva de testemunhas, perícias, vistorias, depoimentos pessoais de todos os demandados ou respectivos representantes legais, bem como todos os meios de prova admitidos em Direito, que se fizerem necessários ao deslinde da controvérsia, de acordo com o contraditório processual, como se estabelecer no curso da lide. E, desde já, especifica uma prova vital, a juntada do inteiro teor do procedimento n. TC-927.764/1998-9, que trata da inspeção sobre a Tele Norte Leste”. (grifei).

Embora tenha sido oportunizada a produção de outras provas, as partes se fixaram apenas nas aqui juntadas, dispensando-se, sejam os réus, seja o Ministério Público Federal (autor), a oitiva de testemunhas – sequer arroladas –, perícias, vistorias e depoimentos pessoais dos demandados ou seus representantes legais, bem assim a juntada de outros documentos, além daqueles constantes da inicial e os trazidos com as contestações.
Isto quer dizer que os fatos aqui apontados se respaldam, no âmbito das alegações do Ministério Público Federal (autor), no procedimento n. TC-927.764/1998-9, que originou o Relatório de Inspeção elaborado pelos Analistas de Finanças e Controle Externo do TCU, Dra. Márcia Bittencourt da Costa e Dr. Gualter Ramalho Portela, das 8ª e 9ª Secretarias de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, que, no período de 26 a 30.10.98, realizou inspeção no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, “com o objetivo de averiguar possíveis irregularidades no processo de venda da Tele Norte Leste Participações S/A, uma das empresas de telecomunicações resultantes da cisão do Sistema TELEBRÁS”.
De real, no relatório, constam os fatos indicados na petição inicial do Ministério Público. São fatos tidos como graves. Por esta razão, a iniciativa do MPF, que propôs esta ação, que a respalda nas conclusões dos técnicos do Tribunal de Contas da União expostas no citado documento. Evidencio ainda que a demanda foi proposta a partir de representação formulada por algumas entidades sindicais e alguns políticos, conforme se pode perceber pelos documentos que instruem a inicial.
Debrucei-me, cautelosamente, sobre as alegações do autor e, à primeira vista, fiquei impressionado com a riqueza de detalhes na sua exposição. Porém, como é sabido, para que ocorra a procedência ou improcedência do pedido, é necessário que possa haver o convencimento do julgador sobre os fatos que ensejaram a demanda. Isto se verifica a partir do conjunto de provas constante dos autos (documentos juntados, prova testemunhal, prova pericial, inspeções etc.).
No presente caso, malgrado o esforço do autor, com sua peça inicial subscrita por competentes e zelosos Representantes do Ministério Público Federal, não pude extrair elementos de convencimento, a respaldar um desfecho de procedência do pedido, com as conseqüências vindicadas na parte final da exordial.
Digo isto baseado exatamente nas supervenientes manifestações e conclusões do Tribunal de Contas da União. É o que se pode depreender, por exemplo, do contido na “CONCLUSÃO” do Relatório da 9ª Secretaria de Controle Interno do TCU, à fl. 2741, datado de 29.03.1999:

“À luz das razões de justificativas apresentadas, entendemos que os atos, ora em análise, praticados pelos responsáveis não resultaram em dano ao erário posto que não restringiram o caráter competitivo da licitação e tampouco a isonomia do certame. Desse modo, não é cabível a aplicação de multa por parte deste Tribunal tendo em vista não terem sido detectados atos enquadráveis nas hipóteses estabelecidas pelo art. 58 da Lei 8.443/92”.

Levadas as considerações e conclusões do citado Relatório de Inspeção ao Ministério Público que funciona junto ao Tribunal de Contas da União, assim se pronunciou o d. Procurador Geral em exercício, Dr. Lucas Rocha Furtado:

“Trata-se de Relatório de Inspeção realizada no Banco Nacional de Desenvolvimento e Social – BNDES, cujo objetivo era verificar a legalidade e a regularidade do processo de privatização da Tele Norte Leste Participações S/A.
Retornam os autos a esta Procuradoria ante o honroso pedido de pronunciamento formulado por V. Exa. À fl. 293, em face da apresentação, pelos responsáveis, das razões de justificativa oferecidas em resposta à audiência prévia promovida em cumprimento ao subitem 8.2.5 da Decisão 897/98-Plenário (fls. 175/176).
A 9ª. SECEX, ao analisar tais razões sob os aspectos enumerados à fl. 283, opina pelo acolhimento delas, sem prejuízo do encaminhamento das informações que menciona ao Ministério Público Federal (fl. 291).
Desde já, anuímos à análise procedida e à proposta oferecida pela Unicidade Técnica, pelas razões que passaremos a expor.
Cumpre esclarecer, primeiramente, que fundamos nossa opinião na documentação acostada aos autos até a presente data, sobretudo nas declarações prestadas pelos ex-Ministro das Comunicações, Sr. LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ao Senado Federal em 19.11.1998.
Sustentamos acessoriamente alguns argumentos no conteúdo das conversas telefônicas clandestinamente gravadas, divulgadas pela Folha de S. Paulo em 25.5.1999. Note-se que os responsáveis não negam a realização dessas conversas e a ilicitude da gravação delas não impede que possam ser usadas como prova ou indícios a favor deles.
A audiência prévia foi promovida com vistas a colher justificativas acerca dos atos de negociação direta com possíveis participantes do processo de desestatização da Telebrás, das gestões visando à formação e a viabilização de consórcios para participar desse processo, bem como da interferência em favor do Consórcio Itália Telecom.
Nas referidas declarações ao Senado Federal, especialmente nos trechos transcritos pela instrução técnica (fls. 283/285 e 288/289), resta clara a atuação dos responsáveis no sentido de viabilizar a participação do Consórcio composto pelo Banco Opportunity, pela Previ e pela Itália Telecom, no leilão da Tele Norte Leste S/A. Num primeiro momento, o ex-Ministro admite a conversa entre um dos diretores do Banco Opportunity e o ex-Presidente do BNDES, em que este sugere àquele estratégia para manter a Previ no Consórcio (fl. 284). Noutro, o próprio ex-Ministro, apesar de negá-lo nas razões de justificativa, numa conversa com o ex-Diretor da Área Internacional do Banco do Brasil, intercede para que a instituição viesse a conceder carta de fiança ao Consórcio integrado pelo Banco Opportunity (fl. 288).
Não se pode negar, entretanto, que tal atuação, segundo os documentos e informações até então constantes nos autos, teve como objetivo, como insistentemente tem declarado o Sr. LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, favorecer, e não frustrar, a competição no leilão da Tele Norte Leste S/A.
É evidente que a existência de apenas um consórcio interessado na disputa, no caso o Consórcio Telemar, implicaria a venda da empresa pelo preço mínimo, de modo que a atuação dos responsáveis no sentido de viabilizar a participação de outro consórcio e, com isso, criar a possibilidade de venda da Tele Norte Leste por lance maior que o mínimo, conquanto se pudesse vislumbrar aí a violação do princípio da impessoalidade, foi, a nosso ver, em favor do erário e do interesse público, e não contra eles.
Analisando ainda sob essa ótica, leilão de tamanha proporção, em que o interesse do Estado, que busca receber o maior preço, confronta-se com os interesses do mercado, que busca, até por meios ardilosos, pagar o menor preço, pensamos que o administrador público diligente deve estar atento e agir, visando a defender os interesses do Estado.
É de salientar que em nenhum documento constante nos autos, ou mesmo em nenhuma das conversas telefônicas ilicitamente gravadas até então divulgadas pela imprensa, verificou-se indícios de que os responsáveis tenham-se locupletado ou beneficiado pessoalmente das suas ações.
Também é de ver que as gestões empreendidas pelos responsáveis, embora de fato tivessem favorecido à competitividade, não tiveram influência no resultado do leilão.
Além disso, segundo as informações prestadas pelo ex-Ministro LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS ao Senado Federal (fl. 287) e segundo as conversas telefônicas gravadas clandestinamente, divulgadas pela Folha de S. Paulo em 25.5.1999, no sentido de que o lance do Consórcio Opportunity e da Itália Telecom para a Tele Norte Leste S/A seria superior ao preço mínimo em mais de R$ 1 bilhão, se esse Consórcio não tivesse sido desclassificado por ter ganho o leilão Tele Centro Sul S/A, o resultado do leilão poderia ter sido ainda melhor para o erário.
Enfim, em que pese a aparente violação do princípio da impessoalidade, não vislumbramos nas ações dos responsáveis a intenção de favorecer em particular o Consórcio composto pelo Banco Opportunity e pela Itália Telecom, mas antes a intenção de favorecer à competitividade no leilão da Tele Norte Leste S/A e, com isso, buscar melhor resultado para o erário na desestatização dessa empresa.
Tanto isso parece-nos verdade que, apesar da amizade pessoal dos responsáveis com os diretores do Banco Opportunity, não foi repassada a estes a informação privilegiada e relevantíssima que aqueles detinham, sobre as dificuldades financeiras do Consórcio Telemar, que sinalizavam a impossibilidade de oferecimento, por parte deles, de lance superior ao preço mínimo (fl. 287).
Dissemos violação aparente do princípio da impessoalidade, uma vez que esta se configura quando a intenção do agente público, com seus atos, é beneficiar ou prejudicar alguém. O princípio da impessoalidade deve, nos dias atuais, ser examinado em situações concretas. Não há como querer examinar a sua possível violação em situações abstratas ou meramente teóricas. São cada vez maiores os desafios que a sociedade moderna obriga-nos a enfrentar, e a velocidade com que novos fatos são impostos à Administração não mais permite que se possa querer resolvê-los com instrumentos jurídicos do passado. A atuação estatal não deve mais ser balizada apenas pelos critérios de legalidade, de moralidade e de impessoalidade. Exige-se que a gestão pública seja igualmente pautada pelos princípios da eficiência e da economicidade. A ênfase é dada na produtividade, na obtenção de resultados. Portanto, atuação administrativa legítima, nos dias atuais, será aquela que além de realizar os princípios tradicionais da impessoalidade, da legalidade etc., igualmente dêem ênfase à obtenção de resultados positivos sob o ponto de vista da eficiência, da economicidade.
Sob esse enfoque, ainda que a atuação dos responsáveis no presente caso possa causar certa perplexidade, haja vista não poderem ser consideradas atuações ortodoxas, as circunstâncias em que essas desenvolveram-se, e à luz dos esclarecimentos prestados, devem tais atuações ser consideradas perfeitamente legítimas.
Entretanto, no caso em exame, com base nos argumentos ora aduzidos, nos documentos constantes dos autos e nas informações conhecidas até a presente data, tudo indica que não houve tal intenção dos responsáveis, haja vista, como se disse, não agirem eles para beneficiar em particular determinado consórcio, mas para favorecer à competitividade no leilão e buscar melhor resultado para o erário.
Nossa opinião, entretanto, não impede a apreciação dos fatos pelo Ministério Público Federal. Por isso, manifestamo-nos integralmente de acordo com a proposta apresentada pela Unidade Técnica à fl. 291.
Tendo em vista, ainda, a notícia publicada pela Folha de S. Paulo, em 31.5.1999, confirmando as dificuldades econômicas e financeiras da Telemar, pois que 65% dos recursos que compuseram a primeira parcela do pagamento referente à compra das ações da Tele Norte Leste S/A provieram do BNDES, das Seguradoras do Banco do Brasil e de empresas controladas por fundos de pensão de estatais, sugerimos que se determine à 9ª. SECEX o acompanhamento pari passu das eventuais providências adotadas ou a serem adotadas pela ANATEL, em cumprimento ao subitem 8.2.3 da Decisão 897/98-Plenário, bem como o acompanhamento do pagamento da segunda parcela a ocorrer em agosto do presente ano, com vistas a verificar a sua regularidade” (o grifo não está no original).

Em seqüência, pois, a matéria, objeto da referida inspeção, foi ao Plenário do Tribunal de Contas da União, por Voto do Ministro-Relator Bento José Bugarin, que ali encartou as seguintes e considerações e conclusões (fls. 2.764/2.768):

“Conforme se depreende do Relatório, a audiência dos responsáveis decorreu do teor da Decisão nº 897/98-Plenário, Ata nº 51, que, entre outras providências, determinou à 9ª SECEX que “nos termos do art. 43, III, da Lei nº 8.443/92, promova a audiência dos Srs. LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, ex-Ministro das Comunicações, ANDRÉ PINHEIRO DE LARA REZENDE, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e JOSÉ PIO BORGES DE CASTRO FILHO, presidente-interino do mencionado Banco, para que apresentem razões de justificativa acerca dos atos de negociação direta com possíveis participantes do processo de desestatização da Telebrás, das gestões visando à formação e viabilização de consórcios para participar desse processo, bem assim da interferência em favor do Consórcio Telecom Itália, admitidas pelo primeiro deles, nas informações que prestou ao Senado Federal, com vistas a aferir exclusivamente a legitimidade de suas atuações”.
Portanto, a citada Decisão do Tribunal determinou a audiência dos responsáveis em relação ao seguinte:
a) atos de negociação direta com possíveis participantes do processo de desestatização da Telebrás;
b) gestões visando à formação e à viabilização de consórcios para participar desse processo;
c) interferência em favor do Consórcio Telecom Itália.
No que concerne ao item a, não há de se confundir “atos de negociação” com atos de divulgação e propaganda. Evidentemente que se alguém deseja vender um bem, buscará despertar o interesse do maior número de pessoas possível, a fim de que, havendo competição, o preço de venda seja maior. Desse modo, percebe-se dos fatos narrados nos autos que os responsáveis, considerando as elevadas funções que desempenhavam no Governo Federal, praticaram atos de divulgação e propaganda, na tentativa de fornecer mais informações aos investidores internos e externos acerca das empresas privatizandas. Além disso, na qualidade de agentes políticos que eram, cabia-lhes transmitir segurança ao mercado, especialmente quanto ao futuro, o que, para tanto, requeria o contato, muitas vezes, direto com os potenciais compradores.
Portanto, com relação a esses atos de divulgação e propaganda, não consta dos autos prova de que os responsáveis tenham-se utilizado dos cargos que ocupavam para a prática de “atos de negociação direta com possíveis participantes do processo de desestatização da Telebrás”, até mesmo porque o sistema de venda via leilão oferece pouco espaço para a “negociação direta”.
Quanto a ter admitido os fatos contidos nos itens b e c da audiência do Tribunal, é de se ressaltar o teor da defesa apresentada, e reproduzida no início do Relatório, no sentido de que “ainda nos esclarecimentos que prestou ao Senado Federal, o signatário Luiz Carlos Mendonça de Barros jamais admitiu a procedência da acusação de que ele ou os Srs. André Lara Resende e José Pio Borges de Castro Filho houvessem realizado ‘gestões visando à formação e viabilização de consórcios’ ou ‘interferência em favor do Consórcio Telecom Itália’, admissão essa aludida, de modo claramente equivocado, na decisão onde foi determinada a realização desta audiência”.
A defesa reproduziu, ainda, a seguinte declaração feita ao Senado Federal pelo ex-Ministro das Comunicações:
“‘O diálogo publicado na Veja, e constante das fitas, tem este segundo defeito: além de obtido ilegalmente na fonte original, ele foi editado de maneira clara a mostrar ou induzir o leigo ou o ouvinte a um tipo de conclusão que é absolutamente falsa. (…) o autor da edição deixou bem claro qual era o seu objetivo. O seu objetivo era mostrar, e a Veja diz isto claramente, que, existindo dois consórcios na disputa da chamada Tele Norte Leste, um consórcio tratado como o consórcio do Banco Opportunity, e o outro tratado como Consórcio Telemar, iriam disputar, no dia seguinte, o leilão, e o BNDES, através do seu presidente, e o Ministro das Comunicações tentaram interferir, ao longo daquele dia, no sentido de privilegiar um dos consórcios. Eu, neste momento, faço uma afirmação absolutamente categórica de que isso não é verdade, que isso é mentira’ (cf. Ata da 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, realizada em 19.11.98, publicada no Diário do Senado Federal de 20.11.98, pág. 16288).”
E conclui da seguinte forma:
“Com isso se afasta, desde já, o equívoco estabelecido como premissa da proposta de realização desta audiência, qual seja, a de que o signatário Luiz Carlos Mendonça de Barros houvesse, nas suas declarações ao Senado Federal ou em qualquer outra oportunidade, admitido que ele ou os demais signatários houvessem, por qualquer meio, realizado gestões para ‘viabilizar’ ou ‘favorecer’ quaisquer consórcios. Não só não admitiu a prática desses atos, como, enfática e expressamente, a rejeitou e negou.”
Especificamente quanto ao item b da audiência – “gestões visando à formação e à viabilização de consórcios para participar desse processo” -, é de se notar que os questionamentos relativos à conduta do ex-Ministro decorrem especialmente das seguintes declarações que forneceu ao Senado Federal:
“Foi com muita surpresa que, três dias antes do leilão, fomos informados de que a Previ, que havia inclusive assinado documentos de confidencialidade em relação à formação desse consórcio, havia colocado uma série de empecilhos para assinar o documento básico ao leilão, que era o de constituição do consórcio – não mais intenção, mas um documento formal que seria analisado pela Anatel, responsável pela pré-qualificação dos interessados no leilão.
Nossa posição em relação a isso foi a de tentar manter a estrutura que vigorava de, pelo menos, dois consórcios; pois esse, no nosso entendimento, era o interesse maior do Tesouro. Se apenas um consórcio se apresentasse, teríamos evidentemente a empresa vendida pelo preço mínimo.
Procuramos, por intermédio de discussões com os três grupos envolvidos nesse consórcio, contornar as dificuldades apresentadas pela Previ, segundo as pessoas que participavam da reunião, em função de detalhes administrativos absolutamente legítimos, se a empresa assim entendesse. Conseguimos, antes do leilão, que esses pontos administrativos que ameaçavam a formação desse consórcio fossem superados; e o consórcio, de novo, passou a existir.” (grifei).
Nesse caso, o que se requer na análise da questão é a licitude do fato, diante dos princípios regedores da Administração Pública. E quanto a isso não há nos autos provas que permitam concluir pela contrariedade a direito.
No que concerne à carta de fiança, não consta dos autos que tenha havido pressão dos responsáveis para que fosse concedida. Além disso, referida carta já havia sido dada ao Consórcio Telemar. Considerando que teria utilidade apenas para o vencedor do leilão, em nada prejudicaria o Banco do Brasil fornecer carta de fiança também para o Consórcio Telecom Itália.
De qualquer forma, não há nos autos o teor das discussões mantidas pelos responsáveis com os três grupos envolvidos no consórcio, o que impede conclusões a eles desfavoráveis, porquanto não se pode exigir que as autoridades máximas do processo de desestatização enclausurem-se em seus gabinetes e se recusem a discutir com os potenciais compradores, sejam eles nacionais, sejam eles estrangeiros.
O que importa notar é que não existe nos autos informação no sentido de que os responsáveis tenham, de algum modo, direcionado a venda de alguma empresa para determinado particular ou que tenha este particular se beneficiado de tratamento diferenciado daquele dispensado aos demais participantes do processo.
Certo é, portanto, que os responsáveis se preocuparam com a formação dos consórcios, mas é certo também que não há nos autos elementos que provem ter os responsáveis, nesse desiderado, ultrapassado os limites legais ou infringido os princípios que regem a Administração Pública, pois quanto maior fosse o número de participantes do leilão maiores seriam as chances de elevação do resultado da venda.
No que concerne ao item c da audiência deste Tribunal – “interferência em favor do Consórcio Telecom Itália” -, quatro fatos merecem especial atenção: o primeiro diz respeito à carta de fiança; o segundo refere-se à sugestão de estratégia de leilão; o terceiro relaciona-se à informação privilegiada quanto à capacidade financeira do Consórcio Telemar; e o quarto é concernente à preferência dos responsáveis pelo Consórcio Telecom Itália.
O episódio da carta de fiança foi devidamente analisado nos parágrafos anteriores, motivo pelo qual deixo de tecer comentários nesta oportunidade, pois sobre o fato já me manifestei.
Quanto ao que a Unidade Técnica denominou de “sugestão de estratégia de leilão”, reproduzo o seguinte trecho das declarações do ex-Ministro Mendonça de Barros ao Senado Federal:
“. . . não é verdade que eu coloquei a Previ, o Banco Opportunity e a Telecom Itália em contato. Isso foi feito privadamente entre eles. Só ficamos sabendo da formação do consórcio quando os italianos, os representantes da Telecom Itália, procuraram-me para dizer que aquilo que tinha sido acertado previamente entre os três – Banco Opportunity, Telecom Itália e Previ, e que eles tinham reportado – estava sendo desmontado por exigências da Previ. . .” (Volume III, fls. 014).
“. . . o problema é que o Pérsio Arida disse ao André que a Previ queria pôr um teto, um limite no lance do leilão do Opportunity. E é a isso que o André se refere: ‘Se esse limite for inferior àquilo que vocês acham que deva ser o preço correto, dizem que põem um limite e dão um outro preço’. Então, esse diálogo é no sentido de aumentar o preço e não de diminuir. Isso foi um comentário que o André fez no sentido, assim, de uma sugestão, diante de um problema que estava sendo criado, não por nós. E, de novo, nós poderíamos ter ficado ausentes. O interessante é que a ação correta passa a ser incorreta. E o senhor acaba de dar um exemplo muito claro. O senhor leu esse trecho da conversa como se o André estivesse dizendo: ‘Reduza o seu preço; e vá contra o interesse do Tesouro’. Mas não é isso o que está escrito, se for lido com cuidado. Ele diz o seguinte: ‘Se o teu problema é que a Previ quer colocar uma limitação de preço inferior àquilo que vocês acham correto, diz a ela que essa é a limitação e vocês é que vão dar o lance; depois, vocês dão’. No sentido do quê? Do bem, no sentido do aumento de preço.” (Volume III, fls. 019).
“Portanto, não há – porque isto eu garanto – nenhum momento antes do leilão em que se discute preço no BNDES. Essa é a regra, essa é a forma como se trabalha . . .” (Volume III, fls. 036).
Depreende-se dessas declarações que a conduta do Sr. André Lara Rezende não foi adequada ao cargo que ocupava de Presidente do BNDES. No entanto, o fato narrado não permite conclusão no sentido de que tenha havido interferência da referida autoridade em favor do Consórcio Telecom Itália. Essa conclusão seria cabível se nos autos houvesse informação de que o responsável havia interferido junto ao Banco do Brasil ou à PREVI, a fim de que citada entidade de previdência privada retirasse a imposição do teto. Contudo, nada há nos autos nesse sentido.
Ao contrário, a conduta do ex-Presidente do BNDES, embora criticável, retrata que a autoridade preferiu aconselhar o particular acerca do modo de superação das exigências da PREVI do que se valer do cargo que ocupava para tentar fazer com que a PREVI retirasse mencionadas exigências. Sua atuação foi dirigida à solução de problemas existentes entre duas entidades privadas, sob a forma de sugestão. No aspecto ético, porém, merece censura, dada sua condição de agente público.
Portanto, não vejo nos autos elementos que permitam concluir que o fato ora tratado tenha representado interferência em favor do Consórcio Telecom Itália.
No que toca à informação privilegiada quanto à capacidade financeira do Consórcio Telemar, registro que, do mesmo modo que entendo carecerem os autos de provas que permitam ao TCU formular juízo desfavorável aos responsáveis, no sentido de que teriam repassado mencionada informação ao Consórcio Telecom Itália, afasto, também, a impressionante mas, ao mesmo tempo, frágil alegação da defesa, que, na tentativa de descaracterizar citada suspeita, argumenta que o lance do Consórcio Telecom Itália era superior ao preço mínimo em 1 bilhão de reais, porquanto se trata de mera conjectura, fundada em declarações públicas desprovidas de qualquer substância probante. Cumpre ressaltar que a proposta desse Consórcio não foi aberta nem divulgada no momento do leilão, sendo depois destruída, de acordo com as normas pertinentes, o que inviabiliza a produção de prova quanto ao lance ofertado pelo Consórcio Telecom Itália.
Quanto à preferência dos responsáveis pelo Consórcio Telecom Itália, entendo que se trata de matéria subjetiva que pouco acrescenta para a análise da questão, pois foi manifestada após o leilão. Além disso, a responsabilidade pessoal requer a existência de ato que tenha sido praticado pelos envolvidos, de forma omissiva ou comissiva, dolosa ou culposa, mas, de qualquer modo, um ato e não mera preferência de natureza subjetiva que sequer foi exteriorizada antes ou durante o leilão.
Portanto, diante de todo o exposto, entendo, quanto ao mérito deste processo, não haver nos autos elementos suficientes que provem ter os responsáveis, de fato, praticado os atos a eles imputados na audiência realizada pelo Tribunal.
Por fim, quanto ao pedido formulado pelos responsáveis, por intermédio de memorial distribuído após a conclusão dos autos a este Relator, no sentido de que seja rejeitada a proposta da Unidade Técnica, endossada pelo Ministério Público, constante da alínea b, de encaminhar cópia da Decisão e Voto ao Ministério Público Federal, indefiro, desde já o pleito, por vários motivos: primeiro, porque as Decisões e os Relatórios e Votos que as fundamentam são, na íntegra, publicados no Diário Oficial da União, sendo, portanto, acessíveis a qualquer interessado, o que faz com que o encaminhamento das referidas cópias se resuma a mera cortesia deste Tribunal; segundo, porque consta dos autos pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, e já atendidos, de cópia das folhas que indicou; terceiro, porque, nesses casos, ou seja, quando o TCU, antes do julgamento fornece cópia dos autos, assim o faz alertando o interessado de que não se trata de posição oficial do Tribunal, mas que, tão-logo delibere sobre o assunto, encaminhará cópia da Decisão; quarto, porque à fl. 259 consta solicitação do Ministério Público Federal de cópia da Decisão desta Corte; quinto, porque o mero encaminhamento de cópia da Decisão não significa juízo de valor sobre qualquer fato que não tenha sido analisado nos autos; e sexto, porque, se incoerência há em relação à instrução da Unidade Técnica ou ao Parecer do Ministério Público, isso não justifica a exclusão da proposta, já que referidas peças são de informação, cabendo à parte, caso queira, atacar, pelos meios próprios, a posição oficial do Tribunal, que é a Decisão, e não as peças de informação.
Aliás, tendo em vista os pedidos de cópia de peças dos autos formulados tanto pelo Procurador-Geral da República, atendendo a solicitação dos Procuradores mencionados no Ofício de fl. 250, em face do Procedimento Administrativo nº 08106.000817/98-80, em curso na Procuradoria da República no Distrito Federal, como pelos Procuradores da República da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, em razão do Procedimento MPF nº 0812.1016/98-35, referente ao Inquérito Civil Público nº 4/98, entendo que, com mais razão ainda, deve ser encaminhada cópia da Decisão, assim como do Relatório e Voto que a fundamentam, ao Ministério Público Federal.
Considerando que já consta do item 8.3, in fine, da Decisão nº 897/98-Plenário, determinação à 9ª SECEX para que “acompanhe o cumprimento das determinações objeto do subitem 8.2 supra”, deixo de acolher a proposta do Ministério Público junto ao TCU no sentido de determinar àquela Unidade Técnica o acompanhamento pari passu das eventuais providências adotadas ou a serem adotadas pela ANATEL, em cumprimento ao subitem 8.2.3 da Decisão 897/98-Plenário, bem como o acompanhamento do pagamento da segunda parcela, com vistas a verificar a sua regularidade, tendo em vista a notícia veiculada na imprensa, confirmando as dificuldades econômicas e financeiras da Telemar, pois que 65% dos recursos que compuseram a primeira parcela do pagamento referente à compra das ações da Tele Norte Leste S/A provieram do BNDES, das Seguradoras do Banco do Brasil e de empresas controladas por fundos de pensão de estatais.
Destaco ainda que os motivos ensejadores da presente Representação, conforme consta do início do Relatório, já foram apreciados pela Decisão nº 897/98-Plenário, Ata nº 51, em razão do que cabe, nesta oportunidade, apenas o arquivamento dos autos, por não terem ficado provados no processo os fatos que motivaram a audiência determinada por este Tribunal na referida Decisão nº 897/98-Plenário.
Ante o exposto, VOTO por que o Tribunal adote a Decisão que ora submeto à apreciação do Plenário” (grifei).

Eis, assim, o teor da mencionada Decisão:

“DECISÃO Nº 765/99 - TCU - Plenário
1. Processo nº 927.764/98-9
2. Classe de Assunto: VII – Representação.
3. Responsáveis: Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-Ministro das Comunicações, André Pinheiro de Lara Rezende e José Pio Borges de Castro Filho, ex-Presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
4. Órgão/Entidade: Ministério das Comunicações e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.
5. Relator: Ministro Bento José Bugarin.
6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Lucas Rocha Furtado.
7. Unidade Técnica: 9ª SECEX.
8. Decisão: O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
8.1. arquivar estes autos, por não terem ficado provados no processo os fatos que motivaram a audiência determinada por este Tribunal na Decisão nº 897/98-Plenário;
8.2. encaminhar cópia desta Decisão, bem como do Relatório e Voto que a fundamentam:
8.2.1. ao Ministério Público Federal, tendo em vista os pedidos de cópia de peças dos autos formulados tanto pelo Procurador-Geral da República, atendendo a solicitação dos Procuradores mencionados no Ofício de fl. 250, em face do Procedimento Administrativo nº 08106.000817/98-80, em curso na Procuradoria da República no Distrito Federal, quanto pelos Procuradores da República da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, em razão do Procedimento MPF nº 0812.1016/98-35, referente ao Inquérito Civil Público nº 4/98;
8.2.2. aos responsáveis.
9. Ata nº 47/99 - Plenário.
10. Data da Sessão: 27/10/1999 – Ordinária” (sem grifo no texto original).

Embora transpareça enfadonha e mesmo cansativa a transcrição destes trechos, o objetivo, pela relevância da demanda, é deixar bastante evidentes os pronunciamentos desses Órgãos (Tribunal de Contas da União e Ministério Público junto ao TCU), porquanto, como salientei, a demanda se iniciou a partir de pretéritas manifestações dessas instituições.
Ressalto, ainda, que, conquanto este Juízo não fique vinculado ao que restou decidido pelo eg. Tribunal de Contas da União, não tenho, no presente caso, como tirar conclusão diferente daquela a que chegou essa eg. Corte de Contas, porque os fatos, como disse, estão baseados em anteriores manifestações de Órgãos Técnicos do TCU e do Ministério Público que ali funciona, os quais, posteriormente, concluíram pela ausência de irregularidades no processo de privatização das empresas federais de telefonia, integrantes do Sistema Telebrás. Ademais, as provas constantes dos autos, que se resumiram exatamente nas manifestações desses Órgãos, não dão espaço para que surja outro entendimento, pelo menos à luz do contexto probatório. Neste âmbito, é de bom alvitre destacar que o próprio Ministério Público Federal, ao ser instado à especificação de outras provas que pretendesse produzir (fl. 2719), nada requereu, a não ser a juntada desses últimos documentos produzidos no âmbito do Tribunal de Contas da União (fls. 2723/2769).
Por derradeiro, penso ser importante enfatizar que esta ação foi promovida em decorrência, ainda, de representação (fls. 54/90, da inicial) feita (dentre outras pessoas e entidades sindicais) por alguns políticos que, à época das privatizações do setor de telefonia, ostentavam notória oposição ao Governo anterior do Sr. Fernando Henrique Cardoso, que então administrava o País. Cito: Aloísio Mercadante, Ricardo José Ribeiro Berzoine, Vicente de Paula da Silva e João Vaccari Neto.
Sobreveio o Governo do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva (o Presidente Lula), que é apoiado por esses políticos que têm reconhecido relevo no ambiente congressual – Senador da República, Deputado Federal e Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT). Ora, se havia a preocupação com a apuração destes fatos, tanto que foi promovida a representação junto ao Ministério Público Federal, por que esses nobres políticos não interferiram junto ao Governo atual (já renovado pela reeleição), ao qual têm dado suporte, para que fosse feita, a fundo, a investigação dessas denúncias – sérias, enfatize-se – que apontaram na representação? Creio que, dando o suporte ao Governo, estão legitimados para a cobrança. A eles – os políticos –, portanto, compete a resposta da indagação, inclusive para que não deixem resíduo de dúvida quanto aos reais propósitos de que estavam imbuídos quando fizeram as denúncias.
Considero que, se realmente isto tivesse ocorrido, seria uma importante contribuição ao esclarecimento dos fatos arrolados nesta demanda, cujas provas aqui constantes ficaram adstritas, como já mencionei, às manifestações no âmbito do Tribunal de Contas da União.
Como não há nos autos esta indicação de apuração dos fatos, no contexto do Governo, já que nada foi juntado, penso que as provas são aquelas decorrentes da apuração feita pelo Tribunal de Contas da União, o qual concluiu – e que me respalda no veredicto – que não houve irregularidade a ser atribuída aos réus em decorrência da privatização das empresas federais de telefonia, a ensejar a condenação vindicada pelo autor.
Nada mais há além dessa conclusão.
Daí que a alternativa que se descortina, na hipótese, é a de improcedência da pretensão do Ministério Público Federal.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.
Descabe, no caso, a condenação em honorários advocatícios.
P. R. I.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de março de 2009.

Juiz Federal MOACIR FERREIRA RAMOS
Titular da 17ª Vara Federal/DF

ÍNTEGRA DO DISCURSO DE BARACK OBAMA

sexta-feira, 29 de agosto de 2008 | 3:57
“Ao presidente [do Partido Democrata] [Howard] Dean e a meu grande amigo [senador pelo Illinois] Dick Durbin; e a todos meus concidadãos deste grande país;

Com grande gratidão e grande humildade, aceito minha indicação para a Presidência dos Estados Unidos.

Permitam-me agradecer ao grupo histórico de candidatos que me acompanharam nesta jornada, e especialmente àquela que fez a viagem mais longa –uma grande defensora dos trabalhadores americanos e fonte de inspiração para minhas filhas e as suas–, Hillary Rodham Clinton. Ao presidente Clinton, que ontem à noite apresentou o argumento em favor da transformação da maneira que apenas ele seria capaz de fazer; a Ted Kennedy, que encarna o espírito do serviço; e ao próximo vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Eu os agradeço. Me sinto grato por chegar ao fim desta viagem ao lado de um dos melhores estadistas de nosso tempo, um homem que fica à vontade com todo o mundo, desde líderes mundiais até cobradores do trem Amtrak no qual ainda embarca todas as noites para voltar para casa.

Ao amor de minha vida, nossa próxima primeira-dama, Michelle Obama, e a Sasha e Malia –amo vocês tanto e sinto tanto orgulho de todas vocês.

Quatro anos atrás eu me apresentei diante de vocês e lhes contei minha história –a história da união breve entre um jovem do Quênia e uma jovem do Kansas que não eram ricos nem conhecidos, mas compartilhavam a fé de que, nos EUA, seu filho poderia realizar qualquer coisa que se propusesse a realizar.

Essa é uma promessa que sempre diferenciou este país: a promessa de que, através do trabalho duro e do sacrifício, cada um de nós poderá buscar seu sonho individual, mas que ainda conseguiremos nos unir como uma só família americana, para assegurar que a próxima geração também possa lutar por seus sonhos.

É por isso que estou aqui esta noite. Porque, por 230 anos, a cada momento em que essa promessa correu perigo, homens e mulheres comuns –estudantes e soldados, agricultores e professores, enfermeiros e zeladores– encontraram a coragem para mantê-la viva.

Nós nos encontramos hoje em um desses momentos de definição –um momento em que nosso país está em guerra, nossa economia, em turbulência, e a promessa americana foi posta em risco mais uma vez.

Esta noite, mais americanos estão desempregados e estão trabalhando mais para ganhar menos. Mais de vocês perderam suas casas e agora estão vendo suas casas perder valor em ritmo vertiginoso. Mais de vocês têm carros que não têm condições financeiras de usar, contas de cartão de crédito que não conseguem pagar e mensalidades escolares que estão fora de seu alcance.

Esses desafios não são todos obras do governo. Mas o fato de não serem enfrentados é resultado direto da política fracassada de Washington e da Presidência fracassada de George W. Bush.

América, nós somos melhores do que estes últimos oito anos. Somos um país melhor do que isso.

Este país é mais decente do que aquele em que uma mulher em Ohio, às vésperas de se aposentar, se descobre a uma doença apenas de distância do desastre, após uma vida inteira de trabalho duro.

Este país é mais generoso do que aquele em que um homem em Indiana é obrigado a embalar o equipamento no qual trabalha há 20 anos e vê-lo ser embarcado para a China, e então sufoca as lágrimas ao explicar que sentiu-se um fracassado quando voltou para casa e contou a notícia a sua família.

Somos mais compassivos que um governo que deixa soldados veteranos dormir em nossas ruas e famílias escorregar para a pobreza, e então fica parado, sem nada fazer, enquanto uma grande cidade americana se afoga diante de nossos olhos.

Esta noite eu digo ao povo americano, aos democratas e republicanos e independentes em todo este grande país: basta! Este momento –esta eleição– é nossa chance de conservar o sonho americano vivo no século 21. Porque na semana que vem, no Minnesota, o mesmo partido que deu a vocês dois mandatos de George Bush e Dick Cheney vai pedir a este país um terceiro mandato. E estamos aqui porque amamos este país demais para permitir que os próximos quatro anos sejam iguais aos últimos oito. No dia 4 de novembro precisamos nos erguer e dizer: “Basta!”.

Que não haja dúvidas. O candidato republicano, John McCain, vestiu o uniforme de nosso país com bravura e distinção, e por isso nós lhe devemos nossa gratidão e nosso respeito. E, na próxima semana, também ouviremos sobre as ocasiões em que ele rompeu com seu partido, mencionadas como prova de que ele é capaz de promover as mudanças que precisamos.

Mas o histórico dele é claro: John McCain votou com George Bush 90% do tempo. O senador McCain gosta de falar em capacidade de julgamento, mas, na verdade, quando você acha que George Bush teve razão 90% do tempo, o que isso revela sobre seu julgamento? Não sei o que vocês acham, mas eu não estou disposto a apostar em uma chance de mudanças de apenas 10%.

A verdade é que, em uma questão após outra que fariam uma diferença às vidas de vocês –com relação à saúde, à educação e à economia–, o senador McCain vem sendo tudo menos independente. Ele disse que nossa economia fez “grande progresso” sob este presidente. Disso que as bases da economia estão fortes. E, quando um de seus assessores principais –o homem que redigiu seu plano econômico– estava falando sobre a ansiedade que os americanos estão sentindo, McCain disse que estávamos sofrendo apenas de uma “recessão mental” e que nos tornamos –e aqui cito suas próprias palavras– “uma nação de choramingões”.

Uma nação de choramingões? Diga isso aos corajosos operários de uma montadora automotiva do Michigan que, depois de descobrir que sua fábrica seria fechada, continuaram a comparecer ao trabalho todos os dias e trabalhar tão duro quanto sempre, porque sabiam que havia pessoas que contavam com os freios que produziam. Diga isso às famílias militares que carregam suas responsabilidades em silêncio, enquanto vêem seus entes queridos partindo para seu terceiro, ou quarto, ou quinto turno de serviço militar. Eles trabalham duro, contribuem para o país e seguem adiante sem se queixar. Esses são os americanos que eu conheço.

Não acredito que o senador McCain não se importe com que acontece nas vidas dos americanos. Acho que ele não sabe, apenas isso. Por que outra razão ele definiria a classe média como sendo pessoas que ganham menos de US$5 milhões por ano? Por que outra razão ele proporia centenas de bilhões de dólares em incentivos fiscais para grandes corporações e empresas petrolíferas, mas nem um centavo de alívio fiscal a mais de 100 milhões de americanos? Por que outra razão ofereceria um plano de saúde que tributa os benefícios das pessoas, ou um plano de educação que não ajuda em nada as famílias a pagar pela faculdade, ou um plano que privatizaria a Seguridade Social e arriscaria as aposentadorias das pessoas?

Não é que John McCain não se importe. É que John McCain não entende.

Há mais de duas décadas ele subscreve àquela filosofia republicana velha e desacreditada: dar mais e mais aos que têm mais e esperar que a prosperidade acabe filtrando para o resto da população. Em Washington, chamam a isso de Sociedade da Propriedade, mas o que isso realmente quer dizer é que você está sozinho, por conta própria. Está desempregado? Azar seu. Não tem seguro-saúde? O mercado resolverá o problema. Nasceu pobre? Erga-se sozinho, sem a ajuda de ninguém. Você está sozinho.

Bem, está na hora de eles reconheceram que fracassaram. Está na hora de transformarmos a América.

É que nós, democratas, medimos o que constitui progresso neste país segundo critérios muito diferentes.

Medimos o progresso segundo quantas pessoas conseguem encontrar um emprego que pague sua hipoteca; por se você consegue guardar um pouquinho de dinheiro ao final de cada mês para que, algum dia, possa ver sua filha recebendo seu diploma universitário. Medimos o progresso pelos 23 milhões de novos empregos que foram gerados quando Bill Clinton foi presidente –uma época em que a família americana média viu sua renda subir US$ 7.500, em lugar de cair US$ 2 mil, como fez sob George Bush.

Medimos a força de nossa economia não pelo número de bilionários que temos ou pelos lucros da Fortune 500, mas pelas chances de alguém que tenha uma boa idéia conseguir assumir um risco e abrir uma empresa, ou de uma garçonete que vive de gorjetas poder tirar um dia de folga para cuidar de seu filho doente sem perder seu emprego –uma economia que honre a dignidade do trabalho.

Os critérios fundamentais que empregamos para medir a força econômica são se estamos cumprindo a promessa fundamental que fez este país ser grande –promessa essa que é a única razão pela qual estou aqui hoje.

Porque nos rostos dos jovens veteranos que retornam do Iraque e do Afeganistão, enxergo meu avô, que se alistou depois de Pearl Harbor, marchou no Exército de Patton e foi recompensado por uma nação agradecida com a oportunidade de cursar a faculdade, graças à lei G.I. [que garantiu a veteranos que retornavam da 2ª Guerra Mundial o direito de cursar faculdade de graça, ter um ano de seguro-desemprego e conseguir financiamento para a compra de casa própria ou abertura de empresas].

No rosto daquele jovem estudante que dorme apenas três horas antes de trabalhar no turno da noite, vejo minha mãe, que criou minha irmã e eu sozinha, enquanto trabalhava e se formava na faculdade; que em certa época teve que pedir auxílio-alimentação, mas, mesmo assim, conseguiu nos fazer estudar nas melhores escolas do país, com a ajuda de bolsas de estudo e empréstimos para estudantes.

Quando ouço outro trabalhador me contar que sua fábrica foi fechada, me recordo de todos aqueles homens e mulheres no South Side de Chicago a cujo lado eu estive e de cujo lado lutei, duas décadas atrás, depois do fechamento da siderúrgica local.

E, quando ouço uma mulher falar sobre as dificuldades de abrir sua empresa própria, penso em minha avó, que passou de secretária até o escalão administrativo médio, apesar de ser preterida para promoções durante décadas pelo fato de ser mulher. Era ela quem adiava a compra de um carro novo ou de um vestido novo para ela para que eu pudesse ter uma vida melhor. Ela investiu tudo o que tinha em mim. E, embora ela não consiga mais viajar, sei que ela está assistindo agora e que esta noite é também a noite dela.

Não sei que tipo de vida John McCain pensa que vivem as celebridades, mas esta tem sido a minha vida. Estes são meus heróis. São deles as histórias que me formaram. E é em nome deles que pretendo vencer esta eleição e manter nossa promessa viva, como presidente dos Estados Unidos.

Qual é essa promessa?

É uma promessa que diz que temos, cada um de nós, a liberdade de fazer de nossas vidas o que bem entendermos, mas que também temos a obrigação de nos tratarmos uns aos outros com dignidade e respeito.

E uma promessa que diz que o mercado deve recompensar a garra e a inovação e gerar crescimento, mas que as empresas devem assumir sua responsabilidade de criar empregos americanos, cuidar dos trabalhadores americanos e jogar segundo as regras.

Nossa é uma promessa que diz que o governo não pode resolver todos nossos problemas, mas que o que ele deve fazer é aquilo que não podemos fazer por nós mesmos: nos proteger do mal e garantir a cada criança uma educação decente; manter nossa água limpa e nossos brinquedos seguros; investir em novas escolas, novas rodovias, nova ciência e tecnologia.

Nosso governo deve trabalhar para nós, não contra nós. Ele deve nos ajudar, não nos prejudicar. Deve assegurar oportunidades não apenas para os que têm mais dinheiro e influência, mas para todo americano que esteja disposto a trabalhar.

É essa a promessa da América: a idéia de que somos responsáveis por nós mesmos, mas que crescemos ou desabamos como uma só nação; a crença fundamental de que eu sou o guardião e protetor de meu irmão, sou o guardião e protetor de minha irmã.

É essa a promessa que precisamos cumprir. É essa a mudança de que precisamos agora, neste momento. Então me permitam explicar exatamente o que essas mudanças significarão se eu for presidente.

Mudança significa um código tributário que não recompense os lobistas que o redigiram, mas os trabalhadores e as pequenas empresas americanas que o merecem.

Diferentemente de John McCain, vou parar de oferecer incentivos fiscais a corporações que transferem nossos empregos para fora do país e vou começar a dá-los a empresas que criam empregos bons aqui mesmo nos Estados Unidos.

Vou eliminar os impostos sobre ganhos de capital das pequenas empresas e as empresas recém-fundadas que vão criar os empregos de alta tecnologia e altos salários do futuro.

Vou reduzir impostos –reduzir impostos– para 95% de todas as famílias de trabalhadoras. Porque, em uma economia como esta, a última coisa que devemos fazer é elevar os impostos sobre a classe média.

E, pelo bem de nossa economia, nossa segurança e o futuro de nosso planeta, vou definir uma meta clara como presidente: que, no prazo de dez anos, finalmente acabemos com nossa dependência do petróleo do Oriente Médio.

Washington vem falando há 30 anos sobre nossa dependência do petróleo, e John McCain esteve presente durante 26 desses anos. Durante esse tempo, ele já disse “não” a critérios mais altos de eficiência de combustível para automóveis, “não” a investimentos em energia renovável, “não” a combustíveis renováveis. E hoje importamos o triplo da quantidade de petróleo do que importávamos no dia em que o senador McCain assumiu seu cargo.

É chegado o momento de pôr fim a essa dependência e de compreender que perfurar poços é uma medida paliativa e provisória, não uma solução de longo prazo. Nem sequer chega perto disso.

Como presidente, vou utilizar nossas reservas de gás natural, investir em tecnologia de carvão mineral limpo e encontrar maneiras de atrelar a energia nuclear com segurança. Vou ajudar nossas montadoras de automóveis a mudarem sua produção, de modo que os automóveis que fazem uso eficiente de combustível sejam produzidos aqui mesmo, nos Estados Unidos. Vou fazer com que seja mais fácil para o povo americano ter acesso a esses carros novos. E vou investir US$150 bilhões nos próximos dez anos em fontes de energia renováveis e de baixo custo _energia eólica, energia solar e a próxima geração de biocombustíveis; um investimento que levará à criação de novas indústrias e à geração de 5 milhões de empregos que pagam bem e não poderão jamais ser transferidos para fora do país.

América, este não é o momento para planos pequenos.

Este é o momento de finalmente cumprirmos nossa obrigação moral de garantir para cada criança uma educação de primeiro nível, porque será preciso nada menos que isso para competir na economia global. Michelle e eu só estamos aqui esta noite porque nos foi dada uma chance de ter uma educação. E eu não vou compactuar com uma América em que algumas crianças não tenham essa chance. Vou investir no ensino para a primeira infância. Vou recrutar um exército de novos professores, pagar salários maiores a eles e lhes dar mais apoio. E, em troca, pedirei padrões mais altos e mais responsabilidade. E vamos cumprir nossa promessa a cada jovem americano: se você se comprometer a servir a sua comunidade ou a seu país, vamos garantir que você tenha meios de ter estudo universitário.

Agora, finalmente, é hora de cumprir a promessa de atendimento de saúde acessível, a preço acessível a cada americano. Se você já tem seguro-saúde, meu plano vai reduzir o que você paga por ele. Se não o tem, poderá conseguir o mesmo tipo de atendimento que os parlamentares se dão. E, na condição de alguém que viu minha mãe discutir com seguradoras enquanto estava deitada na cama, morrendo de câncer, vou garantir que essas empresas parem de discriminar aqueles que estão doentes e que mais necessitam desse atendimento.

Agora é o momento de ajudar as famílias com dias de licença médica paga e licença-família melhor, porque ninguém na América deve ser obrigado a optar entre conservar seu emprego e cuidar de um filho doente ou um pai ou mãe enfermo.

Agora é o momento de mudar nossas leis de falência, para que suas pensões sejam protegidas antes de serem garantidos os bônus pagos aos executivos-chefes. É o momento de proteger a Seguridade Social para as gerações futuras.

E agora é o momento de cumprir a promessa de pagamento igual por um dia de trabalho igual, porque quero que minhas filhas tenham exatamente as mesmas oportunidades que seus filhos.

Agora, muitos desses planos vão custar dinheiro, e é por isso que expliquei como pagarei por cada centavo: fechando as vias de evasão usadas pelas grandes empresas, fechando os paraísos fiscais que não ajudam a América a crescer. Mas também reestudarei o orçamento federal, linha por linha, eliminando programas que não funcionam mais e fazendo com que aqueles que precisamos de fato funcionem melhor e custem menos –porque não podemos fazer frente aos desafios do século 21 com uma burocracia do século 20.

E, democratas, precisamos também reconhecer que para cumprir a promessa da América será preciso mais que apenas dinheiro. Será preciso um senso renovado de responsabilidade da parte de cada um de nós para recuperarmos aquilo que John F. Kennedy descreveu como nossa “força intelectual e moral”. Sim, o governo deve liderar com relação à independência energética, mas cada um de nós precisa fazer sua parte para tornar nossas casas e empresas mais eficientes. Sim, precisamos oferecer mais escadas ao sucesso para jovens que caíram em vidas de criminalidade e desespero. Mas também precisamos reconhecer que programas, por si só, não são capazes de substituir pais; que o governo não pode desligar a televisão e obrigar uma criança a fazer sua lição de casa; que os pais precisam assumir mais responsabilidade por dar o amor e a orientação que seus filhos necessitam.

Responsabilidade individual e responsabilidade mútua –essa é a essência da promessa da América.

E, assim como cumprimos nossa promessa à próxima geração aqui em casa, precisamos cumprir a promessa da América no exterior. Se John McCain quiser debater quem tem o temperamento e a capacidade de julgamento para exercer o papel do próximo comandante em chefe, é um debate que estou preparado para encarar.

Pois enquanto o senador McCain estava voltando sua mira contra o Iraque dias apenas depois do 11 de setembro, eu me posicionei contra essa guerra, sabendo que ela desviaria nossa atenção das ameaças reais que enfrentamos. Quando John McCain disse que poderíamos “dar um jeito de nos virar” no Afeganistão, eu argumentei em favor de mais recursos e mais tropas para terminar a luta contra os terroristas que nos atacaram de fato no 11 de setembro e deixei claro que, se temos Osama bin Laden e seus homens em nossa mira, precisamos abatê-los. John McCain gosta de dizer que seguiria Bin Laden até os portões do inferno –mas ele não se dispõe a ir nem sequer até a caverna onde Bin Laden se esconde.

E hoje, quando meu chamado por um cronograma para retirar nossas tropas do Iraque foi ecoado pelo governo iraquiano e até mesmo pela administração Bush, mesmo depois de ficarmos sabendo que o Iraque tem um superávit de US$79 bilhões, enquanto nós estamos atolados em déficits, John McCain está só em sua recusa obstinada em pôr fim a uma guerra equivocada.

Não é esse o julgamento que precisamos. Não é isso que vai manter a América em segurança. Precisamos de um presidente que seja capaz de enfrentar as ameaças do futuro, e não que se apegue teimosamente às idéias do passado.

Não se derrota uma rede terrorista que opera em 80 países, ocupando o Iraque. Não se protege Israel e se impede o Irã de agir, simplesmente falando grosso em Washington. Não é possível defender a Geórgia verdadeiramente quando se desrespeitou nossas alianças mais antigas. Se John McCain quer seguir o exemplo de George Bush, com mais conversa dura e estratégia equivocada, essa é a escolha dele –mas não é a mudança de que precisamos.

Somos o partido de Roosevelt. Somos o partido de Kennedy. Portanto, não venham me dizer que os democratas não são capazes de defender este país. Não venham me dizer que os democratas não vão garantir nossa segurança. A política externa de Bush-McCain desperdiçou o legado construído por gerações de americanos –democratas e republicanos–, e nós estamos aqui para restaurar esse legado.

Como comandante em chefe, não hesitarei nunca em defender esta nação, mas só enviarei nossas tropas para situações em que corram perigo quando tiverem uma missão clara e com o compromisso sagrado de muni-las dos equipamentos de que precisam para a batalha e da assistência e dos benefícios que merecem quando retornam para casa.

Encerrarei esta guerra no Iraque de modo responsável e terminarei a luta contra a Al Qaeda e o Taliban no Afeganistão. Reconstruirei nossas Forças Armadas, para que possam fazer frente a conflitos futuros. Mas também renovarei a diplomacia direta e intransigente que seja capaz de impedir o Irã de obter armas nucleares. Formarei novas parcerias para derrotar as ameaças do século 21: terrorismo e proliferação nuclear, pobreza e genocídio, mudanças climáticas e doenças. E restaurarei nossa posição moral, de modo que a América volte a ser a última e melhor esperança para todos aqueles que se sentem convocados para a causa da liberdade, que anseiam por vidas de paz e que aspiram a um futuro melhor.

Estas são as políticas que seguirei. E, nas próximas semanas, antevejo com prazer a oportunidade de debatê-las com John McCain.

Mas o que eu não farei é sugerir que o senador assume suas posições com finalidades políticas. Porque uma das coisas que precisamos mudar em nossa política é a idéia de que as pessoas não possam discordar sem contestar o caráter e o patriotismo umas das outras.

O momento é sério demais, os trunfos em jogo são grandes demais para que se jogue segundo essas mesmas regras políticas partidárias. Então concordemos que o patriotismo não tem partido. Eu amo este país, e você também o ama, e John McCain, também. Os homens e mulheres que lutam em nossos campos de batalha podem ser democratas, republicanos ou independentes, mas eles lutaram juntos, sangraram juntos, e alguns morreram juntos, todos sob a mesma bandeira gloriosa. Eles não serviram a uma América democrata ou republicana –eles serviram aos Estados Unidos da América.

Então tenho uma notícia a lhe dar, John McCain. Vamos colocar nosso país em primeiro lugar.

América, nosso trabalho não será fácil. Os desafios que enfrentamos exigem escolhas difíceis, e tanto democratas quanto republicanos terão que deixar de lado as idéias e políticas gastas do passado. Pois parte do que se perdeu nestes últimos oito anos não se mede apenas em salários perdidos ou déficits comerciais maiores. O que se perdeu foi nosso senso de uma meta comum –nosso senso de uma meta maior. E é isso o que precisamos restaurar.

Podemos não concordar quanto ao aborto, mas com certeza podemos concordar quanto à redução do número de gravidezes indesejadas neste país. A realidade da posse de armas pode ser diferente para caçadores na zona rural do Ohio e para as pessoas que sofrem a praga da violência de gangues em Cleveland, mas não me digam que não podemos respeitar a Segunda Emenda constitucional e, ao mesmo tempo, manter os fuzis AK-47 fora das mãos de criminosos. Sei que existem divergências quanto ao casamento de homossexuais, mas certamente podemos todos concordar que nossos irmãos e irmãs gays e lésbicas merecem poder visitar a pessoa que amam no hospital e viver suas vidas livres de discriminação. As paixões se acirram quando o assunto é a imigração, mas não conheço ninguém que se beneficia quando uma mãe é separada de seu filho bebê ou quando um empregador americano reduz os salários americanos, contratando trabalhadores ilegais. Isso também faz parte da promessa americana –a promessa de uma democracia em que possamos encontrar a força e graça para superar divisões e nos unir em um esforço comum.

Sei que existem aqueles que menosprezam essas idéias, tachando-as de palavrório utópico e vazio. Eles dizem que nossa insistência sobre algo maior, mais firme e mais honesto em nossa vida pública não passa de um cavalo de tróia para a introdução de impostos mais altos e o abandono dos valores tradicionais. E isso é previsível. Porque, se você não tem idéias novas, recorre a táticas batidas para assustar os eleitores. Se você não tem um histórico de atuação no qual basear sua candidatura, você retrata seu adversário como alguém de quem as pessoas deveriam fugir.

Você faz uma eleição grande girar em torno de coisas pequenas.

E sabem de uma coisa –isso já funcionou antes. Porque isso alimenta o cinismo que todos nós sentimos em relação ao governo. Quando Washington não funciona, todas suas promessas parecem ser vazias. Se suas esperanças foram frustradas inúmeras vezes, então o melhor é deixar de ter esperança e conformar-se com o que você já conhece.

Eu entendo. Eu percebo que não sou o candidato mais provável para este cargo. Não me enquadro no pedigree típico e não passei minha carreira nos salões de Washington.

Mas estou aqui diante de vocês esta noite porque alguma coisa está se mexendo em toda a América. O que os negativistas não entendem é que esta eleição nunca girou em torno de mim. Girou em torno de vocês.

Há 18 longos meses vocês vêm se erguendo, um por um, e dizendo “basta” à política do passado. Vocês compreendem que, nesta eleição, o maior risco que podemos correr é tentar a mesma velha política com os mesmos velhos atores e esperar que o resultado seja diferente. Vocês já demonstraram aquilo que a história ensina: que, em momentos de definição, como este, a transformação que precisamos não vem de Washington. A transformação vai a Washington. A transformação acontece porque o povo americano a exige –porque ele se ergue e reivindica novas idéias, nova liderança, uma nova política para um novo tempo.

América, este é um desses momentos.

Acredito que, por mais difícil que seja, a mudança que precisamos está chegando. Porque eu já a vi. Porque já a vivi. Já a testemunhei no Illinois, onde garantimos atendimento de saúde a mais crianças e fizemos mais famílias passarem da dependência da assistência previdenciária ao trabalho. Já a testemunhei em Washington, onde trabalhamos cruzando as linhas partidárias para tornar o governo mais transparente e cobrar responsabilidade dos lobistas, para proporcionar melhor assistência a nossos veteranos e manter as armas nucleares fora das mãos de terroristas.

E já o testemunhei nesta campanha. Nos jovens que votaram pela primeira vez e naqueles que voltaram a envolver-se, depois de muito tempo. Nos republicanos que jamais imaginariam que pudessem votar em um democrata, mas que o fizeram. Já o testemunhei nos trabalhadores que preferiram reduzir seu horário de trabalho em uma hora por dia a ver seus amigos perder seus empregos, nos soldados que voltam a alistar-se depois de perderem um membro, nos bons vizinhos que dão abrigo a um estranho quando um furacão atinge sua cidade, provocando inundações.

Este país nosso possui mais riqueza que qualquer outro país, mas não é isso o que nos torna ricos. Temos as Forças Armadas mais poderosas do mundo, mas não é isso que nos torna fortes. Nossas universidades e nossa cultura são motivo de inveja no mundo, mas não é isso o que faz o mundo continuamente vir até nós.

Não: é aquele espírito americano –aquela promessa americana– que nos impele para frente, mesmo quando o caminho é incerto; que nos une, apesar de nossas diferenças; que nos faz fixar nosso olhar não no que é visto, mas naquilo que é invisível, naquele lugar melhor que fica logo após a próxima curva.

Essa promessa é nossa maior herança. É uma promessa que faço a minhas filhas quando as ponho para dormir à noite, e é uma promessa que vocês fazem a seus filhos –uma promessa que levou imigrantes a atravessar oceanos, que levou pioneiros a viajarem para o oeste; uma promessa que levou trabalhadores a formar piquetes e mulheres a lutar pelo direito de votar.

E foi essa promessa que, há exatamente 45 anos hoje, levou americanos de todos os cantos deste país a se postarem juntos no Mall em Washington, diante do Memorial de Lincoln, e ouvir um jovem pregador da Geórgia falar de seu sonho.

Os homens e mulheres que se reuniram ali poderiam ter ouvido muitas coisas. Eles poderiam ter ouvido palavras de ira e discórdia. Poderiam ter sido aconselhados a sucumbir ao medo e à frustração de tantos sonhos protelados.

Mas, em lugar disso, o que ouviram as pessoas –pessoas de todas as religiões e cores, de todas as classes sociais e profissões– foi que, na América, nossos destinos estão inextricavelmente interligados. Que, juntos, nossos sonhos podem ser um só.

“Não podemos caminhar sozinhos”, gritou o pregador. “E, quando caminhamos, precisamos nos comprometer a sempre marchar para frente. Não podemos voltar atrás.”

América, não podemos voltar atrás. Não quando ainda resta tanto trabalho a ser feito. Não com tantas crianças para educar e tantos veteranos de quem cuidar. Não com uma economia para consertar, cidades para reconstruir e fazendas a salvar. Não com tantas famílias para proteger e tantas vidas para resolver. América, não podemos retroceder. Não podemos caminhar sozinhos. Neste momento, nesta eleição, precisamos prometer mais uma vez marchar para o futuro. Vamos cumprir essa promessa –aquela promessa americana– e, nas palavras da Bíblia, nos atermos com firmeza, sem vacilar, à esperança que professamos.

Obrigado. Deus os abençoe, e Deus abençoe os Estados Unidos da América”.

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Os tontos-maCUTs da Apeoesp

segunda-feira, 16 de junho de 2008 | 18:16
Os tontons-maCUTs da Apeosp, o sindicato da rede oficial de ensino do Estado de São Paulo, decretaram greve na sexta-feira. Segundo a Secretaria de Educação, ela atinge coisa de 2% dos profissionais, atingindo apenas algumas escolas. Logo mais, o sindicato deve divulgar números diferentes. De todo modo, a maioria das escolas funcionou normalmente

O embate que se assiste em São Paulo se dá entre quem quer melhorar a educação e quem usa o setor para fazer proselitismo político. De todos os sindicatos ligados ao PT e à CUT, a Apeoesp é um dos mais atrasados. Sua militância, até havia pouco, beirava a boçalidade. Não beira mais. É boçal mesmo. Dia desses, estes senhores e senhoras promoveram queima de livros em praça pública. Que fique claro: o atual presidente da CUT, João Felício, é ex-presidente da Apeoesp. Publico aqui a informação para que fique claro sobre o que estamos falando.

E por que a greve desta vez? Os valentes “exigem” a revogação do decreto 53.037, publicado no Diário Oficial de 28 de maio. O que ele traz de tão escandaloso?
- exige que professores não-efetivos contratados para a rede se submetam a uma prova;
- cria obstáculos para que professores titulares mudem de escola durante o ano letivo;
- exige algumas precondições muito razoáveis para que um professor se candidate a preencher a vaga de um titular afastado.

A íntegra do decreto está aqui. Vejam lá. Não há nele nenhuma intenção secreta. Vale dizer: as exigências estão longe de prejudicar os professores e, obviamente, protegem os alunos. Que mal há em exigir dos docentes, mesmo temporários, conhecimentos considerados mínimos para o exercício da função? E preciso ser muito sagaz para intuir que a troca de professores no curso do ano letivo prejudica os estudantes?

Mas os nossos valentes não querem saber. Não é a primeira vez que a Apeoesp, um braço do PT, atua de forma escancarada contra medidas que buscam melhorar a qualidade do ensino. Não custa lembrar que o sindicato se opôs e se opõe, por exemplo, à criação — e cumprimento — de um currículo para as escolas do estado.

De resto, como ignorar o óbvio? A Apeoesp adora fazer greve e passeata em ano eleitoral.






LAST






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