Em dezembro do ano passado, no alvorecer do panetonegate, Lula desdenhara dos vídeos que esfregaram na cara do país os flagrantes de entrega de propinas.

“As imagens não falam por si”, dissera o presidente. Para ele, era preciso esperar pelo término das investigações.

“Aí você pode fazer juízo de valor. E mesmo assim quem vai fazer é a Justiça”.

Nesta quinta (11), ao ser informado de que o STJ decretara a prisão de José Roberto Arruda, Lula disse, segundo seus auxiliares, o seguinte:

“Essa situação não é boa para o país nem para a consciência política brasileira”. Lula acrescentou: “Ninguém é sádico, ninguém está feliz”.

O Lula de dezembro estava errado. Os vídeos do escândalo –meias, cueca, bolsa, as mãos de Arruda apalpando a grana— não falavam por si. Eles gritavam.

O presidente de agora está, de novo, equivocado. A prisão do governador ajuda, sim, na formação da consciência política do brasileiro.

Lula pode não estar feliz. Mas a platéia, mesmo o pedaço dela que não cultiva o hábito do sadismo, ri de orelha a orelha.

Pela primeira vez, o brasileiro que financia a bilheteria vê o Judiciário chutar o pau da lona do circo. A decisão do STJ teve o efeito de uma lavada de alma.

Sabe-se que Arruda não será hóspede do PF’s Inn por muito tempo. A prisão do governador, por preventiva, vai durar pouco.

Mas, ainda que que o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, devolva Arruda ao meio-fio nesta sexta (12), o pernoite do governador na PF não terá sido em vão.

No Brasil, como se sabe, o crime é nosso vizinho. Mas a Justiça mora muito longe. A prisão de Arruda, ainda que curta, serve como lenitivo diante do descalabro.

A desfaçatez de Arruda como que avisa ao eleitor: Pô, cara, vê se vota direito. Você não achou o seu voto no lixo.

De resto, o constrangimento imposto ao governador adverte aos políticos: A maré está virando, meu caro. Conte até dez antes de roubar.

No Brasil, acima de um determinado nível de renda, ninguém é culpado de nada.

No universo da política, costuma-se atribuir a culpa pelas grandes delinquências a Brasília.

O regime do "separa aí os meus 15%, os meus 30%" teria começado com a chegada das máquinas das grandes empreiteiras ao cerrado.

Sempre se disse que aquela ilha, rodeada de coisa nenhuma, daria errado. Era como se Brasília convidasse ao delito.

A ausência de multidões seria um estímulo à "propinocracia". Não haveria quem gritasse "pega ladrão". A falta de esquinas facilitaria a fuga.

Arruda reforçou o estereótipo, levando-o ao paroxismo. Mineiro, o governador fez-se politicamente em Brasília.

O comportamento bandido que revelara no caso da violação do painel do Senado já indicava que algo de muito errado se passava com ele.

Era como se o excesso de luz de Brasília lhe tivesse vazado os olhos. O ar seco da cidade invadira-lhe as narinas. E Arruda enlouquecera.

Eleito governador, Arruda não conseguiu administrar a própria loucura. Esqueceu de maneirar.

A prisão serviu para demonstrar que o problema não está em Brasília. Ou, por outra, a culpa é da Brasília que Arruda e seus comparsas trazem enterrada dentro deles.

A prisão talvez ajude a acordar o eleitor, levando-o a perceber que elegeu não um governador, mas um político que adota um estilo Brasília de vida.

Esse modo Brasília de viver pode ser encontrado em qualquer lugar. Às margens do Paranoá ou do Tietê. No Brasil ou nas Ilhas Fiji.

A novidade embutida na decisão do STJ é a interrupção da impunidade. Pode ser mero recesso. Mas faz um bem inominável.

Injeta na alma do observador cansado uma felicidade inaudita. Lula ainda não enxergou, mas, exceto pelos malfeitores, todo mundo está feliz.