Por Alberto Dines em 26/12/2009 | |
O caso deveria ser decidido pela justiça brasileira, a legislação internacional favorecia a devolução ao pai americano, mas sob o ponto de vista humano esta não foi a melhor decisão para a tranqüilidade emocional e o desenvolvimento psicológico de S.G., de 9 anos. Prevaleceram no Supremo Tribunal Federal (STF) os argumentos ditos "técnicos" e nos EUA as pressões de uma mídia sensacionalista, assanhada pelo espetáculo e pela bandeira "Sean é nosso". O governo americano sossegou, dona Hillary Clinton mandou dizer que está entusiasmada e agora pode implementar sua política de boa-vizinhança. Nossos magistrados estão certos de que cumpriram os ritos, as leis e convenções e agora podem lavar as mãos. Sempre lavam as mãos. Ao longo da encarniçada batalha judicial em torno do seu destino ninguém procurou saber o que se passava na alma desta criança que em quatro anos sofreu uma incrível sucessão de traumas: perdeu a mãe jovem, vivia ameaçado de ser separado da irmã recém-nascida, dos avôs maternos e do pai adotivo que lhe ofereciam carinho. Impossível saber o que Sean sente em relação ao pai que conhece tão pouco e ao ambiente onde nasceu, agora tão distante. A promessa do advogado da família Bianchi de que a transição não será "traumática" é confortante. Porém tardia. Sobretudo, imponderável e imprevisível. Ninguém pode adivinhar o que significa exatamente uma transição não-traumática para uma criança já tão traumatizada e sobressaltada. Pauta permanente Esta é uma história sem vilões e sem vencedores, na qual todos perderam alguma coisa. Sean, mais ainda. Infelizmente, não há tribunal para julgar fados, os que tramaram esta história foram especialmente perversos. As partes tiveram as suas razões, exerceram plenamente os seus direitos e prevaleceu o que se convencionou chamar de Justiça. Impossível evitar uma sensação de melancolia pelo desfecho e uma grande dose de angústia pelo que ainda não aconteceu. Um pequeno trailer foi oferecido na quinta-feira (24/12), no Rio, na sede do consulado americano, quando se processava o primeiro lance de uma "transição não-traumática". A jurisprudência foi certamente enriquecida, as obsessões da mídia podem ser momentaneamente controladas por juízes prudentes, responsáveis, mas a literatura e o cinema estão à espreita, vorazes. Kramer vs. Kramer é um paradigma que clama por um remake. Assim também a parábola do rei Salomão que maliciosamente pretendia resolver a disputa entre duas mães cortando a criança ao meio. Em algum momento aparecerá no kindle a história de um casal jovem, charmoso, fotogênico, marcado pela tragédia, cujo filho gerou uma crise diplomática entre dois enormes países. Tão diferentes e tão iguais. A espetacularização desta triste história pode demorar alguns anos, mas Sean Bianchi Goldman ficará muitos anos privado do direito elementar da normalidade e da privacidade. Se na escola preferir o futebol ao beisebol será notícia, se o pai voltar a casar será manchete. Se fizer alguma opção pelo judaísmo dos parentes paternos ou pelo catolicismo dos maternos, isto será trombeteado pelo twitter (ou pela "rede social" que o substituirá dentro em breve). Sem dor Mesmo protegido pelo falso anonimato das iniciais S.G., está fadado a ser assunto – de TV, das revistas de celebridades, da imprensa (amarela, marrom ou cor de salmão). Cada retorno do menino ao Brasil será um evento, cada período de férias, um tormento. A civilização papparazzi não esquece, imune à amnésia e à síndrome de Alzheimer. Sean será um filho diferente, irmão diferente, vizinho diferente, aluno diferente, criança diferente. Sean necessita de solidariedade, desde que silenciosa. Precisa de proteção, desde que à distância. Precisa de integração, agregação, soma – chega de subtrações e perdas. Num mundo onde a infância está sendo sistematicamente abreviada, a de Sean corre o risco de ser ainda mais curta. Cabe ao mundo juntar-se para preservá-la. Nesta barulheira infernal, como? Estas exigências no plano moral não deveriam constar das sentenças? Meritíssimos não sofrem, nada lhes dói. Esqueceram que foram crianças. |
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