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quarta-feira, 4 de junho de 2008

Documento contradiz o presidente

Postado por Luiz Weis em 3/6/2008 às 3:23:31 PM





O presidente Lula, num dos mais importantes e fundamentados discursos que proferiu desde que subiu ao Planalto, disse hoje em Roma, na abertura da conferência de cúpula da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) que não tem “pé nem cabeça” a afirmação de que os canaviais para a produção de etanol estão invadindo a Amazônia.

Segundo ele, só 0,3% da área ocupada no país pela cana-de-açúcar fica na Região Norte. “Ou seja, 99,7% da cana está a pelo menos 2 mil quilômetros da Floresta Amazônica”. E, numa bem-sacada comparação do redator do discurso, emendou: “A mesma distância que existe entre o Vaticano e o Kremlin.”

Como é que fica então a matéria da Folha do último domingo? Ela cita um documento da estatal Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério da Agricultura, segundo o qual já foram plantados 45 quilômetros quadrados de cana no município acreano de Capixaba, a 60 km da capital, Rio Branco.

Até 2012, ainda segundo a Embrapa, a área plantada ali deverá ser multiplicada por 10. Com isso, a área dos canaviais de Capixaba equivalerá a pouco menos de 1/3 da cidade de São Paulo.

O documento, esclarece a Folha, é um subsídio ao PAS (o Plano Amazônia Sustentável, aos cuidados do chamado ministro do Futuro, Roberto Mangabeira Unger).

Outra frente da cana na Amazônia fica em Roraima, com dois empreendimentos somando 90 quilômetros quadrados.

A matéria cita por fim um dado da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), sem esclarecer se faz parte do documento da Embrapa. O dado é do aumento de 9,6% da última safra de cana na Amazônia Legal – de 17,6 milhões de toneladas para 19,3 milhões. A variação acompanha o crescimento da área de canaviais em Mato Grosso, Tocantins e Amazonas.

O presidente brasileiro está coberto de razão quando denuncia os dedos “sujos de óleo e de carvão” dos que responsabilizam o etanol, incluíndo o obtido da cana, pela alta mundial dos preços dos alimentos.

"É com espanto que vejo tentativas de criar uma relação de causa e efeito entre os biocombustíveis e o aumento dos preços dos alimentos”, contra-atacou. “É curioso: são poucos os que mencionam o impacto negativo do aumento dos preços do petróleo sobre os custos de produção e transporte dos alimentos. Esse comportamento não é neutro nem desinteressado.”

Lula também está certo em se tornar “o chato do etanol”, como avisou aos jornalistas brasileiros, numa conversa na embaixada em Roma, domingo.

Mas, ou o documento da Embrapa sobre a expansão da cana na Amazônia está equivocado, ou o governo deve uma explicação aos brasileiros que o aplaudem pela defesa do nosso biocombustível, com o seu imenso potencial para a redução das emissões de gás carbônico que provocam o efeito estufa.

De qualquer forma, ponto para a repórter Marta Salomon, da Folha, que levantou a lebre.

Luiz Weis
Jornalista, pós-graduado em Ciências Sociais
pela USP, onde lecionou Sociologia da Comunicação. Escreve no Observatório da Imprensa e no jornal "O Estado de S.Paulo". Entre outras atividades, foi redator-chefe das revistas "Superinteressante" e "IstoÉ", editor-assistente da "Veja", editor político e apresentador do programa "Perspectiva" da TV Cultura, editor nacional da "Visão" e editor de assuntos especiais da "Realidade". É autor, com Maria Hermínia Tavares de Almeida, de "Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da oposição de classe média ao regime militar, in "História da Vida Privada no Brasil", Lilia Moritz Schwarcz (org.), 1998, e do perfil político de Vladimir Herzog (sem título), in "Vlado — Retrato da morte de um homem e de uma época, Paulo Markun (org.), 1985. Recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo Científico, em 1990.

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