Segundo o MP, instituições bancárias emprestam dinheiro para desmatadores e Incra é ineficiente no controle dos imóveis rurais na Amazônia
O Ministério Público Federal no Pará está processando o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia por terem concedido financiamentos com dinheiro público a fazendas com irregularidades ambientais e trabalhistas no Estado. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também é réu nos dois processos. Segundo o MPF, o Instituto é ineficiente no controle e no cadastramento dos imóveis rurais localizados no Pará.
O MPF pede que o Banco do Brasil e o Basa sejam obrigados a realizar auditorias internas para calcular o tamanho do desmatamento que causaram, examinando todos os financiamentos de atividade rural no Pará a partir de julho de 2008. A data marca a entrada em vigor de da resolução 3545 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que determina os bancos públicos e privados que operam com crédito rural passem a exigir dos grandes e pequenos produtores da Amazônia a apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), de Licença Ambiental e documentos que comprovem a ausência de embargos por desmatamento ilegal. O CCIR é emitido pelo Incra.
De acordo com o MPF, as exigências não são feitas na prática pelas instituições que emprestam dinheiro para atividades rurais na Amazônia.
"Trabalhamos com uma amostragem de fazendas situadas nos dez municípioas campeões de desmatamento no Estado. Encontramos 55 empréstimos com diversas irregularidades ambientais e até casos de trabalho escravo, a que o Banco do Brasil emprestou um total de R$ 8 milhões. O Basa emprestou mais de R$ 18 milhões para a produção em 37 financiamentos com os mesmos tipos de problemas", disse o procurador da República Bruno Valente.
Nos processos, o MPF defende a tese de que o dinheiro público de vários Fundos Constitucionais vem financiando diretamente o desmatamento na região amazônica por causa do descontrole do Incra e das instituições financeiras. O BB e o Basa são administradores exclusivos dos fundos constitucionais do Centro-Oeste (FCO) e do Norte (FNO), respectivamente.
As irregularidades foram encontradas com o cruzamento de dados públicos das Cédulas de Crédito Rural, registradas em cartório, com informações também públicas dos sistemas da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, Incra e Instituto Brasileiro do Meio mabiente e dos recursos Naturais Renováveis (Ibama).
"Os empréstimos detectados pelo MPF descumpriram a Constituição, leis ambientais e regulamentos do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, além de acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário", afirmam os nove procuradores que assinam a ação civil pública.
O Banco do Brasil disse, em nota enviada por meio de sua assessoria de imprensa, que cumpre as exigências previstas na legislação ambiental, incluindo a Resolução 3545 do CMN, e nega a acusação de financiar o desmatamento na Amazônia ou empreendimentos que utilizem trabalho análogo ao escravo.
"Em 2007, o Banco do Brasil contratou 17.557 operações de crédito rural no Pará, contra 7.146 em 2010. Um volume 60% menor", diz a nota enviada à reportagem do estadao.com. A assessoria esclarece que o BB signatário de vários acordos e protocolos, como o Protocolo Verde (1995), o Pacto Global das Nações Unidas (2003), os Princípios do Equador (2005), o Pacto pelo Combate ao Trabalho Escravo (2005), o Carbon Disclosure Project (2005), o Programa Brasileiro GHG Protocol (2008), o Fórum Amazônia Sustentável (2008), o Empresas pelo Clima (2009) e o Caring for Climate das Nações Unidas (2009).
Já o BASA afirmou, também por meio de sua assessoria de imprensa, que não vai se pronunciar sobre o assunto até que receba a notificação do processo, ajuizado nesta quinta-feira.
Entre os pedidos dos procuradores está o de fazer com que o Basa e Banco do Brasil invertam suas prioridades, deixando de emprestar dinheiro para produtores irregulares, implementando política de juros reduzida para produtores de municípios ambientalmente responsáveis e incentivando o licenciamento ambiental das propriedades.
O Incra pode ser obrigado a emitir o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e manter um banco de dados atualizado sobre a situação fundiária da região.
"O CCIR está disponível na internet gratuitamente há dois anos e pode ser emitido na hora, a não ser que o imóvel esteja com alguma irregularidade. Ele só pode ser emitido se o imóvel estiver regular", afirmou o Incra por meio de seu assessor de imprensa. Segundo ele, só no ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cancelou 9 mil títulos cartoriais de terras no Pará, por conta de irregularidades documentais. "Esses CCIRs, naturalmente, já são inibidos pelo Incra. O proprietário não consegue emiti-los."
Dados públicos do Banco Central obtidos pelo MPF demonstram que entre os anos de 1995 e 2009 instituições financeiras emprestaram mais de R$ 90 bilhões para atividades rurais na Amazônia Legal. Desse total, mais de 92% vem de bancos públicos.
O Banco do Brasil liberou 52,3% dos créditos, o equivalente a R$ 47 bi. O Basa aparece em segundo lugar, financiando 15% do total e injetando R$ 13 bi na Amazônia Legal nos 15 anos examinados. Juntos, respondem por 67,3% dos empréstimos rurais na região.
Nota técnica do Ministério do Meio Ambiente citada nos processos demonstra, que "a curva dos desmatamentos no Pará acompanha a oferta de crédito rural nos anos de 1999 a 2004, período em que a taxa de desmatamento no estado aumentou em cerca de 70%. Neste mesmo período, a oferta de crédito rural salta de um patamar de pouco mais de R$ 200 milhões para mais de R$ 690 milhões ao ano (1999 a 2004)."
Os processos devem ser apreciados pela 9ª Vara da Justiça Federal em Belém.
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