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sábado, 31 de outubro de 2009

FHC compara Lula a militares: ‘Autoritarismo popular’


Está-se ‘minando o espírito da democracia constitucional’

Prevalece ‘o atropelo, se não da lei, dos bons costumes’

‘Formas políticas [são] do tempo do autoritarismo militar’

‘Foi no ‘dedaço’ que o Lula escolheu a candidata do PT’

‘Se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo’

‘É mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo’

Alan Marques/Folha
Todo primeiro domingo do mês Fernando Henrique Cardoso leva um artigo às páginas de vários jornais do país. Dá preferência a temas que tangenciam a pauta nacional. Só de raro em raro aborda a conjuntura interna.

No texto deste domingo (1º), o ex-presidente tucano fugiu à praxe. Dedicou-se exclusivamente ao Brasil. Endereçou a Lula ataques inclementes. As mais duras críticas desde que passara a faixa presidencial ao sucessor, em 2003.

FHC abre o artigo com uma pergunta: “Para onde vamos?” Nos sete parágrafos que se seguem ele responde: o país caminha para o autoritarismo. O antecessor de Lula enxerga “por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do autoritarismo popular”.

Um autoritarismo que “vai minando o espírito da democracia constitucional”, que “supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente”. “Na contramão disso tudo”, FHC escreveu, “vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar”.

Uma época em que “os projetos de impacto (alguns dos quais viraram esqueletos, quer dizer obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis). Animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’”.

A comparação do presidente-operário com os mandatários que vestiam farda permeia o texto. A certa altura, FHC anota: “Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios...”

Impropérios que visam “matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo ‘Brasil potência’”. FHC prossegue: “Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites...”

“...Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo”.

Para FHC, hoje presidente de honra do PSDB, “Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados...”

“...Foi no ‘dedaço’ que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI”. Da analogia mexicana, FHC salta para uma suposta semelhança com a Argentina de Peron:

“Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários. Uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão”.

FHC anota que “tudo o que cerca” Lula “possui um DNA” que “pode levar o país [...] a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos”.

Acha que “é possível escolher ao acaso os exemplos de pequenos assassinatos" à ordem constitucional. Pergunta: “Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal ajambrada?”

Insinua que o objetivo é a corrupção. Escreve que o sistema de partilha está “sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas”. Coisa concebida “para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública”.

Menciona a concorrência para a compra dos caças da FAB e a predileção de Lula pelos aviões Rafale, da França. “Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou?” Lula “resolve sozinho”, realçou.

Nesse ponto, evocou uma frase de Luís 14, que, no auge do absolutismo francês, declarou: “O Estado sou eu”. FHC ironizou: “Pena que [Lula] tivesse se esquecido de acrescentar ‘l’État c’est moi’. Mas não esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica:...”

“...Viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender ‘nosso pré-sal’. Está bem, tudo muito lógico”.

Citou a “ingerência” de Lula na Vale, empresa privatizada na era tucana. Criticou a anunciada visita do presidente do Irã ao Brasil: "Por que esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?"

Questionou a antecipação da campanha eleitoral: “Por que, sem qualquer pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante?”

No último parágrafo de seu artigo, FHC resumiu o que enxerga sob o “autoritarismo popular" de Lula: “Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados”.

É sobre esse “bloco” de poder, finalizou FHC, que “o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se [Dilma Rousseff] ganhar as eleições”. Ele voltou à pergunta do título: “Para onde vamos?” E arrematou: “É mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde”.

A peça de FHC vai à ante-sala de 2010 como a primeira manifestação genuinamente oposicionista do tucanato. Até aqui, os dois presidenciáveis do PSDB, José Serra e Aécio Neves, vinham se mostrando capazes de tudo, menos de se opor frontalmente a Lula

- Em tempo: A íntegra do artigo dominical de FHC pode ser encontrada aqui, na versão eletrônica do diário Zero Hora.

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