http://www.youtube.com/watch?v=PjUU2ns6ytc
Sphere: Related Contentsábado, 31 de outubro de 2009
Zelaya terá pompa de volta; Mas as circunstâncias...
EFE
Manuel Zelaya vai retomar a pompa da presidência de Honduras. Mas seus rivais ditam as circunstâncias.
Depois de um angustiante chove-não-molha, fechou um acordo na noite passada –madrugada de sexta (30), no Brasil.
Prevê, entre outros pontos, que caberá ao Congresso hondurenho decidir sobre a restituição de Zelaya à cadeira de presidente, usurpada por Roberto Micheletti.
Não há prazos. Mas “não pode demorar muito”, disse Thomas Shannon, o desatador de nós que os EUA enviaram a Tegucigalpa.
Ficou combinado que todo mundo reconhecerá como legítimas as eleições presidenciais marcadas para 29 de novembro.
Pois bem. Suponha o Congresso devolva a presidência a Zelaya. Com alguma sorte, o chapelão estará de volta à cadeira em 15 dias.
Dali a duas semanas, os hondurenhos irão às urnas para informar o nome do sucessor. A essa altura, Zelaya já será passado.
Fica no cargo até 26 de janeiro de 2010. Mas não dará um mísero passo sem a supervisão do novo dono da faixa.
Ou seja, mantido o acordo, Zelaya volta. Mas só para que Honduras possa salvar as aparências e livrar-se das sanções internacionais.
Thomas Shannon, o enviado de Barack Obama a Hondunras, recomenda "atenção". Está especialmente preocupado com a parte do acordo que prevê a volta de Zelaya.
No Brasil, o Itamaraty festejou, em nota, o "desfecho pacífico" da crise.
Uns se divertem e outros criam o próprio sofrimento
muito bommmm!
Escrito por Josias de Souza às 11h01
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou 64 anos esta semana. Na comemoração, disse que "se Deus quiser", na festa dos 65, vai comemorar a vitória da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), nas eleições de 2010. A oposição reclama das viagens da ministra. Dilma diz que é preconceito contra mulher. Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) não chegaram a um acordo sobre a definição de quem será o candidato do PSDB. No Congresso, a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul. O presidente do Poder Legislativo, José Sarney (PMDB-AP), falou sobre os fantasmas do Senado. Chegou a engasgar
Sphere: Related Content
FHC compara Lula a militares: ‘Autoritarismo popular’
Está-se ‘minando o espírito da democracia constitucional’
Prevalece ‘o atropelo, se não da lei, dos bons costumes’
‘Formas políticas [são] do tempo do autoritarismo militar’
‘Foi no ‘dedaço’ que o Lula escolheu a candidata do PT’
‘Se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo’
‘É mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo’
Alan Marques/Folha
Todo primeiro domingo do mês Fernando Henrique Cardoso leva um artigo às páginas de vários jornais do país. Dá preferência a temas que tangenciam a pauta nacional. Só de raro em raro aborda a conjuntura interna.
No texto deste domingo (1º), o ex-presidente tucano fugiu à praxe. Dedicou-se exclusivamente ao Brasil. Endereçou a Lula ataques inclementes. As mais duras críticas desde que passara a faixa presidencial ao sucessor, em 2003.
FHC abre o artigo com uma pergunta: “Para onde vamos?” Nos sete parágrafos que se seguem ele responde: o país caminha para o autoritarismo. O antecessor de Lula enxerga “por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do autoritarismo popular”.
Um autoritarismo que “vai minando o espírito da democracia constitucional”, que “supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente”. “Na contramão disso tudo”, FHC escreveu, “vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar”.
Uma época em que “os projetos de impacto (alguns dos quais viraram esqueletos, quer dizer obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis). Animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’”.
A comparação do presidente-operário com os mandatários que vestiam farda permeia o texto. A certa altura, FHC anota: “Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios...”
Impropérios que visam “matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo ‘Brasil potência’”. FHC prossegue: “Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites...”
“...Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo”.
Para FHC, hoje presidente de honra do PSDB, “Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados...”
“...Foi no ‘dedaço’ que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI”. Da analogia mexicana, FHC salta para uma suposta semelhança com a Argentina de Peron:
“Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários. Uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão”.
FHC anota que “tudo o que cerca” Lula “possui um DNA” que “pode levar o país [...] a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos”.
Acha que “é possível escolher ao acaso os exemplos de pequenos assassinatos" à ordem constitucional. Pergunta: “Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal ajambrada?”
Insinua que o objetivo é a corrupção. Escreve que o sistema de partilha está “sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas”. Coisa concebida “para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública”.
Menciona a concorrência para a compra dos caças da FAB e a predileção de Lula pelos aviões Rafale, da França. “Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou?” Lula “resolve sozinho”, realçou.
Nesse ponto, evocou uma frase de Luís 14, que, no auge do absolutismo francês, declarou: “O Estado sou eu”. FHC ironizou: “Pena que [Lula] tivesse se esquecido de acrescentar ‘l’État c’est moi’. Mas não esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica:...”
“...Viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender ‘nosso pré-sal’. Está bem, tudo muito lógico”.
Citou a “ingerência” de Lula na Vale, empresa privatizada na era tucana. Criticou a anunciada visita do presidente do Irã ao Brasil: "Por que esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?"
Questionou a antecipação da campanha eleitoral: “Por que, sem qualquer pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante?”
No último parágrafo de seu artigo, FHC resumiu o que enxerga sob o “autoritarismo popular" de Lula: “Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados”.
É sobre esse “bloco” de poder, finalizou FHC, que “o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se [Dilma Rousseff] ganhar as eleições”. Ele voltou à pergunta do título: “Para onde vamos?” E arrematou: “É mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde”.
A peça de FHC vai à ante-sala de 2010 como a primeira manifestação genuinamente oposicionista do tucanato. Até aqui, os dois presidenciáveis do PSDB, José Serra e Aécio Neves, vinham se mostrando capazes de tudo, menos de se opor frontalmente a Lula
- Em tempo: A íntegra do artigo dominical de FHC pode ser encontrada aqui, na versão eletrônica do diário Zero Hora.
Sphere: Related ContentPublicitário João Santana fará a campanha de Lula
KENNEDY ALENCAR
da Folha de S.Paulo
João Santana será o marqueteiro da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Lula fechou com Santana no mês passado e orientou o presidente do PT e futuro coordenador de sua campanha, Ricardo Berzoini, a tratar de detalhes da contratação, inclusive do financeiro.
Lula pediu que haja um caixa para sua campanha separado das finanças das campanhas estaduais, ao contrário de 2002, quando o então tesoureiro Delúbio Soares cuidou de todo o dinheiro.
A Folha de S.Paulo apurou que há duas negociações em curso com Santana. A primeira prevê uma remuneração em torno de R$ 5 milhões para um pacote incluindo o trabalho do marqueteiro propriamente dito, pesquisas para definir estratégias e produção de TV.
A segunda só prevê a contratação do trabalho de Santana: o PT cuidaria das demais áreas. A tendência é que vingue o pacote: R$ 5 milhões é um valor baixo para uma campanha presidencial. Em 2002, o PT disse ter gasto R$ 7,085 milhões na campanha de TV de Lula.
Auxiliares do presidente disseram que ele montará campanha com estrutura mais enxuta que a de 2002 por entender que será beneficiado pelo cargo que ocupa. Há farto registro televisivo dos 40 meses em que Lula preside o país. Imagens do presidente poderão ser compradas da Radiobrás.
Lula já vem cumprindo extensa "agenda positiva" de inaugurações, viagens e solenidades que deverá se estender até junho, quando ele pretende assumir a candidatura.
Em relação às imagens, Lula já teria um robusto "banco de dados" disponível a preço razoável. Isso baratearia o custo da campanha, disseram à Folha dois auxiliares diretos do presidente, que confirmaram o acerto com Santana.
Fernando Henrique Cardoso, o primeiro a se beneficiar da reeleição, regulamentou gastos de um presidente-candidato. Por exemplo: o partido deverá pagar o combustível de uma viagem de cunho eleitoral, mas não terá de pagar pelo aparato de segurança e de cerimonial do presidente.
"Farei campanha governando", tem dito Lula, que avalia que a posição já garantirá espaço suficiente na imprensa e que o mais caro e trabalhoso será o programa de TV.
Santana vem dando consultoria a Lula desde novembro passado, quando foi indicado pelo então ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).
Santana, que fez a campanha vitoriosa de Palocci à Prefeitura de Ribeirão Preto em 2000, foi o responsável pela elaboração do pronunciamento oficial de Lula no 1º de Maio.
Ele é ex-sócio de Duda Mendonça, que fez a campanha de Lula em 2002 e que perdeu a conta da Secom em 2005 após ter admitido que recebeu R$ 10,5 milhões no exterior de Marcos Valério.
Lula já espera problemas com o anúncio de Santana, que deverá ser feito só depois de o presidente assumir a candidatura.
Em discurso a catadores de lixo, Lula minimiza importância dos formadores de opinião
Redação Portal IMPRENSA
Na última quinta-feira (29), durante a Exposição do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, em São Paulo (SP), o presidente Lula voltou a criticar o trabalho da imprensa. Em discurso para mais de três mil pessoas, o chefe de estado brasileiro minimizou a importância dos chamados formadores de opinião, dizendo que "o povo não quer mais intermediário".
"Esquece a pauta de seus editores e escuta essas pessoas que estão aqui. Vocês vão compreender porque a figura do chamado formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É porque esse povo não quer mais intermediários. Esse povo tem pensamento próprio", disse o petista.O discurso crítico de Lula levou a multidão presente a vaiar os jornalistas que cobriam o evento.
Em 2006, ao se reeleger à Presidência da República, Lula disse que a vitória simbolizava derrota dos meios de comunicação e dos chamados formadores de opinião.
sexta-feira, 28 de julho de 2006
Lula já deve R$ 8 milhões a seu marketeiro, e “acionistas” temem doar para a campanha do PT, que está com problemas de caixa
Edição de Sexta-feira do Alerta Total http://alertatotal.blogspot.com/Ouça também o Alerta Total no seu computador.
http://podcast.br.inter.net/podcast/alertatotal
Edição em áudio a partir de Meio-dia.
Adicione nosso blog e podcast a seus favoritos do Internet Explorer.
Por Jorge Serrão
Exclusivo – Aperte o cinto, presidente Lula: o dinheiro para sua campanha sumiu. O medo de envolvimento em escândalos que pipocam a cada instante, depois do “mensalão”, dos “sanguessugas” e da recente “mão de obra” cria dificuldades para o Partido dos Trabalhadores arrecadar dinheiro para a reeleição. A campanha de Lula já apresenta sérios rombos de caixa. São problemas inesperados para quem ocupa o poder e tem a “caneta mágica” do Palácio do Planalto.
O PT não sabe como pagar R$ 4 milhões em débitos apenas deste mês. Além disso, o partido está devendo R$ 8 milhões e 100 mil reais ao marketeiro João Santana, que já pressiona o partido com constantes cobranças, desabafou seu “drama financeiro” a amigos próximos de seu “parceiro” e conterrâneo Duda Mendonça. O publicitário também anda descontente com a apresentação pública do candidato Lula. O presidente dá um susto no baiano cada vez que improvisa no discurso não combinado previamente. Além disso, o resultado de pesquisas sigilosas, indicando a realização de segundo turno eleitoral, eleva a tensão petista.
Somada à pressão de Santana por seu dinheiro e por uma atuação mais profissional como candidato, Lula demonstra tensão com a falta de dinheiro do PT. O cobertor curto do orçamento já ameaça os deslocamentos do candidato pelo País. Lula sabe que não pode abusar da máquina da presidência, sobre a qual existe grande fiscalização no período eleitoral. O presidente tem reclamado com assessores mais próximos, porque não entende o motivo de estar passando por “tal necessidade”.
Membros de sua equipe dão uma explicação para a surpreendente falta de dinheiro na campanha petista. Na versão deles, os “acionistas” estão com medo de investir no PT por causa dos escândalos de corrupção. Todos têm medo de problemas em um eventual segundo mandato. Alegam que as investigações estão chegando muito perto do núcleo que controla o partido, praticamente esbarrando no presidente. A cada dia Lula encontra mais dificuldades para posar de “apedeuta” (do grego “pessoa ignorante”, “sem instrução”), sugerindo que ele não sabe de nada em volta de si mesmo e da realidade).
E os banqueiros amigos?
Os grandes bancos – que tiveram lucros recordes graças à política econômica adotada pelo atual governo petista - estão deixando Lula na pista.
O motivo não é falta de dinheiro, mas como gerenciar o excesso de grana doável dentro da lei.
Os banqueiros doadores não podem mais fazer triangulação para esquentar dinheiro, como ocorria no mensalão, cujo mecanismo ficou manjado demais.
Além disso, o PT já não conta mais com um “boi de piranha” com a confiabilidade de um Marcos Valério para esquentar o dinheiro.
05/11/2006 - 06h00
Entrevista com João Santana - parte 1: "Lula sempre se beneficia na situação de vítima"
Marqueteiro petista faz relato inédito e revela que estratégia sobre crítica à privatização tucana estava montada desde o início
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL DA
FOLHA A SALVADOR
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sua reeleição ao fato de ter virado, no imaginário do eleitorado mais pobre, uma figura dupla: um "fortão" igualmente humilde que virou poderoso e ao mesmo tempo uma vítima, um "fraquinho" sob ataque das elites.
Essa é uma das explicações usadas pelo publicitário João Cerqueira de Santana Filho para o sucesso da empreitada que acompanhou de perto nos últimos meses.
Mais cerebral e dado a reflexões quase acadêmicas (cultiva uma biblioteca com mais de 3.000 livros) e muito menos mercurial que seu antecessor, Duda Mendonça, o marqueteiro atual de Lula desenvolveu uma análise própria sobre o caso de amor do eleitorado com o presidente: a teoria do "fortão" e do "fraquinho" -ele usa termos mais eloqüentes, mas criou esses enquanto falava à Folha "para ficar mais publicável".
Lula alternaria esses dois papéis no imaginário do brasileiro das classes mais pobres. Depois que se elegeu presidente em 2002, o petista passou a ser uma projeção de sucesso para as camadas C e D da população. "É um deles. Chegou lá", diz Santana. Nesse momento, a personagem é o "fortão", que "rompeu todas as barreiras sociais e conseguiu o impossível, tornando-se um poderoso".
Já quando "Lula é atacado, o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo que está lá. 'Só porque ele é pobre', pensam. Nesse caso, vira o bom e frágil 'fraquinho' que precisa ser amparado e protegido", elabora Santana.
O marqueteiro não criou essa teoria do nada. Durante 77 dias sucessivos foi alimentado por pesquisas. A cada 24 horas, o instituto Vox Populi entrevistava 700 eleitores para a campanha do PT em todo o país. Ao mesmo tempo, também diariamente, oito grupos de 12 pessoas eram entrevistados por cerca de uma hora e meia por especialistas -as chamadas pesquisas qualitativas. As "qualis" eram transmitidas em vídeo, ao vivo, pela Internet por meio de uma conexão segura para o microcomputador de Santana.
Em 77 dias, o publicitário de Lula teve a opinião, portanto, de 53,9 mil entrevistas quantitativas e de 7.392 qualitativas -mais do que a maioria das teses universitárias que tentam entender o que pesam os eleitores brasileiros.
Baiano de Tucano (a 250 km de Salvador, no meio do sertão), aos 53 anos, Santana assessora Lula desde 24 de agosto de 2005. Foi essa a data da reunião no Palácio do Planalto na qual ouviu a seguinte frase de Lula: "A situação é incerta. Se eu for o candidato, você vai fazer a minha campanha". Naquele momento, no auge do escândalo do mensalão, a imagem da administração petista estava no chão: só 28% de aprovação, segundo o Datafolha.
Antes de se tornar publicitário, Santana foi jornalista. Estudou na Universidade Federal da Bahia. Foi ligadíssimo ao suíço Walter Smetak (1913-1984), um dos papas da música experimental dos anos 60 e que adotou a Bahia como sua terra. Smetak é até hoje para ele uma das maiores referências.
No seu Estado, trabalhou no "Jornal da Bahia" e foi chefe do escritório local do jornal "O Globo", tendo também trabalhado para "Veja". Em Brasília, foi do "Jornal do Brasil" e diretor da revista "Isto É" -nessa última publicação, foi um dos autores da reportagem com o motorista Eriberto França, que provocou a queda de Fernando Collor de Mello em 1992. Por esse trabalho, o baiano ganhou o Prêmio Esso daquele ano.
Em 1990/91, Santana teve uma experiência no exterior. Estudou na universidade de Georgetown, em Washington, nos Estados Unidos. "Foi um ano sabático, pago pela Fundação Loyola. Freqüentei sobretudo cursos de ciência política e relações internacionais", relata. Nos anos 70 até o início dos 80, teve uma fase de "desbunde". Fez uma incursão pelo mundo musical e artístico. Ajudou a fundar o grupo Bendegó, uma banda que misturava ritmos regionais e rock progressivo. Com o codinome "Patinhas", redigiu várias letras de músicas com o parceiro Kapenga. Algumas fizeram sucesso, como "Sinal de Amor e de Perigo", cantada pela hoje sumida Diana Pequeno. No meio da letra está um de seus melhores aforismos: "O desejo é forte, mas não salva".
A tarefa de Santana agora foi substituir outro marqueteiro da Bahia, Duda Mendonça, afastado da posição no ano passado depois de revelar em público ter recebido cerca de R$ 10 milhões do valerioduto. No passado, Santana e Mendonça foram sócios, mas se desentenderam em 2001. A associação foi desfeita e os dois mantiveram apenas uma fria e distante relação.
Santana, que considerou o maior erro da campanha a fuga de Lula do debate no primeiro turno, diz ter cobrado R$ 13,750 milhões do PT pelo trabalho publicitário, nos dois turnos. No meio da semana passada, nos dias 1º e 2 de novembro, deu sua primeira entrevista desde o início da campanha eleitoral. Falou à Folha em duas sessões, com um total de seis horas de conversa na sala e na varanda do seu apartamento no corredor da Vitória, em Salvador.
Fez uma reflexão sobre a dificuldade de tocar no tema corrupção ao longo da campanha. Era como mexer cirurgicamente em um "tumor no cérebro", diz ele. "Muitas vezes, a medicina ainda não tem como fazer uma intervenção cirúrgica direta. O risco não compensa. É o caso da questão ética na campanha. Houve uma dúvida sobre se deveríamos estourar ou não o tumor, no sentido de tratar extensivamente do assunto. Decidi tratar o problema de forma homeopática." Funcionou.
Mas daí veio o dossiegate. A preocupação de parte do eleitorado com a ética foi aguçada. O sucessor de Duda Mendonça usou então o que chama de "monstro vivo": o discurso sobre privatização sugerindo que os tucanos venderiam mais empresas públicas. A abordagem depreciativa sobre a venda de estatais, revela, "não surgiu por acaso, nem foi fruto de uma intuição temporária".
Indagado se houve manipulação da percepção negativa que o eleitorado tem sobre a venda de empresas estatais, o publicitário baiano nega. "Eleição é disputa de poder. É um combate quase sanguinário. Todos estão querendo espaço. Para ter espaço é preciso dar um empurrão, um solavanco numa pessoa. Ou até uma atitude mais agressiva, metafórica ou fisicamente. Usar um tema como privatização é muito mais honesto do que tentar assacar contra a honra do outro candidato."
A seguir, trechos da entrevista:
FOLHA - Qual foi o momento mais tenso da campanha?
JOÃO SANTANA - O da eclosão do dossiê. Era uma sexta-feira, dia 15 de setembro. Presenciei a hora em que Gilberto Carvalho, de manhã, no estúdio, recebeu um telefonema. Ele ficou lívido. O presidente não foi informado na hora, pois estava se preparando para gravar. Mas posso assegurar a você que foi algo que pegou a todos de surpresa.
FOLHA - Como reagiu o presidente?
SANTANA - Ele só soube na parte da tarde. Eu não vi. Só sei que no dia seguinte, era um sábado, ele me ligou logo cedo. Eram umas 7 horas da manhã. Ele me disse: 'João, estão falando de uma maluquice de um dossiê contra o Serra. Queria recomendar fortemente que não use de maneira nenhuma nada contra ele no programa'.
FOLHA - E o que se passou depois disso?
SANTANA - Na segunda-feira o presidente precisava ir para a ONU, em Nova York. Não tínhamos como colocar o presidente no programa. A saída foi ler uma mensagem dele, condenando o ocorrido e relatando as providências tomadas. Foi o que fizemos e deu resultado.
FOLHA - Nesse período também houve a propaganda em que cenas de aplausos foram inseridas para dar a impressão que eram para Lula na ONU. Qual foi a intenção?
SANTANA - Foi um erro absurdo de edição. Assumo como erro, pois parece até mentira. A equipe toda de comunicação tinha 150 pessoas. Uma editora fez a inserção dos aplausos de maneira errada, no primeiro corte do material bruto vindo de Nova York. Podem até achar que eu estou mentindo, mas foi o que aconteceu. Um erro. Aliás, o único.
FOLHA - Quando ficou claro que haveria segundo turno?
SANTANA - Só na antevéspera, na sexta-feira, com o resultado das pesquisas, depois que ele não foi ao debate da TV Globo.
FOLHA - E foi na sexta-feira, dia 29 de setembro, que ficou claro nas pesquisas que haveria segundo turno?
SANTANA - Foi uma perda de seis a sete pontos, algo que não tinha acontecido antes na campanha. O fato é que foi só pós-debate na TV Globo. Quando surgiu o dossiê, o efeito, nos primeiros dias foi mínimo ou nem teve efeito. Nós chegamos até a crescer dois ou três pontos nos dias subseqüentes ao tal dossiê.
FOLHA - Por que aconteceu a queda pós-debate?
SANTANA - Uma parcela do nosso eleitorado ficava sempre esperando uma explicação mais detalhada, vinda diretamente do presidente. Eram pessoas predispostas a compreender, mas queriam ouvir alguma coisa da boca dele. Eles achavam que o debate era o melhor cenário para isso. Quando o presidente não foi, veio o que chamamos do 'voto bronca' nas classes C e D. E também teve um segmento da classe média baixa que viu um componente de soberba na ausência do presidente no debate. Essa percepção acabou aguçada. Foi o 'voto castigo'.
FOLHA - Mas questão ética era sempre o pano de fundo?
SANTANA - Esta foi a inquietude que dominou toda campanha. Até criei uma teoria sobre o problema da questão ética. Chamei de "teoria do tumor no cérebro".
FOLHA - Explique.
SANTANA - Muitas vezes, quando se detecta um tumor cerebral, a medicina ainda não tem como fazer uma intervenção cirúrgica direta. O risco não compensa. É o caso da questão ética na campanha. Vale ou não vale a pena tratar o assunto diretamente, nos perguntávamos. O grande escândalo era de agosto de 2005, com os vários depoimentos na CPI dos Correios. O presidente se manifestou na época. Ficou claro, para a maioria da população, que o presidente não teve nenhuma participação direta. Quando começou a campanha, houve uma dúvida sobre se deveríamos estourar ou não o tumor, no sentido de tratar extensivamente do assunto. Decidi tratar o problema de forma homeopática. O presidente falou dele, logo no primeiro programa e fez abordagens esporádicas durante a campanha. Tudo se acomodou. Mas o episódio do dossiê reviveu uma situação de inquietude do eleitor de Lula. E esse eleitor esperou a presença do presidente no debate.
FOLHA - O presidente errou ao não ir ao debate?
SANTANA - Errou. Eu disse isso a ele antes. Depois, ele até reconheceu. Num debate, estando presente, raramente você perde. Estando ausente, é sempre maior o risco de ser derrotado.
FOLHA - E se ele tivesse ido e a candidata Heloísa Helena se colocasse numa condição de vítima e desafiasse o presidente, deixando-o encurralado?
SANTANA - Claro, sempre havia esse risco. O imponderável circunda qualquer eleição. Mas algumas coisas são fáceis de prever. O político Lula, depois que se tornou presidente, sempre que esteve em situação de vítima saiu lucrando. É uma outra teoria minha, a do 'fortão' e a do 'fraquinho'. Duas características que convivem, paradoxalmente, no mesmo personagem.
FOLHA - Como isso ocorre?
SANTANA - Há uma profunda identificação do povo com ele. O fenômeno ocorre depois do rito de passagem que o transformou em presidente e deu-lhe toda a glória inerente ao processo. Passou a existir uma projeção das camadas C e D da população. Lula é um deles. Chegou lá. Os 60% da população que se identificam com Lula enxergam o presidente como o fortão, o igual que rompeu todas as barreiras sociais e conseguiu o impossível, tornando-se um poderoso. É algo que mexe profundamente com auto-estima das pessoas. Lula, nesse caso, é o 'fortão', o 'libertador' da minha teoria.
Por outro lado, quando Lula é atacado, o povão pensa que é um ato das elites para derrubar o homem do povo que está lá. 'Só porque ele é pobre', pensam. Nesse caso, vira o bom e frágil 'fraquinho' que precisa ser amparado e protegido. Jamais houve, no Brasil, tamanha identificação entre um presidente e os setores majoritários da população.
FOLHA - O sr. está dizendo que a população é indulgente com Lula porque se identifica com ele?
SANTANA - Não. Eles não absolvem nem concedem indulgência ao presidente sabendo que ele tenha alguma culpa. O fato é que as pessoas não enxergaram culpa direta, e não há nenhuma prova contra o presidente. Mas é claro que ele só continuou a ter popularidade porque não há nenhuma prova de culpa nos processos todos. Se fosse estabelecida a culpa direta do presidente, não haveria DNA que o salvasse.
O grande absurdo de leitura nesse processo é dizer que o brasileiro tem um padrão ético baixo ou que esqueceu a ética na hora de votar. É uma das maiores injustiças com o eleitor brasileiro. Nenhum eleitor do Lula tapou o nariz ao votar no presidente.
FOLHA - Por quê?
SANTANA - O eleitor brasileiro só votou no Lula porque tinha certeza de que ele era inocente.
FOLHA - Mas nos grupos de pesquisas qualitativas não tinha aquela frase-síntese do "se eu estivesse lá eu fazia a mesma coisa"?
SANTANA - Não é bem assim. Eu chamaria essa atitude de cinismo igualitário. É assim: 'Todo mundo faz coisa errada. Política também tem coisa errada. Ninguém consegue fazer política sem fazer coisa errada'. Mas esse sentimento não foi majoritário. O fato a ser dito é: o pobre não votou no Lula achando que o presidente estava em um estado de pecado. As pessoas tinham plena convicção de que o presidente não teve culpa direta.
FOLHA - Por analogia, então, posso deduzir que um traço da maioria do eleitorado brasileiro é não punir uma pessoa pobre que dá a arma ao assassino? Só tem culpa quem puxa o gatilho?
SANTANA - A analogia não tem sentido. Repito, apesar de certas teorias de olhar superior, o povo brasileiro é muito rígido consigo mesmo. Ele cria os filhos com forte rigor moral e seus mitos são puros e de bom coração.
FOLHA - Quais foram os momentos importantes de recuperação da imagem do presidente Lula depois dos escândalos de 2005?
SANTANA - Para ficar no campo da mídia, primeiro, foi a entrevista ao 'Fantástico', no final do ano [edição de 1º de janeiro deste ano]. Depois, a entrevista ao 'Jornal Nacional' [durante o primeiro turno]. Dois exemplos fora de um ambiente de propaganda eleitoral.
O mais interessante é que a mídia achou que Lula foi mal nessas entrevistas. Os eleitores acharam que ele foi bem. É fascinante que a leitura da mídia seja tão diferente de um amplo setor da sociedade. A percepção da mídia raramente se distancia do que é o segmento social dela, que é a classe média.
FOLHA - A que o sr. atribui esse suposto divórcio de interpretações?
SANTANA - Ao fato de a mídia ser de uma extração social de classe média. Dificilmente se liberta desses condicionantes. Ao contrário. Ela revigora essa percepção. É, ao mesmo tempo, vício e defesa.
FOLHA - O presidente e o PT consideram ter sido tratados de maneira incorreta pela mídia. Qual é a sua avaliação?
SANTANA - No geral, a mídia se comportou bem em relação ao governo do Lula e em relação à campanha. No geral. Em alguns momentos específicos, não. Prefiro não falar de maneira específica. A apuração de alguns fatos não foi de acordo com o que mandam os bons preceitos jornalísticos.
FOLHA - Mas o sr. acha que houve algum movimento deliberado de parte da mídia para tentar prejudicar a candidatura Lula?
SANTANA - Prefiro acreditar que não, afinal dediquei boa parte da minha vida ao jornalismo.
FOLHA - O episódio do dossiê contra tucanos permanece obscuro. O presidente deu declarações contraditórias. Primeiro, falou que Ricardo Berzoini não tinha envolvimento. Depois, que cobrou explicações de Berzoini e não recebeu resposta...
SANTANA - Não vi contradição. O que o presidente quis dizer é que não chegou para ele, antes ou depois, uma versão inteira dos fatos. Isso é verdade. Esse tal de núcleo de inteligência, toda campanha tem.
FOLHA - Mas uma personagem central, Jorge Lorenzetti, era o churrasqueiro do presidente. Como era possível não terem se falado sobre nada?
SANTANA - Mas nesse período todo, nos últimos 90 dias, eu nunca vi nem cruzei com essa pessoa nem com os outros citados.
FOLHA - Eles nunca apresentaram nenhum material?
SANTANA - O Lorenzetti até tentou marcar conversas comigo, mas eu nunca o recebi, até mesmo porque não sabia quem era nem o que fazia. Para dizer que não teve nada, ele me mandou um e-mail, em setembro, reclamando que eu não o recebia. E foi isso.
FOLHA - Mas o sr. não avisava ao presidente a respeito dessas tentativas de contato?
SANTANA - Claro que não, pois eram centenas de tentativas como essas. Não fazia sentido eu mencionar. Recebia cerca de 150 e-mails por dia, com sugestões de todo tipo.
FOLHA - Como foi pensada a mudança de enfoque da campanha no segundo turno, e, mais especificamente, como foi definida a abordagem a respeito do tema privatização?
SANTANA - Esse é um tema riquíssimo que foi muito bem pensado. Nós tínhamos alinhado alguns dos temas de intensa fragilidade e de imensa comoção política. Estava em primeiro lugar a privatização. Não usamos no primeiro turno porque não houve necessidade de embate direto.
FOLHA - A forma como o assunto foi usado não se prestou a deseducar o eleitor? Propagou-se a noção de que a privatização em si é algo ruim...
SANTANA - Foi deseducativo de acordo com determinado ideário. Para o 'consenso de Washington', sim. No Brasil, para alguns setores, revigorou-se um sentimento cívico. Não faço juízo de valor, mas o fato é que a privatização se apresenta no imaginário brasileiro com uma série de emoções políticas que poderiam ser, do ponto de vista tático, utilizados pela gente.
FOLHA - Quais eram essas emoções?
SANTANA - Primeiro, há um eixo profundo, histórico. Um eixo cívico-épico-estatizante que vem de Getúlio Vargas, com a campanha 'o petróleo é nosso'. O outro eixo são 'as tramas obscuras'. Não quero questionar como foram feitas as privatizações no governo FHC, mas o fato é que o processo ficou na cabeça das pessoas como se algo obscuro tivesse ocorrido.
Foi erro de comunicação do governo FHC, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara. No caso da telefonia, teve um sucesso fabuloso. As pessoas estão aí usando os telefones. Em outros setores, mais afastados e difusos, era mais difícil de explicar e ficou a impressão de que não trouxe benefício, de que foi algo obscuro _o caso da mineração, por exemplo.
FOLHA - Sim, mas estamos aqui falando de uma percepção dos eleitores, do imaginário da população, não necessariamente do que de fato ocorreu. Nesse sentido, não é desonesto se beneficiar de uma idéia geral que vigora na sociedade? Algo que possivelmente o próprio presidente da República sabe que não é a verdade completa?
SANTANA - Não. Eu trabalho com o imaginário da população. Em uma campanha nós trabalhamos com produções simbólicas. Não considero que exista aí desonestidade, pois o tema foi, pelo menos, discutido. É bom que a população fale e reflita sobre esses temas. No primeiro turno, analisando as pesquisas, eu vi que essa discussão poderia ser retomada. Enxerguei ali um 'monstro vivo' que poderia ser jogado.
FOLHA - Mas se foi só uma tática para encurralar o adversário fica então reforçada a tese de que houve uma certa desonestidade intelectual. Ou, para usar a expressão do candidato tucano, uma "mentirobrás"?
SANTANA - Não é bem assim. Para começar, o presidente não foi reeleito por causa da polêmica sobre privatização. E essa até foi uma tática sobre a qual eu tinha dúvidas sobre o efeito. O fato é que adversário teve a oportunidade de responder. Mas não o fez. Tivesse ele uma resposta pronta, objetiva, o impacto teria sido reduzido.
Por exemplo, o Alckmin poderia mostrar objetivamente o uso de telefones, de computadores, de internet. Uma crônica escrita por um simpatizante tucano me deliciou. Ele se queixava da falta de coragem dos tucanos de enfrentar os debates. E até dizia que o Lula se apropriava dos argumentos e benefícios da privatização. Onde tinha celular? No programa do Lula. Onde tinha computadores? No programa do Lula. Dei gargalhadas quando li isso.
FOLHA - Em resumo, pelo que o sr. diz, não houve desonestidade porque o candidato tucano se recusou a responder?
SANTANA - Exatamente. Podemos dizer que houve duas fugas de debate extremamente negativas por parte dos candidatos. A de Lula, no primeiro turno, quando não foi ao debate promovido pela Rede Globo. A segunda fuga de debate ocorreu quando Geraldo Alckmin não quis debater a privatização.
A nossa fuga foi um fato objetivo, pois houve o debate num lugar e horário pré-determinados. Mas o erro foi consertado no segundo turno, com Lula indo a todos. A fuga deles foi mais metafórica, pois a discussão foi recusada pela campanha tucana. Pegou na veia.
FOLHA - Por que, na sua avaliação, o candidato Alckmin se recusou a entrar de maneira mais firme nessa discussão de privatização?
SANTANA - Porque não é fácil. Toda vez que vejo colegas em dificuldade eu tento me colocar do lado de lá. Eles sabiam dessa percepção generalizada e ruim sobre privatização que vigorava na cabeça da maioria dos eleitores. Seria uma atitude de risco para eles, em menos de 15 dias, tentar explicar para a população os benefícios da privatização, algo que em oito anos o FHC não fez.
FOLHA - A citação ao governo FHC de maneira positiva teria ajudado?
SANTANA - De jeito nenhum. A assimilação de FHC pela campanha do Alckmin foi um problema. Esse foi um ponto que nós trabalhamos também, de maneira até certo ponto, maliciosa. Era muito difícil para eles. O fato é que FHC, por mais respeito que se tenha a ele, ficou com uma imagem pública péssima por causa do seu desempenho final, e não a média dos oito anos. A coisa que a gente mais gostava na campanha do Lula era quando o FHC aparecia. Toda vez que ele aparecia, a gente subia uns dois ou três pontos. Isso não é piada. É verdade. As nossas pesquisas mostravam. E, evidentemente, a campanha do outro lado sabia disso. Então, como iriam em 15 dias de segundo turno reverter tudo isso e tratar abertamente da privatização? Ficaram encalacrados, eu não gostaria de estar no lugar deles.
FOLHA - Que tipo de imagem emergia nas pesquisas a respeito de FHC?
SANTANA - Os eleitores achavam que o governo FHC resultou num salário mínimo muito baixo. Que ele tinha privatizado o patrimônio público, 'entregando as riquezas nacionais'. Note que essa imagem quem construiu para si próprio foi o ex-presidente Fernando Henrique. Ele poderia, enquanto estava no governo, ter se esforçado para explicar melhor todos os benefícios que seu governo deixava. Mas não o fez. Agora, a campanha de Lula no segundo turno usou essa percepção deixada pelo governo anterior.
FOLHA - De volta à tática sobre privatização. Ao usar da maneira como usou o imaginário popular o presidente Lula não teria ajudado a alimentar um preconceito sobre o tamanho do Estado?
SANTANA - Não pense que numa eleição vigora uma situação em que 'os fins justificam os meios'. Não é isso. O debate sobre privatização nunca existiu de fato em tempos passados. Precisa ocorrer de alguma forma. Precisa até voltar a ser incentivado. E quero usar um clichê: dos males, o menor.
FOLHA - Do seu lado, no seu entender, não houve um exagero na forma como foi abordada pejorativamente a privatização?
SANTANA - Eleição é disputa de poder. É um combate quase sanguinário. Todos estão querendo espaço. Para ter espaço é preciso dar um empurrão, um solavanco numa pessoa. Ou até uma atitude mais agressiva, metafórica ou fisicamente. Usar um tema como privatização é muito mais honesto do que tentar assacar contra a honra do outro candidato, como o presidente Lula foi atacado injustamente. Por exemplo, o dossiê. Você não acha que houve algo esquisito no encaminhamento do dossiê?
FOLHA - Não quero me apropriar do que disse Geraldo Alckmin, mas acredito que esse questionamento deveria ser feito aos petistas, certo?
SANTANA - Mas por que não perguntar aos Vedoins?
FOLHA - Quem deve perguntar é a Polícia Federal, porque a família Vedoin está formalmente acusada de crimes. Já no caso dos petistas, o presidente da República pode perguntar a eles a qualquer momento sobre o que aconteceu. Ou não?
SANTANA - O presidente, eu posso assegurar a você, não teve até hoje a versão completa dessa história. Mas a minha formação jornalística me faz crer que houve algum tipo de armação ou armadilha nessa história toda.
FOLHA - Mas falar de maneira enviesada da privatização também foi uma armadilha, certo?
SANTANA - Mas qual das duas armadilhas é moralmente mais defensável?
FOLHA - Não sei se houve armadilha no caso do dossiê. O fato é que um grupo de petistas com R$ 1,7 milhão estava disposto a comprar o dossiê. E no caso do debate sobre privatização houve também um subproduto propagado pelo presidente da República: privatizar é ruim. E todos sabem que não é esse o conceito que de fato vigora dentro do governo Lula.
SANTANA - Não. Eu acho que a mensagem passada foi a de que privatizar como eles, os tucanos, fizeram é que é ruim. O debate aqui é quais são os limites éticos dentro de uma campanha política. Não acredito ter rompido nenhum limite com a discussão sobre privatização. E ainda enriquecemos o debate político.
A percepção de que esta foi uma campanha eleitoral vazia, sem debate e inócua é um equívoco. Daqui a 10 ou 20 anos ao se comparar esta campanha com outras anteriores vão concluir que foi uma das mais politizadas que o país já teve. Não houve rendição ao marketing. O eixo central foi crescimento com distribuição de renda, diminuição das desigualdades entre as regiões e as pessoas, inserção soberana do Brasil no mundo e outros. Há discussão essencialmente com mais oportunidade política do que essa? Dizer que é uma pobreza porque foi reduzido a slogan é novamente o baixo entendimento que existe entre o que propaganda e marketing político.
Entrevista com João Santana - parte 2: Marqueteiro diz não querer conta estatal
João Santana diz preferir, se o presidente desejar, ficar como seu consultor
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL DA
FOLHA A SALVADOR
Neste trecho de sua entrevista à Folha, o marqueteiro político João Santana fornece detalhes técnicos sobre a campanha presidencial de Lula. Também revela, em tom de comprometimento, que não aceitará nem disputará contas de publicidade estatais federais -contrariando uma praxe seguida pelos últimos publicitários ligados ao Planalto.
Santana afirma ter mantido durante o processo eleitoral um canal de comunicação com o seu concorrente, Luiz González, que fazia a campanha de Geraldo Alckmin.
O publicitário lulista considera que o tucano José Serra teria sido mais difícil de ser batido no segundo turno. Indagado sobre a natureza de seu ofício no Brasil de hoje, afirma que o marketing é como uma "interface" entre os homens do poder e os governados: "Se eu consigo que o político se aproxime da demanda do eleitor e o eleitor conheça o pensamento dos políticos, eu estou democratizando".
Sobre a Bahia ter se tornado um celeiro de publicitários de sucesso, faz uma análise cultural da história do Estado para justificar o fenômeno. Para Santana, numa "analogia bem humorada", Castro Alves foi talvez o primeiro publicitário local, sendo "o grande marqueteiro da abolição, só que usava a poesia e o teatro que eram a TV da época".
FOLHA - A campanha teve apresentadores de várias etnias (um índio, inclusive). Foi uma decisão com base em pesquisas ou só um viés politicamente correto?
JOÃO SANTANA - Nem uma coisa nem outra: apenas uma descarga de emoção étnica, que teve uma forte simpatia do público.
FOLHA - No segundo turno, entraram locutores cujo aspecto era próximo do estereótipo de classe média paulista caucasiana -uma apresentadora branca, cabelo loiro. Foi uma tentativa de aproximar o candidato desse eleitorado?
SANTANA - Sim, mas não só paulista. Também o eleitor sulista, onde tínhamos dificuldades. Colocamos, também, um jovem quase adolescente. Pelo mesmo motivo.
FOLHA - Quanto do material, propaganda e comerciais, foi rodado em 35 mm?
SANTANA - Fizemos apenas uns cinco comerciais com película, mesmo assim em super-16. Com as novas câmeras digitais e máquinas de edição de última linha, consegue-se uma incrível qualidade visual sem se recorrer, necessariamente, à película.
FOLHA - Quem criou as "catch phrases" como "é Lula de novo com a força do povo" e "deixa o homem trabalhar"?
SANTANA - 'Lula de novo, com a força do povo' e 'não troco o certo pelo duvidoso' são minhas. O genial 'deixa o homem trabalhar' era um verso que aparecia num jingle feito pelo compositor Lázaro do Piauí, que pedi para ele valorizar mais na letra, e decidi massificar como slogan de chegada no segundo turno, utilizando como bordão de vários comerciais de rádio e TV. Acho que foi uma campanha com slogans e subslogans poderosos.
FOLHA - Sua campanha foi com menos emoção que a de 2002. Isso se deveu ao fato de o sr. ser menos dado a fazer propagandas emocionais do que Duda Mendonça ou foi uma estratégia deliberada?
SANTANA - Eu acho que um pouco das duas coisas. Mas nossa campanha teve um equilíbrio forte entre conteúdo propositivo, discussão política e estimulação emotiva. Trabalhamos fortemente campos simbólicos diversos.
FOLHA - José Serra teria sido um candidato mais difícil do que Geraldo Alckmin?
SANTANA - Tenho dúvidas. Acho que Alckmin foi muito bem no primeiro turno. Serra talvez fosse melhor que Alckmin no segundo turno, no momento em que a campanha embicou para a discussão mais programática e ideológica. Se campanha fosse igual futebol, que pode substituir facilmente jogador, o Serra deveria ter saído do banco, no segundo tempo.
FOLHA - O sr. costuma falar que no Brasil as pessoas não interpretam corretamente o que são o marketing e a propaganda política. Por quê?
SANTANA - No mundo das vendas, o marketing é a cabeça política da propaganda comercial. É o que adapta o produto ao gosto do consumidor. A publicidade é o instrumento que vende o produto propriamente.
O marketing político adapta a política ao gosto do eleitor. A partir daí, tem duas características: pode ser democratizador e/ou manipulador.
Se eu consigo que o político se aproxime da demanda do eleitor e o eleitor conheça o pensamento dos políticos, eu estou democratizando. Mas se eu deixo o político contido e aprisionado no pensamento médio e rasteiro do eleitor, estou impedindo o aperfeiçoamento e a evolução das formas de administrar e exercer a política. Estou congelando o pensamento, num círculo vicioso e doentio. Esta tem sido uma das falhas do marketing político no mundo e muito especialmente no Brasil. Mas não se pode negar o grande papel didático e de aproximação do povo com a política que a propaganda e o marketing têm feito, no Brasil, desde o final da ditadura.
FOLHA - Mas o caso do enfoque da privatização foi exatamente se render ao pensamento, para usar suas palavras, "médio e rasteiro do eleitor", certo?
SANTANA - Você pode considerar assim se levar em conta apenas um item de uma campanha, esquecendo o todo. O marketing é uma visão estratégica, o planejamento. A propaganda seria a produção simbólica e substantiva desse planejamento.
No Brasil, tivemos de aprender a fazer tudo isso ao mesmo tempo. Com a ditadura militar, interrompeu-se um processo de aprendizado. Ficamos congelados por mais de 20 anos. Depois desse período, tivemos de reaprender.
Os publicitários e os jornalistas tiveram que preencher essa lacuna. E houve dois caminhos criados. O baiano, cujos pioneiros são Duda Mendonça e Geraldo Walter [1956-1998], e o paulista, que tem o Chico Santa Rita como um dos pioneiros, e mais recentemente o Luiz González. São duas vertentes diferentes. Os baianos, egressos do mundo publicitário. Os paulistas, do jornalismo. Esses dois caminhos nunca chegaram muito a uma síntese. Eu sou um anfíbio nesse meio. Sou baiano, mas vim do meio jornalístico e artístico e desemboquei na publicidade. Modestamente, tento buscar o que há de melhor em cada corrente.
FOLHA - A regra tem sido publicitários vitoriosos acompanharem o político no governo. Quais são seus planos?
SANTANA - Não vou disputar nenhuma conta de publicidade no governo federal. Não quero. Não fui convidado nem aceitaria nenhum cargo no governo. Mas quero manter, se for interesse do presidente, a relação de consultor, como fui no ano passado. Mas não um cargo que me obrigue a ficar no governo. Pode ser algo remunerado por hora técnica. O que não quero é conta milionária nem cargo dentro do governo.
FOLHA - Qual foi o custo total da campanha?
SANTANA - Só posso falar da área de propaganda e marketing. O contrato total da minha empresa, envolvendo os dois turnos, foi de aproximadamente 13 milhões e 750 mil reais, envolvendo TV, rádio, internet, criação gráfica e planejamento estratégico.
FOLHA - O sr. teve a primeira reunião com o presidente Lula em 24 de agosto de 2005. Seu contrato só foi formalmente assinado com o PT em junho de 2006. A assessoria que o sr. prestou nesse meio tempo ao presidente teve custos. Quanto foi esse custo e como foi pago?
SANTANA - Dei apenas uma consultoria informal, sem cobrar serviços. É uma prática normal no mercado, quando se está disputando a conta de uma campanha. É um investimento, é jogar para o contrato.
FOLHA - Por que a imagem dos marqueteiros políticos é, em geral, tão negativa?
SANTANA - É a dificuldade de entender o que é a persuasão e a manipulação. Há um limite entre essas duas ações e muita confusão desde a Grécia antiga. No século 19, surgiu o estudo da psicologia das massas, pela ótica patológica. Na França, Gustave Le Bon [1841-1931] dizia que a multidão era a escória, uma massa uniforme e objeto das manipulações mais vis. A partir daí, vem uma série de interpretações sociais deformadas. Cesare Lombroso [1835-1909], na Itália foi outro caso. São várias vertentes que analisam de maneira equivocada a sociedade e o comportamento dos indivíduos.
A interpretação enviesada do marketing político deriva também dessas outras visões deformadas da sociedade. Olhar com desdém o marketing político é o mesmo que usar técnicas lombrosianas para analisar os crimes. Os detratores da publicidade política-eleitoral acham que nós apenas manipulamos e que a massa é imbecil.
Trata-se de um ferramental tão errado quanto antigo. Por isso cito a Grécia. Sólon [poeta e legislador] dizia que o ateniense isolado era uma raposa astuta, e, em massa, um bando de ovelhas. Ou seja, vem de longe essa visão equivocada da relação com as massas.
Hoje, o que se faz é usar esse ferramental de Sólon, Le Bon e outros para interpretar o que fazem os marqueteiros. Não se leva em conta que vivemos numa sociedade ambientada pela mídia, onde as formas políticas se modificaram e o discurso é outro. Hoje, o meu corpo, o meu afeto e minha relação afetiva e sexual passam pelo mundo da mídia. Por que a política não passaria por aí? E o que fazem o marketing e a propaganda política? Um exercício de persuasão, usando instrumentos legítimos. E a democracia é isso: o choque de elementos de persuasão.
FOLHA - Por que a Bahia virou um celeiro de publicitários para o meio político?
SANTANA - Acho que por conteúdos culturais, históricos e pressões de mercado. Desde o império, a Bahia produz forte propaganda política que alimentou movimentos nativistas e rebeliões escravas, como a dos Malês, que tinha um forte 'endomarketing', se me permite a analogia bem humorada. Castro Alves foi o grande marqueteiro da abolição, só que usava a poesia e o teatro que eram a TV da época. Mais recentemente, como o mercado da propaganda comercial na Bahia era restrito, gente de muito talento como Duda, Nizan Guanaes, Geraldo Walter, Fernando Barros e outros complementaram o trabalho na propaganda política.
FOLHA - Quais foram suas principais campanhas vitoriosas e as derrotas mais doídas?
SANTANA - Já fiz dezenas de campanhas, cada uma tem sua alegria ou sua tristeza. Como uma das mais alegres e positivas cito esta do presidente Lula, a primeira eleição de José Manuel De La Sota para o governo de Córdoba, em 98, na Argentina. Foi quando o PJ (Partido Justicialista, peronista) recuperou o poder depois de mais de 20 anos nas mãos dos radicais. Outra campanha notável foi a do senador de Delcídio Amaral, em 2002, no Mato Grosso do Sul. Delcídio começou com 2% dos votos contra mais de 50% de Pedro Pedrossian e viramos. Graças a Deus, tive poucas tristezas. Mas a maior, sem dúvida, foi a derrota de Antônio Brito, com menos de meio por cento, para Olívio Dutra, na disputa pelo governo do Rio Grande do Sul, em 1998.
FOLHA - O sr. falou com o publicitário Luiz González durante a campanha?
SANTANA - Sim, umas poucas vezes. Tínhamos uma espécie de telefone vermelho, para situações de crise. Mas só usamos para discutir encaminhamento de negociações de debates e entrevistas, dos nossos candidatos. Liguei, também, para esclarecer uma versão absurda, supostamente divulgada por alguns tucanos, de que o presidente Lula teria usado ponto eletrônico no debate da Record.
FOLHA - O que achou das dicas que César Maia dava a Alckmin por meio de seu boletim diário na internet batizado de "ex-blog"?
SANTANA - Ele teve o mérito de tentar preencher uma lacuna que é a inexistência de um crítico profissional na área do marketing político, no Brasil. Mas lhe faltam, ainda, algumas características e ferramentas importantes: distanciamento crítico, conhecimento teórico, experiência prática e talento criativo.
FOLHA - Por que no PT e nas suas mais recentes incursões como marqueteiro caiu em desuso o seu apelido Patinhas, usado por tantos amigos seus?
SANTANA - Este apelido, que vem da minha adolescência, já estava caindo em desuso. E não tem nada a ver com fama de pão-duro. É porque fui tesoureiro do grêmio, quando estudava nos Maristas, em Salvador. Depois passei a usá-lo, como pseudônimo, para assinar minhas músicas. Sphere: Related Content
A verdadeira história das múmias do mosteiro
No Carnaval do ano passado, quando foi divulgado que duas múmias haviam sido encontradas no Mosteiro da Luz, em São Paulo, o mais inusitado da descoberta era a informação de que os corpos das duas freiras tinham sido encontrados graças a um foco de cupim. Sob o pretexto de debelá-lo, marteladas em uma das seis tumbas, onde funcionou até 1820 o antigo cemitério das Irmãs Concepcionistas da Congregação da Imaculada Conceição, revelaram a descoberta, de grande valor histórico e arqueológico. Desde então, a sala de 30 metros quadrados foi trancada com uma corrente para que arqueólogos escavassem nos outros cinco túmulos. ISTOÉ teve acesso ao antigo cemitério e às fotos do Projeto Arqueologia Funerária no Mosteiro da Luz. Entre os detalhes das pesquisas feitas nos corpos das 11 irmãs encontrados ali, uma revelação: foi a possibilidade de haver uma santa enterrada no mosteiro que determinou a abertura das tumbas da parede, conhecidas como carneiras. Ou seja, desde a remoção do primeiro tijolo, o que se procurava não era cupim. "Todos nós sabíamos do cemitério das irmãs dentro da clausura", conta o cônego Celso Pedro da Silva. "Isso se faz em todos os mosteiros do mundo." Aos 73 anos e procurador do mosteiro, ele é o porta-voz da curiosa história que precipitou as escavações. Remonta ao século XIX, quando uma das freiras do mosteiro dizia ouvir, seguidas vezes, um barulho vindo de uma das carneiras - exatamente a que foi aberta primeiro, no ano passado. Alertada do fato, a madre superiora resolveu, então, abrir a tumba. A parede foi quebrada e percebeu-se que havia um corpo intacto enterrado ali. O túmulo foi fechado imediatamente, mas a história da religiosa com tecidos de pele preservados nunca mais saiu dos corredores da Luz. "Um corpo que não se corrompe, fica intacto, para nós significa santidade", explica o cônego. Com essa ideia na cabeça, Celso Pedro, então capelão do mosteiro, passou a discutir com a madre superiora a possibilidade de tirar a história a limpo. O assunto foi tratado, inclusive, com as 14 irmãs que, hoje, vivem enclausuradas no local. Até que se decidiu abrir a carneira, localizada em uma das dependências do Museu de Arte Sacra (MAS), que funciona no mosteiro, no meio de um feriado, sem a presença de visitantes. "A gente abre e, se houver mesmo uma irmã santa ali, comunica o cardeal. Do contrário, fechamos e morreu o assunto", acordaram. Além do cônego, dois seminaristas, o capelão atual, a diretora do MAS e três irmãs enclausuradas foram chamados para a abertura da carneira. Arqueólogos do Museu de Arqueologia e Etnologia, da Universidade de São Paulo (USP), e especialistas do Instituto Médico Legal também estiveram presentes. "Tínhamos curiosidade de saber o que existia de verdade no túmulo. Se não tivesse nada demais, era para fechar e acabou-se. Só que isso não foi feito", diz Celso Pedro. REVELAÇÃO O cônego Celso Pedro (abaixo, à esq.) e a tumba que poderia revelar uma santa: "Um corpo que não se corrompe, para nós, é santidade", diz ele Os dois corpos encontrados na carneira de número 1 - todas elas medem 1,90 cm de comprimento por 60 cm de altura e foram numeradas pelos pesquisadores - tiveram suas datas de morte precisadas: 1780 e 1880, respectivamente. Têm, portanto, 230 e 130 anos (há uma margem de erro de 40 anos para cima ou para baixo). A terra retirada dos túmulos também já foi analisada e data dos séculos XVII e XVIII. Dos corpos enterrados nas seis tumbas, três são múmias, quatro, esqueletos e quatro apresentam os ossos desarticulados. Os arqueólogos tiveram acesso aos registros históricos das 130 freiras que morreram na Luz. Informações como enfermidades, causa mortis, idade e ancestralidade delas serão comparadas com as análises dos materiais coletados nas tumbas. Até agora, 585 peças foram registradas no inventário arqueológico, como contas de terço, escapulários, sete pares de sapato, ossos, tecidos e flores. Esse trabalho - pioneiro no País, sob abordagem forense, arqueológica e antropológica, com material mumificado de religiosas brasileiras - só prosseguiu graças à atuação do cônego. "Pensando na ciência e na história paulistana, seria uma falta de inteligência impedir algo que possa contribuir para a cultura", diz ele, que hoje é vice-presidente do conselho do MAS. Na Luz, ciência e religião têm caminhado de mãos dadas por uma causa nobre: reescrever a história de religiosas que conviveram e contribuíram com um santo, o Frei Galvão. O trabalho encontra-se na fase final de escavação. Depois, irão ocorrer as análises de laboratório. "Há vestígios que devem ajudar a interpretar a história de como se vivia em São Paulo", afirma Sérgio Francisco Monteiro da Silva, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, que coordena a equipe de arqueografia funerária. A carneira de número 5 é a única que possui apenas um corpo enterrado. Trata-se da múmia em melhor estado de conservação. Ela está calçada, apresenta as mãos amarradas por uma fita sobre o tórax em posição de oração."Não me admiraria se ela fosse uma parente de Frei Galvão", opina Mari Marino, diretora do MAS. Os corpos das freiras não deixaram os túmulos durante a pesquisa. As carneiras serão fechadas com os mesmos tijolos, que foram retirados e numerados para retornarem na mesma posição. Uma urna com um pouco da terra original ficará depositada dentro de cada uma delas. Será o fim de uma lenda que se transformou em um trabalho cuidadoso e apurado.
A suspeita de haver uma santa enterrada determinou a abertura de seis tumbas na Luz, onde arqueólogos já analisaram 585 peças
Rodrigo Cardoso
Em seis anos, o jovem empreiteiro Fernando Cavendish fez um milagre: ampliou 14 vezes o seu volume de contratos com o governo
O príncipe do PAC Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Sil va foi ao Rio de Janeiro, em maio, para entregar 56 unidades habitacionais a moradores do morro do Alemão, na zona norte da cidade, um jovem perfumado garantiu à comitiva presidencial que até setembro de 2010 entregaria todas as obras prometidas pelo governo na comunidade: mais de mil apartamentos e um teleférico. O autor da promessa é Fernando Cavendish Soares, dono da Delta Construções, que toca as obras do Alemão, no valor de R$ 623 milhões. A data que ele escolheu para entregar os apartamentos é estratégica: um mês antes das eleições. Em retribuição, o empresário ganhou um lugar na foto oficial, logo atrás do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Cavendish é hoje o homem que mais recebe dinheiro da União em contratos de obras civis. Deixa para trás na lista de fornecedores do governo gigantes da engenharia como a Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão. Só este ano, a Delta vai receber cerca de R$ 500 milhões da União, 14 vezes o que ganhou em 2003, primeiro ano do governo do PT. Cavendish começou a destacar-se na contabilidade do governo do PT em 2004, ano em que sua empresa cresceu 119%. Os valores vêm aumentando em progressão geométrica. Em menos de cinco anos, a Delta já faturou R$ 1,5 bilhão do governo. Só em obras do PAC são 85. Um dos primeiros filões explorados pela Delta nesta fase de lua de mel permanente com o governo foi a "Operação Tapa-Buracos", que, pela urgência, não seguiu os tradicionais critérios de licitação pública. A partir daí, a empresa não para de crescer. O economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, se diz impressionado com o crescimento da construtora de Cavendish. "Muitos casos de ascensão meteórica são fruto de competência ou de bom relacionamento suprapartidário", diz Castelo Branco. Mas os problemas de Cavendish aumentam na mesma proporção da expansão de sua empresa. A ControladoriaGeral da União (CGU) enumerou irregularidades em 14 obras de Cavendish no PAC, em contratos que somam R$ 200 milhões com o DNIT. Na lista da CGU estão pagamentos por serviços não executados, alteração contratual com acréscimos financeiros não previstos em lei e serviços duplicados realizados no mesmo trecho. Os problemas se espalham por todo o País. Em Minas Gerais, a construtora Delta foi investigada por usar documento com informações falsas para participar da licitação da Linha Verde, via expressa que liga Belo Horizonte ao aeroporto de Confins. No Ceará, houve suspeita de direcionamento de licitação. No Paraná, foi um dos alvos da Operação Empreitada, que descobriu um acerto entre as construtoras para fraudar licitações. Segundo a denúncia, as obras eram sorteadas numa máquina de bingo. A polícia paranaense quis prender Cavendish, mas ele negou participação no esquema. Um dos atuais contratos da Delta é a construção do edifício-sede da Procuradoria-Geral do Trabalho, em Brasília, paralisada há dois anos. Na lista da CGU (abaixo) estão relacionados pagamentos por obras não executadas ou feitas duas vezes O TCU detectou superfaturamento, mas hoje não põe obstáculos à continuidade do empreendimento, de R$ 130 milhões. Cavendish terá de compatibilizar os valores da obra com os preços de mercado, se quiser finalizar o prédio. Outra obra que a Delta ajuda a tocar, o Arco Metropolitano do Rio, de R$ 844 milhões, tem "indícios de irregularidades graves". Os auditores constataram que houve pagamentos por serviços não realizados e pediram que a Delta se manifeste sobre o início das obras sem projeto executivo e sem planilha orçamentária. Foi no Rio de Janeiro que Cavendish começou a construir seu patrimônio, antes do lançamento do PAC. Na ges tão do ex-governador Anthony Garotinho, o empresário pavimentou bairros de Nova Iguaçu, em obras investigadas por suspeita de favorecimento. Segundo um de seus parceiros, Cavendish tem um estilo peculiar de gestão. "Cada obra tem uma administração independente, com CNPJ próprio. Isso dinamiza a gestão, reduz custos, dá capilaridade e permite que ele continue a operar mesmo quando há algum embargo", diz o fornecedor de Cavendish. "As obras funcionam como franquias. Se alguma começa a dar prejuízo, o gestor é demitido." Como quase sempre acontece com empresas que dependem do Estado, a Delta é uma generosa doadora em campanhas. Em 2006, injetou R$ 1,72 milhão nas eleições de prefeitos e vereadores em sete Estados, segundo dados do TSE. O PMDB levou R$ 1 milhão. O PT, R$ 500 mil. Amigo de governadores do PMDB e do PSDB, Cavendish não gosta de falar sobre os problemas que enfrenta e nem sobre seu círculo de relacionamentos. De um suntuoso apartamento, na avenida Vieira Souto, em frente à praia de Ipanema, Cavendish avisou à ISTOÉ que não fala sobre seus negócios ou sobre sua vida pessoal. Pelas colunas sociais, sabe-se que o empresário é considerado um "tipo desejável". Avesso a fotografias, o empreiteiro costuma ir a todas as festas badaladas do Rio. Com tanto dinheiro, ele agora vai diversificar seus negócios para os setores de energia, gás e óleo. Colaborou Claudio Dantas Sequeira
Hugo Marques
Envolvido no Mensalão, petista começa campanha para deputado e surpreende o PMDB pelo poder financeiro
Mino Pedrosa Enquanto em Brasília o PT e o PMDB fazem juras de amor e tentam acertar a aliança em torno da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, o relacionamento entre os dois partidos no Rio de Janeiro assume contornos beligerantes. A guerra aberta entre PT e PMDB no Rio envolve uma das mais tradicionais empresas do Estado, a cinquentenária refinaria de Manguinhos. Ex-estatal, privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso, Manguinhos agora está nas mãos do ex-secretário Nacional de Comunicação do PT Marcelo Sereno, um dos citados pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) no escândalo do Mensalão e nas denúncias que derrubaram da Casa Civil Waldomiro Diniz, braço direito do então ministro José Dirceu. Além de ser o presidente da Grandiflorum, holding controladora de Manguinhos, com salário de R$ 10 mil mensais, Sereno aparece no banco de dados da Serasa como sócio do empresário João Manuel Magro na empresa que assumiu o controle da refinaria numa polêmica operação que envolveu a transferência das participações da petroleira espanhola Repsol e da família Peixoto de Castro para o grupo Andrade Magro, de São Paulo. Conforme apurou ISTOÉ, Sereno foi nomeado presidente da Grandiflorum em 28 de novembro de 2008, 18 dias antes de a refinaria Manguinhos ser adquirida. Sereno tenta diminuir sua importância na empresa. Alega que é "apenas" presidente. Atribui a um erro do Serasa o fato de figurar como sócio do grupo. Equívoco ou não, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), está preocupado com o poder exercido por Sereno em Manguinhos. Enxerga uma grande jogada do PT, comandada por Dirceu, para fortalecer a candidatura ao governo do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias. Isso criaria obstáculos para as pretensões do PMDB de reeleger o governador. Mas Cabral reagiu. Mandou a Secretaria da Fazenda promover uma operação de recadastramento de empresas que operam no ramo de distribuição de combustíveis. Também acusou Manguinhos de utilizar em 2002 o regime especial tributário para gerar uma perda de R$ 600 milhões nos cofres do Rio. E entrou com ação na Justiça contra a refinaria. Cabral pode ir além. Está ao alcance do PMDB uma fita, hoje em poder de um empresário do mercado financeiro, que comprovaria o envolvimento de Sereno no Mensalão. A gravação jogaria uma pá de cal na candidatura do petista à Câmara dos Deputados em 2010. O PMDB fluminense acredita que pelo menos uma parte desses R$ 600 milhões vai engordar o caixa das campanhas petistas no Rio, especialmente a do próprio Sereno e a de Farias. Trabalhando intensamente por sua candidatura, Sereno espera ter destino diferente de seus ex-colegas de PT, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do partido Silvinho Pereira. Desligados do PT, ambos não conseguiram legenda e viram frustrados seus desejos de retornar à cena política em 2010. Nos últimos dias, Cabral fez chegar sua preocupação ao Palácio do Planalto. Os assessores de Lula responderam que não acreditam na utilização eleitoral dos recursos de Manguinhos. E disseram ainda que apostam num acordo eleitoral envolvendo o próprio Cabral, Farias, Dirceu e Sereno. Mas o desejo de Cabral é deixar Sereno ao relento - sem o guarda-chuva de Manguinhos.
Corrupção nanica, estrago gigante
|
Sem ar-condicionado O município de Charqueadas (RS) não tem verão ao estilo senegalês, mas parte de sua população parece ter especial apreço por ar-condicionado. No final de 2008, a CGU descobriu que sete aparelhos de cerca de R$ 15 mil, adquiridos com recursos do Fundo Nacional de Saúde, desapareceram dos postos de saúde. A prefeitura não soube explicar o destino deles e nem de outros equipamentos sumidos, orçados em R$ 48 mil |
Os relatórios da CGU mostram que a prática de desviar recursos públicos nas pequenas cidades brasileiras é tão disseminada quanto a certeza da impunidade por parte dos criminosos. As fraudes grosseiras se repetem às centenas e explicitam uma falta de responsabilidade assustadora com o dinheiro dos contribuintes. Em alguns casos, os métodos utilizados pelos administradores públicos para desviar os recursos por pouco não ultrapassam a fronteira do absurdo. "O criminoso do colarinho-branco sabe que, se for pego e condenado, só será punido em dez anos, talvez 20 anos", diz o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage. "Esse absurdo criou uma sensação de impunidade que é ainda mais acentuada nos pequenos municípios."
Cidades fiscalizadas pela CGU receberam R$ 11 bilhões em repasses federais
Foi provavelmente com essa certeza que os responsáveis pela Secretaria de Obras da pequena e isolada cidade de Boa Vista de Ramos, no meio da amazônia brasileira, sacaram mais de R$ 730 mil da conta da prefeitura oito dias antes do fim do mandato do prefeito eleito em 2002. Os recursos advindos do Ministério das Cidades seriam usados na construção da primeira estação de tratamento de esgoto do pequeno município de 13 mil habitantes. O dinheiro só deveria sair da conta quando a empresa vencedora da licitação desse início às obras. Mas não foi o que aconteceu. Quando os fiscais da CGU chegaram à cidade, o local onde a estação deveria estar instalada estava ocupado por cinco casas. Nenhuma delas tinha sequer um rudimentar sistema de saneamento.
IMPUNIDADE Ministro Jorge Hage critica a morosidade do Judiciário |
Na cidade de Casa Nova, localizada no norte da Bahia, os fiscais da Controladoria descobriram um caso tão ou mais emblemático dessa corrupção que ninguém vê. Por meio de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), a prefeitura autorizava a agência do Banco do Brasil local a quitar dívidas pessoais de cidadãos que nem ao menos tinham relação direta com o poder público. Ao todo, Casa Nova gastou R$ 478 mil que deveriam ser investidos nas escolas da cidade para quitar as dívidas de 18 pessoas que haviam contraído empréstimos no banco por meio do crédito direto ao consumidor.
Os dois casos explicitam também a fragilidade dos sistemas de controle do Estado. É inacreditável que o saque de quase R$ 1 milhão e o pagamento de dívidas pessoais com recursos da educação só sejam descobertos em uma operação especial. A própria Controladoria não faz ideia de quando os fiscais voltarão a essas cidades. Ainda faltam quase quatro mil municípios para ser fiscalizados e, provavelmente, novas irregularidades só surgirão naqueles que passaram pelo crivo do órgão por razões pontuais. "O fato é que sob o ponto de vista da concepção estrutural do Estado brasileiro seria necessário repensar a federação para que medidas efetivas de combate à corrupção fossem aplicadas", diz o secretário-geral da Associação Brasileira de Municípios, José Carlos Rassier.
A CGU não está mudando a estrutura do Estado e, na verdade, o amplo trabalho que vem fazendo tem poucos resultados práticos. Até agora, cerca de 400 ações já foram ajuizadas pelo Ministério Público Federal com base nos relatórios do órgão e algo perto de 450 processos judiciais teve o mesmo destino por decisão da AdvocaciaGeral da União. Mas isso não significa muita coisa, como mostrou ISTOÉ em janeiro deste ano ao relatar alguns casos de corrupção apontados pela CGU. A Controladoria só pode tomar decisões administrativas contra os funcionários do Executivo. Prefeitos, vereadores e funcionários públicos estaduais e municipais, em última instância, só podem ser punidos pela Justiça. "E aí está um grande problema: o sistema judicial brasileiro é moroso demais", diz o ministro Jorge Hage. "É um absurdo, mas não há muito que possamos fazer."
5 toneladas de elástico São Francisco do Conde (BA) é, talvez, a maior consumidora per capita de elásticos para enrolar dinheiro do País. Em 2002, a Secretaria de Educação da cidade comprou cinco toneladas de elástico para dinheiro, algo como 4,3 milhões de pedacinhos de borracha. A CGU, no entanto, não conseguiu achá-los nas escolas do município, que também receberiam, de acordo com as compras com recursos do Fundef, 36 mil pincéis atômicos |
Hage não aceita as afirmações de que a Controladoria desempenha um papel muito mais simbólico do que efetivo. Para ele, um dos objetivos do programa de fiscalização dos municípios é também criar uma espécie de cultura do medo entre os administradores públicos. "Isso está acontecendo. Há um temor nas pequenas cidades e esse também é um dos nossos objetivos", diz. Mas ele concorda que não serão visitas de duas semanas de alguns fiscais federais que irão transformar a realidade do País."O universo de mais de cinco mil municípios é grande demais. É preciso que a sociedade civil entre nessa luta, sem ela a fiscalização sempre será deficitária", diz Hage.
Mas fiscalizar municípios pequenos, que não divulgam suas informações e exercem poder político e econômico na vida da maior parte de seus moradores, não é exatamente uma tarefa fácil. Além das dificuldades em obter as informações, é preciso também conhecimento técnico para decifrar os herméticos relatórios de prestação de contas. Algumas experiências têm dado resultado, mas são casos isolados.
A mais bem-sucedida delas ocorreu no município de Rio Bonito, no interior de São Paulo. Um grupo de amigos nascidos na cidade e liderados pelo então presidente da Klabin, Josmar Verillo, formou uma ONG para apresentar projetos à prefeitura e trabalhar na captação de recursos para executá-los.
Em pouco tempo perceberam que, apesar da boa arrecadação, nada acontecia. "Vimos que não adiantava nada nosso esforço porque tudo que entrava na prefeitura era desviado de alguma forma", diz Verillo, hoje presidente da usina Santa Cândida. "Decidimos mudar nosso foco de atuação e começamos a fazer um trabalho de fiscalização rigoroso nas contas municipais." Dois anos depois, em 2002, a ONG batizada de Amarribo conseguiu cassar o prefeito Sérgio Antônio Buzar, que depois foi condenado pela Justiça e só foi detido em Rondônia após um longo período foragido.
Como a roubalheira que assola a vasta maioria dos municípios brasileiros traz tanto - ou mais - prejuízo ao País quanto os grandes escândalos
Yan Boechat e Larissa Domingos
Gasto sem provas A Prefeitura de Oiapoque (AP) não se deu nem mesmo ao trabalho de falsificar notas fiscais. A cidade recebeu, entre 2005 e 2007, R$ 421 mil do Ministério das Cidades para construir um novo terminal rodoviário. No entanto, a administração municipal não provou à CGU como usou R$ 271 mil dos recursos. Não havia notas que justificassem os gastos. O caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal do Amapá |
A estratégia funcionou, mas não garantiu resultados permanentes. O novo prefeito, eleito em 2006, Rubens Gaiozo Jr., passou a adotar as mesmas práticas de seu antecessor. Novamente a ONG voltou à fiscalização, descobriu novos casos de corrupção e conseguiu cassá-lo, em 2007. "Pela experiência que adquirimos nesses processos, me arrisco a afirmar que 98% dos municípios brasileiros têm desvios de recursos públicos", diz Verillo. "Se não é o prefeito, são os secretários ou alguém da equipe. E isso acontece porque é muito fácil roubar dinheiro público no Brasil. Não há estrutura capaz de acompanhar o que acontece nos quase 5,6 mil municípios do País."
ONG do interior paulista conseguiu cassar dois prefeitos corruptos em cinco anos
LUPA Para Josmar Verillo, o cidadão precisa fiscalizar |
Verillo advoga pela mesma tese do ministro Jorge Hage: sem apoio da sociedade civil é praticamente impossível combater essa corrupção em contagotas que assola todo o País. "Não tem jeito: ou você tem um grupo de cidadãos acompanhando a prefeitura de perto ou haverá corrupção", diz o executivo. Sua opinião é quase consenso entre as entidades que combatem a corrupção no País. "Só a atenção e a cobrança dos cidadãos podem aprimorar o controle dos gastos públicos. É utopia crer que esse papel caiba ao Estado de forma exclusiva", diz Augusto Miranda, vice-presidente do Instituto de Fiscalização e Cidadania (IFC).
Criado em 2005 em Brasília, o IFC trabalha no incentivo à criação e apoio a ONGs destinadas a fiscalizar o poder público municipal. Hoje são 100 entidades apoiadas pelo instituto, que, além de treinar seus integrantes, oferece ferramentas para um controle mais efetivo das contas dos municípios brasileiros. "Mas a verdade é que não basta vontade e dedicação, é preciso também força política e econômica para se contrapor ao poder público, que em regiões pobres é o mantenedor de quase toda a população", diz Miranda.
ESTRUTURAL Rassier, da ABM: "O Estado precisa mudar para coibir a corrupção
Não são todas as cidades brasileiras que dispõem de um executivo com experiência internacional, com passagens pela presidência de uma multinacional, co mo é o caso de Jos mar Verillo. São poucos também os municípios que podem contar com profissionais qualificados que consigam entender a complexa contabilidade pública.
No fundo, esperar que um país em que 30 milhões de pessoas cruzaram a linha que os separava da pobreza extrema há poucos anos tenha uma rede de fiscalização formada pela sociedade civil é quase uma utopia. E a corrupção que assola os pequenos municípios é a força motriz de um círculo vicioso que retroalimenta as máfias, os prefeitos, as empresas, enfim, os criminosos de toda sorte que se aproveitam da incapacidade do Estado em fiscalizar seus recursos
Sphere: Related Content