Um casamento que marcou a história da música popular brasileira. Uma relação intensa e verdadeira, que extrapolou os limites da vida a dois e a expôs à opinião pública. “Dalva e Herivelto, uma canção de amor”, microssérie em cinco capítulos, protagonizada por Adriana Esteves e Fábio Assunção, estreia na próxima segunda-feira, na Globo, trazendo à tona a trajetória de dois grandes artistas, extremamente passionais em tudo que faziam.
- É uma história de amor, um grande drama, um novelão que emocionou o país na época em que aconteceu. Essa foi, talvez, uma das mais ruidosas separações que o Brasil já conheceu – afirma a autora Maria Adelaide Amaral, ressaltando que trata-se de uma obra de ficção: - Não faço telejornalismo, mas teledramaturgia. Não tive o compromisso com a estrita realidade dos fatos, quis fazer o que me parecia mais emocionante aos olhos de quem vai assistir.
Retratada nas décadas de 1930 a 1970, a microssérie resgata a Era do Rádio, época em que a televisão praticamente não existia, sendo um artigo de luxo para poucos. Por isso, o rádio reinava absoluto junto à população, revelando seus grandes ídolos: cantores que enfeitiçavam multidões com suas vozes potentes e músicas de letras quase ingênuas, mas de grande força dramática. Caso de Marlene (na trama, vivida por Rita Elmôr), Emilinha Borba (Soraya Ravenle), as irmãs Linda (Cláudia Netto) e Dircinha Batista (Luciana Fregolente), Francisco Alves (Fernando Eiras) e Orlando Silva (Édio Nunes). Nessa lista, é claro, entram Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas (Maurício Xavier), que juntos formaram o que se denominou Trio de Ouro, conjunto vocal de tremendo sucesso, que badalou nas rádios Mayrink Veiga e Nacional e, depois, no Cassino da Urca.
- É bonito acompanhar a evolução dos três, que moravam em cortiço e se tornaram ídolos, mas nem por isso perderam a simplicidade. Eles reuniam os amigos em casa e a própria Dalva ia para a cozinha preparar a macarronada – conta Fábio Assunção, que traçou um perfil de Herivelto Martins a partir de entrevistas que o compositor concedeu ao Museu da Imagem e do Som (MIS): - Esses vídeos foram valiosos para a construção do meu trabalho. Ele era carioca, um cara do samba e do morro, e eu, um paulista do trânsito... Complicado, não?
Com sua segunda família, Herivelto, de fato, parecia outro homem. Foram dois meses de pesquisas e preparação do elenco – Fábio Assunção e Adriana Esteves, por exemplo, tiveram aulas de canto, mas só a voz dele será aproveitada na obra – e mais dois meses e meio de gravações intensas em cenários montados no Projac e no Palácio Quitandinha, em Petrópolis, onde foi reconstruído o palco do Cassino da Urca e seus shows glamourosos, com a supervisão dos craques em musicais Charles Muller e Cláudio Botelho. Todo esse profundo mergulho num passado não tão distante já deixa saudades em quem viveu a experiência.:
Fisicamente, os atores tiveram que passar por algumas mudanças no visual para se aproximarem do casal de outrora: ela afinou as sobrancelhas, ganhou uma pintinha abaixo do olho direito, escureceu os cabelos e fez permanente, enquanto ele cultivou um bigodinho, usou próteses no pescoço e na barriga, fez duas entradas nos cabelos e também os encaracolou.
- Fiz o Herivelto dos 24 aos 60 anos, certas transformações eram necessárias. Nunca tive preocupação com a questão da vaidade, entro de cabeça no personagem – assume Fábio, de volta à TV após um período de afastamento para a recuperar-se da dependência de drogas.
Já Adriana, vaidosa como toda mulher que se preze, conta que o processo de caracterização lhe foi, de certa forma, agressivo:
- Ficar completamente diferente do que eu costumava me ver no espelho e me aceitar daquela forma foi muito difícil. Mas essa dificuldade serviu para eu caminhar rumo a toda falta de vaidade necessária para a entrega a essa personagem tão incrível.
A microssérie tem início em 1972, com Dalva à beira da morte no hospital, esperando uma visita de seu grande amor, Herivelto, que está irredutível em não querer mais vê-la. Através das lembranças dele, é feita uma retrospectiva da história dos dois: o momento em que se conheceram e Herivelto a convidou para cantar com a então dupla Preto e Branco, formando o Trio de Ouro; a paixão; o primeiro filho, Pery; o casamento; o segundo filho, Billy; o sucesso musical; as traições; as brigas, com direito a tapas e arremesso de objetos; as trocas de acusações em público através de canções e artigos em jornal; a separação definitiva após 13 anos de união e o casamento de Herivelto com a aeromoça Lurdes (Maria Fernanda Cândido), que frutificou com três filhos e durou 44 anos, até a morte dela.
- Com Dalva, Herivelto ficou de 1936 a 1949; com Lurdes, de 1946 a 1990. Não saberia dizer qual foi o grande amor da vida dele. Herivelto teve um casamento artístico com Dalva, e em casa eles tinham essa coisa de pele, de paixão, de sexo, mas era um tumulto só, já que ele era muito mulherengo, um malandro sedutor. Já com Lurdes, ele encontrou a calma, a serenidade – explica Fábio Assunção.
- Lurdes era uma mulher querida por todos, nunca foi uma coitada nesse entrevero amoroso. Herivelto nunca lhe levantou a voz, era ela quem ditava as regras em casa. Lurdes era classuda, independente, fazia-se respeitar. Já Dalva tinha um grande talento, mas foi construída artisticamente por Herivelto. O pai que Yaçanã (única filha mulher de Herivelto, de seu casamento com Lurdes) sempre endeusou em nada lembrava o pai que muito magoou Pery (primogênito de Herivelto, fruto da relação com Dalva) – detalha Maria Fernanda Cândido.
Yaçanã Martins, que se tornou atriz e hoje está com 55 anos, participou ativamente da microssérie. Além de emprestar objetos pessoais dos pais, como cartas de amor, uma piteira e um isqueiro de Lurdes e um apito de ouro e um anel de Herivelto, ela dá vida à sua própria avó, Silvia Torelli, na TV, e é interpretada, jovenzinha, pela atriz Fernanda Curi.
- Tive contato com minha avó Sílvia até meus 14 anos. Ela era uma pessoa muito difícil, uma mulher forte, austera, completamente o oposto de minha mãe, a serenidade em pessoa. Tentei me isentar de qualquer posicionamento a favor ou contra um e outro e entreguei documentos em confiança à Maria Adelaide. Só os objetos é que eu fiz questão de levar e trazer todos os dias de gravação, tinha muito medo de que se perdessem – conta ela, que ganhou do diretor Dennis Carvalho o apelido de Fiscal de Apito.
- Talvez eu nunca tenha conhecido um artista tão sincero e tão lindamente grandioso em sua simplicidade quanto a Dalva. Essa oportunidade de ter me doado um pouco para ela não vai me deixar sair ilesa. Viver a vida dela foi uma grande contribuição na minha vida. Sempre acreditei que a missão do artista é transformar. Dalva transformou as pessoas à sua volta e me transformou também: me fez enxergar tudo de mais puro que eu tenho dentro de mim. Vai ser impossível me esquecer dela – declara uma emocionada Adriana Esteves.
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