Em plena decolagem
Por Júlio Bezerra
‘Que momento bonito’, pensava Rodrigo Santoro entre uma sessão e outra do 61º Festival de Cannes. Presente na competição pela Palma de Ouro com dois filmes estrangeiros (“Leonera”, do argentino Pablo Trapero, e “Che”, do americano Steven Soderbergh), a carreira internacional de Santoro parece em plena decolagem. Movendo-se de um set a outro, foram quatro longas filmados no ano passado: um presidiário (“Leonera”); Raúl Castro, o irmão de Fidel e atual presidente de Cuba (“Che”); um empresário do mundo do vale-tudo (“Cinturão vermelho”, de David Mamet); e uma comédia despretensiosa (“The Post Grad Survival Guide", de Vicky Jenson). Em miúdos: Santoro anda muito bem na fita.
Nascido em Petrópolis, Santoro, 32 anos, se descobriu entusiasmado com o trabalho de ator ainda no colégio, nas aulas de literatura. Sua formação se deu na Oficina de Atores da Rede Globo e em quatro períodos da faculdade de jornalismo. Foram ao todo sete novelas e um sucesso histórico no teatro (“D''Artagnan e os Três Mosqueteiros”). Em 2001, entre "Bicho de Sete Cabeças" (Laís Bodansky) e “Abril Despedaçado” (Walter Salles), Santoro foi reivindicado pelo cinema. Abordado por executivos da Columbia enquanto divulgava o filme de Salles em Los Angeles, foi convidado para fazer uma pequena participação em "As Panteras Detonando" (2003) e nunca mais parou de trabalhar em inglês.
Vivendo atualmente mais tempo fora do Brasil, Santoro tirou uma folga das filmagens de “I Love You Phillip Morris”, em que contracena com Jim Carrey e Ewan McGregor, e esteve rapidamente entre nós para divulgar a estréia nacional de seu mais novo filme estrangeiro, “O Cinturão Vermelho”, de David Mamet. Em entrevista à Revista de CINEMA, ele lembrou de seu professor Bibiano e das adaptações que fazia para o palco da escola; revelou ter tido um certo preconceito quando ingressou na Oficina da Globo; cobriu Mamet de muitos elogios; confessou o desejo de fazer mais teatro; e falou sobre seus próximos projetos. Santoro não fala exatamente em um deslanchar lá fora, mas comemora um 2007 especial, “em que as coisas realmente começaram a acontecer”.
Revista de CINEMA - Gostaria que você falasse um pouco de sua trajetória. Você nasceu em Petrópolis, não é? É verdade que você adaptava filmes da TV para o teatro da escola?
Rodrigo Santoro - Eu tinha um professor na escola em Petrópolis que se chamava Bibiano. Professor de literatura. Ele começou a promover uma coisa que se chamava sessão lítero-musical. Os alunos se dividiam em grupos e tinham que fazer uma performance. Podia tudo: apresentar um texto, uma poesia, uma música, encenar uma peça... E ainda contava metade da nota final. Ou seja, se você não fosse bem na prova, você tinha a sessão lítero-musical. Foi aí que eu comecei a me dar bem. Eu me sentia muito confortável fazendo aquilo. Tinha todo ano e foi um maior sucesso. Foi o primeiro momento em que me vi estimulado a fazer uma performance. Não pensava em carreira, mas me divertia bastante. Então, fazíamos isso mesmo: pegávamos esses filmes que passavam o tempo inteiro na TV, tipo “Sessão da Tarde”, e adaptávamos. Lembro de uma comédia que passava sempre. Os personagens estavam viajando de férias. Nós adaptamos e fizemos um grupo de teatro que estava viajando de férias em um hotel muito louco. Fizemos uma salada total mesmo. Puro instinto e estímulo.
Revista de CINEMA - Você chegou a terminar o curso de jornalismo?
Rodrigo Santoro – Infelizmente, não. Fiz dois anos, quatro períodos na PUC-Rio. No primeiro período da faculdade um amigo me chamou pra fazer um teste com ele na Oficina de Atores da Globo, que ficava no Jardim Botânico. O Tonio Carvalho foi o meu professor e coordena o curso até hoje. Você ia lá e gravava um monólogo. Depois eles te aprovavam ou não. Eu confesso que na época eu tinha preconceito mesmo. Queria fazer teatro. Mas lembro que o Tablado estava em uma fase ruim e o curso da Cal já tinha começado. Passou um mês e me ligaram da Oficina dizendo que eu tinha passado. Fiz três oficinas. Estavam lá também o Murilo Benício, a Maria Luiza Mendonça, o Márcio Garcia. Esse foi o começo. Aqui eu ainda fazia a faculdade. No quinto período, tive que trancar minha matrícula pra fazer minha primeira novela, “Olho no Olho” (1993). Eu voltei pra PUC, mas tive que trancar de novo e fui jubilado. Mas eu adorava a faculdade. Lembro do professor Everardo Rocha. O que é o etnocentrismo? (risos) Foi sensacional. Tive uma formação muito legal lá na PUC.
Revista de CINEMA - De uns anos pra cá, seu nome foi aos poucos deixando a TV, teve uma passagem rápida pelo teatro, e é hoje mais associado ao cinema. Como você vê essa mudança?
Rodrigo Santoro - Na verdade, tenho pouca experiência no teatro. Fiz apenas aquela peça “D''Artagnan e os Três Mosqueteiros”, que foi um enorme sucesso, quase dois anos em cartaz. Tenho muita vontade de fazer mais. O problema é que o cinema foi tomando o meu tempo. Desde o “Bicho de Sete Cabeças” (2001) e “Abril Despedaçado” (2001), minha vida se voltou para o cinema. Comecei a trabalhar lá fora. O cinema no Brasil foi crescendo, ganhando forma. As oportunidades foram aparecendo e eu achei e ainda acho que não dá pra negar essas ofertas. Por isso, sacrifiquei esse meu desejo de fazer mais teatro. Até tive algumas oportunidades de fazer coisas pequenas, ficar um mês em cartaz... Mas isso não é o que entendo por teatro. Não quero ficar repetindo o que todo ator fala, que o teatro é maravilhoso e tal, mas é realmente a forma mais gratificante e instantânea de atuação. Você sente aquilo no corpo, formigando. É a casa do ator. Estou seguindo o caminho do cinema, mas o teatro está no coração. E são diferentes tipos de trabalho. É por isso que, quando me perguntam sobre minha situação na Globo, eu confirmo o meu desejo de continuar fazendo TV. São coisas muito diferentes. A TV é uma linguagem e um método de trabalho totalmente diferente. Você faz 30 cenas por dia, enquanto no cinema você roda duas. As pessoas pensam que é uma coisa descartável. Mas se você levar na seriedade, o trabalho na TV pode te trazer muitas coisas. Você pode experimentar muito mais na TV do que no cinema, por exemplo. Você pode fazer um mesmo plano diversas vezes, atuando de maneira diferente em cada uma delas. Isso é maravilhoso. A idéia então é poder transitar por esses três palcos, por essas três formas de arte.
Revista de CINEMA - Estes últimos dois anos têm sido de muito trabalho. Você trabalhou com o David Mamet, o Pablo Trapero, o Steven Soderbergh... Você poderia falar um pouco sobre essas experiências?
Rodrigo Santoro - Já faz uns cinco anos que eu tive minha primeira oportunidade lá fora, que essa história toda começou. O que eu sinto é que 2007 foi realmente um ano especial. Fiz quatro filmes. O primeiro foi o “Cinturão Vermelho”. Depois foi o “Che”, do Soderbergh. Na verdade, foram dois longas em um, um processo longo de trabalho. Eu filmei a minha participação na primeira parte e tive um intervalo. Nesse período, consegui fazer o filme do Pablo Trapero, na Argentina. Era uma participação pequena, apenas uma semana e meia de filmagem. Depois voltei para o “Che” para terminar a segunda parte do trabalho. Em dezembro, eu comecei a fazer uma comédia que seria chamada de “Ticket to Ride”, mas acabou recebendo o nome de “The Post Grad Survival Guide" (algo como “o guia de pós-graduação em sobrevivência”). É uma comédia da FOX dirigida por Vicky Jenson e com Michael Keaton e Carol Burnett no elenco. Era uma coisa que eu nunca tinha feito. Não uma comédia romântica, mas uma comédia comédia mesmo. E eu vinha do presídio do filme do Trapero e da selva do “Che”... Essa salada, esse curto-circuito foi muito legal.
Revista de CINEMA - Este deslanchar do seu trabalho lá fora ganhou uma especial evidência nos últimos meses, quando você apresentou dois filmes, ambos estrangeiros, em competição pela Palma de Ouro, em Cannes. Como você sente este momento atual da tua carreira?
Rodrigo Santoro - 2007 foi um ano especial em que as coisas realmente começaram a acontecer. E isso em uma direção que me interessava. Até porque, até então, tudo era ainda uma aventura. Pra mim, sempre valeu muito a pena. Viajei bastante, tive contato com culturas muito diferentes, e conheci muitos diretores, roteiristas, produtores e atores. Então, sempre valeu a pena. Mas eu ia mais na aventura mesmo, tocando de ouvindo, seguindo o fluxo das coisas. Não sei se é bem um deslanchar. Mas em Cannes mesmo, às vezes, eu parava para pensar. Que momento bonito, que realização, que sensação boa de ter arriscado, de ter investido, de ter trabalhado muito. Foi realmente um momento de reconhecimento do meu esforço e trabalho em um dos maiores festivais do mundo.
Revista de CINEMA - David Mamet é um famoso diretor de atores. A improvisação é sempre uma de suas marcas. Como foi trabalhar com ele?
Rodrigo Santoro - A oportunidade de trabalhar com o Mamet foi incrível. Ele é um cineasta, um dramaturgo, um escritor que acompanho já há algum tempo. Tenho um profundo respeito pelo trabalho dele. Lembro da primeira obra que li dele. Era um livro em que ele discordava completamente do método Stanislavski. O Mamet falava que o ator deveria seguir o texto, que não deveria exatamente criar o personagem. Aquilo me causou um enorme impacto. Apesar de eu não seguir à risca o método, o Stanislavski é uma das maiores referências do ator. Fiquei muito curioso com a figura do Mamet. Você pode concordar ou discordar, mas tem de ter respeito pela opinião extremamente bem argumentada dele. Trabalhar com ele foi um presentaço. Foi uma experiência muito particular de trabalho. Eu assisti ao filme pronto nos EUA no mês passado e fiquei surpreso pela forma como eu aparecia ali. Eu me senti bastante dirigido. É sempre um trabalho de colaboração. O Mamet estava totalmente aberto, mas ele tinha uma visão muito forte do que ele queria e de sua forma de trabalho. Por exemplo, ele me falava: “O seu personagem é um homem de negócios. Ele não tem tempo a perder. Eu não quero que você pare de falar. Você fala para sobreviver. Você não pára. Urgência é a palavra dele”. E eu me via ali atropelando. Me coloquei como veículo mesmo do texto. Lembro de uma seqüência no final em que o Mike (personagem vivido por Chiwetel Ejiofor) está indo para o ringue e eu estou falando, falando... Aquilo era um diálogo e se transformou em uma espécie de monólogo. Isso a dez minutos de filmar e no ritmo do Mamet. Ele me colocava na fogueira mesmo. Foi um aprendizado. Me senti ali como naquele quadro do Faustão, “Se Vira nos 30” (risos). Foi um enorme desafio. Muito específico, completamente diferente de tudo que eu já tinha feito. Não sabia que estava pronto para este tipo de trabalho.
Revista de CINEMA – E o “Che”?
Rodrigo Santoro - O trabalho com o Soderbergh também foi extremamente gratificante. Fomos lá para o meio do mato em Porto Rico. Filmamos um mês e meio lá. Era um trabalho de improviso e em uma língua que eu não dominava. A gente consegue se expressar no portunhol, mas isso é uma tremenda armadilha. A diferença do português para o espanhol é muito grande, e eu tinha que falar com um sotaque cubano, que é um espanhol todo particular. Trabalhar em inglês já tinha sido um grande aprendizado. Não vou dizer que estou completamente confortável, mas estou quase lá. O espanhol era então mais um grande desafio. E eu estava fazendo o irmão do Fidel e atual presidente de Cuba, Raúl Castro. Muita responsabilidade.
Revista de CINEMA - Você viveu um vilão em “As Panteras 2” (2003); um galã tímido em “Simplesmente Amor” (2003); um misto de HQ com figura histórica em “300” (2007); um personagem no seriado “Lost”; o irmão de Fiel Castro e atual presidente de Cuba... Revendo seus papéis (em especial os internacionais), é extremamente curioso como eles são diferentes entre si. Como se dão essas suas escolhas?
Rodrigo Santoro - O critério é muito instintivo. Quando fiz o “Carandiru”, um jornalista me perguntou: “Você escolheu fazer um travesti para quebrar com a imagem de galã?” Mas eu não penso dessa forma. Não construo uma imagem, mas personagens. Nunca tomei uma decisão baseada em uma imagem ou em como o público vai me enxergar fazendo aquilo. Até porque, isso é atirar no escuro. Não há como se ter muito controle sobre a imagem que fazem de você. As minhas decisões são sempre muito instintivas. É uma coisa de química mesmo. Eu sinto que aquilo vai me fazer bem. E aí eu começo a pensar. É claro que o que mais importa é o personagem e também o projeto. Qual é a história? Como e onde vai ser feito? No caso do “Che”, por exemplo, eu queria fazer parte daquele filme. Eu queria ajudar a contar aquela história. E isso em um elenco que tinha gente de toda a América Latina, menos do Brasil. Também não posso negar que o personagem distante de mim me interessa. Mas isso não é uma fórmula. O personagem não precisa ser completamente diferente de mim, basta ser humano, interessante, ter profundidade. Personagens e projetos que me façam aprender coisas novas, que me façam pesquisar sobre assuntos que desconheço. O próprio “Bicho de Sete Cabeças” foi uma experiência muito gratificante nesse sentido. Eu visitei diversos manicômios e hoje a visão que tenho desses lugares, das pessoas que passaram por lá, é completamente diferente.
Revista de CINEMA - De uns anos pra cá, surgiu com força no cinema nacional a figura do preparador de elenco. Alguns atores e atrizes já se pronunciaram contrários a essa figura. Você costuma falar muito bem do Sérgio Penna (preparador de elenco de “O Bicho de Sete Cabeças”). Como você vê isso?
Rodrigo Santoro - Acho que não existem fórmulas prontas para o trabalho dos diretores com os atores. Eu respeito e entendo as pessoas que dizem que não precisam do preparador. Eu até concordo. Mas também compreendo e respeito o ator ou diretor que acha essa figura importante. Em alguns trabalhos, eu acho importante também. Fiz muitos trabalhos sem o preparador e outros tantos com ele, como “Bicho de Sete Cabeças”, “Carandiru” (2003), e o próprio “Che”. Eu levei o Sérgio Penna comigo para Cuba. Ficamos um tempo lá pesquisando para o “Che”. Além de um grande preparador, é um amigo. É uma pessoa com quem desenvolvi uma intimidade muito grande. A gente fala a mesmo língua. Às vezes não preciso verbalizar as coisas, o meu olhar pra ele já basta e vice-versa. Então é isso. Vejo os dois lados. Concordo com eles. Não tem certo, nem errado. Se funciona pra você, está valendo.
Revista de CINEMA - É curioso como alguns atores da sua geração (como o Selton Mello, o Matheus Nachtergaele, entre outros) estão tomando o caminho da direção. Na sua opinião, trata-se de um desenvolvimento natural? Você tem esse desejo?
Rodrigo Santoro - Não penso nisso agora, mas não posso dizer que nunca farei. O que posso dizer é que adoraria ser dirigido pelo Selton e pelo Matheus, que são amigos. Eu entendo que existem coisas que eles querem dizer e que só podem dizer sendo diretores mesmo. Mas este ainda não sou eu. Toda a minha energia ainda está voltada para o meu trabalho como ator. Até por essa coisa de trabalhar lá fora, em uma outra língua. A minha trajetória ainda está em formação.
Revista de CINEMA – Como anda sua situação com a Globo. Você já está escalado para alguma novela ou minissérie?
Rodrigo Santoro – Existe, sim, a possibilidade de voltar a fazer uma coisa mais curta ou uma participação. Ainda não decidimos quando e o que exatamente. Como eu já disse, tenho muita vontade de fazer. É uma questão de viabilizar isso. Uma coisa, por exemplo, que não seria legal fazer agora era uma novela de 10, 11 meses. Mas eu quero voltar e fazer alguma coisa mais curta.
Revista de CINEMA - Você poderia falar um pouco de seus próximos projetos. Há um projeto de volta ao teatro com o Luiz Fernando Carvalho, não é?
Rodrigo Santoro - Nós temos uma idéia de encenar um trabalho da Marguerite Duras, uma grande escritora francesa, mas ainda não temos datas e nem decidimos qual será a obra exatamente. É um projeto. O Luiz Fernando tem uma identificação muito grande com a Duras. Estamos conversando bastante, mas ainda é muito cedo. O projeto de filme “Heleno de Freitas”, do José Henrique Fonseca, está bem mais adiantado. Estamos na fase final e acredito que devemos filmar em dezembro. O roteiro está ficando muito legal. Não é um filme de futebol, mas sobre a vida desse jogador do Botafogo, que é muito interessante. A trajetória dele é impressionante e ando muito confiante em relação ao projeto.
Janelas
“Estou seguindo o caminho do cinema, mas o teatro está no coração. E são diferentes tipos de trabalho. Por isso que, quando me perguntam sobre minha situação na Globo, eu confirmo o meu desejo de continuar fazendo TV. São coisas muito diferentes”
“Acho que não existem fórmulas prontas para o trabalho dos diretores com os atores. Eu respeito e entendo as pessoas que dizem que não precisam do preparador. Eu até concordo. Mas também compreendo e respeito o ator ou diretor que acha essa figura importante. Em alguns trabalhos, eu acho importante também”
“A TV é uma linguagem e um método de trabalho totalmente diferente. Você faz 30 cenas por dia, enquanto no cinema você roda duas. As pessoas pensam que é uma coisa descartável. Mas se você levar na seriedade, o trabalho na TV pode te trazer muitas coisas. Você pode experimentar muito mais na TV do que no cinema, por exemplo”
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
RODRIGO SANTORO
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