por ANA TOMÁS RIBEIRO,
Brasileiros e portugueses ocupam primeiros lugares às 4 horas da manhã e vendem-nos a partir das 8 horas por 20 e 30 euros
À entrada e à saída do Consulado--Geral do Brasil, em Lisboa, todos protestam: pelas filas de espera, dias perdidos, pré-atendimento pelos seguranças, demoras na entrega dos documentos ou pelo não funcionamento do site e telefone. As excepções, no meio desta onda de protestos, são meia dúzia de portugueses e brasileiros que, à conta de tudo isto, fazem negócio, vendendo os primeiros lugares na fila de espera infindável por 20 ou 30 euros.
Ganham o dia logo pela manhã e partem felizes com mais de cem euros no bolso. Chegam ao consultado por volta das quatro da manhã e sentam-se nos bancos brancos mesmo à porta. Lugares que valem ouro, às oito horas, quando chegam os que vêm de longe e têm de apanhar a fila que sobe pela Rua da Horta Seca e continua pela Rua da Emenda.
Na sexta-feira, até à jornalista do DN tentaram vender um lugar por 20 euros, cerca das nove da manhã, hora a que abre o consulado. Facto que o consulado reconhece, por isso está a preparar um folheto para explicar às pessoas que não comprem esses lugares e recorram a meios que tornem mais célere a obtenção dos documentos, explicou ao DN o cônsul- -geral Renan Barreto (ver texto ao lado). O responsável diplomático em Portugal lembra que já conseguiram acabar com o negócio da venda de senhas, exigindo a quem as levanta dentro do consulado o passaporte e o preenchimento de um folheto. Mas na praça pública o negócio, feito de forma subtil, vai sobrevivendo mesmo sem senhas.
O problema, diz Keila Graunke, é que "a PSP só passa por aqui já depois das nove, quando já nada há para ver". Naquela manhã de sexta-feira, Keila foi uma das muitas imigrantes brasileiras em Portugal que madrugou para estar às 07.45 à porta do consulado. Veio da Amadora, apenas para agendar o dia em que poderia vir tratar do passaporte, que caduca em Janeiro, e do qual precisa com urgência para viajar para Líbia e apoiar o marido que está doente. "Tentei fazer o agendamento pelo site do consulado, na Internet, a 24 de Novembro, mas até agora não recebi qualquer resposta. Telefonei durante um dia inteiro sem que ninguém me atendesse", explica. "Decidi vir cá e agora só me agendaram para 8 de Fevereiro. Tentei explicar a situação e o funcionário do consulado aconselhou-me a tentar no do Porto, argumentando que lá talvez fosse mais rápido. Uma garantia que não justifica que eu pague um comboio para o Porto e mais hotel", conta. "Isto é uma vergonha. Quando aqui cheguei um indivíduo tentou vender- -me um lugar na frente da fila por 30 euros, depois disse a uma senhora atrás de mim que lhe vendia por 25. Ganham mais do que eu a trabalhar na restauração. Tudo porque o consulado funciona mal."
Depois de marcado o dia para tratar do passaporte, os imigrantes têm de voltar para tratar dos documentos no dia marcado e depois mais uma vez para o vir buscar, explicam Keila e Fernando Lamas, trabalhador da construção civil que veio de Cascais para tratar dos documentos dele, da mulher e das duas filhas. São três dias perdidos. E muitas vezes três meses de espera só por um passaporte, adiantam.
É aí que está o negócio de tráfico de senhas, mas também de pessoas como Edna (ver caixa) que vende cocada e quibe à porta. Uma das centenas de pessoas que sai sem almoçar é Iria Maria Mendes Lima, 41 anos, casada com um português e que vive no País há pouco tempo. Chegou às 09.00, vinda de Alhos Vedros, para tratar do registo criminal, necessário para se legalizar. Saiu às 14.00, depois de apresentar uma reclamação, apesar de levar consigo o documento. "Fui maltratada pelos seguranças e expliquei na reclamação que me tentaram vender um lugar na fila."
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