No livro O Mago, biografia do escritor Paulo Coelho feita pelo jornalista Fernando Morais, há uma série de revelações feitas a partir de 250 horas de entrevistas com o próprio biografado, com afetos e desafetos, além de pesquisas no baú que o autor guardou lacrado desde 1995. Os baús trazem fitas e cadernos com os diários de Paulo Coelho entre 1959 e 1995. Dos 12 aos 48 anos, ele jogou todos o seu dia-a-dia ali. Um dos episódios mais interessante é o que se refere à vida sexual agitada do futuro escritor. Nos anos 60, entre muitas estripulias, fez sexo com uma aspirante a atriz na casa da tia-avó dela. O ingrediente perverso é que o casal fez sexo na frente da senhora. Esse episódio remete ao capítulo 14 do romance O Casamento, de Nelson Rodrigues, lançado em 1966, no auge das aventuras amorosas do jovem Paulo Coelho, então envolvido com o meio teatral. Ou foi coincidência ou Paulo Coelho se inspirou em Nelson Rodrigues para a cena amorosa descrita no livro de Fernando Morais.
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Trecho de O Mago, de Fernando Morais
“Assim, quando surgia uma conquista inesperada, ele resolvia o problema como dava. Certa feita passou horas em preliminares amorosas com uma jovem candidata a atriz em pedalinho na lagoa Rodrigo de Freitas. Depois de uma via-sacra por inferninhos e já embalados - por álccol, pois nenhum dos dois consumia qualquer tipo de droga -, Paulo e a garota terminaram a noite fazendo sexo na casa onde ela morava com uma tia-avó. Como era um apartamento de uma única peça, divertiram-se transando diante dos olhos estatelados da anciã, surda-muda e senil - experiência, aliás, que se repetiria algumas vezes. “
Trecho de O Casamento, de Nelson Rodrigues
“E, súbito, o Zé Honório aperta o comutador. Uma luz forte, cruel, enche o quarto. E, com a luz até os cheiros da agonia e da morte tornaram-se mais nítidos e obsessivos. Antônio Carlos, Glorinha e Maria Inês se juntam num canto. Zé Honório, magro e de sunga, faz, lentamente, a volta da cama (a agonia tem cheiro de excremento.).
O velho fecha os olhos. Tem cílios de piaçava como os defuntos.
O filho põe as duas mãos na beira da cama.
Diz, com a voz estrangulada:
- Abre os olhos, homem.
Nada. Glorinha pensa no pai que ela nunca vira de pijama, nem sem meias. Não conhecia os pés do pai. Sabino dormia de meias, como se achasse indignos os próprios pés. O velho continua de olhos fechados.
Aquilo exaspera o filho:
- Velho, você não está dormindo. Não está dormindo, nem morreu. Eu sei que tu vê e ouve. Então, escuta. Escuta o que eu vou te dizer. Esperei quinze anos por esse momento. Está ouvindo, velho?
Deita-se na cama, ao lado do doente. Fala ao seu ouvido:
- Aqui atem duas meninas. Eu nunca, nunca, quis ser homem. Durante toda a minha vida, eu quis xoxota como as meninas, como todas as meninas. Escuta o resto.
Pausa e continua ofegando:
- Agora, eu vou fazer, na tua frente. Vou fazer na tua frente com um chofer de ônibus, o que eu fiz com aquele menino. Vou fazer aqui dentro. Tu vendo, vendo e ouvindo.
O moribundo tem o perfil gelado dos mortos. Antônio Carlos aproxima-se da cama:
- Não está morto?
O filho pula:
- Não, não! Que morto!
E fala para o pai:
- Velho, a mim você não engana. Eu te conheço. Anda, abre os olhos, abre. Não abre?Vira-se para Antônio Carlos e as meninas:
- Querem ver, como ele abre?
Fala de novo, ao ouvido do pai:
- Ou tu abre os olhos ou te queimo as pestanas com esse isqueiro!
Glorinha, crispada até o ânus, viu abrir-se aquele olho de espanto. O olho começou em Zé Honório, passou para Antônio Carlos, depois para Maria Inês e, agora, estava fixo em Glorinha.
Zé Honório está desatinado:
- Não olha para os outros. Oha pra mim. Cadê teu positivismo? Adiantou teu positivismo? Olha pra mim, vai olhar pra mim.
Antônio Carlos masca o chicletes imaginário. Acaba falando:
- Como é, Zé? Olha a hora, rapaz!
Maria Inês sente as pernas bambas:
- Isso está me dando dor de barriga.
O Zé corre e abre a porta. Grita para baixo:
- Romário, Romário! Pode vir! Vem!
Então, Glorinha aproxima-se, lentamente, da cama. Maria Inês ainda pede:
- Volta, volta!
Glorinha inclina-se para o moribundo. Por um momento, olha aquela cara de agonia. Os beiços orxos, com o bigode por cima, branco de estopa suja. E, súbito, ela recua. Atraca-se a Antônio carlos, aos soluços:
- Está chorando! Está chorando!
O rapaz a segura pelos dois pulsos:
- Está maluca? Quietinha!
Maria Inês vai espiar também as lágrimas caindo.
Glorinha esperneia:
- Não deixa, Antônio Carlos! Não deixa! Se você é homem, quebra a cara desse cretino!
- Para com esse histerismo!
Disse:
- Se não quebrar a cara, é porque você é igual a ele, puto como ele! Seu puto!
Zé Honório volta com Romário. É um mulato forte, lustroso, de ventas obscenas. Entra de boca aberta, olho incandescente. Tem a coxa plástica elástica, vital, como a anca de um cavalo.
Zé Honório diz, maravilhado:
- Está chorando! Chorando!
Antônio Carlos solta Glorinha. Rápida, a menina o esbofeteia. Quer fugir, mas ele a subjuga. Ela trinca as palavras:
- Você é pior do que ele! Seu nojento!
Novamente, ele a solta e novamente ela o esbofeteia. Ela apanha de braços arriados. E, então, enlouquecida, a garota une o seu corpo ao dele, beija-o na boca:
- Eu não quero ver! Me leva contigo! Eu não quero ver!
Maria Inês balbucia:
- Olha, Glorinha, olha, meu Deus!”
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26/10/2008
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