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quarta-feira, 30 de março de 2011

Ricardo Galuppo: A coragem serena de Alencar


Diretor de Redação do Brasil Econômico e Diretor-Executivo do Grupo Ejesa

Rio - Pela grandeza que demonstrou na reta final de sua vida, José Alencar Gomes da Silva merece passar para a história como um exemplo de determinação e de otimismo. A coragem serena que demonstrou na luta pública contra o câncer durante os últimos 13 anos o transformou numa figura que, aos poucos, tornou-se maior do que os cargos que ocupou e do que o império que construiu. Os cargos foram elevados: senador por Minas Gerais e vice-presidente da República por dois mandatos. E o império, maior ainda: do zero, construiu o maior grupo têxtil do Brasil. O mais importante é que fez o que fez sem perder a humanidade. Dias atrás, em São Paulo, uma mulher contava a um grupo de amigos uma história que viveu no Hospital Sírio Libanês. Ela passava, segundo as próprias palavras, por uma sessão de quimioterapia e, como muitos dos que recebem o diagnóstico do câncer, não tinha em que se apegar. Deprimida e pessimista, ela chorava numa poltrona quando sentiu a seu lado a presença de um senhor calvo, de olhar cansado mas otimista. Era Alencar. Com um sorriso, ele segurou a mão daquela estranha e disse algo como:

– Não chore, minha filha. Se estamos aqui, fazendo o tratamento, é porque estamos vivos. E se estamos vivos, precisamos aproveitar.

O gesto foi tão espontâneo e as palavras tão sinceras que mudaram a relação daquela mulher com a doença. Quem teve a oportunidade de conhecer Alencar sabe que ele era capaz de gestos como esse. Era o 11º dos 15 filhos de um pequeno comerciante da cidade mineira de Muriaé, onde nasceu. Começou a vida como balconista numa loja de tecidos na cidade de Caratinga mas, junto com o primeiro emprego, veio o primeiro grande problema. Seu salário, de 300 cruzeiros (moeda da época), era insuficiente para pagar os 400 cruzeiros que o hotel mais barato da cidade cobrava por cama, café, almoço e jantar. Negociou com a dona do estabelecimento e conseguiu, por 200, as refeições e um catre no fundo de um corredor. Quatro anos depois, em 1949, tornou-se proprietário de um pequeno estabelecimento de tecidos e armarinhos. O nome da loja era a “A Queimadeira” e o capital que Alencar investiu para iniciar o negócio, além de algum dinheiro emprestado pelo irmão mais velho, Geraldo, foi o crédito que obteve dos fornecedores.

De Caratinga, mudou-se para Ubá e, dali, para Belo Horizonte. Ali, instalou-se com uma grife popular, a Wembley, empresa que manteve até o início dos anos 1990, quando já era um industrial conhecido em todo o país. A Coteminas é uma empresa que soube se moldar às circunstâncias de seu tempo. Recebeu subsídios no tempo dos subsídios. Defendeu o protecionismo no tempo do protecionismo. Tornou-se altamente competitiva quando o mercado exigiu competitividade e teve competência para se globalizar quando a globalização se impôs. Para erguê-la, Alencar apoiou-se nas facilidades que os governos militares concediam às empresas que se instalavam na área da Sudene. Os críticos diziam que Alencar só se tornou industrial e milionário porque teve crédito a rodo e incentivos vultosos. Teve mesmo e jamais negou isso. Só que não foi o único a se valer do benefício. Foi, apenas, um dos poucos que souberam aproveitá-lo.

Alencar só começou a levar vida de rico bem depois que sua empresa ficou rica. E, agindo de forma espartana, cresceu. A empresa fundada por Alencar, que é tocada por seu filho Josué Cristiano desde os anos 1990, hoje gera cerca de 16 000 empregos. Fatura R$ 2,4 bilhões, tem 22 fábricas e controla marcas como Artex, Santista e Calfat – que já eram grandes quando Alencar ainda vendia tecidos a metro em Minas. Em meio a tudo isso, Alencar assumiu a presidência da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e revelou, ali, uma vocação política que o levou ao Senado. E que, mais tarde, o conduziu à vice-presidência da República, nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Alencar jamais escondeu o desejo de governar Minas Gerais, projeto que tentou concretizar, sem sucesso, aos 63 anos, em 1994. Mas pelo qual, trabalhou. Como presidente da Fiemg, visitou quase todos os municípios de Minas e foi agraciado com o título de cidadão honorário por mais de 400 deles. Os diplomas com as honrarias foram emoldurados e pendurados nas paredes de seu escritório, no edifício da Coteminas. Praticamente não havia espaço vago na parede.

Alencar era praticamente um autodidata: só estudou até o primeiro ano do antigo ginásio. Não teve, em meio a tudo o que construiu, tempo para frequentar escolas. Mas sabia a importância e dava valor a uma boa formação. Josué, seu filho, foi o melhor entre os mais de 200 alunos de sua turma de MBA na Universidade Vanderbilt, em Nashville, um dos mais respeitados centros de negócios dos Estados Unidos. Além dele, Alencar, que era casado com Marisa, também era pai de Maria da Graça e de Patrícia. No ano passado, a justiça determinou que Alencar reconhecesse a paternidade de Rosemary de Morais, uma filha que teve fora do casamento quando ainda vivia em Caratinga.

Alencar manteve, enquanto a saúde permitiu, hábitos que o acompanhavam havia muitos anos. Eram hábitos singelos para um homem de sua posição e de suas posses. Já vice-presidente da República, aparecia de vez em quando na Petisqueira do Primo – um bar tradicional de Belo Horizonte. Ali, reunia-se com amigos e se permitia falar de futebol e discutir política. Alencar gostava da vida. E soube dar provas disso até o último instante.








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