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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

#crime Caso Evandro

As falhas

Mara Cornelsen

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Arquivo
Ex-delegado Keppes de Noronha comeu “o pão que o diabo amassou” na passagem da CPI do Narcotráfico no PR.
Quase duas décadas depois e já aposentado como delegado da Polícia Civil, um dos nomes mais importantes da polícia do Paraná, João Ricardo Keppes de Noronha, que ocupou cargos de relevância na instituição até chegar a delegado geral, hoje é um pacato advogado com escritório na Via Vêneto, em Santa Felicidade, bairro italiano de Curitiba. Com a firmeza que sempre lhe foi característica (até quando sofreu intensa perseguição com a instalação da CPI do Narcotráfico no Paraná e teve prisão decretada), ele não teme em dizer que toda a investigação no que diz respeito ao sumiço e morte do menino Evandro foi conduzida de forma errada.

Ele entrou no caso quando os sete acusados já estavam presos e, designado em caráter especial (era o titular da Divisão de Segurança e Informações - DSI) teve apenas dez dias para formalizar o inquérito. Mesmo assim, tentou realizar uma investigação mais criteriosa, pediu uma devassa na contas bancárias dos acusados, da Prefeitura de Guaratuba, da serraria dos Abagge, tentando encontrar alguma movimentação de dinheiro, já que diziam que as duas mulheres tinham pago grande quantia aos “pais de santo” para o sacrifício do garoto. Esta seria uma prova substanciosa. Não encontrou nada.

Ao avaliar o caso hoje, Noronha é enfático: “A polícia errou em tudo. O local atribuído ao crime não foi preservado e toda a prova oriunda dali deve ser interpretada com cautela. A investigação ficou incompleta justamente pela falta deste cuidado. E diz mais: “O local do crime era inidôneo; elas nunca confessaram e os acusados tinham sinais de torturas”.

Mesmo assim Noronha apresentou um relatório final dizendo que havia “aparente tipicidade de indícios que autorizavam a dizer que havia elementos para oferecimento de ação penal”. A prova material era o corpo do menino e uma marca de sangue numa parede do local dado como o do assassinato. Mas nunca foi possível descobrir de quem era aquele sangue. Por se tratar de uma serraria, poderia ser de qualquer um. Para Noronha, hoje é muito difícil ter qualquer certeza sobre o caso, já que a investigação foi deturpada, mutilada.

Ele não tem medo de dizer que houve, na verdade, uma disputa de vaidades, disputa política e no campo profissional. Não houve a busca da verdade real, garante o ex-delegado. Com tudo isso, abriu-se um leque para a defesa, de forma que pudesse questionar todos os acontecimentos, até mesmo o exame de DNA que foi feito em um laboratório de Minas Gerais, único na época que tinha condições para tal procedimento. O exame, por duas vezes, deu resultado inconclusivo. Na terceira vez deu positivo, indicando que o corpo do menino era o de Evandro, por ser filho de Ademir e Maria Caetano. Na verdade não foi feito um DNA para identificação de cadáver, mas sim para apuração de paternidade. Para um leigo isso até pode parecer a mesma coisa, mas num tribunal em que o destino de sete réus está em jogo, alimentou dias e dias de discussões entre defesa e acusação, a ponto de no final, ninguém tinha certeza de nada, nem de que o corpo era o do menino.

Atualmente este exame está tão ultrapassado que não é mais aceito como prova em tribunais. Novas e mais modernas técnicas poderiam confirmar que o corpo sepultado no cemitério antigo de Guaratuba é mesmo o de Evandro. Mas apesar de muitos pedidos dos defensores dos acusados, um novo DNA nunca foi autorizado.

Acusações

Noronha também sofreu na pele o resultados de investigações mal dirigidas ou tendenciosas. Na CPI do Narcotráfico, instalada no Paraná, ele foi acusado de uma série de crimes que nunca cometeu. Acusações feitas por homens mascarados, retirados de presídios, cujos nomes eram guardados a sete chaves. Chegou a ficar foragido por mais de 30 dias, até que o mandado de prisão que existia contra ele fosse cassado, exatamente na época em que era diretor geral da Polícia Civil. Defendeu-se em todos os processos e foi absolvido. Apenas em um foi condenado, por contrabando de uma caixa de uísque do Paraguai, ironicamente comprada para regar uma festa de delegados acontecida em Foz do Iguaçu.

Grande júri

Mara Cornelsen

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Era 1998. Com uma banca de criminalistas bem constituída, formada pelos “medalhões” paranaenses como Osmann de Oliveira, Ronaldo Botelho, dentre outros, o Fórum de São José dos Pinhais passou a ser alvo da imprensa de todo o Brasil e de mais de 30 outros países que noticiavam o julgamento “das bruxas”. A imprensa local, já bem mais cuidadosa, havia mudado o tratamento para com as duas mulheres, sabedora que estava das muitas irregularidades contidas em todo o processo.

Tudo era uma incógnita e as dúvidas se acumulavam a cada dia de trabalho. Nos intermináveis dias de sessão, presididas pela novata juíza Marcelise Weber Lorite, que com paciência de Jó tentava manter a calma entre num plenário lotado e tenso, com policiais cercando o prédio e revistando cada um que entrava (usando até detectores de metais).

O promotor Celso Ribas, um dos principais expoentes do Ministério Público do Paraná (morreu anos depois de um ataque cardíaco fulminante), tomou a causa como sendo sua e não mediu esforços para incriminar as rés. De outro lado, entre os figurões defensores, um rapaz se destacava: Antônio Augusto Figueiredo Bastos. Alto, de fartos cabelos negros e óculos de aro fino, digladiava com Ribas quase chegando às vias de fato. Deixavam explícito em plenário que a briga estava virando pessoal. A vítima, as rés, os jurados, tudo o mais pareciam coadjuvantes daqueles embates apaixonados entre o que parecia ser o bem e o mau.

Bastos hoje

Atualmente, Figueiredo Bastos atende em um amplo escritório na Rua Roberto Barroso, em Curitiba. Já com cabelos grisalhos, mas sem perder o ar da juventude, ele recorda ainda com paixão daqueles dias, salientando que não só Beatriz e Celina são inocentes, como todos os demais. Classifica o processo como um grande erro jurídico e sem precisar fazer outra consulta que não seja a da mente, assegura que “o caderno processual não reflete o que houve”. “As confissões não batem entre si nem com o laudo de necropsia. Chega a ser ridículo”, enfatiza. Diz que tudo foi baseado nas especulações de Diógenes Ramos Caetano e no testemunho de um tal Edésio da Silva, usuário de drogas, cujo irmão, Edilio, era vereador e líder de Aldo Abagge na Câmara Municipal (único que disse ter visto Evandro no carro de Beatriz, com ela e Celina, no dia de seu sumiço) e nas confissões obtidas sob tortura. “É um caso construído na mídia”, garante.

Quanto ao fato de o julgamento das duas mulheres ter sido anulado em instâncias superiores, Bastos revela que já sabia que isso iria acontecer, tudo por conta do primeiro quesito formulado aos jurados, que induzia a erro. O quesito perguntado, após 34 dias de júri, era se o menino Evandro Ramos Caetano foi morto na serraria dos Abagge (resumidamente). Os jurados disseram que não. Foi o que bastou para inocentá-las, pois a juíza entendeu que eles não aceitavam aquele corpo como sendo o do Evandro. Porém a decisão foi quanto ao lugar do crime não sobre a identificação da vítima.

Sob o argumento que os jurados se manifestaram contra a prova dos autos, o júri foi anulado e no ano passado decidiu-se que elas retornariam a julgamento. Celina, pela idade, não mais vai sentar no banco dos réus. Mas Beatriz ainda tem um pêndulo sob a cabeça. Seu novo júri poderá ser marcado para abril deste ano, caso nenhum fato novo aconteça.

“Eu protestei muito sob o quesito, mas fui voto vencido inclusive na banca de defesa. Depois de lida a sentença ‘absolvidas’ as pessoas só queriam comemorar. O Ministério Público não perdeu tempo e conseguiu o que queria, a anulação”, lamenta Bastos.

A Tribuna


A cobertura da Tribuna para o júri ficou a cargo da jornalista Ronise Vilela e é assim ela descreve o trabalho:

“Ao ser anunciado que as Abagge iriam a júri, em 1998, tratei de me escalar para fazer a cobertura jornalística, imediatamente concedida pelo diretor da Tribuna do Paraná, Carlos Roberto Tavares, o saudoso “Charles”. Com a vantagem de não ser contaminada por informações anteriores do caso, apenas pesquisei sobre o assunto em reportagens, leitura de uma sinopse do processo e fui especialmente “limpa”, sem pré- teorias, conceitos ou sentença.

Com exceção da aventura diária para ter lides (abertura de matéria) criativos em 34 dias, além dos cuidados para não levar “furo”, o júri tinha algo circense. Muitos dos envolvidos no julgamento pareciam ter adquirido uma personagem para ser alvo das câmeras e microfones. Faltou certa austeridade na condução do júri, talvez pela imaturidade da magistrada. A equipe de defesa fez novos nomes e a vaidade dos novatos ajudou a desvirtuar muitas vezes o real assunto, o júri das Abagge, isso porque, testemunhos se arrastaram por dias e tornavam as pautas enfadonhas. Percebo hoje, que pode ter sido estratégia.

Teorias à parte, recordo que os jornalistas mais velhos tinham a inocência de Celina e Beatriz como certa, em razão das dezenas de supostas falhas existentes no processo, o que poderia ter conduzido a uma falsa acusação das rés. Entretanto, a “nova” geração de repórteres, a desconfiança permeava, sem pré-julgamentos, mas, particularmente, ratifico, o júri de 98 não foi, de forma alguma, esclarecedor nesse sentido, porém, deixa dúvidas sobre o envolvimento das mulheres no caso.

No dia em que foi proferida a sentença, corri na contramão. Foi num sábado, depois das 22 horas, o que já não pudera entrar na edição de domingo. Enquanto todos os holofotes se dirigiram as Abagge, até todos na sala ouvirem “absolvidas”, os pais de Evandro Ramos Caetano saíram discretamente e eu os segui com o fotógrafo Atila Alberti. Foi minha aposta. Eles correram e só sinalizaram que não queriam falar.

A dupla da Tribuna era incansável e estávamos sedentos em fazer a diferença. Quando retornamos ao tribunal, Celina e Beatriz já haviam sido retiradas e saíram em esquema cinematográfico de São José dos Pinhais. Encarnamos nosso papel e seguimos o carro de um parente das Abagge, que quilômetros adiante percebeu a perseguição e tentou nos desvirtuar. Não cedemos. Conseguimos chegar até a casa das mulheres. Não queriam nos receber. Festa na casa. Lembro ter falado com Ronaldo Botelho, o chefe dos advogados delas, e ele permitiu entrarmos por cinco minutos, atrasados, outros repórteres também estiveram no local, mas só outra colega conseguiu a permissão. A capa da Tribuna da segunda-feira, dia da manchete de elite, ABSOLVIDAS, a foto, Celina e Beatriz abraçadas por Botelho. Missão cumprida! Valeu Charles!”

LAST

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