Fator previdenciário, que considera expectativa de vida, pode acabar.
Nova proposta do governo adota fórmula que soma idade e contribuições.
O fator previdenciário, uma fórmula usada para o cálculo das aposentadorias por tempo de serviço do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pode estar com os dias contados. Um projeto de lei e um substitutivo tramitam na Câmara justamente com este objetivo: acabar com o fator, que ajusta o valor do benefício do trabalhador à expectativa de vida no momento da solicitação.
Assista ao lado: comissão aprova o fim do fator previdenciário
Com a aplicação do fator previdenciário, quem se aposenta aos 55 anos, por exemplo, receberá um valor mensal inferior a quem requerer o benefício com 60 anos, pois a fórmula presume que o primeiro receberá a aposentadoria por um período de tempo mais longo.
Embora defendido por especialistas em previdência, o fator previdenciário, estabelecido em 1999, é visto como o "vilão" do achatamento dos benefícios pelas centrais sindicais e associações de aposentados, que pedem a sua extinção.
Para o especialista em previdência José Sechin, que foi ministro da Previdência em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, o sistema garante "justiça atuarial". "Cada um terá direito de receber a contribuição que fez, acrescida de uma taxa de juros", diz. Segundo ele, o fator previdenciário faz com que, quem se aposenta mais cedo, receba um valor mensal menor porque ganhará um maior número de "parcelas".
Volta ao passado
O projeto de lei 3299, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que acaba com o fator previdenciário e propõe a volta do sistema antigo de cálculo de benefícios – em que somente as últimas 36 contribuições da vida do trabalhador são consideradas –, é alvo de críticas tanto do governo quanto de especialistas na área.
O problema, segundo Sechin, é que a proposta abre a porta para fraudes consentidas no sistema. Se a maior parte das contribuições é ignorada, o ex-ministro argumenta que uma pessoa pode contribuir por um longo tempo sobre o salário mínimo e deixar para fazer aportes mais altos, próximos ao teto do INSS (R$ 3.218,90, atualmente) somente nos últimos três anos.
"Do jeito que está, uma pessoa que se aposentar aos 50 anos vai ganhar o mesmo que alguém que se aposentar aos 70. Quem se aposentar cedo vai receber o dobro do que aportou (contribuiu). Isso vai incentivar com que as pessoas se aposentem cada vez mais cedo", diz Sechin.
Sem algum tipo de limitação de idade, o temor é que as contas da previdência, que exibiram um "rombo" de R$ 42 bilhões entre janeiro e outubro deste ano, fiquem ainda mais pressionadas. Por isso, o governo federal já sinalizou que vetará as mudanças na aposentadoria caso o projeto de Paim, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), seja aprovado pelo plenário da Câmara.
O consultor em previdência Renato Follador diz que o projeto de Paim é "um retrocesso, uma volta à uma época em que a Previdência Social brasileira era tecnicamente rudimentar". "Calcular o benefício somente com base nas últimas 36 contribuições era uma injustiça, especialmente para os mais pobres. Normalmente, quem depende do salário físico chega ao fim da vida ganhando menos. Muitas vezes, consegue se aposentar somente por idade", explica.
Ele diz que o sistema atualmente em vigor considera a média das 80% maiores contribuições, eliminando os 20% de valor mais baixo. O objetivo é que, com o tempo, a conta leve em consideração toda a vida profissional do trabalhador (35 anos, para homens, e 30 anos, para mulheres). Por enquanto, para efeito de simplificação, o cálculo é feito a partir de 1994, desde a criação do Plano Real.
Fórmula 85/95
O senador Paulo Paim admite que provavelmente seu texto será vetado pelo governo e diz que está aberto à aprovação do projeto na forma de um substitutivo que circula na Câmara, cujo relator é o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). “Como [o texto] está, [a sanção] é impossível”, diz.
Paim afirmou que um dos objetivos do projeto era esquentar o debate contra o “mal maior” do fator previdenciário. O substitutivo de Vargas também define o fim do fator, mas estabelece uma vinculação que evita que os trabalhadores possam se aposentar muito cedo, apresentando a chamada fórmula 85/95, que tem o apoio do governo.
Pelo sistema, entre idade e tempo de contribuição, um homem teria que somar 95 "pontos" para poder se aposentar. O sistema é flexível, permitindo que o contribuinte tenha 40 anos de contribuição e 55 anos de idade ao se aposentar; também valeria a conta de 60 anos de idade e 35 de contribuição, por exemplo. Para as mulheres, vale a mesma regra, sendo a soma necessária 85.
O substitutivo adota uma regra para o cálculo de benefícios mais próxima da praticada atualmente. O texto define que o cálculo levará em conta toda a vida laboral do trabalhador, eliminando 30% das piores contribuições, em vez de 20% atuais. Desta forma, há chance de que o valor do benefício cresça. O deputado Vargas define o projeto como “pragmático e realista”.
O “realismo” do projeto está relacionado ao fato de que ele reflete um compromisso que o governo assumiu em agosto assumiu com centrais sindicais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Força Sindical.
Para o consultor Renato Follador, a fórmula 85/95 é "mais equilibrada [do que o projeto de Paim], não propõe medidas retrógradas". "É uma alternativa boa [para as contas da previdência] porque embute uma ideia de idade mínima", ressalta.
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