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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Diplomacia de mansões


Reformadas e bem decoradas, as embaixadas
do Brasil no circuito vip são um luxo só

Monica Weinberg

Ed Ferreira/AE

Berlim
Prédio moderno em endereço chique, por fora; poucos móveis, decoração despojada e muito espaço, por dentro: aluguel de 242000 reais é o mais alto pago pelo Itamaraty


A Piazza Navona, talvez a mais bela praça de Roma, ganhou atração renovada na semana passada, com direito a aglomeração de público e exclamações de admiração. Removido o tapume chique que cobre os prédios históricos em reforma na Itália, surgiu em seu original esplendor, branco-azulada no meio do ocre dos prédios vizinhos, a fachada do magnífico Palazzo Pamphili, após um ano de obras de restauração. No alto da porta de entrada, a bandeira brasileira – o palácio é a jóia mais preciosa do acervo de 142 endereços de representação do Brasil mantidos pelo Itamaraty em 92 países. O vasto patrimônio da diplomacia brasileira passeia por estilos arquitetônicos diversos, objetos luxuosos, bons quadros, tapetes antigos e, inevitavelmente, uma pergunta recorrente. Afinal, o país precisa ter representações diplomáticas tão suntuosas? "A embaixada é um espaço de dignificação do país. Não pode constranger pela modéstia", prega o embaixador em Paris, Marcos Azambuja, que certamente não corre semelhante risco no endereço atual. "Ela é um espaço para expedir visto, celebrar o dia nacional, dar um coquetel. O embaixador precisa de segurança, conforto e só", rebate Lytton Guimarães, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, a UnB.

A pergunta ganhou novo fôlego recentemente, com a inauguração da nova embaixada brasileira na Alemanha. Com a transferência da capital alemã de Bonn para Berlim, os diplomatas estrangeiros no país saíram disputando novos endereços. Os brasileiros foram muito bem-sucedidos. Encravado numa das localizações mais nobres da cidade, o prédio em estilo moderno impressiona pela luminosidade e pelo tamanho. Com área construída de 7.600 metros quadrados, abriga setenta funcionários – o que dá a generosíssima média de 108 metros quadrados para cada um. Sem visitas, naturalmente. O mobiliário consta de mesas, estantes e tapetes da década de 50 – por uma sorte incrível, esse período está muito na moda entre decoradores descolados –, que foram resgatados dos antigos endereços diplomáticos do Brasil na Alemanha e misturados a peças contemporâneas. O casamento de muito espaço e pouco móvel resulta em um ambiente claro e despojado, com direito à luz natural que atravessa os vidros da fachada. Aluguel: 242.000 reais mensais, o mais alto pago pelo Itamaraty. Respondendo às críticas instantâneas à nova embaixada, o presidente Fernando Henrique Cardoso, que cortou a fita inaugural, recordou os salamaleques da época de ministro das Relações Exteriores: "Estamos instalados em uma amplitude onde cabem todos os interesses do Brasil".

Victor Sokolowicz
Divulgação
Roma
A fachada recém-restaurada, que removeu o tom ocre e recuperou o branco-azulado original, e uma das agníficas galerias do Palazzo Pamphili, palácio barroco erguido para o papa Inocêncio X: faxina de 1,2 milhão de dólares bancada por empresas

Afrescos descobertos – "Para que incorrer nos erros do passado, alugando uma estrutura como a de Berlim?", critica, anonimamente, um diplomata de alto escalão. Em sua visão, as instalações mais luxuosas refletem uma realidade "tipo Alice no País das Maravilhas" e é um equívoco persistir na ostentação. O que já existe, porém, constitui um patrimônio nacional formado ao longo do tempo e seria tolice desfazer-se dele. De fato, é quase impensável passar adiante imóveis como a embaixada em Paris – dois prédios separados, um residencial, outro para a chancelaria, ambos com a inconfundível elegância das construções destinadas à elite francesa do século XIX. O edifício da chancelaria atrai todo mês grupos guiados pela sociedade de arquitetura de Paris, que se encantam com os tetos altos de relevos pincelados de dourado e os afrescos da sala do embaixador, com ilustrações das fábulas de La Fontaine. A 800 metros dali, a residência oficial foi inteiramente reformada depois que Marcos Azambuja assumiu o posto, há três anos. O decorador paulista Jorge Elias, conhecido pelo estilo suntuoso, assumiu a obra. Ficou um espetáculo. E o melhor de tudo é que o custo, estimado em 150.000 dólares, foi bancado por amigos de Azambuja. Só o serviço de Elias, que incluiu três viagens a Paris, sairia por 50.000 dólares, segundo seus cálculos. "Um embaixador que é bem relacionado recebe favores e agrados e pode fazer uma boa reforma", define o decorador, que fez o projeto de graça, orientou a recuperação de móveis franceses em estilo Luís XV e XVI encostados em um depósito e ensinou até a técnica de pintura em pátina das paredes. Outros proprietários de lojas de decoração deram tinta e tecidos para estofados e cortinas.

A generosidade dos amigos de Azambuja empalidece diante da operação que custeou as obras da embaixada em Roma, no valor de 1,2 milhão de dólares. Dos cofres do Itamaraty, saiu apenas uma parcela: 50.000 dólares, liberados com orgulho. "Entre consertar uma piscina qualquer e recuperar os afrescos de um palácio como o de Roma, ficamos com os últimos", diz o embaixador Almir Barbuda, responsável pelo setor de administração dos postos estrangeiros. O grosso do dinheiro para a reforma do palacete romano, ocupado atualmente pelo embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, veio de contribuições permitidas pela Lei de Incentivo à Cultura, canalizadas através da Fundação Armando Álvares Penteado. Como é praxe, a Petrobras fez as doações mais polpudas.

Azulejos quebrados – O espetacular palácio barroco, originalmente encomendado no século XVII pelo papa Inocêncio X, é patrimônio brasileiro desde 1961. Numa Itália ainda com preços deprimidos pela ressaca da II Guerra, custou uma pechincha: 2,3 milhões de dólares, saldados com café e uma ampla vaquinha coordenada pela iniciativa privada. Tem quatro andares e afrescos deslumbrantes, sendo que três deles, do século XVII, foram revelados durante a recém-concluída restauração. O ambiente mais impressionante é a galeria Cortona, imenso corredor com teto em arco pintado por Pietro da Cortona, obra-prima do barroco. A embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, entusiasta das mudanças, colocou seu dedo, seus móveis, suas tapeçarias e suas obras de arte na reforma da nova residência, repetindo o que havia feito em passagens anteriores pelas embaixadas de Londres e Washington.

Ocupada agora pela embaixatriz Maria Ignez Barbosa, a residência diplomática em Washington, projetada no começo do século XX pelo festejado arquiteto americano John Russel Pope, já passou por uma nova intervenção. "É raríssimo ter um tostão para essas coisas. Então a solução é fazer uma maquiagem aqui, outra ali", diz Maria Ignez, que é decoradora. Sob sua batuta, os móveis em estilo império deixaram o depósito e migraram para o aposento batizado de Sala dos Índios. O nome não se refere absolutamente aos proprietários atuais da mansão, mas ao originalíssimo papel de parede "Paisagens do Brasil", do início do século XIX, quando se tornaram moda as expedições européias ao país. Uma pequena galeria concentra a boa pinacoteca da casa, onde brilham um Di Cavalcanti, dois Visconti e um Portinari. Lúcia Flecha de Lima visitou o prédio depois da reforma e aprovou as mudanças de Maria Ignez. Esta, por sua vez, também já foi conhecer as novidades de sua pousada anterior, a Embaixada de Londres (por onde igualmente passou Lúcia). Ornamentada pelo atual embaixador Sérgio Amaral e sua mulher, Rosário, com móveis modernos feitos de madeiras brasileiras pelo designer Maurício Azeredo, de Goiás, a decoração atual da mansão do século XIX não provocou grande entusiasmo. "Os móveis que eles levaram para lá são bonitos, mas meu hall era mais leve e clarinho", diz Maria Ignez.

O Itamaraty, que neste ano vai gastar 400 milhões de reais, de um orçamento de 700 milhões, em aluguéis, manutenção e obras nas embaixadas, assume o custo. "Quando a casa não está bem cuidada, ela vira o contra-senso da representação", diz o embaixador Almir Barbuda. Longe dos postos mais cobiçados, às vezes impera o improviso. Em Praia, a modestíssima capital de Cabo Verde, as infiltrações na representação brasileira provocaram bolhas nas paredes, que precisam ser camufladas com quadros, e a piscina, com azulejos quebrados, não vê água há anos. A embaixada brasileira em Oslo, Noruega, passou quarenta anos suplicando até conseguir uma nova pintura. Em contrapartida, as duas não correm o risco de ouvir a piada que circulou quando o governo brasileiro comprou o Palazzo Pamphili, em Roma. "Agora", diziam as más línguas, "só falta ter o país para tanta embaixada."







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