Luiz Flávio Gomes - 24/11/2009
Cesare Battisti, pelo que foi noticiado, teria participado de um movimento armado de esquerda, na Itália (movimento Proletários Armados pelo Comunismo), nos anos setenta. O governo, na época, não comungava com os valores comunistas. Desde o final dos anos sessenta e até o princípio dos anos oitenta (famosos “anos de chumbo”), o mundo ficou dividido ideologicamente e aberrantemente em duas facções: “esquerda e direita”.
A esquerda se dizia progressista. A direita era intitulada como conservadora. A esquerda pregava, com distintos matizes, o comunismo. A direita lutava pelo capitalismo. Tudo transcorria sob o manto da chamada “guerra fria” (que só acabou com a queda do muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989). No nosso ambiente cultural a direita era ostentada normalmente pelos militares. Os progressistas de esquerda entraram em conflito com eles. Cesare Battisti é um “companheiro” da luta armada.
Quem é do governo ou atua em nome dele pratica crimes contra a humanidade (que são imprescritíveis, segundo regras da ONU de 1946). Atuam em nome de uma ditadura e perseguem os valores ditatoriais. Matam, sequestram, somem com pessoas. Isso é o que explica, por exemplo, que praticamente todos os militares que participaram destacadamente do regime militar argentino já tenham sido penalmente condenados. Quase todos estão sendo submetidos a julgamento e indo para o cárcere. Os crimes contra a humanidade não prescrevem e não estão sujeitos à anistia, consoante decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Quem não é do governo ou não atua em nome dele, nesse contexto de conflito ideológico armado, pratica delitos políticos (que são anistiáveis e prescritíveis). Mas enquanto não anistiado e não prescrito, o autor do delito deve responder por ele. Esse é o caso de Cesare Battisti: teria praticado crimes políticos, dentre eles quatro assassinatos, mas não foi anistiado. E os delitos não prescreveram (porque na Itália os crimes punidos com prisão perpétua não prescrevem). Conclusão: para a Justiça italiana Battisti está em débito (e teria que cumprir lá prisão perpétua).
A Itália pediu ao Brasil a extradição dele. O STF (Supremo Tribunal Federal), depois de autorizar, por cinco votos a quatro, referida extradição (Ext 1085), acabou deliberando, também por cinco a quatro, que a última palavra sobre a entrega ou não do italiano cabe ao presidente da República.
Que os crimes de Battisti foram políticos não há a mínima dúvida (a configuração do crime político, como disse o ministro Marco Aurélio, é “escancarada”). Tiveram, indubitavelmente, motivação política. Foi um erro o STF afirmar, por maioria, que não houve crime político. Negaram o óbvio (e, porque não dizer, o óbvio ululante).
E por que negaram o óbvio? Porque a Constituição Federal brasileira proíbe terminantemente a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (artigo 5º, inciso LII). A proibição é absoluta. Qual a sua razão? Evitar a perseguição de quem pensa de forma diferente. Aqui reside mais um erro nesse assunto: a proibição constitucional não deveria ser absoluta. O fundamental é saber se o extraditando, no momento da extradição, corre ou não o risco de ser perseguido, maltratado, desrespeitado em seus direitos etc.
No caso Battisti o Tribunal Europeu de Direitos Humanos disse que o processo contra ele foi justo. Hoje a Itália, apesar do seu exótico primeiro ministro Silvio Berlusconi, não apresenta o mesmo cenário de perseguição e de intransigência política dos anos 70 ou 80. Não se pode afirmar que a Itália hoje seja um país de exceção, onde não são observadas as garantias fundamentais do acusado.
Se a Constituição brasileira não fosse tão rígida, nesse ponto, caberia ao STF analisar se o réu teria ou não tratamento desigual ou arbitrário no país requerente.
Considerando-se que nossa Carta engessou o assunto, não restou outra alternativa à (convicção da) maioria do STF que cassar o ato de refúgio dado pelo ministro da Justiça e deferir a extradição, porém, negando o caráter político dos delitos atribuídos a Battisti (o que é uma indescritível aberração). Qual argumento: “crime de sangue” não pode ser político. Nada mais equivocado e destituído de razoabilidade.
Qual seria o caminho correto? Pensamos que o correto seria a Constituição brasileira flexibilizar o inciso LII para admitir a extradição do estrangeiro por crime político quando verificadas as condições de garantias (e de respeito ao condenado ou processado). Não faz muito tempo, o STF, num caso de extradição para a Colômbia, quando nesse país o Executivo praticou ingerências no Judiciário, não concedeu a extradição por entender que o país requerente não reunia condições necessárias para o respeito das devidas garantias. Aqui está o cerne da questão.
O crime político, em princípio, deve mesmo merecer tratamento especial, pois ninguém pode concordar com as ditaduras ou autoritarismos. Porém, desde que não anistiado e não prescrito, e desde ainda que o país requerente tenha condições de oferecer todas as garantias ao condenado ou processado, não se justifica o indeferimento da extradição.
Como a Constituição brasileira é rígida, o STF, por maioria, acabou negando o óbvio ululante: que os crimes de Battisti não foram políticos. Claro que foram. Mas se a Itália, hoje, reúne condições políticas para respeitar os direitos dos presos ou processados, não deveria haver impedimento constitucional para a extradição. Para driblar essa peremptória proibição, cinco Ministros da nossa Corte Suprema rasgaram e enterraram o conceito de crime político.
Nosso professor de Direito Penal na Universidade de São Paulo Manoel Pedro Pimentel,dizia: quando o direito não é justo, o juiz justo ou torce os fatos (para fazer justiça) ou torce o direito. No caso torceram o conceito de crime político dizendo que crime de sangue não pode ser político. Erraram!
Houve crime político, mas na sensibilidade deles é uma situação de injustiça o réu devidamente condenado não responder pelos seus delitos. O senso de justiça está correto. Mas para se tentar chegar ao resultado almejado (que Battisti vá para a Itália para cumprir a sua pena) atropelaram o conceito de crime político. Com isso o STF, por cinco votos a quatro, cassou o refúgio concedido pelo ministro Tarso Genro.
Lula acumula: -Aposentadoria por invalidez,aposentadoria de Aposentadoria por invalidez, Pensão Vitalícia de "perseguido político" isenta de IR, salário de presidente de honra do PT, salário de Presidente da República. Você sabia??? Sphere: Related Content