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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Singularidades de um diretor centenário: Manoel de Oliveira em Berlim



Cineasta português é homenageado na capital alemã pelo conjunto de sua obra. Após exibição de seu último filme, o diretor de 100 anos de idade falou com o público e se mostrou altamente lúcido e bem-humorado.

Na platéia do Cinema Paris na noite da última terça-feira (10/02), espectadores desavisados teriam sem problemas acreditado que o cineasta ali presente teria "em torno de 70 anos". Manoel de Oliveira, lenda viva do cinema português, não só permanece inacreditavelmente ágil depois de ter completado 100 anos em dezembro último, como não perde a perspicácia e o bom humor.

Com a "Berlinale Kamera" nas mãos, o diretor agradeceu a organização do festival pela homenagem, falou da contribuição do cinema alemão para a cinematografia mundial e lembrou a compra de sua primeira Arriflex em Munique, nos anos 1950. "Com ela fiz meu primeiro filme em cores", afirmou o diretor, dizendo-se "particularmente sensibilizado" pelas homenagens recebidas em Berlim.

"Tocar nos personagens de Eça de Queiroz seria um crime"

Ao lado do neto Ricardo Trêpa, protagonista de seu último filme exibido no festival – Singularidades de uma rapariga loura – e de outros membros do elenco, Manoel de Oliveira explicou por que a opção pelo comportamento contemporâneo dos personagens, num filme situado no século 19: "Tocar nos personagens de Eça de Queiroz seria sobretudo um crime. As histórias se repetem, mas na verdade não há nada de novo. É sempre a mesma coisa: as histórias de amor têm infidelidade, morte, ciúme, ódio, inveja. É sempre a mesma coisa", disse o diretor referindo-se ao conto do escritor português que deu origem ao filme.

Singularidades de uma rapariga loura mantém a parcimônia do conto original, que é "uma das melhores histórias de Eça, embora curta e pouco conhecida", segundo Manoel de Oliveira. Não há nem mesmo uma trilha sonora de fundo, exceto no momento em que uma das personagens toca uma peça de Claude Debussy na harpa. "Eça de Queiroz escreveu de modo extremamente simples. No conto, só há o essencial, o extremamente necessário para contar a história. Nem mais, nem menos. No filme é exatamente igual, não mudei nada", diz o diretor.

Cenário contemporâneo

Cena de 'Singularidades de uma rapariga loura'Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Cena de 'Singularidades de uma rapariga loura'A narrativa é situada no século 19, mas o cenário é a Lisboa contemporânea. "Para fazer esse filme como no século 19, eu teria que dispender muitos recursos, para, por exemplo, simular a Lisboa daquele tempo. Resolvi contar a história de outra forma, a caminho do Algarve". No interior de um trem, o protagonista do filme conta para uma mulher desconhecida, que está sentada a seu lado, as singularidades de uma certa "rapariga loura" que tanto o fizeram sofrer. O diálogo entre esses dois personagens conduz a narrativa.

A mulher que ouve, interpretada por parte da crítica até mesmo como uma cega, não olha para o interlocutor. "Não é obrigatório ficar olhando quando se fala com outra pessoa. Ela não olha talvez por um certo pudor, ela mantém uma certa distância. O que importa é que ele está ali mais a contar para ele próprio. E se ela está a ouvir, não precisa dos olhos, mas sim dos ouvidos", brincou o diretor.

Bom humor, diga-se de passagem, é o que não falta a Manoel de Oliveira. Ao lado da intérprete que traduzia as perguntas do público para o português e suas respostas para o inglês, ele terminou a noite, para o deleite da platéia, com a seguinte observação: "Minha dificuldade não é fazer filmes, mas falar inglês". (sv)

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