Decisão beneficia instituição, mas ainda pode ser objeto de recurso ao pleno da corte
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legal a capitalização de juros em contratos de cartão de crédito, em julgamento de recurso de um banco gaúcho contra decisão anterior do mesmo órgão. A decisão, entretanto, pode não ser definitiva, pois, caso seja impetrado novo recurso, a questão poderá ser levada a exame do pleno, que reúne todos os ministros do STJ.
A decisão surpreendeu especialistas, de vez que a cobrança de juros sobre juros, denominada anatocismo, é vedada pelo Decreto 22.626, de 1933, e pela Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.
O cliente do banco questionou a prática da capitalização de juros – a correção incide sobre o montante já corrigido anteriormente pela taxa acordada, elevando continuamente o principal da dívida – obtendo ganho de causa em todas as instâncias da Justiça do Rio Grande do Sul.
A instituição financeira recorreu, então ao Superior Tribunal de Justiça, onde a Quarta Turma, seguindo voto do ministro Aldir Passarinho Jr. manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O artigo 4° do Decreto 22.625/33 proíbe a contagem de juros, mas ressalva que a proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos de contas correntes, de ano para ano.
Conhecendo as decisões da Terceira Turma nesta linha, o banco voltou a recorrer, usando recurso denominado embargo de divergência, no qual afirmava existirem entendimentos diferentes sobre o mesmo tema na Terceira e na Quarta Turma do STJ
O caso então subiu para exame do colegiado do STJ, onde o voto da relatora, ministra Nanci Andrighi, foi seguido peça maioria dos ministros. A ministra e seus colegas consideraram que o cartão de crédito tem características de conta corrente, cabendo assim a aplicação da ressalva contida no Decreto 22.625.
Estranheza e aburdo
Coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), a advogada Maria Inês Delci manifestou estranheza ao ser informada da decisão.
– Na verdade, com isto eles estão legalizando o anatocismo. Considero isto um absurdo. Dependendo da dívida do consumidor e do tempo que ele demora para pagar, o montante vai crescendo como bola de neve, e a dívida fica praticamente impagável. Além do mais, está em vigor a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, instituição máxima do Judiciário brasileiro, determinando que é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada em contrato que foi anteriormente estabelecido – afirmou a advogada.
A especialista explica que, até que a questão seja definitivamente esclarecida, de vez que há patente divergência entre duas instituições judiciais, o STF e o STJ, é recomendável que pessoas eventualmente endividadas com cartões recorram ao crédito pessoal na rede bancária que, além de tudo, cobra taxas bem mais baixas do que as administradoras.
Outra opinião
No outro lado da questão, o executivo Nelson Campos, diretor da financeira Netcredit S/A afirma que este tipo de cobrança sempre foi motivo de muita controvérsia, especialmente devido à falta de regulamentação do artigo 192 da Constituição de 1988.
– Ainda não conheço a íntegra da decisão, não foi publicado o acórdão, mas tenho a impressão que o STJ resolveu unificar o entendimento sobre o assunto. Este tipo de cobrança já é feito normalmente por financeiras e administradoras de cartões – explicou.
Campos tem uma teoria para explicar a chegada da questão ao Superior Tribunal de Justiça:
– As primeiras decisões contra a cobrança de juros sobre montantes já corrigidos anteriormente ocorreram em primeira instância no Rio Grande do Sul. E foram mantidas na medida em que os juízes de primeiro grau foram sendo promovidos a desembargadores. Aí, mantinham as decisões anteriormente proferidas. Mas, na verdade, não há nada de anormal na capitalização de juros. O próprio governo a pratica na remuneração dos títulos do Tesouro que coloca no mercado financeiro – concluiu.
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