Escritor português, natural da Póvoa de Varzim. Oriundo de uma família burguesa e culta, dada a sua condição de filho ilegítimo passou grande parte da sua infância em Verde Milho, na casa dos avós paternos. Mesmo após o casamento dos pais, quatro anos depois do seu nascimento, aí continuou até 1855, ano em que se matriculou no colégio da Lapa, no Porto. Aqui conheceu Ramalho Ortigão, de quem se tornou amigo, embora aquele, filho do director do colégio e aí exercendo funções docentes, fosse nove anos mais velho que ele. Em 1861, entrou na Faculdade de Direito de Coimbra, concluindo a sua formação em 1866.
Em Coimbra, entrou em contacto com o movimento intelectual que então se iniciava, entre a juventude académica. Conviveu com personalidades como Teófilo Braga e Antero de Quental, mentor da célebre Geração de 70, de que também fez parte, assistindo ao desenrolar da Questão Coimbrã e lendo os autores e pensadores em voga, quanto às novas teorias sociais da Europa. Em 1866, já formado, instalou-se em casa dos pais, em Lisboa, no Rossio, e inscreveu-se como advogado no Supremo Tribunal de Justiça. A sua carreira de folhetinista e crítico teve início neste período, com os artigos publicados, entre 1866 e 1867, na Gazeta de Portugal, (onde conheceu Jaime Batalha Reis) e mais tarde reunidos sob o título Prosas Bárbaras (1903). Nestes artigos denota-se uma série de influências, manifestando-se, sobretudo, um temperamento ainda romântico e a originalidade estilística que viria a ser característica deste autor.
No final de 1866, partiu para Évora, onde, mantendo a sua colaboração na Gazeta de Portugal, dirigiu o jornal de oposição política O Distrito de Évora. Em Julho de 1867, regressou a Lisboa, onde exerceu advocacia. No final do ano formou-se o «Grupo do Cenáculo», de que Eça foi um dos primeiros membros e do qual resultará a realização, em 1871, das Conferências do Casino. Em 1869, são publicados os primeiros versos do «poeta satânico» Fradique Mendes (de certa forma uma antecipação ao processo de criação heterónima de Fernando Pessoa), na Revolução de Setembro. No mesmo ano, efectuou uma viagem pelo Egipto e pelo canal de Suez, em companhia do conde de Resende, da qual, no ano seguinte e já em Lisboa, publicaria o relato no Diário de Notícias, com o título De Port-Said a Suez. No mesmo ano escreveu, com Ramalho Ortigão, O Mistério da Estrada de Sintra, publicado igualmente no Diário de Notícias (que gerou enorme expectativa junto dos leitores, visto se apresentar como uma intriga policial verdadeira). Entretanto, foi nomeado administrador do concelho de Leiria e, posteriormente, após ter prestado provas que lhe permitiram obter o primeiro lugar, enveredou pela carreira diplomática.Em 1872, foi nomeado cônsul em Cuba, seguindo para Inglaterra, em 1874, e para Paris, em 1888.
Entretanto, em 1871, participou nas Conferências do Casino (cujo programa foi interrompido devido a proibição governamental) com uma intervenção intitulada O Realismo como Nova Expressão da Arte,na qual condenava a teoria da arte pela arte e se integrava num programa de realismo literário reformador da literatura e da vida portuguesas. As Farpas (1871), publicação mensal escrita de novo em parceria com Ramalho Ortigão, ilustra o desejo de levar a cabo uma análise crítica da sociedade portuguesa. Mas é sobretudo a partir das referidas conferências que se articula o projecto de uma colecção de novelas que, sob o título genérico de Cenas Portuguesas, analisasse os vários aspectos da sociedade da época, já segundo os preceitos da arte realista (análise minuciosa, física e psicológica, de pessoas e ambientes). Este projecto concretizou-se, mesmo se não de forma ortodoxa (no que ao realismo literário diz respeito), nos romances O Crime do Padre Amaro (romance inaugurador da nova escola cuja primeira versão foi publicada em 1875, nele se fazendo a análise da vida do clero e da pequena burguesia de província), O Primo Basílio (1878, análise da vida familiar da pequena burguesia lisboeta) e Os Maias (1888, retrato crítico da alta burguesia e da aristocracia de Lisboa). Na mesma linha se integram as obras, publicadas postumamente em 1925, A Capital (escrito em 1878, análise da classe literata), O Conde de Abranhos (escrito em 1878) e Alves & C.ª (escrito, provavelmente, em 1883).
No entanto, Eça de Queirós nunca subjugou a sua personalidade artística à ortodoxia do realismo e do naturalismo. Em obras como O Mandarim (1880) e A Relíquia (1887), colocou ao serviço da sua imaginação e do seu gosto pelo fantástico certos métodos de escrita adquiridos naquela escola. Igualmente, as suas obras mais tardias como A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Cidade e as Serras (1901) e Contos (reunidos em 1902), mais do que exemplos do realismo literário, são o reflexo da experiência do desencanto finissecular perante a tecnologia e a civilização urbana, encontrando o escritor a solução, aparentemente, no regresso ao campo, à vida dos simples. As hagiografias (descrições bigráficas de santos) incluídas no volume Últimas Páginas (1912), são sobretudo a encarnação desse desejo de regresso a uma pureza primitiva.
De forma geral, e na sua fase mais realista, Eça dedicou-se sobretudo à análise social (mais que psicológica) de tipos humanos, representantes de certos grupos, vistos com uma ironia mordaz e maliciosa que se constituiu como arma de combate. Ausentes estão os tipos genuinamente populares. Na educação, e na adequação desta ao meio português, são analisadas muitas das causas dos problemas que afectam a mentalidade nacional. A sua forma de tratar estas questões gerou, na altura, grande controvérsia, sendo o escritor alvo de ataques públicos. Igualmente criticado foi o seu estilo, considerado afrancesado, que revolucionou a língua literária portuguesa. De facto, libertando-a de purismos e da oratória, aproveitando com naturalidade a linguagem comum e conseguindo associações inesperadas entre realidades aparentemente desconexas, Eça de Queirós imprimiu um cunho impressionista, condensado e rigoroso, de grande intensidade expressiva, que lhe permitiu, de forma económica, traçar os quadros e tipos observados sem os destituir de uma forte carga poética e sensível.
Tal como a sua actividade de romancista, o papel de Eça de Queirós na análise do mundo seu contemporâneo em folhetins e textos jornalísticos foi fundamental. Foi fundador e director da Revista de Portugal (1889-1892) e colaborador de jornais nacionais e brasileiros. A sua experiência do exílio, o seu espírito crítico, céptico e desencantado perante a época (que se manifestou na sua participação, conjuntamente com outras dez personalidades da época — Carlos Mayer, Guerra Junqueiro, António Cândido, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Carlos Lobo d'Ávila, conde de Sabugosa, conde de Arnoso, marquês de Soveral e conde de Ficalho — nos Vencidos da Vida, «grupo jantante», segundo a própria designação de Eça, entre 1887 e 1893) permitiram-lhe encetar uma análise mordaz da vida portuguesa (mas também europeia), que, apesar de muitas vezes violenta, era o reverso de um amor intenso ao seu país. Fradique Mendes, alter-ego do escritor (Correspondência de Fradique Mendes, 1900), ou o Ega de Os Maias, reflectem muito da sua personalidade e dos seus sentimentos face ao país.
Para além das obras já referidas, Eça de Queirós é ainda o autor de Uma Campanha Alegre (1890-1891), Cartas de Inglaterra (1905), Ecos de Paris (1905), Cartas Familiares e Bilhetes de Paris (1907), Notas Contemporâneas (1909) e O Egipto (1926).
Conhecido, dentro e fora de Portugal, pela sua ironia, fina ou sarcástica, pelo seu comprazimento no retrato caricatural ou grotesto, pela mestria da sua arte narrativa, é tido por muitos como um dos maiores prosadores da literatura portuguesa.
Queirós, José Maria Eça de (Os Maias)
Carlos da Maia é a personagem central do romance Os Maias, de Eça de Queirós. É um aristocrata belo, culto, rico, ocioso e diletante, na sua dispersão de ocupações e de gostos. Filho de Maria Monforte e de Pedro da Maia, é educado pelo avô, Afonso, após a fuga da mãe com um italiano e o suicídio do pai. Passa a infância na Quinta de Santa Olávia, no Douro, com o avô, que lhe dá como preceptor o inglês Brown. Este é partidário de uma educação que dá primazia ao desenvolvimento e equilíbrio físicos e à aprendizagem de línguas vivas em substuição do latim. Esta educação difere profundamente da educação tradicional portuguesa, que utilizava como método a memorização e aprendizagem da cartilha.
Carlos vai estudar para Coimbra, onde se forma em Medicina e conhece o seu amigo e confidente João da Ega. Já formado, faz uma viagem pela Europa, percurso natural de um jovem rico. Uma vez em Lisboa, esforça-se para fazer do Ramalhete uma residência de luxo. É um homem dominado pelo dandismo e os seus projectos de trabalho nunca se concretizam, deixando-se envolver pela inactividade e pela ociosidade. Sonha ser um cientista e, ao mesmo tempo, um homem de classe e de gosto.
As duas circunstâncias marcantes na vida de Carlos são a sua vida ociosa em Lisboa e a sua inserção no estrato social mais destacado do Portugal da Regeneração, vivendo em contacto com políticos, financeiros, diplomatas e aristocratas. O seu amigo João da Ega apresenta-o aos Gouvarinhos, e não tarda que Carlos tenha uma aventura de curta duração com a condessa de Gouvarinho. As desilusões de amor levam-no a considerar-se «um ressequido, um impotente de sentimento como Satanás... pedante... um D. Juan... um devasso... com uma pontinha de romantismo» e a afirmar que «Passo a vida a ver as paixões falharem-me».
O encontro fortuito com Maria Eduarda no peristilo do Hotel Central marca profundamente a sua vida. Carlos apaixona-se por esta, conhecida por Madame Castro Gomes, que um brasileiro trouxera de Paris até Lisboa. A sua relação estreita-se de tal forma que Carlos lhe compra uma casa, a Toca, onde se encontram assiduamente. A sua paixão leva-os a projectar o casamento. Mais tarde, Carlos vem a descobrir que Maria Eduarda é sua irmã. A prática do incesto, consciente por parte de Carlos, leva à morte do seu avô, Afonso da Maia.
Apesar da educação «à inglesa» que recebeu, a vida pessoal e profissional de Carlos constitui um falhanço. Falha, em parte, devido ao meio em que se instalou, sociedade ociosa e fútil, e, em parte, devido a aspectos hereditários — a fraqueza do pai, a futilidade da mãe. No final do romance afirma-se partidário do «fatalismo muçulmano», ou seja, de «nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança, nem a um desapontamento».Queirós, José Maria Eça de (Os Maias)
João da Ega é uma personagem do romance Os Maias, de Eça de Queirós, amigo e confidente de Carlos da Maia. Era filho de uma viúva rica e beata, de Celorico de Basto, e o seu espírito sacrílego escandalizava e chocava esse pequeno meio. Era conhecido em Celorico e em Coimbra, onde levava uma vida de boémia estudantil, «como o maior ateu, o maior demagogo que jamais aparecera nas sociedades humanas». Impressionava tudo e todos com as suas atitudes e concepções, arrojadas e revolucionárias, comprazendo-se nos efeitos que a sua retórica provoca. As suas opiniões apresentavam-se de uma forma irreverente e contestária, por vezes incoerentemente e com a intenção de escandalizar a burguesia lisboeta dos círculos que frequentava. Constantemente, proferia blagues que nem os outros, nem ele mesmo tomavam a sério. Assim, afirmava-se partidário da escravatura e adversário de uma intervenção da mulher na área intelectual.
Considerava que, para salvar Portugal, restava apenas a via revolucionária, ou, caso esta falhasse, a redução do país a uma província espanhola. Numa visão iconoclasta, afirmava que a salvação nacional passaria por uma invasão espanhola que acabasse com as classes dominantes e possibilitasse o recomeço do zero com novas energias. Viveu uma grande paixão por Raquel Cohen, mulher do director do Banco Nacional. Na soirée dos Cohen, Ega apareceu disfarçado de Mefistófeles, acabando por ser expulso pelo marido de Raquel. Desiludido, retirou-se para Celorico, com a intenção de escrever O Lodaçal, para se vingar de Cohen.
Ega é um literato falhado. Apesar dos vários projectos que se propõe levar a cabo, nunca chega, de facto, a concretizar nenhum. Tenciona escrever as Memórias de Um Átomo, história das grandes fases da Humanidade e do Universo, que nunca realiza. Nas últimas páginas do romance ainda refere um novo livro, as Jornadas da Ásia, acabando, mais uma vez, por nada produzir. É um literato ousado, fantasioso e com verve, nunca chegando a concretizar os seus planos de autor. Partidário do naturalismo e do realismo, envolve-se numa discussão com Alencar, protótipo do poeta do ultra-romantismo, no jantar do Hotel Central, mas no final do romance acaba por «apreciá-lo imensamente» e por o considerar um português genuíno.
Ega desempenha um papel importante na intriga, pois é a ele que Guimarães entrega o cofre que revela o parentesco entre Carlos e Maria Eduarda. Terminada esta relação incestuosa, Ega e Carlos planeiam uma longa viagem, que os levaria aos grandes centros das civilizações antigas e modernas, acabando por visitar a América do Norte e o Japão. Passado ano e meio, Ega reaparece no Chiado.
Ega é uma personagem ricamente caracterizada, em todas as suas contradições. É herético e revolucionário, mas também um dândi e um cínico. É considerado por vezes, em muitos aspectos, como um retrato irónico do próprio Eça. Personifica, ao longo do romance, uma certa postura revolucionária da época, manifestada de forma mais consistente na Geração de 70. Apesar de todos os seus grandes planos de transformação social, numa retórica de tom profético e inflamado, apesar de defensor das correntes artísticas e científicas mais modernas, como o realismo e o positivismo, acaba por não levar a cabo qualquer projecto verdadeiramente significativo, perdendo-se nas suas aventuras românticas, numa vida diletante e ociosa.Sphere: Related Content
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