Eça de Queirós era - ainda é - um antídoto contra o tédio. No meio de tanta literatura soturna do seu tempo, a sua escrita era um refresco. Os textos de Eça criaram o português moderno A sua obra revelou uma capacidade de análise e distanciamento notáveis. É importante para o entendimento da sociedade, hábitos e costumes do século XIX.
Acutilante nas críticas à sociedade e certeiro na descrição do pântano em que Portugal vivia na altura, Eça de Queirós foi um dos maiores pensadores do seu tempo. Cáustico, desencantava os mais ácidos argumentos para descrever a sociedade do seu tempo.
Foi um escritor realista, mas também um revolucionário e anarquista. Considerava que a literatura era uma forma de intervenção. A médica Isabel do Carmo lembra que o autor tinha “um carácter social e político muitas vezes esquecido”.
José Maria Eça de Queirós nasceu em 25 de Novembro de 1845, na Póvoa de Varzim. Era filho natural do juiz José Maria de Almeida e oficialmente de mãe desconhecida. Foi criado por uma ama até à morte desta. O pai tinha, entretanto, casado com Carolina Pereira d'Eça de Queirós, que não queria saber do jovem. Foi viver com os avós paternos em Verdemilho, perto de Aveiro. Em 1855, foi para o Porto, onde residia o pai, mas a madrasta - já que senhora Eça de Queirós não se reconhecia oficialmente como sua mãe - continuava a não querer vê-lo. Foi, por isso, internado num colégio. Segundo o historiador José Hermano Saraiva, Eça de Queirós “foi criado na amargura de nunca ter tido uma família”. Com 16 anos partiu para Coimbra para cursar direito. No meio do ambiente boémio, que sempre caracterizou a cidade do Mondego, fez amizade com Antero de Quental e outros jovens intelectuais. Foi o início da Geração de 70, grupo que se afirmou pelo desejo de intervenção e renovação da vida política e cultural portuguesa.
Eça fez o primeiro contacto com a literatura através do teatro. Participou, como actor, no Teatro Académico da Universidade de Coimbra. Os seus primeiros escritos datam dessa época. Trata-se de crónicas jornalísticas que foram publicadas como folhetim na revista “Gazeta de Portugal”.
Eça veio para Lisboa em 1866, onde começou a trabalhar como advogado. Uma carreira marcada pelo insucesso, ao contrário da escrita, que corria cada vez melhor. O nome de Eça de Queirós ganhava notoriedade. Mudou-se para Évora, onde fundou o semanário “O Distrito de Évora”. Abriu, igualmente, um escritório de advogados, mas não teve melhor sorte do que em Lisboa.
Em 1869 viajou ao Egipto, onde assistiu à inauguração do Canal do Suez. Esta viagem inspiraria algumas das suas obras, como o “Mistério da Estrada de Sintra” e “A Relíquia”. No regresso a Lisboa, publicou as crónicas da viagem no “Diário de Notícias”. Foi enviado para Leiria como administrador municipal. Esta colocação permitiu-lhe observar uma realidade que deu origem a “O Crime do Padre Amaro”, primeiro romance realista português. Um retrato humano e social do País, fruto “da capacidade de Eça para desmontar as convenções morais”, explica José Miguel Sardica.
Durante a sua estadia em Leiria, prestou provas para a carreira diplomática, no Ministérios dos Negócios Estrangeiros. Iniciou, com Ramalho Ortigão, a publicação periódica de “As Farpas”, que, para José Miguel Sardica, “é só o melhor jornalismo alguma vez escrito em Portugal”. A colaboração com esta publicação terminou em 1872, quando foi nomeado para o lugar de cônsul de Portugal em Havana. Durante a estadia em Cuba, a veia revolucionária de Eça veio ao de cima. Encarregou-se da defesa dos emigrados macaenses que trabalhavam nas grandes plantações. Para o cônsul português, aquela situação era escravatura dissimulada. Passados seis meses, foi transferido para Newcastle, Reino Unido. Eça de Queirós nunca se deixou acomodar na rotina traiçoeira. Aparentemente, passou os anos mais produtivos de sua vida em Inglaterra. Foi lá que escreveu alguns dos seus trabalhos mais importantes, incluindo “A Tragédia da Rua das Flores” e “Os Maias”.
Eça de Queirós passou muitos anos no estrangeiro, o que nunca o impediu de escrever romances que, para Francisco Sarsfield Cabral, director de informação da Rádio Renascença, “são retratos da sociedade ainda hoje actuais”. A distância tornou possível a reflexão lúcida que Eça fez sobre Portugal.
Casou-se em 1886 com Emília de Castro, filha do conde de Resende. Seguiu-se um novo posto consular em Paris. Passados três anos, regressou a Lisboa. Juntou-se, pela primeira vez, aos jantares dos “Vencidos da Vida”, tertúlias que contavam com a participação de Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins e representavam a crescente incapacidade dos homens da Geração de 70 para mudar a vida política portuguesa.
Eça de Queirós acabou por adoecer e partiu, a conselho de especialistas, de Paris para a para a Riviera francesa, e depois para os Alpes suíços. Tinha esperança que novos ares lhe fizessem bem. Faleceu em 16 de Agosto de 1900, na sua casa na capital francesa.
Eça de Queirós foi um espantoso escritor que apanhou, como ninguém, o carácter de uma nação. Apreendeu a nossa maneira de ser e criticou-nos com palavras tão belas que faziam esquecer a ironia e crueldade. Foi, também por isto, uma fera indomável do seu tempo. O nome de Eça de Queirós tornou-se num adjectivo. Haver um adjectivo - queirosiano - prova toda a sua importância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário