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domingo, 27 de abril de 2008

Lawrence's



Press Review

Às portas do Paraíso
Casa Claudia- 07/2000
Texto de João Miguel Figueiredo Silva (Jsitva@ac¡.pt)
Fotografia de José Miguel Figueiredo

Tradição de três séculos



À semelhança das majestosas chaminés do Paço Real e da silhueta altiva do Palácio da Pena, o secular Lawrence's, morada efémera de Byron, Beckford ou Eça de Queiroz, é um dos mais persistentes ex-líbris de Sintra.

[...] Chegavam às primeiras casas de Sintra, havia já verduras na estrada a batia-lhes no rosto o primeiro sopro forte a fresco da serra. E, a passo, o breque foi penetrando sob as árvores do Ramalhão. Com a paz das grandes sombras, envolvia-os pouco a pouco uma lenta e embaladora sussurração de ramagens a como o difuso a vago murmúrio de águas correntes. Os muros estavam cobertos de heras a de musgos: através da folhagem, faiscavam longas flechas de sol. Um ar subtil a aveludado circulava, rescendendo às verduras novas; aqui e além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; a naquele simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas do sol, sentia-se já, sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso fidalgo das quintas de Verão... Cruges respirava largamente, voluptuosamente. - A Lawrence onde é? Na serra? - perguntou ele, com a ideia repentina de ficar ali um mês naquele paraíso. [...] - in Os Maias, Eça de Queiroz

Em actividade desde 1764, o Lawrence's é o mais antigo hotel da Península Ibérica e uma das mais antigas hospedarias da Europa. A escassa distancia do centro da vila a da imponência da serra, colheu nome dos proprietários originais, a família inglesa Lawrence Oram, a manteve-se aberto ao público durante quase três séculos. Dirigido, a partir de 1850, por Jane Lawrence Oram, personagem imortalizada em Os Maias, viria porém a alcançar maior a mais justa nomeada nos idos do século passado, mercê do requinte no trato a do apuro na ambiência. Hospedou William Beckford, foi cenário recorrente nas obras de Eça de Queiroz (ofereceu, por exemplo, décor aos transportes incestuosos de Carlos da Maia a Maria Eduarda), proporcionou pasto a abrigo a Eça, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato a outras figuras gradas da literatura portuguesa. Segundo reza a legenda, foi nos aposentos do Lawrence's que Lord Byron terá escrito, no Verão de 1809, Childe Harold's Pilgrimage, a famosa elegia ao Éden glorioso, divisa secular a coroa de glória desta vila-património.


Um cenário nostálgico



A história centenária do pequeno-grande hotel da rua Consiglieri Pedroso tem sido, porém, atribulada. Finda a gerência de Jane Lawrence Oram, o hotel foi adquirido, em 1850, por Duran, cidadão britânico, que o rebaptizou de Hospedaria Inglesa. Décadas volvidas, nova transferência de propriedade. O comprador foi, dessa feita, Miguel Gallway. Empreendedor, o novo proprietário decide ampliar o edifício, cedendo uma parcela para a instalação de uma pastelaria. Aí se fabricaram os primeiros pastéis de feijão (1900) e, ao que consta, também as primeiras queijadas.

Em 1949, o antigo Lawrence's foi tomado de trespasse pela checoslovaca Maria Janavcova. Recebeu então nova denominação, ressurgindo efemeramente como Estalagem dos Cavaleiros. Encerrado em 1961, conheceu o abandono durante três décadas. Sem telhado e de paredes esboroadas, esteve à beira da ruína, aparentemente condenado a um estertor inglório,

Até que, 235 anos depois da sua abertura, o velho Lawrence's voltou, enfim, a renascer das cinzas, por iniciativa, agora, de um casal holandês. Experimentados na hotelaria em Inglaterra, onde exerceram no conceituado grupo Savoy, a apaixonados de há muito por Portugal, Willem a Coreen Bos decidiram, seduzidos pela amenidade do clima, radicar-se em definitivo entre nós, escolhendo abrir uma unidade hoteleira na região de Sintra. A Várzea de Sintra foi, de início, a localização escolhida. Alertados, porém, pelo arquitecto português com quem haviam estabelecido contacto, Tiago Braddell, para a existência em pleno núcleo histórico de Sintra dos vestígios arruinados do velho Lawrence's, ensaiaram uma primeira visita. Acto contínuo, deixaram-se conquistar, como recorda Willem Bos, pelo sortilégio do edifício a pelo deslumbre da paisagem envolvente: "Não queríamos um hotel convencional. Queríamos um hotel/casa, de estilo diferente. Quando entrámos neste edifício, completamente destruido, sentimos que era diferente de todos os outros. Soubemos depois que era o mais antigo hotel de Portugal. Então, falámos, pensámos, e. .. decidimos comprá-lo."


Excelência no serviço



Uma reconstituição fiel.
Apostados em converter num ilhéu de excelência, chancelado a cinco estrelas, uma jóia intemporal da hotelaria portuguesa, não hesitaram em consagrar toda uma década ao trabalho de restauro a renovação. Sanadas vicissitudes várias, a reabertura, há muito ansiada, teve, enfim, lugar em Maio de 1999.

O projecto de recuperação do Lawrence's começou a esboçar-se em 1989. A aventura, marcada por atribulações várias, só conheceria desfecho dez anos volvidos e despendidos 400 mil contos repartidos em capitais próprios, subvenções do Fundo de Turismo e adiantamentos contraídos por empréstimo bancário. Desentendimentos com o empreiteiro inicialmente contratado e o alcance da intervenção, que obrigou à ampliação do edifício e a refazer na íntegra o miolo interno da construção, justificam a invulgar morosidade da empreitada. O projecto de recuperação, a cargo de Tiago Braddell, visou devolver à unidade centenária o esplendor, o conforto e o singular apelo retro dos seus tempos áureos.


Reencontrar o esplendor



Mantidas, até por exigências decorrentes do estatuto conferido a Sintra pela UNESCO, o de Vila/ Património da Humanidade, as paredes exteriores a as volumetrias essenciais do edifício, o essencial da intervenção centrou-se nos indispensáveis benefícios estruturais - aos três pisos do edifício original foram acrescentados, sem prejuízo da fachada, um piso superior a um piso inferior, que obrigou à remoção de 800 camiões de pedra - e nos arranjos interiores.

Antes de iniciar as obras, foram esmiuçados ao pormenor, durante um ano, todos os registos documentais, referentes ao hotel, constantes dos arquivos da Câmara. Na reconstrução a posterior guarnição do edifício procurou-se respeitar o mais possível os materiais, a compartimentação, o mobiliário, os acabamentos do retiro original. As madeiras são omnipresentes. A tijoleira, dita de terceira classe, procura assemelhar-se ao revestimento-padrão da época. E até as toalhas e guardanapos foram executados segundo os modelos originais. Inicialmente supervisionada por Maria Aura Troçolo, responsável pela paleta de cores a pelas orientações gerais do projecto, a intervenção decorativa viria a ser, por indisponibilidade da decoradora, assumida por Coreen Bos. Coube-lhe a escolha dos materiais, têxteis a motivos e ainda a selecção de muitos dos acessórios, adquiridos em feiras de antiguidades, na Europa.



Suite Lord Byron.
Nesta segunda existência, o Lawrence's passou a dispor de 16 quartos, dos quais cinco suítes, repartidos em 1.963 metros quadrados de área total. Aliando ao rigor revivalista, patente nas bucólicas soluções decorativas a nas múltiplas guarnições de inspiração romântica, as benesses tecnológicas mais recentes, todas as unidades dispõem de ar condicionado, conexäo à Internet, pré-equipamento para conferência via satélite e o mais avançado sistema de detecção de incêndios. Na identificação dos quartos prescindiu-se dos números. Agora, os aposentos foram apropriadamente baptizados a decorados em tributo aos panoramas envolventes a aos seus hóspedes mais insignes, como, por exemplo Lord Byron, William Beckford, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Éden, Monte da Lua ou Bela Vista. Servido, no mais, por áreas comuns generosas, o hotel reserva a hóspedes e visitantes uma biblioteca, um bar, diversas salas de estar, uma sala de reuniões, e, sobretudo, um cuidado espaço de restauração, caprichosamente recortado na rocha da cave. Servido por terraço a implantado em situação panorâmica, o restaurante pode acolher cerca de 120 pessoas. Oferece uma cuidada selecção da moderna gastronomia portuguesa e propõe, a hóspedes a visitantes, uma nutrida carta com 150 vinhos de produção nacional, criteriosamente orientada pelo Mâitre D' Francisco Alves, escanção experiente que também tem a seu cargo as duas adegas do hotel, uma de vinhos tintos a outra consagrada aos Vinhos do Porto. A aposta na restauração é, aliás, a pedra basilar do Lawrence's renovado. Tanto que o novo proprietário prefere não se the referir como hotel. Para Willlem Bos, o novo Lawrence's, jóia da oferta hoteleira sintrense, é, antes de mais, "um restaurante com quartos".

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