A nata dos colunistas da Folha se mobilizou para responder aos comentários anti-Lula que surgiram na internet com a divulgação de que o ex-presidente tem câncer. Gilberto Dimenstein, Clóvis Rossi, Elio Gaspari, Eliane Cantanhêde, Hélio Schwartsman, Ricardo Melo e Barbara Gancia escreveram a respeito na semana que passou.
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de Cotidiano.
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ESGOTO ,NO CASO, OS LEITORES DA FOLHA
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de Cotidiano.
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Segunda-feira, 16.08.10
Correio Braziliense
Matemática do desperdício na Saúde
HELENA MADER
Em julho, o GDF decidiu alugar 12 máquinas para filtrarem o sangue de doentes renais em UTIs. Com os R$ 29 milhões do contrato, seria possível comprar 410 equipamentos.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal fechou um contrato de R$ 29 milhões para alugar 12 máquinas de hemodiálise para UTIs da rede pública — valor suficiente para comprar mais de 410 equipamentos. Os termos do contrato de locação, válido por 24 meses, foram publicados no Diário Oficial do DF de 26 de julho deste ano (veja fac-símile). Além do aluguel dos aparelhos, usados para filtrar o sangue de doentes renais, o acordo prevê o fornecimento de kits de bolsas efluentes, também usadas durante a hemodiálise. O governo informou que já está realizando uma auditoria nesse contrato e garantiu que suspendeu o negócio até o fim das análises técnicas.
Especialistas e pacientes que dependem do tratamento criticam o gasto alto com a locação e defendem a compra de novas máquinas, já que hoje faltam equipamentos desse tipo nos hospitais públicos. Os 1,2 mil doentes renais do DF que precisam da hemodiálise para sobreviver enfrentam dificuldades de acesso ao tratamento na rede pública.
É comum os pacientes terem que dividir o horário destinado à filtragem do sangue por conta da falta de máquinas. Em vez de permanecer ligada ao aparelho durante quatro horas, cada pessoa passa apenas duas horas em tratamento para que ninguém fique sem hemodiálise. Esse processo é essencial para a vida dos doentes renais, já que, sem a retirada de toxinas do sangue, o paciente pode morrer em um curto espaço de tempo.
O processo para locação das máquinas começou a ser feito no ano passado. Logo depois da elaboração do edital de licitação, o Tribunal de Contas do Distrito Federal pediu explicações. Os conselheiros do TCDF queriam saber por que o GDF optou pelo aluguel, em vez de comprar as máquinas. “Tendo em conta que o objeto licitado possui natureza jurídica de locação de bens, caberá à Secretaria de Saúde apresentar estudos que comprovem a vantagem da opção adotada em detrimento da aquisição dos bens”, diz trecho do relatório do conselheiro responsável pela análise do contrato, Jorge Caetano, apresentado em dezembro do ano passado.
Em maio deste ano, o TCDF reiterou o pedido de informações à Secretaria de Saúde. Mas o GDF não apresentou justificativas para alugar, em vez de comprar os equipamentos. Os conselheiros também questionaram o alto valor do contrato. “Determino à Secretaria de Estado de Saúde que, no prazo de 90 dias, comprove a adequação dos valores referidos no procedimento licitatório com os correspondentes no mercado”, indica trecho da decisão do Tribunal de Contas. As determinações do TCDF não foram seguidas e, ainda assim, o contrato foi assinado em julho deste ano.
Aparelho diferente
Pelo negócio, a empresa teria que equipar as UTIs com máquinas para hemodiálise. Esses aparelhos necessários nas unidades de terapia intensiva são diferentes daqueles usados rotineiramente pelos doentes renais. Na UTI, o tratamento completo dura 72 horas, enquanto a hemodiálise convencional, realizada pelos renais crônicos, é feita em quatro horas. A demanda por tratamento nas UTIs não é grande. No Hospital de Base, por exemplo, existe uma máquina modelo Prisma, uma das mais modernas do mercado, mas ela não é usada por falta de pessoal capacitado para operá-la e também por conta da baixa demanda por esse tipo de tratamento nas UTIs. Além de caro, o contrato para locação de máquinas especificamente para as unidades de tratamento intensivo também é desnecessário, segundo especialistas consultados pelo Correio.
Falta pessoal
O nefrologista Marcelo Lodônio, vice-presidente da Sociedade Brasiliense de Nefrologia e médico do Hospital de Base, acredita que não há necessidade de equipar todas as unidades . “A maioria das UTIs da rede pública nem sequer tem nefrologista para operar essas máquinas de hemodiálise. E não existe demanda para colocar aparelhos em todas as UTIs. Se a Secretaria de Saúde instalar esse número grande de equipamentos, provavelmente a maioria vai ficar encostada”, garante o especialista. “As máquinas que estão querendo alugar são boas, não questiono a qualidade. Mas os valores são questionáveis e, além disso, não adianta instalar sem ter quem opere. É como ter um carro caro sem sequer ter carteira de motorista”, compara Lodônio.
O presidente da Associação dos Doentes Renais do DF, Carlos Alberto Rosa, critica o pagamento de R$ 29 milhões para o aluguel de equipamentos. “Com todo esse dinheiro, daria para comprar centenas de máquinas e acabar de vez com as nossas dificuldades para fazer hemodiálise. É um desrespeito com os pacientes fazer um contrato com valores astronômicos como esse enquanto tem gente morrendo por falta de tratamento de verdade”, critica Carlos Alberto.
Ele recebeu um novo rim em 1999, mas perdeu novamente as funções do órgão pouco tempo depois, por conta de uma infecção. Voltou a se submeter às longas e dolorosas sessões de hemodiálise. “A gente luta para fortalecer a rede pública. Hoje, 90% dos renais fazem tratamento em clínicas particulares. Com esses R$ 29 milhões, o governo poderia equipar os hospitais públicos, onde hoje faltam aparelhos”, afirma Carlos Alberto Rosa.
Suspenso, acordo será auditado
O secretário Extraordinário de Logística e Infraestrutura de Saúde, Herbert Teixeira Cavalcanti, explica que o contrato foi assinado em julho e, poucos dias depois, o processo foi paralisado. “Assinei o contrato porque não havia nenhum questionamento da nossa assessoria jurídica e o processo havia tramitado no Tribunal de Contas. Mas, logo depois, revendo as planilhas, estranhei os valores altos. Determinei imediatamente a realização de uma auditoria nesse processo”, afirma Herbert.
O secretário garante que nenhum repasse foi feito até agora. “Determinei a devolução de todos os kits e aparelhos e suspendi um treinamento de funcionários que seria ministrado na última quinta-feira. O contrato ficará suspenso temporariamente até o fim da auditoria. Se ficar comprovada alguma irregularidade, vamos cancelar definitivamente e indicar os responsáveis”, afirma Herbert. “É preciso aguardar o trâmite legal. Mas posso adiantar que o processo não deve seguir em frente”, finaliza o secretário. (HM)
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Lula termina primeira fase do tratamento contra o câncer
SAÚDE DE LULA
O lado canalha do país
Por Ricardo Kotscho em 02/11/2011 na edição 666
Reproduzido do blog do autor, 1/11/11; título original “Câncer de Lula expõe lado canalha do país”
Ao voltar a São Paulo na noite de segunda-feira (31/10), após passar
três dias mergulhado na Bienal Internacional do Livro de Alagoas, fiquei
perplexo quando abri o computador e os jornais para ler o que andaram
escrevendo a respeito da doença do ex-presidente Lula.
É inacreditável, revoltante, repugnante o comportamento de quem se
aproveita deste momento delicado na vida dele para atacar o seu governo,
encerrado com os maiores índices de aprovação de um presidente da
República na história política brasileira.
Não me refiro apenas aos internautas doentes que frequentam as redes
sociais, inclusive este blog, de onde são sumariamente deletados, mas
insistem em enviar seus comentários carregados de ódio, preconceito e
desrespeito pelos que pensam diferente.
Eles apenas refletem a onda, repetindo até com as mesmas palavras, o
processo de radicalização que se espalhou pelo país no segundo turno da
campanha eleitoral do ano passado, quando boa parte da grande imprensa
deu tempo e espaço para colunistas e blogueiros encarregados de
desconstruir a imagem de Lula e seu governo.
O mesmo discurso
O outro lado desta estupidez vimos na segunda-feira, quando a repórter
Monalisa Perrone, da Rede Globo, foi agredida na entrada do Hospital
Sírio-Libanês por dois cafajestes que se diziam de um movimento chamado
Merd TV.
A culpa não é da internet, como agora denunciam alguns dos que
participaram desta campanha sórdida ao descobrir que seus seguidores
foram longe demais no desrespeito à figura humana do ex-presidente.
Mandar Lula se tratar no SUS e culpar o paciente pela sua doença é
apenas um pretexto para despejar a saraivada de ofensas e grosserias,
que não são de hoje, mas ganharam proporções alarmantes nos últimos
dias.
Tenho o hábito de ler a área de comentários dos grandes portais e fico
pensando se não tem ninguém nestas empresas capaz de dar um basta a este
esgoto que corre a céu aberto nas chamadas redes sociais. Custa tanto
fazer moderação dos comentários que muitas vezes repetem, com expressões
mais chulas, o que o próprio blogueiro escreveu?
Recuso-me a citar os nomes desses canalhas, que nunca foram nem serão
publicados neste Balaio. São famosos em seus nichos de mercado, não
precisam da minha publicidade.
Lembro-me quando a direção do portal iG me pediu para passar a fazer a
moderação dos comentários porque a baixaria já era grande, uns três anos
atrás. De lá para cá, só piorou.
Muitos me acusaram de fazer censura aos leitores, como até hoje as
entidades representativas dos barões da mídia gritam que estão querendo
acabar com a liberdade de imprensa cada vez que se discute qualquer
regulamentação para esta atividade econômica.
“Diante do tom agressivo de alguns leitores, a Folha.com chegou a
suspender temporariamente os comentários em reportagens publicadas no
fim de semana”, informa o jornal em sua edição de terça-feira (1/11).
Por que só agora?
No “Painel do leitor” da mesma edição, o leitor Luiz Eduardo Horta
resume o pensamento de tantos outros, inclusive de colunistas deste
jornal: “Lula daria grande prova de amor ao Brasil se, como um mártir,
recorresse ao SUS para tratar-se do câncer que o acomete (...)”.
Escreveram as mesmas coisas quando começou o calvário do
ex-vice-presidente José Alencar, falecido este ano.
Conheço esses tipos, muito comuns nos meios que frequento. São os
mesmos que se orgulham de sonegar impostos, negando-se a contribuir com
os recursos que faltam para melhorar a saúde pública, e até hoje
criticam o Bolsa Família.
Ovo e a galinha
A interatividade é a grande riqueza da internet e deve ser preservada.
Viramos todos emissores e receptores de informações e opiniões. Por isso
mesmo, esta conquista deve ser preservada, removendo-se o lixo que
invade as áreas de comentários, em respeito aos leitores que fazem delas
importante instrumento de participação democrática.
Já escrevi isto muitas vezes desde que comecei a trabalhar na
blogosfera, e os leitores são testemunhas do cuidado que dedico ao blog.
Faço pessoalmente a moderação dos comentários e procuro ser o mais
democrático possível com as opiniões contrárias às minhas, mas perde seu
tempo quem continua mandando mensagens calhordas que não respeitam a
dignidade alheia. Aqui, não passam.
No caso de Lula, muitos leitores e amigos me escreveram e ligaram
pedindo mais informações sobre a doença dele, mas não tinha o que
acrescentar ao que toda a imprensa vem publicando desde a descoberta do
câncer no sábado.
Por ordem dele mesmo, os médicos que cuidam do ex-presidente estão
dando diariamente todas as informações sobre a doença e o tratamento do
tumor na laringe.
Melhoramos nos últimos anos em quase todas as áreas da vida nacional,
recuperamos a autoestima e conquistamos o respeito de outros países, mas
a doença de Lula expõe o lado canalha que ainda sobrevive no país, uma
gente que não aprende, não perdoa e não se conforma de ter perdido o
poder. Para mim, é muito triste constatar isso.
Gostaria de só falar das coisas boas, como Maceió receber quase 200 mil
visitantes na sua bienal do livro, graças à dedicação da sua
organizadora, a incansável Sheila Maluf.
É a história do ovo e da galinha. A internet é apenas um moderno
instrumento tecnológico para servir à comunicação humana, assim como a
televisão, o rádio, o celular. Não é responsável pelo mau uso que muitos
ainda fazem dela.
Segunda-feira, 16.08.10
Correio Braziliense
Matemática do desperdício na Saúde
HELENA MADER
Em julho, o GDF decidiu alugar 12 máquinas para filtrarem o sangue de doentes renais em UTIs. Com os R$ 29 milhões do contrato, seria possível comprar 410 equipamentos.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal fechou um contrato de R$ 29 milhões para alugar 12 máquinas de hemodiálise para UTIs da rede pública — valor suficiente para comprar mais de 410 equipamentos. Os termos do contrato de locação, válido por 24 meses, foram publicados no Diário Oficial do DF de 26 de julho deste ano (veja fac-símile). Além do aluguel dos aparelhos, usados para filtrar o sangue de doentes renais, o acordo prevê o fornecimento de kits de bolsas efluentes, também usadas durante a hemodiálise. O governo informou que já está realizando uma auditoria nesse contrato e garantiu que suspendeu o negócio até o fim das análises técnicas.
Especialistas e pacientes que dependem do tratamento criticam o gasto alto com a locação e defendem a compra de novas máquinas, já que hoje faltam equipamentos desse tipo nos hospitais públicos. Os 1,2 mil doentes renais do DF que precisam da hemodiálise para sobreviver enfrentam dificuldades de acesso ao tratamento na rede pública.
É comum os pacientes terem que dividir o horário destinado à filtragem do sangue por conta da falta de máquinas. Em vez de permanecer ligada ao aparelho durante quatro horas, cada pessoa passa apenas duas horas em tratamento para que ninguém fique sem hemodiálise. Esse processo é essencial para a vida dos doentes renais, já que, sem a retirada de toxinas do sangue, o paciente pode morrer em um curto espaço de tempo.
O processo para locação das máquinas começou a ser feito no ano passado. Logo depois da elaboração do edital de licitação, o Tribunal de Contas do Distrito Federal pediu explicações. Os conselheiros do TCDF queriam saber por que o GDF optou pelo aluguel, em vez de comprar as máquinas. “Tendo em conta que o objeto licitado possui natureza jurídica de locação de bens, caberá à Secretaria de Saúde apresentar estudos que comprovem a vantagem da opção adotada em detrimento da aquisição dos bens”, diz trecho do relatório do conselheiro responsável pela análise do contrato, Jorge Caetano, apresentado em dezembro do ano passado.
Em maio deste ano, o TCDF reiterou o pedido de informações à Secretaria de Saúde. Mas o GDF não apresentou justificativas para alugar, em vez de comprar os equipamentos. Os conselheiros também questionaram o alto valor do contrato. “Determino à Secretaria de Estado de Saúde que, no prazo de 90 dias, comprove a adequação dos valores referidos no procedimento licitatório com os correspondentes no mercado”, indica trecho da decisão do Tribunal de Contas. As determinações do TCDF não foram seguidas e, ainda assim, o contrato foi assinado em julho deste ano.
Aparelho diferente
Pelo negócio, a empresa teria que equipar as UTIs com máquinas para hemodiálise. Esses aparelhos necessários nas unidades de terapia intensiva são diferentes daqueles usados rotineiramente pelos doentes renais. Na UTI, o tratamento completo dura 72 horas, enquanto a hemodiálise convencional, realizada pelos renais crônicos, é feita em quatro horas. A demanda por tratamento nas UTIs não é grande. No Hospital de Base, por exemplo, existe uma máquina modelo Prisma, uma das mais modernas do mercado, mas ela não é usada por falta de pessoal capacitado para operá-la e também por conta da baixa demanda por esse tipo de tratamento nas UTIs. Além de caro, o contrato para locação de máquinas especificamente para as unidades de tratamento intensivo também é desnecessário, segundo especialistas consultados pelo Correio.
Falta pessoal
O nefrologista Marcelo Lodônio, vice-presidente da Sociedade Brasiliense de Nefrologia e médico do Hospital de Base, acredita que não há necessidade de equipar todas as unidades . “A maioria das UTIs da rede pública nem sequer tem nefrologista para operar essas máquinas de hemodiálise. E não existe demanda para colocar aparelhos em todas as UTIs. Se a Secretaria de Saúde instalar esse número grande de equipamentos, provavelmente a maioria vai ficar encostada”, garante o especialista. “As máquinas que estão querendo alugar são boas, não questiono a qualidade. Mas os valores são questionáveis e, além disso, não adianta instalar sem ter quem opere. É como ter um carro caro sem sequer ter carteira de motorista”, compara Lodônio.
O presidente da Associação dos Doentes Renais do DF, Carlos Alberto Rosa, critica o pagamento de R$ 29 milhões para o aluguel de equipamentos. “Com todo esse dinheiro, daria para comprar centenas de máquinas e acabar de vez com as nossas dificuldades para fazer hemodiálise. É um desrespeito com os pacientes fazer um contrato com valores astronômicos como esse enquanto tem gente morrendo por falta de tratamento de verdade”, critica Carlos Alberto.
Ele recebeu um novo rim em 1999, mas perdeu novamente as funções do órgão pouco tempo depois, por conta de uma infecção. Voltou a se submeter às longas e dolorosas sessões de hemodiálise. “A gente luta para fortalecer a rede pública. Hoje, 90% dos renais fazem tratamento em clínicas particulares. Com esses R$ 29 milhões, o governo poderia equipar os hospitais públicos, onde hoje faltam aparelhos”, afirma Carlos Alberto Rosa.
Suspenso, acordo será auditado
O secretário Extraordinário de Logística e Infraestrutura de Saúde, Herbert Teixeira Cavalcanti, explica que o contrato foi assinado em julho e, poucos dias depois, o processo foi paralisado. “Assinei o contrato porque não havia nenhum questionamento da nossa assessoria jurídica e o processo havia tramitado no Tribunal de Contas. Mas, logo depois, revendo as planilhas, estranhei os valores altos. Determinei imediatamente a realização de uma auditoria nesse processo”, afirma Herbert.
O secretário garante que nenhum repasse foi feito até agora. “Determinei a devolução de todos os kits e aparelhos e suspendi um treinamento de funcionários que seria ministrado na última quinta-feira. O contrato ficará suspenso temporariamente até o fim da auditoria. Se ficar comprovada alguma irregularidade, vamos cancelar definitivamente e indicar os responsáveis”, afirma Herbert. “É preciso aguardar o trâmite legal. Mas posso adiantar que o processo não deve seguir em frente”, finaliza o secretário. (HM)
O que não sai nos jornais
Por Luciano Martins Costa em 04/11/2011 na edição 666
Comentário para o programa radiofônico do OI, 4/11/2011
As imagens das manifestações dos “indignados” voltam aos jornais nas edições de sexta-feira (4/11). Na Folha de S.Paulo,
é a principal fotografia da primeira página, tendo logo abaixo uma
imagem dos estudantes que ocupam a reitoria da Universidade de São
Paulo. Não se pode acusar a Folha de estar forçando uma
comparação entre os dois acontecimentos, mas não há muitas outras
maneiras de ler essa escolha editorial, principalmente porque as duas
fotos são unidas pela legenda: “protesto lá” e “protesto cá”.
Aos outros grandes jornais não ocorreu fazer essa correlação, mesmo porque não há uma ligação direta entre eles: os protestos que começaram com o movimento “Ocupe Wall Street” têm como objeto questionar o sistema econômico e exigir das autoridades o fim de privilégios para o capital especulativo. Na USP, o que acontece é que um pequeno grupo de estudantes afiliados a tendências políticas sem contornos ideológicos definidos tenta pela força fazer retroceder uma decisão tomada democraticamente em assembléia.
Comparar os dois acontecimentos é tentar minimizar um dos fatos sociais mais importantes deste século – a revolta dos cidadãos nos países desenvolvidos contra os desvios do capitalismo.
Quadro claro
No caso das manifestações globais, a imprensa não tem condições de fazer a cobertura mais ampla e noticia pontualmente os fatos conforme eles se tornam mais agudos. Nas edições de sexta-feira (4), por exemplo, os acontecimentos e as imagens que chamam mais atenção ocorreram no porto de Oakland, Califórnia, onde houve depredações e uma ação violenta da polícia.
Os jornais brasileiros acompanham o noticiário das agências internacionais de notícias, mesmo porque não haveria como manter correspondentes ou enviados especiais em todos os lugares onde os cidadãos se concentram para manifestar sua indignação. Ainda assim, mesmo com os protestos espalhados por um grande número de cidades – a imprensa cita entre 900 e mil cidades em uma centena de países –, é possível identificar uma linha causal para essas manifestações.
É o mal-estar na globalização. Os cidadãos comuns, aqueles que precisam batalhar diariamente para manter seu bem-estar e assegurar uma vida digna para seus descendentes, percebem que boa parte de seus esforços é desviada para fazer o lucro de uma minoria de privilegiados.
Embora pareça um pouco genérica a afirmação, publicada pelos jornais, de que os “indignados” repudiam um sistema financeiro que, acreditam, beneficia principalmente as grandes corporações, é possível pintar um quadro bastante claro dessa percepção generalizada.
A culpa é dos gregos?
Quem acompanha os movimentos de protesto através das redes sociais tem acesso a muitos documentos que circulam entre as centenas de milhares de manifestantes e os milhões de cidadãos em todo o mundo que os apoiam. Alguns desses textos, como o artigo da ativista política americana Naomi Wolf, publicado na sexta-feira (4) pelo Estado de S.Paulo, são muito esclarecedores.
Uma das porta-vozes do “Ocupe Wall Street”, Naomi Wolf acusa os políticos americanos de se haverem desviado da democracia e afirma que as grandes doações de bancos – como o JP Morgan – a entidades policiais dos Estados Unidos têm estimulado as forças de segurança a aumentar a repressão contra os manifestantes.
A afirmação de que os protestos contra o sistema financeiro global são genéricos demais para serem definidos em material jornalístico não tem fundamento. Na organização das manifestações há cientistas de várias especialidades, escritores e jornalistas habituados a análises complexas da economia e da política. Eles fazem circular resumos de pesquisas sobre o estado do mundo que não se encontram nas páginas dos jornais.
Entre os documentos que circulam nas redes sociais destaca-se um estudo dos matemáticos James Glattfelder, Stefano Battiston e Stefania Vitali, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos (ver aqui o original em inglês e aqui a referência em português), demonstrando que a economia global é dominada por um grupo restrito de corporações – exatamente 147 companhias intimamente relacionadas, a maioria bancos – que controlam 40% de uma rede de 1.318 outras empresas.
Essa rede detém a maioria das ações das principais companhias do mundo, responsáveis por 60% das vendas na economia real de todo o mercado global.
Trata-se da primeira investigação sobre a arquitetura da rede internacional de donos do poder econômico, com a análise computacional da parcela de poder de cada um desses controladores. O estudo mostra como a estrutura do chamado “mercado” afeta a competição global, provoca instabilidades e transforma governos em reféns.
Evidentemente, esse quadro não está nem estará presente nas páginas da imprensa tradicional. Para os jornais, a culpa é dos gregos.
Aos outros grandes jornais não ocorreu fazer essa correlação, mesmo porque não há uma ligação direta entre eles: os protestos que começaram com o movimento “Ocupe Wall Street” têm como objeto questionar o sistema econômico e exigir das autoridades o fim de privilégios para o capital especulativo. Na USP, o que acontece é que um pequeno grupo de estudantes afiliados a tendências políticas sem contornos ideológicos definidos tenta pela força fazer retroceder uma decisão tomada democraticamente em assembléia.
Comparar os dois acontecimentos é tentar minimizar um dos fatos sociais mais importantes deste século – a revolta dos cidadãos nos países desenvolvidos contra os desvios do capitalismo.
Quadro claro
No caso das manifestações globais, a imprensa não tem condições de fazer a cobertura mais ampla e noticia pontualmente os fatos conforme eles se tornam mais agudos. Nas edições de sexta-feira (4), por exemplo, os acontecimentos e as imagens que chamam mais atenção ocorreram no porto de Oakland, Califórnia, onde houve depredações e uma ação violenta da polícia.
Os jornais brasileiros acompanham o noticiário das agências internacionais de notícias, mesmo porque não haveria como manter correspondentes ou enviados especiais em todos os lugares onde os cidadãos se concentram para manifestar sua indignação. Ainda assim, mesmo com os protestos espalhados por um grande número de cidades – a imprensa cita entre 900 e mil cidades em uma centena de países –, é possível identificar uma linha causal para essas manifestações.
É o mal-estar na globalização. Os cidadãos comuns, aqueles que precisam batalhar diariamente para manter seu bem-estar e assegurar uma vida digna para seus descendentes, percebem que boa parte de seus esforços é desviada para fazer o lucro de uma minoria de privilegiados.
Embora pareça um pouco genérica a afirmação, publicada pelos jornais, de que os “indignados” repudiam um sistema financeiro que, acreditam, beneficia principalmente as grandes corporações, é possível pintar um quadro bastante claro dessa percepção generalizada.
A culpa é dos gregos?
Quem acompanha os movimentos de protesto através das redes sociais tem acesso a muitos documentos que circulam entre as centenas de milhares de manifestantes e os milhões de cidadãos em todo o mundo que os apoiam. Alguns desses textos, como o artigo da ativista política americana Naomi Wolf, publicado na sexta-feira (4) pelo Estado de S.Paulo, são muito esclarecedores.
Uma das porta-vozes do “Ocupe Wall Street”, Naomi Wolf acusa os políticos americanos de se haverem desviado da democracia e afirma que as grandes doações de bancos – como o JP Morgan – a entidades policiais dos Estados Unidos têm estimulado as forças de segurança a aumentar a repressão contra os manifestantes.
A afirmação de que os protestos contra o sistema financeiro global são genéricos demais para serem definidos em material jornalístico não tem fundamento. Na organização das manifestações há cientistas de várias especialidades, escritores e jornalistas habituados a análises complexas da economia e da política. Eles fazem circular resumos de pesquisas sobre o estado do mundo que não se encontram nas páginas dos jornais.
Entre os documentos que circulam nas redes sociais destaca-se um estudo dos matemáticos James Glattfelder, Stefano Battiston e Stefania Vitali, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos (ver aqui o original em inglês e aqui a referência em português), demonstrando que a economia global é dominada por um grupo restrito de corporações – exatamente 147 companhias intimamente relacionadas, a maioria bancos – que controlam 40% de uma rede de 1.318 outras empresas.
Essa rede detém a maioria das ações das principais companhias do mundo, responsáveis por 60% das vendas na economia real de todo o mercado global.
Trata-se da primeira investigação sobre a arquitetura da rede internacional de donos do poder econômico, com a análise computacional da parcela de poder de cada um desses controladores. O estudo mostra como a estrutura do chamado “mercado” afeta a competição global, provoca instabilidades e transforma governos em reféns.
Evidentemente, esse quadro não está nem estará presente nas páginas da imprensa tradicional. Para os jornais, a culpa é dos gregos.
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