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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Caso Evandro : O acusador

www.parana-online.

Mara Cornelsen

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Arquivo
Diógenes conta que tem medo de esquecer detalhes do caso com o passar do tempo. Por isso escreveu um livro.

Talvez o personagem mais emblemático de toda esta história seja mesmo Diógenes Caetano dos Santos, o engenheiro civil de 54 anos, que já fez de tudo um pouco na vida e foi policial civil. Morando em Guaratuba, possui na saída para Garuva um jeitoso e bem decorado escritório, onde desenvolve seus projetos. Carismático, fala muito rapidamente, disparando dezenas de palavras por segundo, em pensamentos coerentes e lógicos. É difícil discutir com ele. Para toda pergunta tem uma resposta rápida, uma explicação plausível.

Ele sabe que muita gente o considera um “psicopata com muita sede de vingança” e capaz de ter sido o matador de Evandro. Sinaliza com a cabeça e sorri: “Sei muito bem de tudo isso, mas não me incomodo. Acho que fiz o que tinha que fazer. Coube a mim denunciar toda esta trama diabólica, procurar colocar os culpados na cadeia. Fiz o papel que tinha que fazer”, garante, sem qualquer sombra de arrependimento ou dúvida com relação às suas atitudes.

Diógenes, primo do menino morto chegou a escrever um livro sobre o assunto, publicado com a ajuda de uma igreja evangélica. Recebe sete por cento do total da venda do livro e o restante doa para a instituição. Exibe o livro da história de Evando ao lado de “Grande Sertões Veredas” que diz ser seu livro de cabeceira. Não resta dúvida de que é um homem inteligente e de grande poder de convencimento, tanto que, baseando-se apenas em suas denúncias, a Justiça mandou a júri as sete pessoas que ele indicou como sendo os matadores do menino e acreditou na versão de que o garoto foi assassinado com requintes de crueldade em um ritual de magia negra.

Diógenes relata que tinha desavenças políticas com Aldo Abagge, porque não concordava com atitudes que a Prefeitura estava tomando na época (1992) que iriam colocar Guaratuba em desvantagem diante de outras cidades do litoral, principalmente Matinhos. Protestava e queria ser ouvido, mas não o deixavam nem entrar na Câmara Municipal. Por isso passou a escrever panfletos com textos longos e citações bíblicas, para alertar os guaratubanos que “iriam sofrer com as besteiras da prefeitura”. “Levei cinco processos por causa dos meus panfletos e fui absolvido em todos”, garante.

Ele também relata em detalhes mínimos o caso que Celina teria tido com seu pai, o que teria provocado a separação do casal. Celina Abagge nega com veemência e atribui a história à “mente doentia de Diógenes”. “Na época eu sofria com isso, hoje já não mais. Também não tenho raiva de ninguém”, assegura ele.

Diógenes passou a suspeitar de Marceneiro e seus amigos quando ocorreu o desaparecimento de Evandro e o suposto pai de santo disse que outras crianças iriam desaparecer. “Ele era um vigarista que queria se promover a qualquer custo. Na noite do sumiço eles foram ajudar nas buscas e levaram os tios do menino até próximo de onde foi encontrado o cadáver cinco dias depois. Eles sabiam do local e queriam tirar proveito desta morte, ficar famosos com as previsões, mas eu os desmascarei”.

Diógenes elenca tantas acusações contra o grupo que é quase impossível terminar a conversa sem que se saia com a sensação de que pelo menos em algumas coisas ele pode ter razão. No livro, feito uma metralhadora giratória, denuncia conchavos para desmascará-lo, narra dramas com falta de trabalho já que seus projetos nunca eram aprovados na Prefeitura por causa das denúncias que fez, revela que passou necessidade financeira, acusa jornais e emissora de televisão de montarem farsas para salvar as Abagge, mas não arreda o pé, confirmando do começo ao fim tudo o que falou há quase duas décadas.

“Hoje vivo bem, com a consciência tranqüila. Coloco a cabeça no travesseiro e durmo em paz!”, garante.

Outro livro


A jornalista Vânia Mara Welt ganhou Prêmio Esso regional (láurea do jornalismo brasileiro) com uma série de matérias sobre o caso para o jornal Hora H. Contrariada, não queria a pauta por se tratar de uma ocorrência tão violenta, “com tantas energias negativas”, como ela descreveu. Porém, aceitou o desafio e entrou de cabeça no trabalho. Ficou tão aturdida com o que viu no processo que tomou para si as dores de tantos erros.”É impossível acreditar que, de um dia para outro, sete pessoas que mal se conheciam, decidiram matar uma criança, como se isso fosse uma brincadeira de horror. E pior é saber que a Justiça acreditou nisso”, comenta. Ela também escreveu um livro, bem mais robusto que o de Diógenes, apresentando outra versão dos fatos, numa explícita defesa dos sete acusados. Seu livro, porém, ainda não foi publicado. Há divergências com relação ao título,que tem a palavra “bruxas”, o que é contestado pelas Abagge,que amargaram durante anos esta pecha e agora querem distância até da palavra. Quem sabe, num futuro próximo, a publicação saia e aí então, em termos literários, estarão registrados os dois lados da dramática história em que só houve perdedores.


Mara Cornelsen

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Arquivo
Na estante da sala de estar da família Caetano, fotos de Evandro ocupam várias prateleiras em um tributo de amor e saudade.

Dona Maria Ramos Caetano está com 58 anos, aposentou-se, mora na mesma casa em que o filho sumiu há mais de 18 anos, e vive às custas de remédios. Com a morte de Evandro, aos 6 anos, ela também morreu um pouco. Dá para ver o luto nos olhos, que perderam boa parte do brilho. Só ao saber que está sendo procurada por uma jornalista já começa a chorar. A princípio resiste em dar entrevista, mas depois aceita “falar um pouquinho” e por fim abre as portas de sua casa para mostrar que tem fotos do garoto espalhadas por todo o lugar. Na cozinha, na cabeceira de sua cama, penduradas nas paredes e especialmente na estante da sala. O que lhe restam são as lembranças do menino loiro, de olhos claros, parecido com o pai. Ademir, o pai, ainda trabalha na Prefeitura Municipal de Guaratuba e, segundo Maria, não fala mais sobre o caso. O filho solteiro, Júnior, trabalha com ele. E o Márcio, o do meio, está casado, mas ainda não deu um neto para Maria. “Minhas irmãs já são avós e eu ainda não. Mas tenho muitos afilhados”, conta ela, agradecida aos compadres por lhe propiciarem a alegria de ser madrinha.

Maria acredita piamente na culpa do sete acusados e lamenta que nem todos tenham sido condenados. Acha que sua família foi injustiçada pela imprensa, quando esta passou a questionar falhas no processo. Mas não é só por isso que não fala com jornalistas. Ela reclama que às vezes em que deu entrevista, suas palavras foram deturpadas e “saiu o que eu não falei”. Também não se deixa fotografar, cansou-se da exposição de seu sofrimento. Agora quer viver das lembranças, do carinho dos dois filhos e da companhia do marido, com quem, à noite, no aconchego da cama, de mãos dadas, fala sobre como Evandro estaria se fosse vivo. “O Ademir diz que talvez ele já tivesse dado uns netinhos para nós. Que pena que isso não pode acontecer”, sussurra, com os olhos marejados novamente.

Maldição?

Se Maria é a grande sofredora de toda esta dramática história, outras pessoas também tiveram suas vidas radicalmente mudadas, como se uma maldição caísse sob muitas delas, para mostrar que a busca da verdade real é imprescindível para que a história possa seguir seu rumo. Nem é preciso falar dos sete acusados que viveram um inferno na terra. Celina e Beatriz Abagge ainda reunem forças para se defender e se expor. Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos, Vicente de Paula, Sergio Cristofolini e Airton Bardelli sequer foram encontrados. Prova real de que não querem mais aparecer.

A juíza que presidiu o júri das Abagge, Marcelise Weber Lorite, ficou com sérios problemas de saúde e precisou se aposentar precocemente. O rapaz que levou o corpo de Evandro do local em que foi encontrado, num matagal em Guaratuba, para o Instituto Médico Legal de Paranaguá, foi encontrado meses depois, morto em um banco de praça. Um dos peritos que trabalhou no caso, na noite anterior em que iria depor no julgamento, como testemunha, suicidou-se no túmulo do pai. O promotor Celso Ribas, um dos melhores do judiciário paranaense, morreu precocemente em um apartamento em Camboriú (SC). Alguns dos defensores passaram por situações pessoais bastante difíceis que causaram mudanças em suas vidas. Outros adoeceram. Porém, quem sofreu o maior revés é aquele apontado como o algóz dos sete acusados. O hoje tenente coronel Waldir Copetti Neves, que ao longo de sua carreira deu ordens e prendeu, está condenado pela Justiça e pode, a qualquer momento, perder a patente e ser recolhido na peniteniciária para cumprir 18 anos e 8 meses de reclusão, acusado dos crimes de formação de quadrilha, contrabando internacional de armas e de fornecer armas e drogas para incriminar outras pessoas. Neves, sempre citado como o torturador, também foi investigado por fazer parte de uma quadrilha de extermínio formada por policiais, advogados e assaltantes. Ele ainda está em liberdade porque recorreu da sentença. E se o destino quis ser irônico com Neves, conseguiu. Ele liderou a operação “Magia Negra” para prender os acusados do caso Evandro e foi preso, anos depois, por uma equipe comandada pelo delegado Fernando Francischini, da Polícia Federal (hoje deputado federal), na operação batizada “Março Branco”.

Entre o branco da mistura de cores e o negro da ausência de cor sobrou um arco-íris de incertezas no crime que abalou Guaratuba.

Arquivo
Celso Ribas (promotor de Justiça), Marcelise Lorite (juíza de Direito), e Waldir Neves (oficial da PM): vidas marcadas pelo caso Evandro.




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