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domingo, 8 de novembro de 2009

A vitrine do PT nos Pampas


Edição 1 674
8/11/2000

Como gaúchos e petistas consumaram um
casamento que se fortalece a cada eleição

João Gabriel de Lima, Maurício Lima e Ricardo Villela




Fotos Liane Neves
Fotos Liane Neves
O PT removeu uma favela para construir uma área de lazer (à esq.) e as casas populares onde os favelados passaram a morar (à dir.): a gestão petista em Porto Alegre é aprovada por 50% da população. Em doze anos, reduziu a taxa de mortalidade infantil, aumentou o saneamento básico e multiplicou o contingente de crianças na escola

Retratado como um país, o Rio Grande do Sul estaria entre as trinta nações com a melhor qualidade de vida do planeta, considerando-se os padrões estabelecidos pelas Nações Unidas. Seria algo como a Grécia ou Portugal. Quanto à expectativa de vida, os gaúchos têm índices iguais aos dos ingleses, e a mortalidade infantil é menor que a de seus vizinhos argentinos e uruguaios. A economia é quase tão potente quanto a da Hungria e a renda per capita – superior à média brasileira – rivaliza com a do México. Se fosse um país, o Rio Grande do Sul teria sido presidido por Leonel Brizola, e não por Fernando Collor, levando em conta o resultado no Estado do pleito de 1989. E, em vez de Fernando Henrique Cardoso, o segundo mandato presidencial estaria sendo exercido por Luís Inácio Lula da Silva. Peculiar na história, na cultura e na política, o Rio Grande do Sul consolidou-se, nesta eleição, como o maior enclave nacional do PT. A partir de janeiro, com as 35 prefeituras conquistadas, o partido vai governar 3,5 milhões de gaúchos, ou 35% da população do Estado. É um colosso sem paralelo no país.

Por que o PT, fundado num restaurante do tipo frango-com-polenta por iniciativa de intelectuais e operários de São Paulo, foi conseguir sua melhor vitrine nos pampas? Por que os gaúchos, mais que os brasileiros de qualquer outro ponto do país, acorrem em massa para o PT? A crônica do sucesso petista no Sul começou a ser escrita em 1988, quando a legenda ganhou a prefeitura de Porto Alegre – e nunca mais largou, numa inédita sucessão de vitórias na capital gaúcha. Em doze anos, a gestão petista conseguiu conjugar feitos invisíveis com obras visíveis, mas nada monumental. Há alguns anos, quem passava pela orla do Rio Guaíba, perto do Estádio do Beira Rio, via um espetáculo degradante: uma favela que não parava de crescer. Atualmente, no lugar da favela, há uma área arborizada, que serve para lazer e caminhadas da classe média. Os favelados foram transferidos para outro ponto da cidade e instalados em casas populares.

Entre as medidas que ninguém vê, mas todo mundo sente, está a expansão da rede de saneamento básico, que chegava a 53% das casas de Porto Alegre e agora atinge 85%. O tratamento de esgoto aumentou de apenas 2% para 27%. O número de crianças na escola saltou de 17.000 para 51.000 e a taxa de mortalidade infantil caiu 40%. E, contrariando o mito segundo o qual as esquerdas não gostam de ajuste fiscal, as finanças foram saneadas. Em 1989, só a folha salarial comia 102% do orçamento da prefeitura de Porto Alegre. Hoje, caiu para 63%. Com isso, sobram 56 milhões de reais por ano para investimento. E o destino do dinheiro é definido pelo Orçamento Participativo, as assembléias nas quais a população define as prioridades de investimento. "Se eu tivesse de escolher uma marca para nossas administrações, diria que é o Orçamento Participativo", afirma o prefeito eleito, Tarso Genro, que teve a vitória mais folgada de todas as capitais no segundo turno – 63,5% contra 36,5% do adversário.

Velocidade de cruzeiro – O petismo em Porto Alegre foi ajudado pela Constituição de 1988, que aumentou sensivelmente a arrecadação dos municípios. De lá para cá, o orçamento da capital gaúcha quadruplicou, passando de 300 milhões de reais para 1,2 bilhão. Mas isso aconteceu em todas as cidades do país. A diferença é que, em Porto Alegre, o PT soube usar a fartura com competência e sua gestão na capital virou um pólo irradiador de influência. O partido já é majoritário nas cidades da região metropolitana de Porto Alegre e, agora, fez o prefeito em seis dos dez maiores colégios eleitorais do Estado – incluindo Pelotas, Santa Maria e Caxias do Sul, cidade em que o PT vai para o segundo mandato. Em 1998, a boa gestão na capital também foi decisiva para eleger o governador do Estado, Olívio Dutra. Mas, se no campo municipal o PT é bem-visto, na administração do Estado as coisas ainda não engrenaram. Na segurança, uma área sensível em qualquer grande cidade brasileira, há boas notícias. A polícia passou por uma reforma e tem aulas até de direitos humanos, e a taxa de homicídios caiu bastante, de 25 para 16 por 100.000 habitantes.

Mesmo assim, reclama-se de que, até agora, apenas 30% das promessas de campanha foram cumpridas – segundo a oposição. O aumento salarial de 220% para os policiais não saiu, e os professores estaduais tiveram só 14% de reajuste, quando a promessa era de 190%. A concessão de seguro-agrícola aos pequenos produtores, tão propagandeada por Olívio Dutra na campanha, deveria distribuir 8 milhões de reais, porém, até o momento, ninguém viu um tostão. A diferença entre a gestão na prefeitura da capital e no governo do Estado é clara nas pesquisas. O último levantamento, feito por um instituto local, o Meta, mostra que 50% julgam que a administração municipal é ótima ou boa. No Estado, o porcentual é de 35,5%. "A prefeitura é um avião em velocidade de cruzeiro a 10.000 pés de altura, mas no governo do Estado nós mal levantamos vôo", pondera Flávio Koutzii, chefe do Gabinete Civil. É verdade, mas duas características do PT tão bem-vistas pelo eleitorado gaúcho já sofreram arranhões no governo estadual.

Uma é a honestidade com a coisa pública. Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul aponta que 98% – isso mesmo, 98% – dos porto-alegrenses acham que o governo municipal do PT é honesto. No entanto, na gestão estadual de Olívio Dutra já apareceram suspeitas de corrupção. O governo é acusado de ter beneficiado uma empresa, a Adubos Trevo, cujo dono foi um dos maiores doadores para as campanhas do PT. O secretário de Comunicação, Guaracy Cunha, é suspeito de contratar, por 28.000 reais mensais, a assessoria de uma empresa da qual era presidente antes de virar secretário. Também é acusado de cortar verbas de publicidade para órgãos de imprensa que criticam o governo do Estado. Outro problema: no governo, as correntes políticas que se abrigam no partido entraram em choque. Na semana passada, o secretário de Administração, Jorge Buchabqui, deixou o cargo por não concordar com o grupo de Olívio Dutra, que pertence a uma ala mais radical. Disse que saía porque Olívio não tinha um projeto de desenvolvimento. Jorge Buchabqui é sócio do moderado Tarso Genro num escritório de advocacia.

Essas falhas são motivo, como tudo no PT, de muita discussão interna. O gosto pelo debate e pela polêmica, tão característico da legenda, fez um casamento harmônico com o modo de ser do gaúcho. Nos pampas, tudo pode virar motivo de debate. Há três anos, quando a Rede Globo resolveu encurtar os programas infantis da manhã, para ampliar o espaço dos telejornais do meio-dia, estava inspirada na TV gaúcha. Há 28 anos, a televisão local exibe o programa Jornal do Almoço, cheio de notícias, entrevistas e, é claro, debates.

E os debates sempre ocorrem sob o calor de um traço típico: a bipolaridade. Para o gaúcho, tudo é preto ou branco, esquerda ou direita, Grêmio ou Internacional. Há historiadores que atribuem essa característica ao período do governo controlado por Borges de Medeiros do final do século XIX até perto da Revolução de 30. Como se tratava, na prática, de uma ditadura, ou se era situação ou se era oposição, ou se era "maragato" ou se era "chimango" – os partidos da época –, sem espaço para meios-termos. "Isso existe até hoje", avalia Moacyr Scliar, o mais respeitado escritor gaúcho da atualidade. "Agora, ou se é PT ou se é anti-PT", completa ele. É uma característica cultural que também contribuiu para a longevidade do PT na prefeitura da capital. Uma vez maragato, sempre maragato. No Rio Grande do Sul é quase crime mudar de partido ou de time. Daí por que o eleitor, ou torcedor, costuma ser mais fiel que no resto do país. É por isso que o senador Pedro Simon, uma das estrelas da bancada gaúcha em Brasília, ainda hoje é um político do PMDB, embora às vezes seu figurino destoe da legenda. É por isso que Antônio Britto, o antecessor de Olívio Dutra no governo, é o peemedebista mais tucano do Brasil.

Mitologia – O petismo no Rio Grande do Sul também se perfilou ao lado de uma fortíssima marca local – o culto ao gauchismo –, que nasceu há muito tempo. Consolidou-se no século XIX graças à obra do escritor pelotense Simões Lopes Neto e de um grupo de autores autodenominado Partenon Literário, que floresceu paralelamente à Escola Romântica no Rio, São Paulo e Recife. Neste século, a mitologia continuou a ser cultivada por causa dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), espécie de clubes onde se exaltam valores tradicionais enquanto se come churrasco e se toma chimarrão. Existem centenas deles espalhados pelo Brasil e subsedes fundadas nos Estados Unidos, no Japão, até na Malásia. A leitura dos Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto, faz parte de vários currículos e até hoje é recomendada no programa de vestibular de algumas universidades. A esquerda, por muito tempo, renegou essas tradições por considerá-las alienantes e reacionárias, mas aderiu ao gauchismo. Não é à toa que Olívio Dutra usa bombachas no dia 20 de setembro, a "data nacional" gaúcha, e exibe seu sotaque pampeiro.

Com o culto às tradições, antes quase monopólio da direita, a esquerda está se incorporando à mitologia gaúcha. Isso pode ter pouca importância na maior parte do Brasil – mas é fundamental no Rio Grande do Sul, o único Estado do país a ter sido cantado num épico literário da estatura de O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Foi através dos livros que se consolidou aquilo que o gaúcho se orgulha de ter em maior medida que qualquer outro Estado brasileiro: uma mitologia. Na semana passada, durante a Feira do Livro de Porto Alegre, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento deu uma palestra intitulada "Ah, eu sou gaúcho". Arrancou aplausos da platéia ao esmiuçar a gênese da mitologia. Segundo ela, tudo começou com a transformação de valores negativos em positivos. Em 1817, Nicolau Dreys, um escritor-viajante provavelmente nascido em Flandres, visitou a Região Sul. Descreveu-a numa obra em que dizia considerar o pampa uma "anomalia" em relação ao resto do país. Definiu o povo da região como uma gente "abarbarada" que "puxa o facão por qualquer coisa". Notou também que os habitantes do lugar andavam muito a cavalo, "a ponto de se confundirem com ele", para concluir: "O gaúcho é quase um animal".

Pois bem. Com o tempo, o que eram valores ruins foram sendo retrabalhados de forma a virarem marcas elogiosas. Eram os gaúchos indomáveis e abarbarados? Não, eram amantes da liberdade. Gostavam de afiar o facão na garganta alheia? Não, eram valentes. A imagem do homem que quase se confundia com o cavalo gerou o apelido pelo qual os gaúchos gostam de ser conhecidos, "centauros dos pampas". Essa transformação não é um ineditismo. É o que acontece em qualquer lugar do mundo onde os povos constroem uma identidade forte. "Mas é um processo de construção de imagem que não tem paralelo no Brasil", avalia Sandra Pesavento. "Até os imigrantes alemães e italianos, que chegaram depois, renegaram num primeiro momento suas tradições e passaram a cultuar os valores gaúchos." A exaltação desses valores pelos gaúchos talvez só tenha paralelo na Bahia. A diferença é que os baianos preferem louvar a si próprios por meio da música. Os gaúchos, da literatura. O Rio Grande do Sul tem o maior índice de leitura de livros por habitante: são dois por ano. Ainda é ridículo em relação aos países do Primeiro Mundo, mas é o dobro da média nacional.

Nesse culto, o linguajar ocupa lugar de destaque. Se, recentemente, o lançamento na Bahia de um Dicionário de Baianês foi um sucesso, na semana passada uma das obras mais vendidas na Feira do Livro em Porto Alegre era o Dicionário de Porto-Alegrês, escrito pelo professor universitário Luís Augusto Fischer. "É uma maneira de o jovem gaúcho cultivar a própria identidade sem precisar recorrer aos CTGs, considerados meio caretas hoje em dia", diz Luís Fernando Araújo, dono da editora Artes & Ofícios, responsável pelo lançamento do dicionário. E gaúcho que se preza diz tu foi, tu quis, e achará uma afetação se alguém disser tu foste, tu quiseste. Na semana passada, teve lugar na capital gaúcha a pré-estréia do filme Tolerância, maior produção local do gênero nos últimos tempos. A fita, dirigida por Carlos Gerbase (que, como bom gaúcho, é também escritor e acaba de lançar um novo livro), é modernérrima. Tem troca de casais, namoro por computador, banda de rock pauleira formada por mulheres. Poderia ser filmada em qualquer metrópole brasileira, exceto por alguns detalhes. Todos os personagens se tratam por tu. Até Maitê Proença, que é paulista, aprendeu a chamar policial de brigadiano. E o personagem principal, interpretado por Roberto Bontempo, trabalha com computação gráfica e, a certa altura, aparece encarando um chimarrão. Os gaúchos de hoje são assim. Moram numa Grécia, vivem tanto quanto os ingleses, são cosmopolitas, modernos, informatizados – e, traço novo, cada vez mais petistas.

70% dos jovens gaúchos se identificam mais com Uruguai e Argentina do que com Rio e São Paulo.

O Rio Grande do Sul tem o maior índice de leitura do Brasil: dois livros por habitante ao ano. E Porto Alegre tem o maior índice de leitura de jornais do país: 76% lêem pelo menos um jornal por semana.

Os gaúchos são tão conservadores nos hábitos de consumo que nenhum novo produto é testado no Estado. Os gaúchos não compram.

O culto às tradições e ao mito gaúcho é tão forte que o Estado tem um número expressivo de historiadores. Na Feira do Livro de Porto Alegre, todos os principais lançamentos – assim como as obras mais vendidas – são títulos sobre a "gauchidade".

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Com vocês, o PT cor-de-rosa










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