Edição 1 674
8/11/2000
O grande erro do partido será imaginar
que a vitória foi um aval a seu programa
ideológico de mudança do modelo
político-econômico do país
Eurípedes Alcântara
Evelton de Freitas/ Folha Imagem |
Lula e Marta Suplicy estouram uma garrafa de champanhe para comemorar com partidários do PT a vitória dela em São Paulo: e agora? |
O resultado da eleição municipal não quer dizer muita coisa a respeito da próxima eleição para presidente da República. Mesmo assim, tendo vencido a disputa para prefeito em 29 das 62 cidades brasileiras com mais de 200.000 eleitores, a esquerda ligou as turbinas na semana passada. Está animada com as chances que julga ter de pousar no Planalto em 2002. O presidente do PT, José Dirceu, já reivindicou a cabeça de chapa numa eventual coligação oposicionista rumo ao Planalto. Itamar Franco também se animou. Acha que está na parada, da mesma forma que Luís Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes. O PT, vencedor em São Paulo com Marta Suplicy e em cinco outras capitais, ficou de tal modo excitado com os resultados da eleição que corre o risco de esquecer alguns dos motivos que lhe deram a vitória. Em São Paulo, o partido atraiu o voto de rejeição a Paulo Maluf. Eleitores antipetistas votaram em Marta Suplicy, apesar das reservas que tinham e continuam tendo em relação ao partido de Lula. Em quase todo o país, os candidatos petistas vitoriosos foram associados à ética, à eficiência ou simplesmente à renovação de quadros políticos. O que pode confundir o PT daqui para a frente é imaginar que as urnas deram aval ao programa ideológico do partido, especialmente nos aspectos em que ele defende a mudança do modelo político e econômico brasileiro, para a instalação no país de um sistema socialista de governo.
Ana Carolina Fernandes/ Folha Imagem |
Cesar Maia e Ciro Gomes com a namorada, Patrícia Pillar, no Rio de Janeiro: a esquerda ficou eufórica com a goleada eleitoral que deu no governo |
Nos dois meses de campanha na televisão, de norte a sul, os candidatos petistas reafirmaram aos eleitores sua crença na democracia. No campo econômico desfraldaram não só sua tradicional bandeira da moralidade mas também a da austeridade nos gastos públicos. Pela primeira vez, tinham exemplos práticos para mostrar. O melhor deles veio do Rio Grande do Sul, onde o governador petista Olívio Dutra vem fazendo uma administração que não ousa contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal, aquela que pune a gastança irresponsável. O PT se apresentou ao eleitorado com um figurino social-democrata e uma plataforma de respeito às leis da economia capitalista. Foi nesse PT cor-de-rosa que os eleitores votaram. Alguém está sendo enganado se a verdadeira face do PT não é aquela que apareceu no rosto sorridente dos candidatos nos dois meses de campanha. Este alguém é o eleitor de primeira viagem do petismo. "Esta eleição não é um cheque em branco para o PT. O partido cometerá um grande erro se achar que ganhou a eleição para implementar aquilo que está em seu programa", disse ao jornal O Estado de S. Paulo o petista Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal. "O povo não está pensando em estatização nem em acabar com o mercado ou fechar o país."
Ana Araujo |
O petista Cristovam Buarque: "O povo não está pensando em estatização nem em acabar com o mercado ou fechar o país. O PT não recebeu um cheque em branco nas urnas" |
O PT concorreu como partido de centro-esquerda. Esse foi o mandato que recebeu. É assim que seus eleitores esperam que ele preencha o cheque recebido nas últimas eleições. Antes de chegar às urnas, o PT deu um jeito de arquivar seus penduricalhos ideológicos mais radicais, pelo menos nas declarações públicas de seus principais candidatos. Deixou pelo caminho grupelhos revolucionários como o PSTU e outros microrganismos que ainda veneram abertamente o leninismo, a insurreição violenta, o totalitarismo em nome da hegemonia da classe trabalhadora. São idéias velhacas que envenenaram o século XX travestidas de utopias igualitárias. O petista Cristovam Buarque tocou no ponto mais sensível da ascensão petista que é o programa oficial do PT. Um documento bem mais ameno, diga-se, do que os que registram as discussões internas do partido, quando os militantes estão no auge da ebulição ideológica. O último congresso nacional do PT, uma das mais altas instâncias decisórias, realizado em Belo Horizonte há um ano, produziu uma série de documentos reunidos sob o título de Teses Finais. Elas são um mapa do pensamento das diversas correntes ideológicas que brigam pelo domínio da legenda. As teses são muito claras. Se elas representarem a natureza mais íntima do partido, então, caro eleitor, esse PT não foi o que apareceu na sua telinha pedindo votos para prefeitos e vereadores.
O PT da campanha fez propaganda da austeridade administrativa. Prometeu combater a corrupção, consultar a população sobre onde e como gastar os recursos públicos. Prometeu não esperar a mudança do modelo macroeconômico vigente, que, segundo o PT, está na raiz do desemprego, e ir à luta para a criação de postos de trabalho nas cidades com o dinheiro das próprias prefeituras. Prometeu criar bancos do povo para dar crédito barato aos microempresários e garantir uma renda mínima para milhões de famílias carentes. O PT das Teses Finais diz coisa muito diferente. Vale-se livremente do Manifesto Comunista, de Karl Marx, descarta a terceira via européia como alternativa, prega a nacionalização das empresas estrangeiras e a estatização total do sistema financeiro. Há aí um exótico perfume de charuto cubano ou de jasmim da Coréia do Norte, dois arcaísmos nacionais num mundo em que esse tipo de opção já deixou de ser levado a sério. As teses acima não são dominantes no PT. Encontram defensores em grupos minoritários, embora importantes, que se aninham na legenda. Como preza a democracia interna, o PT dá vazão ao livre pensamento de seus militantes. Pode-se encarar esse liberalismo de idéias como uma virtude do PT, em cuja estrutura há espaço para a convivência com correntes maoístas ou leninistas que parecem grotescas a quem as examina de fora. O trabalho de livre discussão de idéias seria completo se o partido não demonstrasse uma certa propensão para esconder esse lado insurrecional do distinto público por ocasião das campanhas eleitorais. Ideal mesmo é que seus líderes dissessem claramente se endossam ou renegam tais teses. Durante a última campanha para as eleições municipais, a identidade ideológica do PT esteve em discussão mais uma vez. Os líderes do partido não gostam de admitir que a legenda vem se distanciando de sua origem operária e socialista para abraçar um receituário mais próximo do social-democrata, que explica em grande parte o sucesso eleitoral de muitos candidatos petistas, como Marta Suplicy, o prefeito Tarso Genro, de Porto Alegre, e o próprio Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal.
A vitória histórica do PT nas eleições municipais antecipa o debate sobre a sucessão presidencial em 2002. Discute-se se, com o resultado de domingo passado, o PT ganhou fôlego para, finalmente, disputar com êxito a corrida ao Palácio do Planalto. Nunca se posicionou tão bem, diga-se, a dois anos de um pleito nacional. Os analistas, porém, sustentam que o resultado não deve ser tomado como uma condenação explícita do governo federal. "O voto no PT teve vários motivos. Mas o principal foi a escolha do que o eleitor julgava ser o melhor administrador para sua cidade", diz Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope. Eleição nacional tem outro caráter. É francamente plebiscitária. Nos próximos dois anos, o PT passará novamente a ser examinado pelo eleitor brasileiro a partir de sua espinha ideológica. Numa eleição presidencial, ao contrário do que acontece no pleito municipal, quem vota quer saber o que o candidato pensa sobre os grandes temas nacionais – abertura da economia, reforma da Previdência, sistema tributário, investimento estrangeiro, privatização, saneamento das contas públicas, estratégia para atacar o desafio social. Nessa nova etapa, o PT não poderá se escudar apenas em promessas de bom desempenho administrativo em prefeituras ou governos de Estados, mesmo que precise também desse aval para atrair votos. Para enfrentar a nova fase, talvez fosse proveitoso que começasse a tirar os esqueletos ideológicos do armário para colocá-los na vitrine – ou no lixo.
O PT vermelho
Trechos das Teses Finais do último Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado em novembro do ano passado em Belo Horizonte. Os textos completos estão disponíveis no site: http://www.pt.org.br/congresso/cadernos.htm.
"Algumas medidas precisam ser tomadas, como correspondendo à fase de transição à sociedade socialista. Entre outras: nacionalização das empresas estrangeiras existentes no território nacional; estatização de todas empresas necessárias a posterior socialização das mesmas aos trabalhadores, nas formas de cooperativas, de unidades de economia solidária etc.; adequação do sistema financeiro (totalmente estatizado)."
"Divergimos de uma das considerações finais, a saber: de que as medidas defendidas não pressupõem a realização prévia de uma revolução popular... o sacrifício que o povo hoje é obrigado a passar é, sem dúvida, muito mais violento. A burguesia, por sua vez, não abrirá mão pacificamente de seus privilégios históricos."
"A globalização da classe burguesa se dá através dos valores deles: o capital – o mercado. A nossa deve ser baseada na solidariedade entre os povos, no intercâmbio, orgulho de trabalhador, no internacionalismo, já citado no famoso Manifesto: 'Proletários de todos os países, uni-vos'."
"O PT é parte do projeto socialista internacional."
"Mais do que nunca, o socialismo está na ordem do dia. Sem esse norte estratégico claramente definido, as classes trabalhadoras perdem a condição de disputar a hegemonia na sociedade e o seu partido, o PT, perde a razão de existir."
Lula acumula: -Aposentadoria por invalidez,aposentadoria de Aposentadoria por invalidez,Pensão Vitalícia de "perseguido político" isenta de IR,salário de presidente de honra do PT,salário de Presidente da República.Você sabia??? Sphere: Related Content