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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Enquanto o serviço diplomático se tranca em palácios suntuosos, os brasileiros sofrem por falta de assistência no Exterior

Gaiolas de ouro
Enquanto o serviço diplomático se tranca em palácios suntuosos, os brasileiros sofrem por falta de assistência no Exterior

Hugo Marques e Camila Pati

ARGENTINA
A embaixada de Buenos Aires gastou neste ano R$ 10,1 milhões
REINO UNIDO
A representação do Brasil em Londres gastou em 2008 R$ 8,7 milhões
JAPÃO
Já os gastos da embaixada em Tóquio até novembro foram de R$ 8,6 milhões

O Brasil tem espalhados pelo mundo 120 embaixadas, 63 consulados e vice-consulados e outros 16 escritórios para auxiliar os cidadãos. Algumas embaixadas são suntuosas, como a de Roma, no Palazzo Doria Pamphili, na Piazza Navona. Do R$ 1,8 bilhão gasto pelo Itamaraty em 2008, R$ 1,3 bilhão foi com as representações no Exterior. Segundo a Ong Contas Abertas, só cinco embaixadas põem suas contas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Uma das representações mais dispendiosas é o Consulado-Geral de Nova York, que neste ano gastou R$ 5 milhões só de aluguel. A embaixada de Buenos Aires gastou R$ 2 milhões também com aluguel. Mas, quando os brasileiros precisam de ajuda de suas representações diplomáticas, ficam quase sempre a ver navios. Na semana passada, essa letargia do Itamaraty ficou mais uma vez explícita durante a ocupação do aeroporto de Bangcoc (Tailândia) por manifestantes. Um guia da agência de turismo carioca Transmundi foi à embaixada do Brasil para pedir orientação sobre a retirada do país de 54 turistas brasileiros que faziam escala em Bangcoc e estavam ilhados em um hotel. “A embaixada nos avisou que nada poderia fazer e ficamos muito apreensivos”, contou à ISTOÉ o dono da Transmundi, Luys Pradines, que acompanhou as negociações do Rio de Janeiro. Enquanto isso, mais de 400 espanhóis foram retirados do país por aviões fretados pelo governo de Madri em 48 horas. “A palavra que traduz meu sentimento em relação ao embaixador brasileiro na Tailândia é decepção, pois você se sente desamparado pelo seu próprio país”, diz Padrines. A mesma ação tardia se manifestara uma semana antes, durante os ataques terroristas ocorridos em Mumbai, na Índia. Enquanto alguns países mandavam aviões para resgatar seus cidadãos, a representação brasileira em Nova Déli se limitava a levantar o número de brasileiros que estavam em Mumbai.

Sem ajuda Brasileiros impedidos de entrar na Espanha passaram dias no aeroporto de Barajas, Madri



O Itamaraty reconhece que não dispõe de um plano para socorrer turistas em situação de risco ou perigo. O resgate de brasileiros no Exterior, quando ocorre, é lento e passa por análise caso a caso. Segundo o Itamaraty, a partir do momento em que é constatada a situação de risco, é avaliada a ação a ser tomada, com base no número de brasileiros na região. O problema é que esses levantamentos, na maioria das vezes, são imprecisos. A estimativa de brasileiros na América do Norte, por exemplo, vai de 872 mil a 1,5 milhão de pessoas. Na Bélgica, a “menor estimativa” é de 3,6 mil pessoas e a “maior estimativa” é de 43,6 mil, 12 vezes maior. Ou seja, o Brasil não sabe onde estão os brasileiros.

As embaixadas mais importantes, como as do “circuito Elizabeth Arden” (Roma, Paris, Londres e Washington), costumam ser mais eficientes. Mas nem mesmo essas são isentas de problemas. O paranaense Vagner Kodama, por exemplo, tenta há dois meses obter a certidão de óbito do irmão, Oscar Kodama, que morreu aos 28 anos, em Paris, no dia 31 de agosto, sem que a família conseguisse contato com o Itamaraty ou a embaixada do Brasil na França. A família foi avisada sobre a situação de saúde de Oscar por um passageiro português que estava no Aeroporto Charles de Gaulle. “Quando meu irmão ainda estava vivo, entramos em contato com o Itamaraty, nos telefones do plantão do site do ministério, mas ninguém atendeu. Dá vontade de ir lá e dar um soco no nariz desses diplomatas”, diz Vagner. “Meu irmão começou a passar mal no sábado, faleceu no domingo e o Itamaraty só nos avisou na segunda-feira, às 14 horas.” O Itamaraty tenta se justificar: “O caso de Oscar dependia da ação de autoridades locais”, disse a assessoria do Itamaraty.

Outros brasileiros que enfrentaram dificuldades também guardam péssimas recordações das embaixadas. O coronel do Exército Luiz Wichert, de Curitiba, foi assaltado durante viagem à Europa, em 2006, quando seguia de Madri para Paris, e ficou sem passaporte. Ao procurar o consulado em Paris, enfrentou uma fila grande e disseram que ele teria de ir a Roterdã, na Holanda, se quisesse voltar ao Brasil. Wichert não conseguiu falar com o cônsul. “Tive de viajar uns mil quilômetros e gastar mil euros para resolver meu problema”, diz. Há casos que ganharam repercussão internacional, como o da física Patrícia Camargo Magalhães, que em fevereiro ia a um congresso em Lisboa, mas foi barrada no aeroporto de Madri. À época, o episódio de deportação de brasileiros da Espanha gerou uma crise diplomática entre Brasil e Espanha – mas só depois que os abusos espanhóis foram denunciados pela imprensa. “Minha irmã conseguiu falar no Itamaraty, mas não tivemos nenhum retorno”, diz Camile Gavazza Alves, repatriada junto com Patrícia. Ela desabafa: “O consulado e nada é a mesma coisa. Mesmo com todos os telefones atualizados, eu só consegui ouvir uma gravação.”

A precariedade no atendimento a brasileiros por parte dos consulados – que são os responsáveis diretos por assessorar os cidadãos do País no Exterior – é quase uma regra. “Eu sei que a ação consular é precária, a gente tem muita queixa, que vem sobretudo da Espanha”, afirma o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Marcondes Gadelha (PSBPB). Ele diz que a comissão tentará aumentar os recursos para a ação consular no Orçamento de 2009, mas vê “resistência seletiva” de muitos países contra brasileiros. “Eles dizem que o brasileiro que vai para lá é gay ou prostituta.” A julgar pelo tratamento recebido do governo brasileiro, este é um preconceito que também parece ter dominado nossos consulados. Uma das poucas vozes sensatas é a do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Ele diz que o Brasil se concebeu como país de imigração. “Hoje uma parte da burguesia emergente quer desesperadamente deixar o Brasil”, diz. “Enquanto não revertermos isso, precisamos socorrê-los, e não adotar uma política de avestruz.”

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