Apesar da melhora em alguns indicadores sociais, a desigualdade no Brasil voltou a crescer nos últimos 20 anos, fundamentalmente pelo empobrecimento da classe média. Com a desigualdade cresceu também o poder que as famílias abastadas têm de influenciar a política econômica. Uma medida determinante para isso foi a abertura da conta de capitais.
Nesta entrevista exclusiva, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Márcio Pochmann, comenta estudo elaborado por ele e mais 20 pesquisadores de universidades paulistas e mostra como é fundamental estudar a questão da desigualdade do ponto de vista dos ricos e da acumulação de riqueza, não apenas dos indicadores sociais.
"No Brasil de hoje, apenas 15 mil famílias respondem por 80% dos títulos públicos federais. A política monetária, o Copom: o que ele está pensando, está pensando em quem? Neste grupo, a liberalização da conta de capitais possibilitou um tal poder de controle sobre a política macroeconômica talvez somente visto anteriormente pelas 3.700 famílias cafeicultoras, a elite da época".
Como se comportou a distribuição da riqueza no Brasil nos últimos anos?
A principios de los noventa estaba de moda decir que el keynesianismo se había acabado con la caída del comunismo y la llegada del Consenso de Washington. Pero Keynes revolucionó el estudio y la práctica de la economía para siempre. Cualquier estudiante de la carrera de economía hoy en día cursa macroeconomía y microeconomía. Antes de Keynes, la macro directamente no existía. Tampoco los gobiernos implementaban grandes políticas económicas con el objetivo de fijar la tasa de inflación, el nivel de empleo y la tasa de crecimiento del producto. Hoy en día hay muchos que son no-keynesianos pero no hay ningún pre-keynesiano. Por otro lado, el largo estancamiento de Japón y Alemania, las crisis financieras de 1997-98 y el crash de Wall Street en 2001, señalan inestabilidad y un desempeño magro del sistema. Si bien ninguno de estos hechos marca una crisis general del capitalismo, son cuestiones sobre las que Keynes tendría algo que decir seguramente.
O que é pobreza relativa?
É o quanto as pessoas são relativamente pobres ao padrão de riqueza existente. Então temos menos quantidade absoluta e relativa de pessoas sem renda suficiente para consumir o mínimo necessário para a sobrevivência, mas, por outro lado, ao longo do tempo nós observamos que permanece o distanciamento entre o padrão de riqueza existente no país e o nível de bem-estar, digamos assim, da população como um todo. Considero que a pesquisa é um avanço em termos de pesquisa empírica no Brasil, uma reflexão a respeito não apenas do fluxo da renda mas sobre o estoque de riqueza, identificado pela propriedade da terra e propriedade urbana, a posse de bens com alto valor unitário, como automóvel, helicóptero, o avião, coisas desse tipo.
Foi fácil dimensionar os ricos no Brasil?
É muito difícil, no Brasil, se ter precisão sobre os ricos porque, de certa maneira, é um conjunto de tão pequena população que está escondido e difícil de ser percebido. Nós não temos tradição de ter investigações continuadas ao longo do tempo. O IBGE está pouco preparado para lidar com isso.
Houve alguma mudança significativa no regime de acumulação?
Entre 1872 e 1920, enquanto o PIB cresce em torno de 7,7%, a taxa de expansão das famílias ricas é de 2,1%, portanto, ritmo inferior ao crescimento do PIB. De1930 a 1980, o PIB brasileiro cresceu, nesse período, em torno de 6,3 % ao ano, em média, e o crescimento das famílias ricas foi de 3,5 %. Saímos de 1,3 % das famílias para 1,8 % das famílias consideradas ricas do total das famílias existentes. De 1980 para cá, o regime de acumulação no Brasil já é um regime financeiro, em que o PIB cresceu, até 2000, em torno de 2% ao ano. Só que o ritmo de expansão das famílias ricas foi de 4,4 %. Então, a financeirização tem potencializado a expansão de famílias ricas. Saímos de 1,8 % do total de famílias que eram consideradas ricas no Brasil em 80 para 2,4 %.
Se existem mais ricos, proporcionalmente, por que aumentou a concentração?
De 1980 para cá tem aumentado intensamente a polarização social. Aumentou a quantidade de famílias pobres no Brasil, e, como conseqüência, reduziu a presença relativa da classe média. Isso é um fenômeno relativamente novo, considerando que, basicamente, de 1930 ao início dos anos 80, foi o período em que nós constituímos e consolidamos a chamada classe média urbana não proprietária. Já tínhamos de classe média um movimento muito pequeno, na sociedade agrária, mas era uma classe média geralmente proprietária.
O que ocorreu em seguida?
Passamos a ter, fruto da socialização e urbanização, uma classe média assalariada, uma classe média vinculada basicamente à urbanização, não proprietária. E o que estamos observando de 1980 para cá é uma redução significativa da classe média não proprietária. Para alguns estudiosos, a polarização entre ricos e pobres tem impulsionado a violência justamente pelo fato de que localidades em que há essa presença tão forte de ricos com pobres, a violência termina sendo resultado desta situação de maior polarização social.
Geograficamente, como estão distribuídos os ricos no Brasil?
Desde o Censo de 1980 de 2000 há uma concentração dos ricos em termos geográficos. Se nós pegarmos os 100 maiores municípios com famílias ricas, nós identificaremos o seguinte: quatro municípios brasileiros respondem por 80% dos ricos no Brasil. Estou falando basicamente de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.
O que explica isso?
Sob o regime de acumulação tradicional, um cidadão, um industrial para se tornar rico levava três, duas gerações, ou três ou quatro décadas para constituir o seu patrimônio, faturamento, etc. Sob a riqueza financeira, a potencialização da riqueza é muito mais rápida. De tal forma que o que nós estamos observando é o seguinte: há uma migração da riqueza tradicional - agrária ou industrial - para a riqueza financeira. E isso basicamente diz respeito a poucas cidades, entre elas, fundamentalmente, a cidade de São Paulo, ou o Estado de São Paulo, mas fundamentalmente a cidade de São Paulo. Do contingente de famílias ricas, 1,7% está na região Norte; 6,9 % na região Nordeste; 5,7 % na Centro-oeste; 78,4 % no Sudeste e o Sul responde por 7,4%. O Estado de São Paulo responde sozinho por 64,5 % das famílias ricas, enquanto o município de São Paulo detém 45,5 % do total.
Quem é rico no Brasil?
Por ocupação, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad), dá para ver o seguinte: de cada 10 ricos, 4 são altos dirigentes do setor privado; 28,5 % são empregadores; 18 % são autônomos e 13 % basicamente são altos dirigentes do setor público.
E quanto ao poder aquisitivo?
Ser rico no Amapá é diferente de ser rico no Rio de Janeiro ou em São Paulo. São padrões de riqueza diferenciados. Então nós criamos linhas de riqueza por estado posteriormente. Na cidade de São Paulo, por exemplo, são consideradas ricas pessoas com renda mensal per capita de R$ 45 mil reais para cima. Como média para o Brasil, fizemos uma linha acima de R$ 11 mil.
Que formas de renda foram pesquisadas?
Não consideramos corrupção, tráfico de drogas, crime, prostituição, que certamente responde por outra parcela de ricos. É mais importante frisar que, desde 1992, quando foi feita a liberalização da conta de capitais, pela primeira vez os ricos se liberaram do Brasil. Os cafeicultores, os senhores de escravos, detestavam o Brasil. Eles passavam oito meses da sua vida na Europa, na França, mas tinham que vir para cá pelo menos quatro meses, porque era aqui que gerava a riqueza que os financiava fora do país. Então, eles estavam publicamente vinculados ao Brasil. Com a abertura da conta de capitais, se a taxa de juros não está favorável, eles saem do país. Eles tiram os recursos daqui. Hoje no Brasil, nós temos 15 mil famílias que respondem por 80 % dos títulos públicos federais. A política monetária, o Copom, o que pensa e decide dirige-se a este grupo. A liberalização da conta de capitais possibilitou um tal poder de controle sobre a política macroeconômica talvez somente visto anteriormente pelas 3.700 famílias que eram as famílias cafeicultoras.
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