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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Jovens já não temem a aids. E aumentam riscos

Nova geração vive o perigo dos 'efeitos colaterais' da aids

O Brasil é referência internacional no tratamento da doença e oferece amplo acesso aos anti-retrovirais . Mas, por
outro lado, a nova geração não teme o contágio e não se protege mesmo tendo muita informação sobre o problema

Fernanda Aranda, fernanda.aranda@grupoestado.com.br

O avanço das pesquisas médicas e a oferta de remédios gratuitos para o tratamento da aids no Brasil provocaram um perigoso 'efeito colateral', não previsto pelos especialistas. Se por um lado o amplo acesso aos medicamentos anti-retrovirais colocou o País na posição de referência mundial aos portadores do vírus HIV, por outro, a doença deixou de ser temida pela nova geração, o que pode influenciar no comportamento de risco e também aumentar as chances de infecção.

No Hospital Estadual Emílio Ribas, na Capital, as confissões dos pacientes com diagnóstico positivo de aids ilustram o cenário trágico do problema. Apenas nas últimas semanas, quatro jovens, entre 20 e 35 anos, que ingressaram na unidade admitiram que não usam preservativo, mesmo sabendo que são portadores do vírus há pelo menos dois anos. 'De cada 10 soropositivos atendidos no Emílio Ribas, ao menos um confessa não utilizar camisinha', afirma o diretor do hospital, Jean Gorinchteyn. 'Os motivos passam pela revolta da contaminação até a falsa idéia de que a aids é doença simples, já que é tratável.'

Um turbilhão de sensações: angústia, medo, revolta. Rogério, 33 anos, não sabe eleger qual dos sentimentos foi responsável por fazer com que ele, mesmo após descobrir que era soropositivo, continuasse a manter relações sexuais sem camisinha, com parceiros eventuais que conhecia na noite. 'Não sei explicar meu comportamento. Meu histórico não justificava o HIV, não entendia a contaminação. Uma forma de expressar tudo isso foi transar sem proteção.'

Se as pessoas que já estão doentes não fazem do preservativo uma rotina, as que ainda não entraram para o grupo de vítimas da aids são até mais displicentes.

Pesquisa do Ministério da Saúde aponta que 40% da população com mais de 15 anos assume não ser adepta do sexo seguro. Henrique, Rodrigo e Felipe, todos com 16 anos e vestindo uniforme em frente ao colégio Mackenzie, Zona Oeste da Capital, tentavam explicar porque os colegas costumam 'desencanar' do preservativo. 'Quando é namoro sério, ninguém usa camisinha. Minha namorada, por exemplo, toma anticoncepcional', disse Rodrigo. 'No geral, a gente tem muito mais medo de uma gravidez fora de hora. Para aids tem remédio, para filho não', remendou Henrique.

'É a geração que nasceu depois do boom da epidemia (anos 80). Eles não viram os hospitais lotados, as pessoas morrendo meses depois do diagnóstico. A distância do alcance da aids pode justificar o comportamento dos jovens', comenta o infectologista da Unifesp, Esper Kallás, que coordenou um estudo com 485 portadores do HIV e identificou que a maior proporção de casos de infecção recente coincidia com a faixa abaixo de 25 anos.

No caso das garotas, a resistência ao preservativo é ainda maior, aponta o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada. Entre 15 e 24 anos, 64% deles dizem usar contra apenas 45% delas. 'Para as garotas é mais difícil negociar a camisinha. O receio de desagradar o parceiro supera o medo do HIV', diz a coordenadora estadual de saúde do adolescente, Albertina Takeuti.

Não é por medo de desagradar que Nadir, 32 anos, termina seus relacionamentos antes de completarem quatro meses. 'É quando chega a hora de contar que sou soropositivo', diz ela que sabe ter o vírus há seis anos. 'Trabalho, estudo, o diagnóstico não foi uma sentença de morte. Mas não dá para achar que não tenho privações.'

O desabafo reforça a conscientização que os especialistas querem disseminar. 'Percebemos o medo enfraquecido. A evolução da medicina trouxe confusão entre bom tratamento e cura', avalia Cristina Abatte, coordenadora municipal de combate à aids. Os médicos alertam que ter consciência sobre os riscos não significa reacender o preconceito. 'Precisamos rever como vamos trabalhar a informação.'


HIV +
“No geral, a gente tem muito mais medo de uma gravidez fora de hora. Para aids tem remédio, para filho não”

HENRIQUE, 16 ANOS

“É a geração que nasceu depois do boom da epidemia (anos 80).
Eles não viram os hospitais lotados, as pessoas morrendo”

ÉSPER KALLÁS,
INFECTOLOGISTA DA UNIFESP

“ O receio de desagradar supera o medo do HIV”
ALBERTINA TAKEUTI,
COORDENADORA DE SAÚDE DO
ADOLESCENTE DE SÃO PAULO

“Não foi uma sentença de morte”
NADIR, 32 ANOS,
PORTADORA DO VÍRUS


67.512 CASOS
de aids foram diagnosticados no Município de São Paulo, entre os anos 1980 e 2007, segundo a Prefeitura

32,9% DO TOTAL
corresponde à forma de transmissão heterossexual. São 22.294 infectados nesse tipo de relação

25% É A SOMA
das formas de transmissão nas relações homo e bissexuais, menor do que na heterossexual

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