[Valid Atom 1.0]

sábado, 19 de março de 2011

O Brasil está fora da zona dos terremotos, mas permanece na rota dos mercadantes

Abalado pela segunda surra eleitoral consecutiva, o companheiro Aloízio Mercadante ganhou do Planalto o antidepressivo prescrito para flagelados das urnas: uma vaga no primeiro escalão. Formado em economia, ele sonha com o Ministério da Fazenda desde quando ficou conhecido no berçário por não cumprimentar os bebês vizinhos. Como o desemprego torna menos exigentes até os mercadantes, o candidato derrotado ao governo paulista aceitou o Ministério de Ciência e Tecnologia com a animação de quem foi convidado para a presidência do Banco Central.

Essa estranha mistura de servilismo e arrogância precisou de dois ou três dias no emprego novo para virar especialista em coisas que ignora profundamente. Bastou-lhe uma ligeira mirada na Região Serrana devastada pelos temporais, por exemplo, para debitar a tragédia inteira na conta do aquecimento global. Nesta semana, as consequências do terremoto e do tsunami no Japão precipitaram o aparecimento da versão-2011 de Aloízio Mercadante: o doutor em assuntos nucleares.

A novidade estreou nesta terça-feira, numa entrevista coletiva em Brasília. “No Brasil não tem os terremotos, tsunamis ou maremotos que têm no Japão”, começou a procissão de platitudes em mau português. “O Brasil não tem fronteira de placa tectônica. Tem chuvas, inundações e desmoronamentos, como já aconteceram em Angra dos Reis”. Seguiram-se tranquilizadoras comparações que, somadas, exibem a superioridade do colosso tropical sobre o Japão.

“O programa nuclear brasileiro tem uma linha de defesa mais rigorosa”, ensinou o ministro que até agora só foi visto em Angra dos Reis de calção, boné e sandálias havaianas. “São dois modelos de reatores distintos. O nosso reator é um pouco mais moderno. As paredes são mais robustas do que as do reator japonês e a nossa usina é capaz de aguentar tsunamis de até sete metros de altura e eventuais terremotos de 6,5 graus na escala Richter”.

A discurseira só reforçou a suspeita de que, para o ministro de Ciência e Tecnologia, fusível é um fuzil redigido por Emir Sader. Mas recomeçou sem correções de rota dois dias mais tarde, num encontro de produtores de álcool e açúcar no Rio de Janeiro. “Vamos aguardar os desdobramentos no Japão, mas uma coisa é certa: vamos adotar todos os protocolos internacionais, que provavelmente ficarão muito mais rigorosos”, preveniu. Enquanto os ouvintes tentavam adivinhar que protocolos são esses, o orador ampliou o enigma.

“Estamos diante de um paradigma”, alertou com cara de primeiro da classe. As sobrancelhas arqueadas sublinharam a gravidade do aviso: “Há um risco que é dramático. Mas o Brasil vai discutir e acompanhar protocolos internacionais”. Antes que a turma dos canaviais saísse em disparada, à procura de abrigos subterrâneos e clínicas especializadas no tratamento dos efeitos da radioatividade, Mercadante transmitiu a grande notícia: o Brasil não tem motivos para preocupar-se. “A presidente foi ministra de Minas e Energia”, lembrou. “Tem toda a competência técnica para tomar as decisões”.

Se alguma tragédia natural colocar em perigo as usinas de Angra, portanto, o país que está fora da zona dos terremotos mas permanece na rota dos mercadantes agora sabe que pode seguir dormindo em paz. O Japão precisou pedir ajuda ao resto do mundo. O Brasil Maravilha só precisará chamar Dilma Rousseff.





LAST

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: