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domingo, 27 de dezembro de 2009

Sean e Márcio: meninos simbólicos do Brasil


Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)

O tempo do Natal e do Ano-Novo é pleno de simbologias envolvendo crianças e sentimentos. O mundo nesta época, desde os primórdios do cristianismo, é mostrado como um território dominado por adultos poderosos e insensíveis, abastados e cruéis em eternas conspirações contra meninos inocentes.

O escritor britânico Charles Dickens emprestou, depois, genialidade às novelas natalinas, ao povoá-las de malfeitores de todos os tipos, mas em geral usurários capitalistas que atazanavam crianças inglesas e européias nos livros. Mais tarde, também, as americanas e brasileiras, quando suas histórias ganharam as telas do cinema e os palcos teatrais.

Faltava "o toque bem brasileiro". A chamada "cor local", que acaba de explodir em dimensão internacional nas historias reais de dois meninos no Brasil. No Rio de Janeiro, Sean Goldman, de 9 anos, que voou com o pai para os Estados Unidos, na quinta-feira. Na Bahia, o menino Márcio, de apenas dois anos, que teve mais de três dezenas de agulhas enfiadas em diferentes regiões do corpo, durante rituais de perversidades, no oeste do Estado, passa o fim de ano internado em um hospital público de Salvador, depois de duas cirurgias de alto risco. Deve passar por uma terceira nos próximos dias.


Sean voltou com o pai nesta quinta-feira, 24, para os EUA

Como se vê, o Brasil acaba de mostrar ao mundo que também é o tal quando a questão é maltratar crianças. Superou-se até diante de outras nações - olha os ufanistas aí de novo. Produziu ao mesmo tempo dois episódios natalinos de arrepiar. Sean, o menino meio brasileiro e meio norte-americano acabou, por decisão do ministro presidente da Suprema Corte, Gilmar Mendes, partindo com o pai americano, em vôo fretado por uma poderosa cadeia de televisão americana, para a Flórida. Na Disney passará esses dias festivos, antes do encontro com a família do pai em New Jersey.

A viagem de volta de Sean, para o reencontro com seus avós paternos, mexeu até com a toda-poderosa secretária de Estado americano, Hillary Clinton. Ela vibrou com o veredicto de Gilmar Mendes: "Estou muito contente que Sean Goldman se reuniu com seu pai David Goldman, e que eles estão voando para Nova Jersey. Eu quero agradecer a todos que ajudaram a concluir este longo processo com sucesso, inclusive a muitos membros do Congresso e diversos partidos tanto daqui quanto do Brasil", afirmou a secretária, em nota.

Também o senado norte-americano se meteu no caso. Em seguida à decisão do presidente do Supremo, que mandou a família brasileira - parte materna - devolver "de imediato" o garoto Sean ao pai norte-americano, a casa legislativa votou a suspensão do embargo que pesava sobre a exportação de centenas de produtos brasileiros para os Estados Unidos.

Só não se sabe ainda sobre as transformações na vida e nos sentimentos de Sean, que até aqui é o que parece interessar menos nessa história toda. Isso deve estar reservado para a abordagem do filme que se seguirá, seguramente sucesso de bilheteria. Ou série de TV na rede que patrocina o vôo de Sean com o pai para os Estados Unidos.

O segundo menino simbólico deste Natal incrível é o baiano Márcio, de dois anos e meio de idade, nascido na barriga da miséria nordestina, no seio de família paupérrima no oeste baiano. A região é exaltada como "a nova fronteira agrícola do Estado" por políticos sevados na demagogia e no dinheiro público fácil.

De lá chega, neste fim de 2009, uma das histórias mais cruéis e horripilantes de qualquer tempo e de qualquer lugar, mesmo os mais primitivos. Também com repercussão mundial, mas sem as mesmas reações locais prontas e os discursos enfáticos dos donos do poder, da política e, muito menos dos escalões mais elevados do judiciário. Salva-se, no caso, a humanidade e o esforço competente e generoso dos médicos e servidores do hospital público Ana Néri, da capital baiana, para minorar os sofrimentos no corpo e na alma do menino ferido, além da tentativa incessante de salvar Marcinho dos sérios riscos que ainda corre para sobreviver.

Márcio teve o corpo perfurado por mais de 30 agulhas num suposto ritual de magia negra. Recupera-se de duas cirurgias, a mais recente realizada na véspera do Natal. Ao todo, já foram extraídas 18 agulhas que estavam alojadas no coração, pulmão, intestino, bexiga e fígado do garoto. A criança será ainda submetida a uma terceira intervenção cirúrgica para a retirada de agulhas na coluna cervical.

O padrasto do menino, que confessou o crime, teve a prisão preventiva prorrogada pela justiça, juntamente com duas mulheres suspeitas de participar no alegado ritual macabro. O resto é esperança de um final feliz, como nas mais terríveis novelas deste período.

Feliz Natal para todos.









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