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terça-feira, 14 de abril de 2009

"CPI para as CPIs" ( entrevista revista ISTOÉ, advogado Pavan)

21/09/2005

Alan Rodrigues

• Advogado criminalista, formado
pelas Faculdades Metropolitanas
Unidas (FMU), tem 39 anos.
• Começou a carreira em 1988
• Fez mestrado na Universidade
de Coimbra, em Portugal, com a
tese “Lavagem de Capitais”.
• Foi presidente do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais.


Roberto Podval
"CPI para as CPIs"
Advogado ataca parlamentares
que abusam de seus poderes e os
acusa de desconhecer o limite de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito

Antonio Carlos Prado e Florência Costa

"Aqui não vai falar não!” O tom era no mínimo mal-educado, no máximo desafiador, arbitrário e autoritário – ou uma mistura de tudo isso. Assim, o senador tucano Leonel Pavan (SC) gritava com o advogado criminalista Roberto Podval numa das sessões da CPI dos Bingos. Pavan esgoelava com o microfone ligado. Podval respondia somente com os amplificadores de voz que Deus que lhe deu: a garganta e a coragem. O seu microfone, os parlamentares anfitriões desligaram. Juntamente com as advogadas Beatriz Rizzo e Carmen Costa Barros (microfones também silenciados), Podval estava ao lado de seu cliente, Marcelo Sereno, ex-funcionário da Casa Civil. O senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), dedo em riste, reforçava as ameaças. O presidente da CPI, senador Efraim Moraes (PFL-PB), engrossou o coro (ou falta de decoro) do “cala a boca advogado” (microfone também ligado) e até ameaçou chamar os seguranças para que retirassem à força os advogados – como se eles estivessem ali a passeio, não a trabalho. Tudo isso porque o advogado queria exercer apenas um de seus direitos assegurados pela Constituição (artigo 133): o direito de falar. Mas num sinal exterior e ostensivo de arbítrio, diante das câmeras, os parlamentares gritavam com o jovem advogado de 39 anos. Houve quem dissesse: “Você não existe, você não é nada rapaz.” A cena passou meio batida pelo público geral porque a CPI dos Bingos tem menos holofotes que as CPIs dos Correios e do Mensalão. Mas como holofote não é o ganha-pão de quem nem sequer tem o seu microfone mantido funcionando, Podval, serenamente, avisa: “Eu e os advogados que trabalham comigo não fazemos papel de bobo. E jamais o faremos.” Podval pede uma CPI para as CPIs. Um dos mais renomados advogados do Brasil, Manuel Alceu Affonso Ferreira, disse a ISTOÉ que ficou sem dormir naquela noite de 23 de agosto depois que viu as cenas da CPI. Ficou estarrecido com a forma como o seu colega Podval, “conhecido pela extrema educação com que trata a todos, até os seus adversários de idéias”, foi tratado pelos senadores. Affonso Ferreira enviou e-mails aos parlamentares expressando o seu “enérgico protesto”: “Surpreendeu-me e entristeceu-me que, na Alta Casa do Parlamento Brasileiro, se tenha flagrantemente ignorado direitos advocatícios mínimos.” A seguir, microfone ligado para o advogado Roberto Podval. Com ele, a palavra:

ISTOÉ – Por que os senadores da CPI dos Bingos chegaram a mandar o
sr. calar a boca naquela sessão do dia 23 de agosto?
Roberto Podval –
Meu cliente, Marcelo Sereno, estava depondo. O senador
Tasso Jereissati (PSDB-CE) perguntou se ele concordaria com uma acareação
com outros envolvidos, sem habeas-corpus preventivo (concedido pelo Supremo Tribunal Federal, pelo qual o depoente, como réu ou investigado, não é obrigado
a assinar o termo de dizer a verdade por ter o direito constitucional de não se
auto-incriminar). O meu cliente pediu para me consultar, já que era uma questão técnica. Os parlamentares lhe negaram esse direito. Disseram que advogado ali
não tinha o direito de falar. Aí eu disse: “Eu posso falar.” Me mandaram calar a boca. Eu disse que não me calaria. Me dirigi ao presidente da CPI (senador Efraim Moraes) e pedi: “Pela ordem.” Eu tinha uma questão de ordem sobre o meu
papel de advogado. Mas eles ficaram revoltadíssimos quando eu pedi “pela ordem”, como se isso fosse um ato exclusivo dos membros do Senado. Como
se eles fossem os donos do “pela ordem”.

ISTOÉ – Nunca os brasileiros ouviram tanto a expressão pela ordem.
O que de fato significa isso?
Podval –
Significa que algo precisa ser discutido tecnicamente, trata-se de
questões organizacionais, que não dizem respeito ao mérito do depoimento.

ISTOÉ – Que parlamentares participaram do episódio?
Podval –
Além do presidente da CPI, os senadores Leonel Pavan e Antônio
Carlos Magalhães. Com dedo em riste, ACM me mandava calar a boca. Ele, que
há um tempo atrás renunciou, por conta do painel de votação no processo contra Luís Estevão (acusado de ter violado o painel). Antes de renunciar, contratou um advogado para defendê-lo, Márcio Thomaz Bastos, hoje ministro da Justiça. Que moral tem o ACM para me mandar calar a boca? Nem a sua própria história de
vida o ensinou a ser respeitoso com os cidadãos? Estávamos na casa deles, que
na verdade é a nossa casa, porque o Congresso é a casa do povo. O mais assustador é saber que uma pessoa é mandada calar a boca, com dedo em riste, dentro do Senado, que tem como obrigação constitucional zelar pela democracia.
Em qualquer país com democracia sólida, esses políticos não seriam mais
eleitos pelo povo.

ISTOÉ – Eles não têm o direito de mandar um advogado se calar?
Podval –
Como podem fazer isso? Não só o advogado, mas qualquer pessoa pode falar no Congresso. Um parlamentar gritou: “Você não é nada, rapaz.” Como eu não sou nada? Eu sou alguém que voto. Eles estão lá para representar o povo. Eu sou o povo que eles representam. Que direito eles têm de me mandar calar a boca? Então, para ser alguma coisa eu preciso ser político? E foi essa a relação que ficou nítida naquele episódio: que o povo, para eles, não é nada. Que o povo para eles é um rapaz que tem que calar a boca.

ISTOÉ – O que o sr. sentiu?
Podval –
Senti uma violência e uma opressão brutal. Você não tem direito de falar, seu microfone é cortado, enquanto oito pessoas gritam em microfones ligados,
lhe ofendendo, na frente das câmeras. E o triste é que a própria imprensa não
deu a devida divulgação.

ISTOÉ – Antes de ir à CPI, o sr. imaginava que algo parecido poderia acontecer?
Podval –
Fomos para a CPI com a esperança de exercer o nosso papel. Mas já fomos convictos de que não faríamos papel de bobo, não íamos legitimar o arbítrio. Acompanhávamos as CPIs e percebíamos que o arbítrio aumentava cada vez mais.

ISTOÉ – Que tipo de arbítrio?
Podval –
Perguntas inadequadas, desnecessárias, irônicas, dúbias, piadas, gracinhas. Além de observações sobre a linha de defesa que o advogado
havia adotado. Tinha que dar um basta naquilo porque os parlamentares
estavam extrapolando.








Alan Rodrigues

"Antes de renunciar,
ACM teve um advogado. Que moral tem esse senador para me mandar calar a boca? Ficou nítido que, para eles, o povo não é nada"



ISTOÉ – Essa sua atitude, de não aceitar se calar, está respaldada pela legislação?
Podval –
Sim, claro, no artigo 133 da Constituição e artigo 7º da Lei Federal 8.906 de 1994. O advogado tem todo o direito de falar. Era uma questão jurídica, técnica. Senão, para que a presença do advogado ao lado do cliente? O papel de advogado não é só a presença física. Ele é um colaborador da Justiça. Uma condenação ou uma absolvição só são legitimadas com uma acusação e uma defesa efetivas. Numa CPI, o parlamentar deveria fazer papel semelhante ao do magistrado. Óbvio que a CPI tem um papel político que o Judiciário não tem. O que falta é a CPI cumprir a sua função: julgar os parlamentares, que são os réus ali, e discutir alterações na legislação em razão de irregularidades ocorridas. Mas inverteu-se o papel. Os depoentes estão passando por uma espécie de processo de inquisição.

ISTOÉ – O que acha das perguntas e observações feitas pelos parlamentares?
Podval –
As observações são muitas vezes vexatórias e humilham as pessoas. Há muitas perguntas sem nenhuma ligação com o tema da CPI. Isso é desconhecer a importância do Congresso. Não se pode ter o direito de chamar uma pessoa à execração pública. Senão nós voltamos à Idade Média, quando a execração fazia parte da pena: colocavam-se máscaras de ferro nas pessoas para que, quando saíssem à rua, todos soubessem que haviam sido condenadas.

ISTOÉ – Essa exacerbação da atitude de certos parlamentares nas CPIs ocorre por ignorância, arrogância, autoritarismo, ou é porque a mídia está toda lá e eles agem como num palanque?
Podval –
É ignorância, no sentido de não saber a função de cada um na CPI.
O objetivo, muitas vezes, não é investigar. Há muito interesse dos políticos em angariar votos em função de sua participação nas CPIs. A gente pode contar
nos dedos quantos apareceram ali de maneira positiva para a sociedade. É
preciso ressaltar que há deputados e senadores absolutamente corretos. Eu
cito o senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM). Apesar de ser oposição dura,
nos respeitou, não nos ofendeu.


Alan Rodrigues


"O que falta é a CPI cumprir sua função: julgar os parlamentares, que são os réus ali. Mas se inverteu o papel. Os depoentes passam por uma inquisição"

ISTOÉ – O sr. acha o papel das CPIs importante?
Podval –
Fundamental. As CPIs têm poder de coação com relação aos órgãos públicos para exigir as informações. Sem elas, não se chega com eficácia e rapidez a resultados importantes. Eu acho que a partir de agora os parlamentares vão amadurecer o seu papel nas comissões. É preciso uma CPI para tratar das CPIs. Para eles saberem quais os limites numa Comissão Parlamentar de Inquérito.

ISTOÉ – Que diferença há entre CPI e um processo criminal, que precisa de prova material do crime?
Podval –
Há diferenças sim. Nas CPIs não se fala em tirar a liberdade. Julgam-se os parlamentares, se suas condutas feriram o decoro. Não se pode obrigar as pessoas a se auto-incriminarem porque as provas produzidas no processo político vão ser usadas depois no processo criminal. As CPIs não devem ultrapassar os limites da Constituição. Se houver abusos nas CPIs, as provas produzidas ali poderão ser invalidadas no processo criminal.

ISTOÉ – Como foi a reação dos advogados a esse episódio?
Podval –
Num primeiro momento a maioria se sentiu um pouco defendida, amparada pela nossa atuação. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de São Paulo, vai fazer um ato de desagravo. Mas a OAB federal teve postura negativa no início. Entendeu que não tínhamos razão e que os advogados tinham que ficar calados. Depois, voltou atrás. A OAB se preocupava mais com as declarações do presidente Lula, enquanto os advogados faziam papel de bobos nas CPIs. A OAB deveria colocar seus representantes também lá nas sessões das CPIs para proteger o direito dos advogados.

ISTOÉ – O que faz com que haja esse ambiente no País? Os advogados, por exemplo, também já foram alvos de invasões de escritórios recentemente
por parte da Polícia Federal...
Podval –
São ordens de apreensão vagas, emitidas pelo magistério e cumpridas pela PF. Daí apreende-se tudo dentro de um escritório. Levam computadores. As informações de um advogado são como as informações de um padre no confessionário, de um psicólogo que guarda a fita do cliente, de um jornalista que tem seus blocos de anotações e agendas com telefones de suas fontes. Empresários, advogados estão com medo, sendo vigiados. Até jornalistas estão sendo gravados. Todo mundo acha que pode ser invadido a qualquer momento. Há um mercado paralelo que faz grampo ilegal, ameaças e chantagens. Hoje, pessoas são colocadas em xeque por conta de conversas de terceiros. Não estou fazendo a defesa do deputado José Dirceu (PT-SP). Mas em seu depoimento (na Comissão de Ética) foi um absurdo exigirem dele provas contra as declarações de Roberto Jefferson (PTB-RJ). Como se pode cobrar de alguém que prove que não fez alguma coisa? Só porque fulano falou para beltrano que cicrano é corrupto, cicrano tem que provar que não é? Mas isso tudo faz parte do processo de amadurecimento de nossa democracia, que é nova. É como uma criança que nunca comeu chocolate e ganha uma caixa. Vai passar mal. Mas depois aprende.

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