Lecticia Cavalcanti
Do Recife (PE)
Pereira era mais um desses doidos que perambulavam pelas ruas do Recife. Não fazia mal a ninguém. Fazia versos. Em troca de algumas poucas moedas. Vivia disso. Corria o ano de 1710 e a cidade começava a prosperar, pela força de comerciantes conhecidos como "mascates". Olinda, residência de toda a aristocracia, pouco a pouco deixava de ser centro das decisões na capitania de Pernambuco.
Bolinhos de bacalhau
Das contradições entre os interesses econômicos dessas duas cidades, deu-se o que passou à história como a "Guerra dos Mascates". De Portugal vieram nomes ilustres, com ordens para negociar a paz - o governador Félix José Machado de Mendonça Castro e Vasconcelos e o ouvidor-geral João Marques Bacalhau. Logo percebendo Pereira, nosso poeta, que poderia ganhar alguns trocados com tão nobres visitantes.
Assim pensando se instalou bem em frente à casa do tal ouvidor, na Rua das Cruzes - hoje Duque de Caxias. E começou aos gritos a anunciar, sobre um tamborete - "Coisa nova, raridade,/ Nunca vista na verdade!". E tanto repetia os versos, e tão alto eram seus berros, que a rua logo se encheu de curiosos que queriam conhecer tal raridade. Entre eles o próprio dono da casa, que veio à porta ver a razão de tanta confusão. Então Pereira apontou para o insigne ouvidor-geral e gritou:
- É bacalhau com cabeça.
A multidão foi ao delírio. "O ouvidor ficou fulo de raiva, enquanto o povo ria-se de bom rir", segundo cronista da época - registrado por Pereira da Costa ("Folk-lore Pernambucano").
Nesse dia, o pobre poeta encheu de moedas os bolsos. E de cachaça o juízo. Tendo ainda o bom-senso de, por bom tempo, não voltar àquela freguesia.
Bacalhau com cabeça é mesmo coisa muito rara. Por aqui, ao que se saiba, nunca veio. Nas prateleiras de armazéns e vendas dos tempos antigos, ou nos supermercados e delicatéssens de hoje, está invariavelmente seco, salgado e sem cabeça. É assim que compramos esse peixe -prato obrigatório em todas as mesas da Páscoa. A seguir alguns conselhos que podem ser úteis para quem for preparar o bacalhau:
- Guarde sempre em local seco e refrigerado (umidade e calor são seus maiores inimigos).
- Quando salgado e seco, só pode ser congelado depois de demolhado (ato de eliminar o sal, com água).
- Antes de demolhar retire a pele - levantando uma das extremidades dessa pele e puxando com firmeza.
- Nesse demolhe, recomenda-se cuidados especiais. Pode-se mesmo dizer que o processo, de tão importante, já faz parte da própria preparação do prato. Primeiro corte o peixe em postas e deixe em baixo da torneira, sob fio de água, por uns 10 minutos. Depois coloque em recipiente com água e gelo, cubra e leve à geladeira. Troque a água 3 vezes durante o dia. O tempo em que ficará de molho depende da grossura do peixe - pedaços pequenos, 8 horas; postas normais, 24 horas; grossas, 40 horas; muito grossas, 48 horas.
- Há os que demolham com leite (só pedaços pequenos) - colocando esse leite, fervendo, sobre o bacalhau e deixando descansar por 1 hora.
- Bacalhau, bom lembrar, nunca deve ser fervido - para que não resseque.
- Depois de demolhado, pode ser congelado. Mas não sem antes pincelar com bom azeite toda a superfície (para impedir que fique seco), envolver cada posta em papel alumínio e colocar em saco plástico.
- Quando for usar retire do freezer e coloque na geladeira, com pelo menos 12 horas de antecedência.
- Para servir, calcula-se entre 150 gr e 250 gr por pessoa.
- O sucesso do prato depende dos seus acompanhamentos - azeite extra virgem, azeitonas portuguesas (pretas ou verdes) e sobretudo batatas. Tudo de boa qualidade, claro.
Do bacalhau, bom lembrar, tudo se aproveita. Lombo grosso (a parte mais nobre) deve ser preparado no forno, ou assado, ou grelhado - com alho, cebola e muito azeite. Da parte junto ao rabo e das laterais, desfie e faça bolinhos, saladas, recheios. Até língua tem serventia - é prato de muito prestígio nos países nórdicos, especialmente Noruega. Faltando só dizer que aquele óleo retirado do fígado do bacalhau é um fortificante poderoso.
Das farmácias de antigamente ficou inclusive, na lembrança, um cartaz quase do tamanho (e formato) de uma porta; com pintura de pescador levando um bacalhau enorme nas costas, quase do tamanho do próprio pescador. Completado em baixo, o nome do produto - "Emulsão Scott". Sucesso garantido. Apesar do gosto ruim. Muitíssimo ruim. Afinal, ninguém é perfeito.
1.200 gr de bacalhau (aferventado,desfiado e refogado),1 litro de leite, 4 gemas, 1 ½ caixa de creme de leite, 1 dente de alho, 2 cebolas grandes, 1 cenoura ralada, 3 colheres de sopa de azeite, 1 pacote de queijo ralado, noz-moscada, molho inglês, 4 colheres de sopa de trigo.
Preparo:
- Refogue o bacalhau no azeite com alho e cebola. Reserve.
- Faça um molho branco. Para isso doure cebola ralada na manteiga e junte trigo. Acrescente o leite. Quando engrossar ponha gemas, bacalhau, cenoura ralada, queijo ralado, molho inglês, noz-moscada e creme de leite.
- Coloque em pirex e cubra com mistura de 5 bolachas creme-craker, batidas no liquidificador com queijo ralado. Na hora de servir, leve ao forno para gratinar.
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