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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Caetano Veloso e Milton Nascimento, O Coronel e o Lobisomem


POR LUCIANA BARCELLOS
FOTOS: VICENTE DE PAULO

MILTON NASCIMENTO e CAETANO VELOSO voltam a fazer parceria e, pela primeira vez, em quase 40 anos de amizade, sobem no palco juntos num show, em que cantam exclusivamente canções de trilhas sonoras de filmes, incluindo três inéditas que acabaram de compor para o longa-metragem O Coronel e o Lobisomem

Parceria Há um mês, Milton Nascimento e Caetano Veloso têm se encontrado constantemente para assistir ao filme e ensaiar as músicas para o show, que teve como pretexto as três canções que fizeram juntos para a trilha de O Coronel e o Lobisomem.
Quando Milton Nascimento foi convidado pela produtora Paula Lavigne para compor músicas para o filme O Coronel e o Lobisomem, o músico mineiro não pensou duas vezes: pediu que o amigo Caetano Veloso escrevesse as letras. O convite foi aceito na hora. Era o retorno de uma parceria que começou em 1975, há exatamente 30 anos, com Paula e Bebeto, e depois foi repetida em As Várias Pontas de uma Estrela (82) e por último em A Terceira Margem do Rio (90). Agora, culmina com três músicas inéditas: Miragem, Senhor do Tempo e Perigo, compostas especialmente para o filme dirigido por Maurício Faria, um CD, que ainda está sendo produzido, e um show inédito Milton e Caetano, que estréia dia 8 no Canecão, Rio, e segue para Belo Horizonte (dia 22) e São Paulo (dia 29).

“Na verdade, não havia necessidade alguma de fazermos um show para o filme. Foi apenas um pretexto”, confessa Caetano. “A gente não podia apenas fazer as músicas e não cantar. Como nunca tínhamos feito um show juntos, resolvemos fazer agora”, completa Milton. A dupla está ensaiando diariamente na casa de Milton há um mês. E os dois já perderam as contas de quantas vezes assistiram ao filme, que estréia dia 7 de outubro. “Ficamos impressionados com os olhos da Ana Paula Arósio. Foi uma coisa que nos marcou muito”, revela Milton. No show, além das três canções inéditas de O Coronel e o Lobisomem, eles resgatam músicas que compuseram para outros filmes, além de temas de amigos, como Bye Bye Brasil, de Chico Buarque, e as inusitadas Someday My Prince Will Come, tema de Branca de Neve, e When You Wish Upon a Star, do filme Pinóquio.“São clássicos”, afirmam em coro.

QUEM – Nos últimos anos, vocês têm composto várias trilhas sonoras para cinema. Caetano já compôs para os filmes Tieta e Orfeu, já cantou numa cena de Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, entre outros trabalhos. Milton fez a trilha de Jango, Veja Esta Canção, Menino Maluquinho, entre outros filmes, além de ter atuado em O Viajante. Compor para cinema é mais prazeroso?

CAETANO VELOSO – É diferente. Porque o filme lhe apresenta personagens, situações, coisas que facilitam. Num CD só seu, você não tem tanta motivação para fazer músicas. A trilha é um pretexto para compor.

MILTON NASCIMENTO – Eu diria que sou filho do cinema, porque o cinema sempre esteve presente na minha vida, desde que eu morava lá em Três Pontas. A gente não perdia um dia de cinema. Teve um dia que o Márcio Borges me chamou para assistir a um filme, era o Jules e Jim, do François Truffaut. Entramos às 2h da tarde e saímos do cinema às 10h da noite. Quando saí, falei com ele: ‘Lá na sua casa tem violão, deve ter um caderno e uma caneta. Vamos lá, que vamos começar a compor hoje.’ Cinema é parte da minha vida. E eu adoro fazer. Aliás, adoro fazer música para cinema, teatro, balé, tudo o que exige coisa mais rebuscada.

“Todas as vezes que Milton me pediu para que eu fizesse letra, por alguma razão misteriosa, fiz numa velocidade estupenda”
–CAETANO VELOSO

QUEM – Como acontece esse processo de fazer uma trilha? Geralmente, a música vem depois do filme já pronto. Vocês viram seqüências do filme?

CV – Vimos quase que o filme todo. Não podemos dizer que vimos todo porque algumas seqüências não tinham os efeitos especiais. O processo todo levou um mês. Depois, discutimos com o diretor e o produtor musical. Milton me deu os temas para colocar letras, eu fiz como ele pediu, e a gente submeteu tudo ao diretor do filme e ao diretor musical, para dar o tratamento.

MN – Nós dois vimos o filme aqui em casa. Teve uma coisa que mexeu muito com a gente, que foram os olhos da Ana Paula Arósio. Na hora em que ela aparecia, um olhava para a cara do outro e dizia: ‘O que que é isso, meu Deus?’ Existem várias maneiras de se fazer a trilha. Infelizmente a que mais gosto, que é acompanhar a filmagem como fiz em Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra, eu não posso fazer porque não tenho tempo. No filme do Ruy, fui com eles para o meio do mato, numa fioresta de cacau.

QUEM – Como foi trabalhar juntos?

CV – Eu trabalho muito rápido e com o Milton, curiosamente, a gente trabalha muito rápido também. Todas as vezes que ele me pediu para que eu fizesse letra – e acho mais difícil pôr letra em música dos outros –, por alguma razão misteriosa, que não sei qual, fiz numa veloci-dade estupenda. Paula e Bebeto foi assim. Essas três desse filme também foram muito rápidas.

MN – Foi muito bom. Já trabalhamos juntos (eles compuseram em parceria as músicas Paula e Bebeto, As Várias Pontas de uma Estrela e A Terceira Margem do Rio). Não trabalhamos tanto quanto deveríamos, mas também sinto essa sintonia. O Caetano é um parceiro com o qual me afino muito. E foi completamente rápido. O que demorou mais foi a letra do Caetano para uma delas, a que ilustra a paisagem, que é cantada por uma mulher, Marina Machado. O resto foi tranqüilo. Cantamos os dois juntos. Fazemos uma baguncinha.

QUEM – Os horários de ambos são completamente diferentes: o Milton é mais diurno e o Caetano, mais noturno. Como vocês estão ajustando esse fuso?

CV – A gente encontrou um meio termo: eu venho para cá de noite cedo e saio de noite não muito tarde. E ele faz de manhã o que ele quiser.

MN – O mais cedo dele é 7 horas da noite! Cedíssimo! Agora eu gosto da noite também. Adoro, mas sou esportista, faço natação, mergulho, tenho que acordar cedo.

QUEM – Não é comum fazer um show específico para lançar a trilha de um filme. Geralmente são pocket shows ou uma canja na pré-estréia. O Coronel e o Lobisomem na verdade foi um pretexto para vocês cantarem pela primeira vez juntos num show?

CV – Na verdade, sim. Para o filme, não há necessidade nenhuma que a gente faça um show. Foi apenas um desejo nosso: aproveitar que fizemos três canções novas, as canções bonitas que fizemos antes e o fato de nunca termos feito um show juntos. O
filme serviu de pretexto.

MN – Lembramos que a gente nunca tinha feito um show juntos. Um falou para o outro: ‘Vamos fazer? Vamos’. O filme é muito forte, e as músicas não podíamos apenas deixar no filme e não cantar.


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“Cinema é parte da minha vida. E adoro fazer. Aliás, adoro fazer música para cinema, teatro, balé, tudo o que exige coisa mais rebuscada”
–MILTON NASCIMENTO

QUEM – Vocês vão se apresentar no Rio, em Belo Horizonte e em São Paulo. Pode ser que essa turnê se estenda?

CV – Esse show tem a tempo-rada marcada. Mas, na verdade, estou adiando uma coisa que deveria estar fazendo, que interrompi agora, um CD meu de inéditas. Então vai ficar difícil (estender a turnê).

MN – Na minha vida, tudo muda tanto... O show Pietá ia durar seis meses e está há três anos. Ponto de Partida seriam apenas quatro shows e já estou na estrada há quatro anos. Juntando nós dois, acho impossível que fique só no que está marcado. Mas, como estou fazendo tudo ao mesmo tempo (os shows Pietá e Ponto de Partida), vou ter que colocar uma coisa elétrica na minha cabeça para saber em que show que estou.

QUEM – Além das músicas que fizeram para este e outros filmes, vocês colocaram músicas de outros compositores. Quem teve a idéia de colocar os temas de Pinóquio e Branca de Neve?

CV – Pinóquio foi o Milton. A Branca de Neve fui eu. Someday My Prince Will Come é um clássico que o Milles Davis gravou. É um desses temas que os músicos gostam muito e são especiais.

MN – É importante cantar músicas de filmes de Walt Disney, que são simplesmente obrasprimas. Selecionamos de outros filmes da vida da gente. Propus que a gente colocasse o nome do filme no telão, mas a idéia não foi muito bem aceita pelo Caetano. Mas tem gente que nunca viu Pinóquio.

“O PT, com essa idéia de que é o caminho da história, que representa a luta pela justiça social, é abusado”
–CAETANO VELOSO

QUEM – Como é conciliar essas diferenças de opiniões. Como tem sido essa parceria? Tem um mais preguiçoso ou mais teimoso?

CV – Somos diferentes, mas preguiçoso está difícil. Estamos fazendo coisas para caramba. Ensaiamos diariamente há um mês.

MN – Estamos trabalhando mesmo. Acho que o mais teimoso sou eu. Em todos os sentidos: tanto pro sim, quanto pro não.

QUEM – Pretendem fazer alguma crítica à atual situação política durante o show?

CV – Não. Nunca mencionamos isso aqui, também não temos a mais remota intenção.

MN – Só se sair na hora. Eu estou cansado demais para esse tipo de coisa. Todo mundo está vendo. Eu, pelo menos, não ia falar nada novo. Não quero mexer com isso. A idéia do show, além do encontro com Caetano, é o tema cinema.

QUEM – Vocês ficaram decepcionados com o governo do PT?

CV – Eu não. Fiquei um pouco irritado com o fato de eles terem tão pouco cuidado e deixado que as coisas chegassem a esse ponto. Achei um pouco demasiada autoconfiança: achavam que nada ia acontecer. ‘Tanta gente fez essas coisas, quanto mais nós que somos representantes da melhor corrente da história.’ Esse tipo de pensamento que me irritou. Decepcionado, não, porque não esperava muito.

QUEM – Você votou no presidente Lula?

CV – Eu votei no presidente Lula e sempre declarei que ele exercesse o mandato do primeiro ao último dia e passasse a faixa presidencial a outro presidente. Agora o meu candidato é o Roberto Mangabeira Unger. O PT com essa idéia de que é o caminho da história, que representa a luta pela justiça social, é abusado. Eles não tomaram cuidado, não fizeram bem feito, porque têm esse tipo de soberba. Então, na hora que o PT faz coisas ilícitas de forma mais abusada do que o PSDB, a represa que se abre é grande. Muito mais do que para o Fernando Henrique, que, se fez coisas ilícitas ou deixou de fazer, fez de forma mais amparada, mais organizada e, talvez, com mais parcimônia. Uma maneira mais profissional.

MN - E tem uma coisa que não é com o PT: é com a política em geral e do mundo inteiro. Acho que o nosso planeta está passando pela pior fase que alguém poderia passar nesta vida. Tem guerra não sei onde, morre um tanto de gente jovem, para todo lado que você olhe o negócio não está bom. Não posso dizer que estou feliz.


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“Teve uma coisa que mexeu muito com a gente: os olhos da Ana Paula Arósio. Na hora que ela aparecia, um olhava pro outro e dizia: ‘O que é isso, meu Deus?’
–MILTON NASCIMENTO

QUEM – Você conversou com o (ministro Gilberto) Gil sobre a situação?

CV – Conversei pouco antes desse seminário sobre O Silêncio dos Intelectuais (se refere à primeira palestra do evento, feita pela filósofa Marilena Chauí, no Teatro Maison de France, no Rio, dia 23, em que Gil estava na platéia), mas não falei com ele depois.

E vou dizer: fico um pouco impaciente com o Gil. Ele dá uma entrevista enorme, era a hora de explicar que essa palestra foi marcada há seis meses e não era para falar sobre a situação do governo agora. E eu tinha comprado essa versão, porque não sabia do que se tratava, porque não saiu nos jornais. Eu soube que o Gil, que é ministro da Cultura, meu compadre e muito amigo, fez uma explanação explicando o objetivo no início do evento, mas ninguém falou. E ele deu uma entrevista, tinha que explicar que esse evento já estava marcado há seis meses, mas não falou nada. Pareceu que ele está apoiando o pessoal, porque está do lado, em vez de explicar que o seminário não era uma armação dos intelectuais de esquerda para defender o PT neste momento de crise.

QUEM – Depois dessa parceria em O Coronel e o Lobisomem, vocês têm outros convites para trilhas de outros filmes?

CV – Não tenho nada. Tenho comigo mesmo a encomenda de fazer um disco meu.

MN – Por enquanto, não.

QUEM – Vocês poderiam escolher cinco músicas um do outro?

CV – Nossa, é difícil. Ponta de Areia, Cravo e Canela, Travessia, Morro Velho; Fé Cega, Faca Amolada. Adoro Paula e Bebeto, mas não quero dizer porque, embora a música seja do Milton, a letra é minha.

MN – Como sou amigo da Sônia Braga, vou escolher Tigresa, em homenagem a ela, O Amor... Nossa, tem muita música. Depois, quando você for embora, vou ficar pensando em outras. Das mais anti-gas, Boa Palavra, Um Dia. E a quinta música é o resto.

QUEM – Vocês podem citar versos das músicas do outro que gostariam de ter feito ou que achem muito marcantes?

CV – Todos os versos de Fé Cega, Faca Amolada.

MN – Gosto muito de um verso de Um Dia que diz assim: “Eu não estou indo embora, tô só preparando a hora de voltar.” E “qualquer maneira de amor vale a pena”, de Paula e Bebeto.

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