Ele diz ter uma fortuna nove vezes maior que a de Eike Batista. É sócio de uma empresa que mantém contratos com a Petrobras. A Caixa diz que o dinheiro simplesmente não existe
Um cidadão brasileiro diz possuir quase meio trilhão de reais em uma agência da Caixa Econômica Federal no interior de São Paulo. O homem se chama Raimundo Souza Oliveira, tem 46 anos e mora em um condomínio de classe média em Paulínia, cidade vizinha a Campinas. O dinheiro está guardado em uma conta poupança na agência de Hortolândia, outro município da região de Campinas, segundo afirma Raimundo. A cifra astronômica supera em quase quatro vezes o império do mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, e em nove vezes o patrimônio de Eike Batista, maior empresário do Brasil. Equivale ao Produto Interno Bruto do Chile. Essa história surpreendente está contada em duas ações que correm na Justiça em São Paulo e em Brasília.
O caso descrito acima poderia ser apenas a aventura jurídica de um espertalhão ou a fantasia de um lunático, mas produziu efeitos preocupantes para o país nos últimos meses. Uma empresa da qual Raimundo é sócio, a Seeblapar Comércio e Participações Ltda., tem uma subsidiária chamada Seebla Serviços de Engenharia. Em março passado, a Seebla obteve com a Petrobras vários contratos de prestação de serviços, todos por meio de carta convite, modalidade de licitação que reduz as possibilidades de disputa. Os negócios com a estatal somam mais de R$ 68 milhões para trabalhos definidos por expressões genéricas como “serviços suplementares de apoio administrativo”, “serviços de atualização de documentação técnica de engenharia” e “serviços de apoio social, psicológico e técnico agrícola”.
Raimundo tem um sócio na Seeblapar, Jader Bezerra Xavier, um cearense de 50 anos, ex-funcionário da Petrobras. A entrada de Raimundo na empresa, que tem sede em São Paulo, aconteceu em janeiro deste ano, de acordo com documentos de alteração do contrato social. Na ocasião, a Seeblapar recebeu um aporte de R$ 10 bilhões, segundo os arquivos da Junta Comercial de São Paulo. Para capitalizar a empresa, Raimundo registrou na Junta que esse dinheiro estava disponível na conta poupança nº 013.00.015.800-6, a mesma onde afirma ter quase meio trilhão de reais, na Caixa de Hortolândia. Com o aumento do capital, o grupo Seeblapar se dirigiu à Petrobras e conseguiu os contratos milionários. Os contratos com a Petrobras vencem entre 2012 e 2014.
Nessa ação judicial, Raimundo ainda pede o microfilme do depósito inicial de R$ 421.803.635 909,91, que, segundo diz, teria sido feito no dia 15 de outubro de 2008. Em maio deste ano, com os rendimentos da poupança, esse valor foi corrigido para mais de R$ 497 bilhões, de acordo com papéis apresentados pelo titular da conta. Raimundo solicita também cópias de documentos que revelem o nome dos responsáveis pelas movimentações financeiras que diz terem sido realizadas sem seu conhecimento.
O juiz titular da 2ª Vara em Campinas, Valdeci dos Santos, rejeitou todos os pedidos de Raimundo. Em decisão publicada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região do dia 26 de maio deste ano, Santos recorreu a argumentos formais para extinguir o processo. Disse que Raimundo usou um instrumento jurídico indevido, a Notificação Judicial, para sua intenção de obter informações da Caixa. O processo adequado para as pretensões de Raimundo seria uma Ação de Exibição de documentos, afirma Santos. Na mesma sentença, o juiz tomou algumas providências que demonstram grande preocupação com as intenções de Raimundo.
A medida mais dura do juiz de Campinas foi condenar Raimundo ao pagamento de uma multa de R$ 5 mil por “litigância de má-fé”, crime que consiste no uso de um processo judicial com objetivos ilícitos ou temerários. Na opinião de Santos, ao pedir os documentos da Caixa, o autor da ação pretendeu “conferir aparência de legitimidade” ao saldo bilionário registrado em outubro de 2008. As pretensões de Raimundo não fazem nenhum sentido, são “desarrazoadas”, decidiu o juiz de Campinas, uma vez que todos os ativos da Caixa atingiam R$ 431 bilhões em março deste ano, valor menor que a poupança de quase meio trilhão de reais.
Raimundo recorreu contra a decisão do juiz de Campinas ao Tribunal Regional Federal de São Paulo no dia 29 de agosto. O caso se encontra com a desembargadora Ramza Tartuce. Ela informou que decretaria o sigilo do processo na semana passada depois de ser procurada por ÉPOCA. No dia 27 de julho, Raimundo entrou com outra ação, na 21ª Vara de Justiça Federal em Brasília. Dessa vez, usou uma Ação de Exibição de documentos, o instrumento que o juiz de Campinas considerou adequado para o objetivo de obter os papéis que Raimundo exige da Caixa. Para fortalecer os argumentos, apresentou cópias de extratos bancários com o saldo bilionário. O primeiro deles tem data de 15 de outubro de 2008, dia em que o depósito teria sido feito. Outros papéis mostram os valores corrigidos até o valor de R$ 497 bilhões.
O juiz da 21ª Vara em Brasília, Hamilton de Sá Dantas, determinou que a Caixa se pronunciasse sobre o caso. A Caixa repeliu a pretensão de Raimundo. Na resposta ao juiz, a Caixa diz que “nunca existiu” nenhum depósito ou crédito bilionário na conta do autor da ação. No dia 15 de outubro de 2008, o extrato realmente mostrou um saldo superior a R$ 421 bilhões, mas isso seria em decorrência de “um erro na geração dos extratos/saldos das contas de poupança” sem contabilização financeira de fato. O erro ocorreu em decorrência de uma “troca de sistemas de controle dos dados” e foi corrigido dois dias depois, em 17 de outubro de 2008, sem que tivesse havido qualquer saque, segundo a Caixa. O saldo real disponível na ocasião seria de R$ 308,40.
O saque dos valores bilionários não seria possível, segundo a Caixa disse a ÉPOCA, pois o sistema de extratos, onde ocorreu o erro, é independente do sistema de saldos reais. Isso não permitiria nenhuma movimentação financeira do montante reivindicado por Raimundo. O aspecto mais contundente apontado pela Caixa na defesa enviada à 21ª Vara é que, nos papéis apresentados por Raimundo como extratos bancários com datas posteriores ao erro, segundo a Caixa, “verifica-se de maneira grosseira a falsidade das informações ali lançadas”. Na resposta a ÉPOCA, a Caixa também negou que tenha bloqueado o acesso de Raimundo à conta.
ÉPOCA esteve no condomínio onde Raimundo mora em Paulínia, mas só conseguiu conversar com ele duas vezes pelo telefone. Raimundo disse que não gostaria de falar sobre o assunto nesse momento porque isso poderia causar “transtornos” à Caixa. “Tenho um segredo aí que nesse momento não convém falar”, afirmou. Raimundo disse também que precisava consultar seu procurador no caso, um homem chamado “Wagner”, de Brasília. Trata-se de Manoel Wagner de Araújo Freire, coronel da reserva do Exército, integrante em 1957 da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Canal de Suez, no Egito, e pai de Gustavo Freire, um dos advogados de Raimundo. Wagner entrou em contato com ÉPOCA. “Não somos inimigos da Caixa. A Caixa tem o nosso dinheiro guardado lá e queremos que ela nos pague”, afirmou o coronel reformado.
ÉPOCA também procurou o empresário Jader Bezerra Xavier na sede da Seeblapar. Um funcionário confirmou que Jader estava na empresa, mas a reportagem não foi recebida por ele nem obteve respostas às perguntas enviadas por e-mail até o fechamento desta edição. No período em que capitalizou a Seeblapar, Jader costumava dizer que tinha amigos e inimigos dentro da Petrobras.
Assim que entrou como sócio da Seeblapar, Raimundo transferiu para Jader R$ 5 bilhões do aporte de R$ 10 bilhões que declarou ter sido feito. A transferência ocorreu “a título de compensação pelos negócios já em andamento” da empresa, de acordo com documentos da Junta Comercial. Questionado por ÉPOCA de onde ele conhecia Jader, seu sócio da Seeblapar, Raimundo disse apenas que o “conhecia” e que tinha “montado um negócio que não teve continuidade”. A Petrobras não respondeu a ÉPOCA até o fechamento desta edição. Se a inacreditável história sustentada por Raimundo e seu procurador um dia for comprovada, o homem mais rico do mundo será brasileiro. Caso contrário, terão de prestar contas à Caixa, à Justiça e aos acionistas da Petrobras, entre eles todos os cidadãos brasileiros.
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